Esse tipo de pergunta costumava levar o grupo de habitués da loja de discos a acirradas e calorosas discussões. Estamos falando dos fins da década de 80, início de 90 do século passado, período que viu surgimento dos CDs e uma tsunami de lançamentos e relançamentos inundava as caçambas das lojas, para grande desespero de nossas magras economias. Temas como gravações ao vivo ou feitas em estúdio, com tecnologia digital ou analógica eram enfileirados ao lado das opiniões sobre os estilos dos regentes e suas orquestras. Havia radicalismo, mas também opiniões bastante aproveitáveis. Os nomes mais citados eram Giulini, Bohm, Jochum, Klemperer, Walter, Celi (os íntimos o tratavam assim) e aquele menino, o Haitink. O nome que eu não coloquei na lista é aquele que mais radicalizava entre lovers and haters. Estamos falando do fim da década de 80 do século passado e assistíamos ao crepúsculo de um deus. O maestro que havia abocanhado a tríplice coroa e que havia exercido maior poder no mundo da música estava no fim de sua longa carreira. Herbert von Karajan dividia opiniões e certamente dava motivos tanto para seus fãs como para os que detestavam seu estilo, incluindo aqueles que ficava em cima do muro.
HvK teve oportunidade de gravar com as melhores orquestras um repertório enorme durante um longo período, passou pelos grandes avanços tecnológicos, que ele sempre usou como trampolim para mergulhar em uma nova onda de gravações. Deixou pelo menos três ciclos completos das Sinfonias de Beethoven: com a Philharmonia Orchestra para a EMI (Walter Legge) no início dos anos 50, o mais interessante deles no início da década de 60, já com a Berliner Philharmoniker, para a DG, e depois mais um, glossy, na era digital.
Mas nossa conversa é sobre Bruckner, cuja música sempre despertou o melhor das habilidades de Herbert. Ele certamente se interessava mais pelas sinfonias famosas, especialmente pelas três últimas, mas chegou a gravar um ciclo ‘completo’, para a DG.
A gravação desta postagem desafia algumas armadilhas comuns a essas situações. Karajan detinha o controle absoluto sobre a Berliner Philharmoniker num contrato fechado para toda a sua vida, mas nos fins dos anos 80 a vida havia sido longa e os ressentimentos se amontoavam de tal forma que o rompimento foi inevitável. Em abril de 1989 ele abriu mão desse poder. Neste mesmo mês ele deu um concerto e gravou essa sinfonia com sua ‘outra’ orquestra, a Wiener Philharmoniker, com a música que ele definitivamente amava. Seria um gesto para despertar ciúmes na outra orquestra, seria mesmo um consciente adeus à música ou simplesmente uma ocasião onde a mágica voltou a funcionar? De qualquer forma, esse registro merece seu lugar em qualquer séria discussão sobre a obra de Bruckner, inclusive nessa comemoração pelos duzentos anos do nascimento do Anton.
Seja você partidário, detrator ou simples figurante no que tange às interpretações musicais de Karajan, caso você se interesse pela obra de Bruckner, você precisa ouvir esse disco. Depois me diga se essa gravação pode ser pelo menos uma boa candidata à resposta da pergunta que abriu o texto.
“The Vienna Philharmonic also feature on what was Karajan’s last recording, an equally idiomatic account of the Seventh Symphony, lighter and more classical in feel than either of Karajan’s two Berlin recordings yet loftier, too. When Abbado’s in many ways very fine Vienna Philharmonic recording was released a couple of years ago (DG, 5/94), I noted, “With Karajan we appear to have clambered to a higher track where the footing is as firm, yet where the views are even more breathtakingly complete”. [Gramophone, na ocasião do relançamento da gravação, na série Karajan Gold]
Visitar Veneza por uns dias é sonho de muitos turistas amantes das artes tanto hoje quanto nos séculos passados. Além do cenário diferente de todas as outras cidades da Europa, com seus canais no lugar de ruas, seus museus, igrejas e inúmeros palácios com um universo de belezas a ser visto.
A Basílica de San Marco, com seus degraus de pedra gastos pelos inúmeros passos de visitantes desde os dias de Monteverdi, a Piazza San Marco com sua vastidão e imponência, o Grande Canal… só isso já vale metade da viagem.
Além da arquitetura e das artes expostas nos museus, os viajantes buscavam também a música de Veneza, sublime, maravilhosa.
E a música de Vivaldi, desde seus primeiros concertos, representa essa riqueza cultural mais do que qualquer outra.
Pois não é que andávamos aqui no blog distantes, esquecidos do Padre Vermelho até que esse álbum de concertos com muitos instrumentos cruzou meu caminho. Me animei com o som logo de cara e como o disco continuou tocando sem que nenhuma vontade de o interromper irrompeu no meu sistema, acabei o considerando para uma postagem. Fui atrás de informações sobre o conjunto Musica ad Rhenum, que é de Amsterdam e toca com instrumentos de época, e só ouvi boas coisas. O flautista que o dirige, Jed Wentz, tem vários discos editados pelo selo Brillante e merece atenção e audição.
Pois vamos então começar por aqui… uma belezura de álbum, com uma documentação rica e uma variedade sonora impressionante.
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto for Violin, Organ, Strings and Continuo in C Major, “Il rosignuolo”, RV 335a
Allegro
Largo
Allegro
Concerto for 2 Traversos, Strings and Continuo in C Major, RV 533
Allegro molto
Largo
Allegro
Concerto for Violin, Organ, Strings and Continuo in D Minor, RV 541
Allegro
Grave
Allegro
Concerto for Traverso, 2 Violins, Violoncello and Continuo in G Minor, RV 107
Allegro
Largo
Allegro
Concerto for Violin, Violoncello, Organ, Strings and Continuo in C Major, RV 554a
Allegro
Andante
Allegro
Concerto for Recorder, Strings and Continuo in C Minor, RV 441
Allegro non molto
Largo
Allegro
Concerto for Violoncello, Strings and Continuo in G Minor, RV 417
Allegro
Andante
Allegro
Concerto for Traverso, Organ, Strings and Continuo in F Major, RV 767
Alla breve
Larghetto
Allegro
Concerto for Strings and Continuo in G Major, “Alla rustica”, RV 151
Presto
Adagio
Allegro
Concerto for Traverso, Strings and Continuo in D Major, “Il cardellino”, Op. 10 No. 3, RV 428
Allegro
Cantabile
Allegro
Concerto for Violin, Organ, Strings and Continuo in C Minor, RV 766
Allegro
Largo
Allegro
Sonata for Violin, Traverso and Organ in C Major, RV 779
Andante
Allegro
Largo e cantabile
Allegro
Concerto for Traverso, Violin, Violoncello and Continuo in D Major, RV 92
Allegro
Aria
Allegro
Concerto for Violin, Strings and Continuo in G Minor, RV 155
Adagio
Allegro
Largo
Allegro
Concerto for Traverso, Strings and Continuo in D Major, RV 783
Allegro
Largo
Allegro
Concerto for Violin, Organ, Strings and Continuo in F Major, RV 542
Momento “The Book is on the Table”: “Musica ad Rhenum lets music-making be always an exciting adventure. It is fun, it grants joy of life, gives courage to be spontaneous, and awakens one’s own creativity.”
“All of the pieces tested the musicians’ expressive and technical abilities. The results were triumphant blends of refinement and bold personality.”
Imagine ser um pianista virtuose no período no qual reinavam nomes como Gilels, Horowitz, Rubinstein, Richter. O pelotão de frente era espetacular, estelar… Pois isso foi o que viveu profissionalmente Byron Janis, que faleceu há alguns dias, em 14 de março de 2024, pouco antes de completar 96 anos.
Viver 96 anos é um feito reservado a poucos, ainda mais se pensarmos que esses anos decorreram entre 1928 e 2024, podemos imaginar quantas mudanças ele testemunhou.
Nascido na Pensilvânia, estreou como pianista aos 15 anos com a orquestra do maestro Toscanini e aos 18 anos tornou-se o mais novo aluno de Horowitz. Também nessa idade tornou-se o mais novo pianista a ser contratado pela RCA Victor.
Em 1960 foi o primeiro artista americano a participar de um pioneiro Intercâmbio Cultural entre os Estados Unidos e a então União Soviética.
A partir dos anos 1970 passou a sofrer de um tipo de artrite que lhe causava muitas dores, mesmo assim prosseguiu na carreira e essa condição só se tornou pública em 1985, quando deu um concerto na Casa Branca, na era Reagan. Desde então passou a ser o porta voz da Arthritis Foundation e também seu Embaixador para as Artes.
Eu conhecia suas gravações dos enormes concertos para piano, como os ultra-românticos Rach #2 e #3 e o espetacular Prkfv #3, originalmente gravados pelo selo Mercury, mas para essa postagem escolhi algumas gravações mais antigas, talvez menos conhecidas, mas de maneira alguma desinteressantes.
As Sonatas para piano de Beethoven estão supimpas e há de bônus um impromptu de Schubert que está delicioso.
Para representar sua arte como pianista com orquestra escolhi um disco com o primeiro concerto de Rachmaninov, que esbanja juventude e impetuosidade, acompanhado da Burleske, de Strauss, uma peça intrigante e aqui muito bem apresentada. Para garantir que tudo fosse nos trinques, essas peças veem acompanhadas pela Orquestra Sinfônica de Chicago regida pelo seu tiranossauro mor, Fritz Reiner!
Ludwig van Beethoven (1770 – 1828 )
Piano Sonata No. 17 in D minor, Op. 31 No. 2 ‘Tempest’
In 1967, Janis accidentally discovered two previously unknown manuscripts of Chopin waltzes in France and later found two others while teaching at Yale University.
“In spite of adverse physical challenges throughout his career, he overcame them, and it did not diminish his artistry,” Maria Cooper Janis, 86, wrote. “Music is Byron’s soul, not a ticket to stardom, and his passion for and love of creating music informed every day of his life of 95 years.
Homenagem aos 300 anos da estreia da Paixão segundo João de Johann Sebastian Bach
7/4/1724 – 7/4/2024
O dia 7 de abril de 1724 foi a sexta-feira da Semana Santa daquele ano e as pessoas que estiveram na Igreja de São Nicolau voltaram para casa com a sensação de terem presenciado algo muito especial. Durante o serviço religioso a música, composta pelo novo Cantor da Igreja de Santo Tomás, fora especialmente maravilhosa.
Bach havia sido nomeado recentemente para o cargo, substituindo o grande músico Johann Kuhnau. O cargo oferecido pela Igreja Protestante era muito prestigiado, mas demandava muito trabalho. As tarefas incluíam tocar órgão, ensinar Latim e Música na escola da igreja, compor a música para as igrejas de Santo Tomás e de São Nicolau, reger música e treinar os músicos de duas outras igrejas. Bach foi o terceiro candidato a ser escolhido para o cargo e possivelmente relutou em aceitá-lo, mas em casa havia muitas bocas para serem alimentadas.
Quando Bach se pôs a escrever sua Johannes Passion, conhecia alguns modelos antigos e outros contemporâneos. Os oratórios da Paixão apresentam a narrativa da morte de Jesus intercalada por árias refletivas, coros e corais. Seu antecessor Kuhnau teve uma obra desse tipo apresentada em 1721 e havia um libreto escrito por Barthold Heinrich Brockes (1680-1747) com o título Jesus torturado e morto pelos pecados deste mundo que havia sido musicado por Handel e por Telemann. Havia também uma Paixão segundo João, com libreto de J. G. Postel, que fora musicada pelo jovem Handel aos 19 anos.
Bach estava com 39 anos, no auge de sua profissão e certamente queria mostrar aos conselheiros e aos fiéis que fazia jus ao cargo. Além disso, esse gênero tinha um apelo especial sobre a comunidade pelo fato de que a ópera de Leipzig havia colapsado um pouco antes da chegada de Bach. É verdade que o oratório é bem diferente de uma ópera, especialmente esse que já vem com spoiler, mas a expectativa devia ser grande, o que deve ter dado a João Sebastião motivação mais que suficiente para tratar a empreitada com grande cuidado e originalidade.
A versão ouvida naquela ocasião, há 300 anos atrás, foi modificada e reapresentada em 1725, depois mais uma vez em 1732. A versão que conhecemos é uma revisão que Bach fez em 1749, mas que não chegou a ser apresentada por Bach, que morreria pouco depois. Veja mais informações aqui e aqui.
O que se pode esperar da obra? Veja a tradução de um texto que poder ser encontrado na íntegra aqui, feita com a ajuda do Chat PQP: Na verdade, a Paixão de João contém vários ousados traços imaginativos aos quais Bach não voltaria na Paixão segundo São Mateus. O belo e plangente refrão de abertura, um exórdio dirigido a Jesus, é surpreendentemente dissonante e dá o tom para uma composição ousada de uma aparente espontaneidade que desmente sua cuidadosa construção. A parte 2 também começa com uma passagem particularmente memorável, embora por razões muito diferentes: é aqui que o coro realmente mostra seus dentes. Retratando a multidão que clamava pela execução de Jesus, o coro recebe uma música particularmente cruel e rancorosa com escalas cromáticas ascendentes e um turbilhão de cordas. Mesmo momentos suaves, como a ária soprano ‘Ich folge dir gleichfalls’, são frequentemente assombrados por seções cromáticas sutis e escuras.
As últimas fases da obra têm um notável sentido de impulso, sintetizado pela ária de baixo ‘Eilt, ihr angefocht’nen Seelen’ que é pontuada pelo coro que pergunta urgentemente ‘Wohin?’. Após a morte de Jesus, há uma seção reflexiva mais prolongada do que na Paixão de São Mateus, incluindo o terno “Ruht wohl”, uma peça de encerramento para coro (antes de um coral final) que forma um paralelo estrutural com a abertura da obra. Talvez como o próprio Evangelho de João, o que falta à partitura de Bach na lógica convencional e na transparência narrativa, compensa com uma beleza sobrenatural, convicção e um forte sentido poético.
A gravação escolhida para essa postagem especial é liderada por John Butt que já apareceu algumas vezes no blog e é um excelente músico. (John Butt é professor de música na Universidade de Glasgow, diretor musical da Dunedin Consort e artista principal da OAE. Sua carreira começou com sua nomeação como acadêmico de órgão no King’s College Cambridge, e isso levou a vários cargos acadêmicos e de desempenho (incluindo Organista da Universidade da Califórnia, Berkeley, 1989-97). Seu trabalho, como músico e estudioso, gravita em torno da música dos séculos 17 e 18, mas ele também está preocupado com as implicações do passado em nossa cultura atual).
O que ela tem diferente de outras recentes gravações é que a Paixão é apresentada em um contexto litúrgico, como poderá ser observado nos números extra de música ao início e ao fim dos arquivos. Essas partes assim como os detalhes das faixas da gravação estão nos arquivos no formato pdf.
The recording was named a Gramophone Award Finalist, ‘Recording of the Month’ by three separate publications and topped the UK Specialist Chart upon its release in 2013.
Aproveite!
René Denon
Não deixe de visitar essa outra postagem com algumas informações sobre a obra e uma gravação também primorosa…
É domingo e há uma clara ameaça de tempestade. São as águas de março…
Ultimamente tenho ouvido música no meu estúdio onde passo a maior parte de meu tempo produtivo. O computador está conectado a um DAC (digital audio converter) que por sua vez está conectado ao amplificador, um receiver Yamaha, provavelmente fabricado na China. O Yamaha já passou por uma intervenção eletrônica, possivelmente resultado de oxidação (zinabre para todos os lados), morar perto da praia tem seus custos. Ele está ligado a um par de caixas de som Bose, do tipo shelf, e mais nada, no subwoofer.
Isso é tudo que preciso para ouvir esse maravilhoso disco, Schubert, Schwanengesang.
Eu tenho uma certa birra com esse título, o Canto do Cisne, faça-me o favor. A despeito de minhas restrições pessoais, o título foi aposto numa coleção de canções, reunidas para a publicação pelo editor Tobias Haslinger, em 1829, depois da morte de Schubert. Claro que ele tinha em vista o sucesso dos dois ciclos de canções, Die schöne Müllerin (1824) e Winterreise (1828), publicados anteriormente. A diferença está no fato que os dois primeiros ciclos são sobre poemas do mesmo poeta, Wilhelm Müller, escritos como um ciclo de poemas. No caso de Schwanengesang temos 14 canções escritas no fim da vida de Schubert sobre poemas de três diferentes poetas, não tratam de um único tema, nem tem uma sequência narrativa, como os ciclos anteriores. Apesar disso, o conjunto funciona maravilhosamente como um programa de um recital, no qual a densidade e a profundidade de algumas canções, especialmente aquelas com letra de Heinrich Heine, faz contraponto com as canções mais leves e brilhantes, algumas com letras de Ludwig Rellstab e aquela de Johann Gabriel Seidl, que como poeta não parece ter a mesma dimensão que Heine. Aliás, Heine (1797 – 1856) foi contemporâneo de Schubert (1797 – 1828), sendo que este teve vida mais breve. Os poemas de Heine também inspiraram outras compositores de Lied, especialmente Schumann, mas isso é outra postagem.
Os sete poemas de Rellstab, que se tornaram as sete primeiras canções do Schwanengesang, foram enviadas para serem musicadas por Beethoven, mas acabaram nas mãos de Schubert, encaminhadas pelo assistente-secretário-biógrafo-faz-tudo Anton Schindler. Não consigo deixar de pensar nas palavras ‘lista de Schindler’.
As gravações do ciclo são inúmeras, parece haver mais cantores de Lieder do que apreciadores. Na era dos CDs passou-se a acrescentar mais algumas canções ao disco, para engordar o tempo, mas antes disso, os LPs costumavam trazer apenas as tais 14 canções, assim como neste disco, pós CDs. Eu ouvi centenas de vezes um LP da gravadora de selo amarelo com o barítono Hermann Prey, que foi para Dietrich Fischer-Dieskau o equivalente ao que Roger Moore foi para Sean Connery, se é que você me permite essa liberdade… Desde então, não me canso de ouvir essas canções.
Mas chega de lero, vamos aos disco, que é maravilhoso. Não se deixe irritar pela capa, compare com aquela do disco do HP e verá como o departamento de arte da DG tem evoluído. O que conta é o conteúdo do pacote.
A voz do Andrè Schuen é espetacular, muito bonita mesmo e ele está em excelente sintonia com o pianista que o acompanha já há um bom tempo, Daniel Heide.
Segue trechos da crítica que pode ser lida na íntegra aqui , na tradução feita com a ajuda do Chat PQP: […] O barítono ítalo-tirolês Andrè Schuen é uma figura cada vez mais destacada no mundo do Lieder.Schwanengesang não desperta sua forte imaginação interpretativa e não deveria.As tentativas de impor uma linha direta a este ciclo têm sido desastrosamente redutoras.Em vez disso, aprecia-se a voz de barítono fresca e lindamente contornada de Schuen, plena de controle de respiração que lhe permite navegar em longas linhas vocais com um senso iluminador de direção musical de longo prazo, além de uma articulação reveladora do texto.[…] Da mesma forma, o pianista Daniel Heide leva em consideração a imagem completa de qualquer canção […]
Trecho do site da DG: Schubert’s enigmatic final collection of songs, Schwanengesang, is the subject of baritone Andrè Schuen and his longstanding accompanist Daniel Heide’s second release for DG. Baritone Andrè Schuen calls Schwanengesang “my greatest love among the Schubert lieder. Especially the Heine settings; they move me the most!” His admiration for the cycle dates back to a time before he had even become a professional singer: “It’s one of the first lied compositions I got to know. I remember a recording with Dietrich Fischer-Dieskau that I played over and over again.”
Escolha seu 007 preferido…
Da série ‘fortune cookie’: As comparações são odiosas!
Mais uma vez temos a oportunidade de propriamente ouvir a apaixonante obra prima do padroeiro do blog, a Paixão segundo Mateus. Longe vão os dias nos quais dispúnhamos apenas dos LPs da Abril Cultural com trechos da gravação de Eugen Jochum. Agora, com os muitos CDs coletados ao longo de décadas, com os arquivos musicais mais as plataformas de streaming, fico atarantado com a imensa possibilidade de escolha.
Eu costumo ouvir essa obra nesses dias, por gosto da música, mas também como uma maneira de me elevar espiritualmente, se me permitem. Dito ainda de outra forma, de fazer um esforço para me distanciar das coisas terrenas, que são importantes, mas que têm a terrível tendência de nublar nossa perspectiva de buscar algo mais perene, mais etéreo e mais elevado. Nada como arte, em todas as suas formas, musical, plástica, em palavras, para nos colocar a caminho dessa busca de algo mais divino do que apenas humano.
Além disso, essa grande obra que retrata a redenção, o perdão, a esperança, obtidas de um sobre-humano sacrifício, me faz refletir nas grandes dores pelas quais passam hoje tantos de nossos semelhantes. Vários conflitos, plenos de injustiça, desamor e desrespeito, estão indo e vindo no noticiário, alguns temerosamente perto de nós mesmos.
Mas como o papel do blog é chamar sua atenção para a música, aqui está ela, mais uma gravação da Paixão do Outro Evangelista, aquele que nasceu em 1685…
Aqui o ótimo maestro Ricardo Chailly dirige um conjunto espetacular, com imensa tradição. A orquestra e os coros são de Leipzig, lugar no qual o grande compositor passou seus últimos anos, de 1723 até 1750. Claro que a abordagem é tradicional, nada de instrumentos de época, mas algumas lições do movimento HIP aparecem, especialmente no andamento geral da música.
Eu não consigo deixar de me emocionar naqueles momentos cruciais, que sempre demandam um disfarçado levar de mãos e dedos as olhos…
O coro de abertura, aqui tocado com mais energia do que com doloridas notas. As árias Buss und Reu, para contralto, e Blute nur, du liebes Herz!, para soprano, são de ouvir com lencinhos nas mãos. No outro disco há a sublime Erbame dich, mein Gott, com violino obligato, para contralto e a ária Aus Liebe will mein Heiland sterben, para soprano.
A ária Erbame dich é realmente muito especial. Yehudi Menuhin amava esta peça e há algumas gravações com ele acompanhando a cantora da ocasião disponíveis no Youtube. Eu gosto de algumas dessas gravações avulsas, como essa e essa aqui .
Há também alguns momentos nos recitativos que são espetaculares e que desaguam em belíssimos corais ou árias. Como exemplo temos a cena da última ceia, o momento que a turba opta por Barrabás e o momento que na cruz, Jesus clama pelo Pai – Eli, Eli, lemá sabactâni. Mas não vou ficar aqui a dar spoilers, vá logo ouvir a música.
A notícia surgiu logo de manhã, no grupo de WhatsApp, e depois se confirmou ao longo do dia nas mídias sociais e jornais on line: Maurizio Pollini è morto.
Maurizio Pollini, pianist who defined modernism, dies at 82
Eu não consigo deixar de lembrar o punch line da anedota sobre o político: Pois sim, morreu para você, filho ingrato! É assim que nos sentimos, na morte de certos artistas. Apesar de tudo, a arte e seus efeitos sobre nós continuarão, por mais algum tempo.
O pianista Maurizio Pollini, através de suas gravações, especialmente aquelas das décadas de 1970, 80 e 90, tem feito parte de meu universo musical desde o início e suas interpretações certamente ajudaram a moldar minhas preferências musicais.
O disco mencionado na postagem, dos concertos de Mozart, é de 1976, quando comecei a comprar meus primeiros LPs. Aqui está minha lista de joias, que levaria para aquela ilha deserta:
Estudos de Chopin (1972); Prelúdios de Chopin (1975); Últimas Sonatas para Piano de Beethoven (1976); Concertos de Mozart (1976) e Imperador, de Beethoven (1979), ambos com Böhm regendo a Filarmônica de Viena; Concertos para piano Nos. 1 e 2, de Bartók (1979), com Abbado regendo a Sinfônica de Chicago, o Quinteto com piano de Brahms (1980), com o Quarteto Italiano, as Sonatas para piano Nos. 2 e 3, de Chopin (1986); Últimas Sonatas para piano de Schubert (1989) e um disco no qual Pollini gravou ao vivo algumas Sonatas para piano de Beethoven, especialmente a Waldstein (1998). Os discos de Chopin ainda tenho em uma caixota, que tem também as Polonaises, feitos pela Microservice, Disco é Cultura.
Veja o que foi lembrado sobre o Pollini (nunca consegui chamá-lo Maurizio…) neste dia:
Harris Goldsmith, a critic who made a specialty of writing about the piano, called Mr. Pollini’s playing “almost entirely geometric” and said he was “a musical counterpart of Mondrian.” Harris Goldsmith, um crítico que se especializou em escrever sobre piano, chamou a interpretação de Pollini de “quase inteiramente geométrica” e disse que ele era “uma contraparte musical de Mondrian”.
Conductor and composer Boulez tried to describe Mr. Pollini for the New York Times in 1993. “He does not say very much, but he thinks quite a lot,” Boulez said. “I find him very concentrated on what he is doing. He goes into depth in the music, and is not superficial, and his attitude as a musician is exactly his attitude as a man. He is as interesting as anyone could be.” O maestro e compositor Boulez tentou descrever Pollini para o New York Times em 1993. “Ele não diz muito, mas pensa bastante”, disse Boulez. “Acho ele muito concentrado no que está fazendo. Ele se aprofunda na música, e não é superficial, e sua atitude como músico é exatamente sua atitude como homem. Ele é tão interessante quanto qualquer um poderia ser.”
Pollini não tocava música de Bach ao piano por razões intelectuais, uma vez que o compositor não as havia escrito para piano. Mas, para nossa fortuna, ele reconsiderou isso posteriormente.
“The important thing with him was the structure, the idea, and not so much the sound or the instrument,” Mr. Pollini told Newsday. “And Bach himself made many, many transcriptions of his work, taking it from one instrument and giving it to another. And so I finally decided that the piano was all right.” “O importante com ele era a estrutura, a ideia, e não tanto o som ou o instrumento”, disse Pollini ao Newsday. “E o próprio Bach fez muitas, muitas transcrições de sua obra, pegando-a de um instrumento e dando-a a outro. E então finalmente decidi que o piano estava bem.”
Graças a essa mudança de atitude temos uma gravação feita em 2009 do Primeiro Livro do Cravo Bem Temperado.
O disco com os Estudos de Chopin foi gravado em setembro de 1960 pela EMI, no famoso Studio No. 1, Abbey Road, Londres, mas não chegou a ser lançado na época. O produtor foi Peter Andry e o disco foi lançado em 2011 pelo selo Testament, em homenagem a Andry. Vale a pena a comparação com a agora consagrada gravação feita posteriormente, para o selo Deutsche Grammophon.
Além de grande artista, ele também esteve atento aos movimentos políticos, chegando a se filiar ao Partido Comunista Italiano por um tempo. “Corre-se o risco de estar em um compartimento fechado como um pianista de concerto”, disse Pollini em 1975. “Acho que um artista deve manter os olhos abertos para o que está acontecendo ao seu redor.”
Definitivamente, uma ótima sugestão para artistas e amantes das artes em geral.
Uma música sublime aliada à imagem criada pelos retratos de um rechonchudo senhor com sua peruca reforça uma imagem de Bach como um homem maduro, já depois de seus sessenta anos, genial em sua consumada arte de compor obras primas perfeitas.
Mas houve um jovem Johann Sebastian que explorava seus talentos e sua virtuosidade nos teclados diversos, apossando-se das obras estabelecidas nas gerações precedentes e ensaiando suas próprias criações. As peças desse disco – toccatas – são desses anos de juventude. Veja o que diz sobre elas o ótimo Karl Geringer: Entre as obras que Bach produziu em seus anos de formação merecem menção uma fantasia e um grupo de toccatas. Ele sentia-se atraído pelo caráter livre e rapsódico dessas formas, que lhe ofereciam uma boa oportunidade para contrastes espetaculares entre as seções individuais. A lógica inflexível e as proporções bem equilibradas de composições ulteriores estão ausentes na maioria dessas peças, mas [elas] exibem o ardor e a fértil imaginação características do jovem gênio.
Como prelúdio ao conjunto das sete toccatas deixadas pelo jovem Bach, a ótima e também bastante jovem pianista Claire Huangci interpreta o arranjo para piano da famosa Toccata e fuga em ré menor feito por Ferruccio Busoni.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Toccata e Fuga em ré menor, BWV565 (Arr. F. Busoni for piano)
O álbum começa com a tocata mais famosa da história da música, embora não seja o tipo de obra que estamos acostumados a ouvir tocada em uma gravação de piano solo. A transcrição de Ferruccio Busoni da mundialmente famosa Tocata de Ré menor de Bach, que pega a obra normalmente ouvida em um poderoso órgão barroco e a toca de maneira romantizada em um teclado de piano, fornece um início cativante, parecendo soprar as teias de aranha das teclas, aguçando o nosso apetite pelo Bach original e as suas sete tocatas. Todas foram escritas durante os anos de Bach em Weimar e dão-lhe vida como um compositor bem versado na arte séria do contraponto barroco, mas que contrasta esta maestria com execuções virtuosas e improvisadas e passagens lentas e sonhadoras. [tradução feita com a ajuda do Chat PQP]
Esse disco deve agradar especialmente aos amantes de violino e música francesa. Do programa eu conhecia apenas a sonata para violino e piano, de um lindo disco gravado pela espetacular dupla Gérard Poulet e Noël Lee. O resto do programa é feito de peças soltas e uma suíte. Um noturno, uma dança espanhola e duas fantasias. A suíte é intitulada Impressions de music-hall e há uma versão para orquestra, uma suíte de balé. Uma das fantasias, a Fantasie Basque, também existe em versão para violino e piano. Eu gosto muito da sonata e o resto do programa é charmoso e elegante.
A violinista Gaëtane Prouvost estudou na França, aperfeiçoou-se na Juilliard School, mas seu maior professor foi o grande violinista Zino Francescatti, herdeiro das técnicas de Paganini.
Veja o que o site do selo do disco diz: ‘Os contemporâneos de Pierné o consideravam um dos mais importantes defensores do espírito francês. Ao morrer, em 17 de julho de 1937, deixou um vasto catálogo de mais de 150 obras. Dentro desta coleção imponente, pode-se perguntar sobre a importância das cerca de uma dúzia de obras para violino e teclado. No entanto, a surpreendente consistência destas contribuições, que se enquadram em três blocos claramente distintos, separados por várias décadas, permite-nos vislumbrar a natureza profundamente representativa do seu conjunto de obra.
Esta gravação faz mais do que apresentar ao ouvinte estas partituras que combinam brilhantemente a mais pura arte musical com o prazer auditivo: é um convite a uma viagem ao âmago da arte subestimada deste mestre’. [tradução feita com a ajuda do Chat PQP]
Gabriel Pierné (1863 – 1937)
Sonata para violino e piano, Op. 36
Allegretto
Allegretto tranquillo
Andante non troppo – Allegretto un poco agitato
Nocturne en forme de valse Opus 40 N°2
Noturno
Impressions De Music-Hall Opus 47
N° 1: Rideau
N° 1 Bis: Girls. French Blues
N° 2: Little Tich, L’Excentrique
N° 3: Berceuse – Hommage À Bobby, Petit Chien Savant
Para a devida apreciação deste lindo disco sugiro um pouco de imaginação e um pequeno investimento – uma fração da sua verba destinada às artes, entretenimento e gastronomia. Compre uma garrafa de vinho rouge, um pouco de queijo, algumas uvas, uma baguette e alguns croissants. Veja com seus fornecedores mais próximos, adequando os itens sugeridos à sua própria realidade. Arranje tudo e coloque para tocar a música da postagem. Se estiver em companhia de uma chère personne, encore mieux…
Eu descobri essa cantora e compositora de chansons ouvindo um disco que foi postado um dia destes, chamado Amour fou. Lá há uma linda canção chamada Dis, quando reviendras-tu?, composta por alguém chamada apenas Barbara. Sai então em busca dessa (pelo menos para mim) enigmática Barbara e descobri um ícone da chanson.
A vida de Monique Serf foi repleta de grandes sofrimentos, crescendo num período conturbado da história, com o agravante de ter sofrido abusos de parte de seu pai. Mesmo assim, essa incrível artista deixou um legado de canções que refletem esse período, mas que indicam também para uma capacidade inesgotável de perdão, de busca pela paz e de confiança no futuro. Se desejar ir além da simples audição das lindas canções e buscar as motivações e os significados que as impregnam, não se decepcionará. Veja, por exemplo, as histórias por trás de canções tais como Göttingen, Nantes, Si la photo est bonne, Ma plus belle historie d’amour e a minha preferida de agora, Dis, quand reviendras-tu?.
“Barbara” (nome artístico de Monique Andrée Serf) foi uma cantora e compositora francesa cuja identidade judaica influenciou sua música. Nascida em Paris em 1930, Barbara e sua família esconderam-se em diversas cidades francesas durante a ocupação alemã. Após a guerra, Barbara estudou música em Paris, alcançando a fama na década de 1960, após sua estreia em Bruxelas. Barbara era amada na França devido ao seu estilo musical melancólico, seu pathos como uma artista sofredora e suas atitudes únicas e inconformadas. Bárbara tornou pública a sua identidade judaica e a sua canção popular “Göttingen” apoiou a reconciliação franco-alemã. Ela tocou o coração do povo francês ao cantar “As crianças são iguais em Paris e Göttingen. Oh, que o tempo do sangue e do ódio nunca mais volte” e foi homenageada postumamente por seu trabalho.
Para saber mais, veja este site aqui ou este outro aqui.
Clássica, Simples e ‘em dó maior’ são os nomes de três lindas sinfonias que surgiram ao lado de obras gigantescas do gênero, mas que nunca deixaram de encantar as audiências, desde que se tornaram conhecidas.
Prokofiev escreveu sua Sinfonia Clássica, a primeira de sua carreira, inspirado nas obras de Haydn e Mozart. Ele estudava também regência naqueles dias e as aulas eram sobre como reger as sinfonias de Haydn. Isso deve ter sido ponto de partida para esse ‘exercício de composição’, especialmente para quem compunha essencialmente para piano, durante os fins de 1916 e setembro de 1917. Você deve ter percebido que isso foi exatamente no período em que ocorreu a Revolução de 1917. Veja mais detalhes sobre essa obra nessa interessante página aqui.
Quando nossos músicos e professores de inclinação clássica (que na minha opinião nada mais são do que falsos clássicos) ouvirem esta sinfonia, começarão a gritar sobre mais um ato atrevido cometido por Prokofiev e que ele não pode nem deixar Mozart em paz em seu túmulo, mas teve que perturbá-lo com suas mãos sujas, espalhando dissonâncias sujas de Prokofiev entre as pérolas clássicas puras – mas meus verdadeiros amigos entenderão que o estilo de minha sinfonia é realmente mozartiano e clássico, e então irão apreciá-lo, e o público provavelmente ficará feliz por ela ser descomplicada e alegre e, claro, aplaudirá. S.P.
Benjamin Britten foi um dos grandes compositores ingleses e o ingleses são especialmente ‘found’ de música para orquestras de cordas. Britten compôs sua Simple Symphony exatamente para uma orquestra de cordas, ainda bem jovem e usando temas que havia composto em sua infância. Eu gosto particularmente dos títulos dos movimentos, a primeira letra do adjetivo igual à do substantivo que lhe segue, como Boisterous Bourrée ou Frolicsome Finale.
Georges Bizet foi um dos maiores talentos musicais vindos ao mundo, mas nos deixou poucas obras, mesmo considerando sua relativamente curta vida. É claro, Carmen é a sua obra prima, mas essa sua Sinfonia em dó maior é mais uma prova de sua genialidade. Foi composta quando ele tinha 17 anos e já era aluno do Conservatório de Paris há 7 anos. Tudo indica que a obra foi criada tendo como exemplo a Sinfonia No. 1 de seu professor, Charles Gounod, enquanto o mesmo a compunha. As notas que estou lendo aqui atestam que a obra do aluno de longe superou a do mestre, mesmo tendo-lhe tomado algumas coisas por emprestado. Fiquei curioso para ouvir a obra do Gounod. Mesmo assim, a Sinfonia de Bizet nunca foi executada durante seus dias e nem chegou a ser por ele mencionada em sua correspondência. Só foi descoberta em 1935 e não deixou de fazer sucesso desde então. A primeira vez que a ouvi foi em um LP no qual Leopold Stokowski regia a National Philharmonic Orchestra e que incluía também a ótima Sinfonia Italiana de Mendelssohn.
Esse disco é uma pequena joia na ótima discografia da Orpheus Chamber Orchestra, aquela que toca sem maestro. Tudo é primoroso, inclusive a capa do disco, da arte de Joan Miró.
Amour Fou é um título talvez provocativo para um disco, assim como a sua capa, mas ao ouvir suas canções você entenderá. E a ideia de reunir canções falando de amor, de paixão, compostas ao longo de vários séculos e por compositores das mais diversas culturas, é ótima.
Temos assim um disco que pede para ser desfrutado a dois, com tempo de sobra, que isso sempre é bom. Mas, não importa como você o ouça, seja no sistemão de som da sala de estar, seja no compacto do seu ambiente de leituras, ou mesmo ao headphone com o ipod ou celular, não deixe de enredar-se e deliciar-se com essas maravilhosas canções.
Entremeadas às canções temos uns poucos números instrumentais, mas sempre no espírito apaixonado. Muitas canções são em francês que o pessoal do disco é de Montreal, mas também há umas em italiano e em inglês. A mais antiga é de compositor anônimo do século XIII e fecha o disco. O desfile continua passando pela Itália de Monteverdi e Vivaldi, Inglaterra de Thomas Campion, Purcell. Os franceses vão de Fauré, que abre o disco com a maravilhosa Au bord de l’eau, e também Blavet, Ballard, Clérambault, dos mais antigos, mas também os mais recentes Barbara e Jacques Brel. Eu descobri a espetacular, maravilhosa Barbara, que já passou para minha playlist. Tanto que escolhi ilustrar a lista dos compositores a seguir apenas com uma imagem dela…
Veja alguns versos dessas canções…
« Amour, le départ d’un amant a comblé mes douleurs, mais malgré tant de maux, si tu me le ramènes, je te pardonne tes rigueurs. »
« Amor, a partida de um amante me encheu de dor, mas apesar de tantos males, se você o trouxer de volta, eu lhe perdôo seus rigores. »
« Passo di pena in pena come la navicella ch’in quest’in quell’altr’onda urtando và. »
« Vou passando de tristeza em tristeza como o barquinho que se vai a bater de onda em onda. »
« Ton image me hante, je te parle tout bas, et j’ai le mal d’amour, et j’ai le mal de toi. »
« Sua imagem me persegue, falo com você baixinho e estou apaixonada, e estou farta de você. »
Quando você escolher alguns versos significativos, mande para mim…
Lista de Canções e Peças
Gabriel Fauré (1845–1924)
Au bord de l’eau, Op. 8 No. 1 (Prudhomme)
Claudio Giovanni Antonio Monteverdi (1567–1643)
Pur ti miro (de L’Incoronazione di Poppea)
Antonio Vivaldi (1678–1741)
Passo di pene in pena (da Cantate Amor hai vinto, RV651)
Michel Blavet (1700 – 1768), Jean-Baptiste de Bousset (1662 – 1725)
Airs sérieux et à boire par Monsieur Bousset, XVIe Livre: Pourquoy doux rossignol ? (Arr. para conjunto de câmara por Grégoire Jeay)
Jean Philippe Rameau (1683–1764)
La Cupis, em ré menor (Instrumental)
Barbara (1930 – 1997)
Dis, quand reviendras-tu?
Christophe Ballard (1641 – 1715)
Brunettes ou Petits airs tendres, avec les doubles et la basse-continue, mêlés de chansons à danser, Tome I: J’avois crû qu’en vous aimant (Arr. para conjunto de câmara por Grégoire Jeay)
George Frideric Handel (1685-1759)
Sonate pour flûte no 2 en mi mineur, HWV 375, « Halle »: IV. Menuet (Instrumental)
Thomas Campion (1567–1620)
Fain Would I Wed a Fair Young Man
It fell on a summer’s day
John Bartlet (fl.1606, d.1610)
Of all the Birds that I do know
Carl Friedrich Abel (1723-87)
27 pièces pour basse de viole – Le manuscrit Drexel 5871: No. 20: [Arpeggio] en ré mineur, WK 205 (Instrumental)
Claudio Giovanni Antonio Monteverdi (1567–1643)
Si dolce e’l tormento, SV332
Louis-Nicolas Clérambault (1676-1749)
Recueil d’airs variés: Amour, cruel amour
Jacques Brel (1929 – 1978)
Ne me quitte pas
Giuseppe Sammartini (1695-1750)
Sonata quarta pour flûte et basse continue: Allegro (Instrumental)
Na coluna ‘The Book is on the Table’ de hoje: “It’s like a brandy distillate, absolutely transparent … Her name is Myriam Leblanc and in my opinion she has been one of the most beautiful voices, perhaps the most beautiful, to come out of the Quebec breeding ground in the past 10 years …”
Christophe Huss, Samedi et rien d’autre, December 2020
Eu sempre gostei de ouvir a música que Bach compôs para teclado interpretada ao piano. Bach ao piano! Um dos meus CDs mais antigos é o que poderíamos chamar jurássico – Alexis Weissenberg tocando Bach. (Esse disco, pasmem, foi gravado há mais de cinquenta anos.) Na verdade, Alexis toca transcrições para piano de obras de Bach, feitas principalmente por Busoni, como a Chacone, que eu custei a descobrir ter sido composta para violino solo. Bem, tratando-se de Bach, não dá para afirmar peremptoriamente isso…
O pianista Olivier Cavé é impecável e já andei postando uma ou outra coisa com ele, não deixe de conferir, caso ainda não tenha feito. Assim, o disco, apesar do piano, pode ser considerado ‘autêntico’. Reúne peças da juventude de João Sebastião, dos tempos que andava por Weimar, as voltas com o príncipe muito musical Johann Ernst von Saxe-Weimar, que morreu muito jovem, em 1715.
Temos quatro transcrições de concertos feitas para cravo de originais italianos. Dois deles do famoso Padre Vermelho, e mais dois, um de cada um dos irmão Alessandro e Benedetto Marcello. O programa segue com o magnífico Concerto Italiano, que de tanto transcrever concertos italianos, Bach viu-se capaz de compor uma ‘transcrição’ originalíssima, que prescindia de um concerto original, mais uma das muitas provas de sua genialidade criativa.
Para terminar o programa mais duas peças bem conhecidas com ares italianos – a Aria variata alla maniera italiana e o Capriccio sopra la lontananza del suo fratello dilettissimo. O libreto é um primor. Veja uma tradução livre de um dos seus parágrafos iniciais, feita com a ajuda do já conhecido Chat PQP:
Ao longo de sua extraordinária carreira de compositor, Bach nunca se cansou de copiar à mão música de outros compositores, e o senso de ecletismo que o levava a reproduzir Frescobaldi e adaptar as obras de Pergolesi foi sua maneira de alcançar uma síntese e criação muito pessoais, onde a especulação abstrata, a poesia e a busca didática encontraria seu lugar.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto em fá maior, BWV 978 (original de Antonio Vivaldi RV 310)
Allegro
Largo
Allegro
Concerto em ré menor (original de Alessandro Marcello), BWV974
Allegro
Adagio
Presto
Concerto em sol maior, BWV 973 (original de Antonio Vivaldi RV 299)
Allegro
Largo
Allegro
Concerto em ré menor, BWV 981 (original de Benedetto Marcello, Op. 1, 2)
Adagio
Vivace
Grave
Prestissimo
Concerto Italiano, BWV971
Allegro
Andante
Presto
Aria Variata in A minor, BWV989 ‘alla Maniera Italiana’
Aria
Variazione I
Variazione II
Variazione III
Variazione IV
Variazione V
Variazione VI
Variazione VII
Variazione VIII
Variazione IX
Variazione X
Capriccio sopra la lontananza del suo fratello dilettissimo, BWV992
Arioso (Adagio)
Fughetta
Adagiosissimo
Andante
Allegro poco – Aria del postiglione
Fuga all’imitazione della posta
Olivier Cavé, piano
Faixas Bônus
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto para violino em sol maior, Op. 3, 3 – RV 310
Allegro
Largo
Allegro
Concerto Italiano & Rinaldo Alessandrini
Concerto para cravo (do original de Vivaldi RV 310), BWV 978
Allegro
Largo
Allegro
Rinaldo Alessandrini, cravo
Antonio Vivaldi (1678 – 1741)
Concerto para violin em sol maior, RV 299
Allegro
Largo cantabile
Allegro
L’Arte dell’Arco & Federico Guglielmo
Alessandro Marcello (173 – 1747)
Concerto para oboé, cordas e contínuo em rpe menor
De uma crítica quase anônima: I liked the approach, Bach has plagia, or rather, he reinterpreted Italian music to his sauce and it’s pretty successful!
Good record, interesting to discover Bach from this angle.
On the other hand, in the long run, the disc may seem a little monotonous
The quality of the performance is impeccable and I liked!
Esses ‘Six concerts avec plusieurs instruments’ foram dados pelo nosso compositor-mor para o Margrave Christian Ludwig von Brandenburg-Schwedt em 1721, bem possivelmente pelo seu aniversário de 44 anos. Uma das características marcantes desses concertos é a variedade. Cada concerto tem uma instrumentação própria, diferente daquela dos outros concertos.
O famoso regente e pioneiro do movimento HIP Reinhard Goebel propôs a teoria da alegoria, segundo a qual a escolha dos instrumentos faria referência a aspectos da vida do Margrave e que isso seria claramente visto por ele.
Concerto No. 1: o uso das duas trompas faz referência à caça, da qual o Margrave era especialmente afeito. Além disso, o violino piccolo (violino polaco) faz referência ao lado polonês (Schwedt) da família de Christian Ludwig.
Concerto No. 2: o trompete faz referência a deusa Fama, uma alusão à própria fama do nobre senhor.
Concerto No. 3: a insistência do número três – 3 violinos, 3 violas, 3 violoncelos – fazem uma alusão à trindade e ao status divino (?) do aniversariante. Bach era vidrado nessas significações numéricas e triplas lhe eram especialmente caras. Basta mencionar também o Concerto Triplo, por exemplo.
Concerto No. 4: o uso das flautas doce e o solo de violino aludem a um aspecto pastoral, uma referência à maneira amável do Margrave comandar e reger os destinos de seus súditos.
Concerto No. 5: nesse concerto a flauta tem um papel concertante sobre um motivo de batalha nos violinos, assim como as passagens altamente virtuosísticas no cravo indicariam a necessidade de o dirigente suplantar o gosto pela guerra.
Concerto No. 6: a escolha de instrumentos desse concerto é a mesma usada na música fúnebre alemã desde 1650. Essa referência indicaria a insignificância da vida terrena e a efemeridade da vaidade – vanitas – todas essas coisas bastante óbvias ao grande nobre.
Adorei a coisa toda e qualquer desculpa para ouvir ainda mais uma vez estes lindos concertos me parece válida e, apesar da avalanche de postagens com gravações especiais dessas obras, decidi trazer mais essa, produzida por músicos alemães e que ainda não foi apresentada por essas paragens.
Além de Rüdiger Lotter, a gravação conta com artistas como Dorothee Oberlinger (flauta doce), Laura Vukobratovic (trompete), Olga Watts (cravo) e Hille Perl (gamba), entre outros.
Resposta dada em um chat sobre a melhor gravação dos tais Concertos: So the final choice fell on a dark horse pointed out by premont Gordo: Rüdiger Lotter and his Hofkapelle München. New kids on the block to keep an eye on. Why? The perfomances are a breath of fresh air: spontaneous, very energetic like Harnoncourt and Savall but remarkably balanced, never over the top. Still: probably not for the fainthearted…. For those looking for a “pretty” version, Kuijken II is a perfect match. The sound of the Hofkapelle is very clear and natural. Another point is that I’m not always into Bach in “foreign” accents – this is profoundly idiomatic. I also like how they treat each concerto very much according to its own individual character – some amazing instrumental solos to be heard.
Com a ajuda do Chat PQP: Assim, a escolha final recaiu sobre um azarão apontado por Gordo: Rüdiger Lotter e sua Hofkapelle München. New kids on the block para se ficar de olho. Por quê? As performances são uma lufada de ar fresco: espontâneas, muito enérgicas como Harnoncourt e Savall, mas notavelmente equilibradas, nunca exageradas. Ainda assim: provavelmente não é para os tímidos…. Para quem procura uma versão “bonita”, Kuijken II é a combinação perfeita. O som do Hofkapelle é muito claro e natural. Outro ponto é que nem sempre gosto de Bach com sotaque “estrangeiro” – isso é profundamente idiomático. Eu também gosto de como eles tratam cada concerto de acordo com seu caráter individual – alguns solos instrumentais incríveis para serem ouvidos.
Nesta postagem reuni uma coleção de Lieder de Schubert, o ciclo Dichterliebe de Schumann e duas canções do Des Knaben Wunderhorn de Mahler, interpretados pelo (ainda) jovem barítono alemão Samuel Hasselhorn. Veja também [1] e [2] e [3].
Essas canções foram escolhidas de três álbuns gravados entre 2014 e 2018. As canções de Schubert vêm do disco de 2014, Nachtblicke, no qual além de Schubert há canções de Hans Pfitzner e Aribert Reimann.
O ciclo de Schumann vem do álbum de 2018, Dichterliebe2, no qual o já mencionado ciclo é precedido de canções sobre os mesmos exatos poemas musicados por outros compositores, o que dá conta para o símbolo matemático usado no título (eu teria preferido 2 x Dichterliebe, mas…).
As duas canções de Mahler e a segunda gravação do Erlkonig vêm do álbum que reúne todas as apresentações de Samuel no Queen Elisabeth Competition, 2018. Desde 2020 Hasselhorn tem gravado para o selo harmonia mundi, que considera o quinquênio 2023 – 2028 parte das homenagens que devem ser prestadas pelos 200 anos desde a morte de Franz Schubert. Assim, em breve teremos mais postagens com o cantor, que já tem neste novo selo pelo menos três álbuns.
Franz Schubert (1797 – 1828)
Lieder
Schwanengesang, D. 957 No. 8: Der Atlas
Schwanengesang, D. 957 No. 7. Abschied
Schwanengesang, D. 957 No. 9. Ihr Bild
Erlkonig, Op. 1, D. 328
Erlkonig, Op. 1, D. 328 (Live)
Am Tage aller Seelen, D. 343, ”Litanei auf das Fest aller Seelen”
Following his First Prize triumph at the 2018 Queen Elisabeth Competition, Samuel Hasselhorn has quickly established himself internationally as a versatile artist who is equally at home in the genres of opera, Lied, and oratorio.
As an internationally sought-after and esteemed Lied interpreter, Samuel Hasselhorn regularly collaborates with renowned pianists such as Helmut Deutsch, Malcolm Martineau, Ammiel Bushakevitz, Julien Libeer, Philippe Cassard and Joseph Middleton.
Samuel Hasselhorn is a prizewinner of numerous competitions and studied at the Hannover University of Music, Drama and Media with Prof. Marina Sandel and at the Conservatoire National Supérieur de la Musique et de Danse de Paris with Malcolm Walker. He received further musical impulses in master classes with Kiri Te Kanawa, Kevin Murphy, Thomas Quasthoff, Helen Donath, Annette Dasch, Susan Manoff, Jan-Philip Schulze, Anne Le Bozec and Martin Brauß.
Má Vlasta não é uma ópera sobre uma bruxa má chamada Vlast, mas um ciclo de poemas sinfônicos, um gênero musical que se fortaleceu durante o romantismo. Um desses poemas sinfônicos, O Moldava, alude ao rio e é uma das peças mais famosas de Bedřich Smetana, outro compositor além de Bruckner que nasceu em 1824, há duzentos anos. Além de poemas sinfônicos, Smetana compôs lindas peças de câmara assim como óperas.
Sua história foi pontuada por momentos muito difíceis. Por volta de 1855 perdeu uma filha e um filho ainda bem pequenos, num espaço de menos do que um ano. Isso certamente afetou sua saúde tanto física como psicológica. Em 1874 sua audição começou a ser afetada e ele acabou completamente surdo. A despeito disso, nesse ano ele compôs justamente o poema sinfônico O Moldava.
A gravação da postagem reúne a ótima orquestra checa regida pelo maestro inglês Charles Mackerras, que era muito dedicado e estudioso de música checa, numa gravação feita ao vivo em 1999.
Taken down live at the 1999 Prague Spring Festival, Charles Mackerras’ performance offers a typically fresh, vital look at Smetana’s masterpiece. With the Czech Philharmonic in fine form, the result is completely recommendable […] Mackerras’ interpretive insights are subtle, but fans of this music will find plenty to enjoy, such as the correctly played (for once!) trumpet rhythms at the climax of “Vltava”, the carefully balanced brass and string sonorities at the opening of “From Bohemia’s Woods and Fields”, and the propulsive thrust that cleverly disguises the monothematic repetitiousness of “Tábor” and “Blaník”. […] it’s impossible not to welcome music making of this enthusiasm and idiomatic security with anything less than open arms. [David Hurwitz]
Gravada ao vivo no Festival da Primavera de Praga de 1999, a performance de Charles Mackerras oferece uma visão tipicamente fresca e vital da obra-prima de Smetana. Com a Filarmônica Checa em excelente forma, o resultado é completamente recomendável […] Os insights interpretativos de Mackerras são sutis, mas os fãs desta música terão muito de que desfrutar, como os ritmos de trompete tocados corretamente (pela primeira vez!) no clímax de “Vltava”, as sonoridades cuidadosamente equilibradas de metais e cordas na abertura de “Das florestas e bosques da Boêmia”, e o impulso propulsor que habilmente disfarça a repetitividade monotemática de “Tábor” e “Blaník”. […] é impossível não acolher a produção musical com esse entusiasmo e segurança idiomática de braços abertos. [DH via GTPQP Bach]
Bedřich Smetana (1824 – 1884)
Má Vlast
Vyšehrad
Moldau
Šárka
Z českých lůhu a hájů (Das florestas e bosques da Boêmia)
Another memorable Prague Spring Festival concert, this time from May 1999 and featuring a maestro whose lifelong experience and wisdom in Slavonic repertoire require no further comment. As always the Czech Philharmonic play with an understanding of the idiom possessed by no other orchestra.
Dia desses foi ao ar uma postagem do chefe com as Sinfonias Nos. 8 e 9 de Schubert interpretadas por Karajan, regendo a Filarmônica de Berlim. É claro do texto que nosso editor chefe não possui registro no Fã Clube do HvK: Comentários irônicos diziam que possivelmente o maestro tinha algum compromisso inadiável no dia da gravação da Sinfonia Nº 9, por isso acelerou o tempo dos movimentos, para acabar o quanto antes e não se atrasar. Ou talvez ele quisesse deixar a Grande menor do que ele, quem sabe.
A anedota é conhecida em diferentes variantes e aplicada a outras obras e regentes. Eu ouvi uma na qual um famoso expert da obra de Wagner teria sido escalado para reger uma importante orquestra alemã em um programa com uma de suas óperas. O tal regente teria dito aos músicos envolvidos: ‘Eu conheço essa música, vocês também conhecem a música, então vamos logo com isso’. Aparentemente todos iram jantar em um ótimo restaurante bem próximo da casa de espetáculos. Você conhece anedota semelhante? Sabe os nomes dos personagens envolvidos nessa variante?
Veja que a gravação postada era dos anos sessenta, antes que a onda dos instrumentos de época e interpretações historicamente informadas varresse o mundo da música. O famoso ciclo gravado pela DG para o bicentenário de nascimento do Ludovico, em 1970, também foi gravado nessa época e também tem algumas sinfonias (ou pelo menos alguns movimentos dessas sinfonias) nos quais o Herbert acelerou a batuta. Mesmo assim, esse ciclo continua bastante reverenciado, até hoje.
O tempo de gravação de um específico movimento certamente reflete o andamento escolhido pelo maestro, mas há outros fatores que influenciam o resultado, especialmente a observação (ou não observação) de repetições. Isso pode ser particularmente efetivo no caso das sinfonias de Schubert, que adorava as repetições.
Mas, antes que minhas considerações me façam voltar alguns andares abaixo, para mais perto das fornalhas aqui do PQP Bach main building, vamos a postagem de hoje.
Esta é a primeira de duas gravações comerciais que Karajan fez da Nona Sinfonia de Bruckner e, na minha opinião e na opinião de muita gente boa, é a melhor, mas apenas por um fio de cabelo.
Neste exato momento meu Yamaha enche a sala do PQP Bach MB com os maravilhosos primeiros acordes do magnífico adagio, movimento final dessa incompleta (?) sinfonia.
O austríaco Karajan, amado e vilipendiado por tantos, era um ótimo intérprete das obras de Bruckner. A segunda gravação da Nona, feita alguns anos depois, também para a DG, com a mesma orquestra, em 1976, faz parte do ciclo completo, que ele gravou entre 1976 e 1982. As primeiras sinfonias foram gravadas por último, provavelmente apenas para completar o ciclo, mas são bastante decentes. Ele era bom mesmo nas famosas, Quarta (a gravação para a EMI é mais interessante), a Sétima e a Oitava, ambas gravadas em diferentes momentos, para a EMI e para a DG (com a Filarmônica de Viena, a Sétima sendo sua última gravação).
Veja o que o Penguin Guide diz sobre essa gravação da Nona, feita em 1966, editada na coleção Galleria da DG: A reedição da DG Galleria oferece uma performance gloriosa da última e incompleta sinfonia de Bruckner, moldada de forma característica por Karajan e exibindo uma nobreza simples e direta que às vezes falta nesta obra. Mesmo em um campo competitivo, este disco de 1966 se destaca a um preço acessível, ao lado da nobre versão de Bruno Walter em 1959.
Mais um trechinho, traduzido de outra fonte, com a ajuda de nosso Chat PQP: A Nona Sinfonia nos confronta com Bruckner em seu momento mais introspectivo. Você sente que, ao mesmo tempo, ele está buscando novas perspectivas nesta obra, mas relutante em segui-las, possivelmente percebendo que a antiga ordem, na música e em muitas outras coisas, estava se esvaindo. Talvez isso explique a linguagem musical parcimoniosa e frequentemente sombria, como observa Richard Osborne, bem como a falta de um final. Nesta obra, Osborne opina que temos “Bruckner em sua bravura e desespero mais profundos”. Não vou me repetir. Karajan e a Filarmônica de Berlim trazem a esta obra todas as finas qualidades de interpretação e execução que foram tão evidentes nas sinfonias anteriores, especialmente na Sétima e Oitava, e entregam uma magnífica e majestosa performance. No final do Adagio, tem-se uma sensação de fim.
Neste disco temos as duas sonatas para ‘piano e violino’ de Camille Saint- Saëns, além de duas outras peças menores, interpretadas ao violino e harpa.
As duas sonatas não poderiam ser mais diferentes. A primeira é virtuosística, especialmente o hipnotizante último movimento, enquanto na segunda o equilíbrio entre os instrumentos é fundamental, com a escrita para piano ganhando uma direção diferente daquela usada por Camille em obras anteriores. Como podemos ver no livreto que acompanha os arquivos musicais, Saint-Saëns tinha bastante orgulho da primeira sonata, sobre a qual escreveu ao seu editor: ‘uma sonata semelhante a um cometa que devastará o universo semeando terror e resina em seu caminho’. Sobre a segunda sonata seu comentário foi: ‘ela só será compreendida depois da oitava audição’. Eu já estou quase chegando lá…
A interpretação neste disco é maravilhosa. A dupla Zilliacus e Ihle Hadland apresenta excelente entrosamento. Eles são instrumentistas espetaculares. A introdução da resenha do disco feita na Gramaphone diz: […] as obras para violino, piano ou harpa oferecidas aqui são tocadas com fogo e comprometimento, e muitas vezes levadas ao limite.
A primeira sonata foi composta em 1885 e apresentada em um concerto da Société Nationale de Musique, pelo próprio Saint-Saëns e Martin-Pierre Marsick ao violino. O violino de Marsick era um Stradivarius de 1705 que foi também o instrumento de David Oistrakh entre 1966 e 1974. Essa sonata é contemporânea da Sinfonia com Órgão e tem quatro movimentos, que são tocados dois a dois em seguida.
A segunda sonata foi composta em 1896 na cidade de Luxor, no Egito, enquanto Camille passava por lá suas férias, fugindo do frio inverno de Paris. A sonata foi composta logo após a composição do Concerto para Piano No. 5, ‘Egípcio’.
Saint-Saëns teve uma vida longa e ímpar. Demorou bastante para casar-se, mas não ficou muito tempo casado. O infortúnio da perda dos filhos certamente não ajudou a manter o casamento levando a separação. A partir daí ele essencialmente passou a fazer parte da família de Fauré, cujos filhos o viam como um tio solteirão. Daí em diante Camille passou a viajar muito. Fez bem mais do que cem viagens ao exterior da França, visitando quase trinta países. Mas o Egito, a Tunísia e a Argélia eram seus preferidos, onde passava os invernos do hemisfério norte. Como ele dizia: ‘Você embarca em um lindo navio em Marselha e 24 horas depois desembarca em Argel; e é sol, verde, flores, vida!’. Sua última viagem foi para Argélia, onde morreu em 1921. ‘No final de 1921, Saint-Saëns, de 86 anos, deu um recital bem recebido em Paris e depois partiu, como de costume, para a sua “hivernale” anual de inverno na Argélia. Mas no dia 16 de Dezembro desse ano, pouco depois de chegar ao seu querido Norte de África, sofreu um ataque cardíaco inesperado e morreu em Argel’.
Camille Saint-Saëns (1835 – 1921)
Violin Sonata No. 1 in D minor, Op. 75
Allegro agitato
Adagio
Allegretto moderato
Allegro molto
Violin Sonata No. 2 in E flat major, Op. 102
Poco allegro, più tosto moderato
Scherzo
Andante
Allegro grazioso. Non presto
Fantaisie for violin & harp, Op. 124
Fantasie
Berceuse in B flat major Op. 38 (Arr. S. Fitzpatrick for Violin & Harp)
Na seção ‘The Book is on the Table’: Here Cecilia Zilliacus offers us a violin tone that is vibrant and guttural at the same time. Her warm and sometimes wonderfully husky portamentos are such a beautiful complement to this music. But this isn’t just one kind of fearlessness – there is fire and there is ice. Pianist Christian Ihle Hadland offers the ice, the crystalline precision and sparkle: the lilting arpeggiations, the flashing passagework and the glittering cascades.
No dia 12 de maio de 1955 três pessoas se reuniram no Sala 3 da Abbey Road Studios (naqueles dias era EMI Studio 3), o menor dos espaços do famosíssimo estúdio de gravações londrino, ideal para música de câmera e recitais. Eles gravaram sete canções (Lieder) naquele dia, algumas delas estão na antologia dessa postagem. O cantor Dietrich Fischer-Dieskau estava no seu primor, aos 30 anos; o pianista Gerald Moore já era referência na arte de acompanhamento (sua autobiografia intitula-se ‘Am I too loud?’); o terceiro personagem era o produtor musical Walter Legge, que amava música e especialmente Lieder. Essa dedicação a este gênero musical me encanta e espero que chegue também a tocar você.
DFD e Gerald Moore formam uma dupla espetacular quando o repertório é Lieder e eles gravaram uma imensidade, algumas coisas mais do que uma vez. Em 1955 gravaram canções e o ciclo Winterreise, de Schubert, para a EMI, que depois gravariam novamente para a Deutsche Grammophon.
Esta antologia reúne 30 canções que estão espalhadas em três LPs de quatro gravados para a EMI entre 1955 e 1959. Selecionei essas canções dos LPs nos quais DFD é acompanhado por Gerald Moore. No disco de número três o acompanhante é o menos conhecido, mas muito competente Karl Engel e o repertório formado de algumas canções mais longas.
As canções que escolhi são exemplares da arte de Schubert, muito representativas. O som não é espetacular, mas a beleza da voz e o entrosamento do cantor e seu acompanhante de longe compensam qualquer restrição que você possa fazer.
Se você tem alguma familiaridade com esse repertório, reconhecerá cada uma das canções. Caso contrário você terá um porto seguro para iniciar suas futuras navegações. Espero que a postagem motive maiores explorações nesse repertório e você verá que essas figurinhas carimbadas reaparecerão muitas vezes nos discos e nos programas dos artistas desse gênero.
Quanto a música, deixe-me dizer que não falo alemão, mas isso nunca foi um impedimento para apreciar os Lieder e como ouço essas canções há bastante tempo, mesmo eu acabei aprendendo algumas coisas. Ou seja, aprecio a musicalidade que elas exalam, a maneira como a voz expressa os sentimentos e como se combina com o som do piano, criando um argumento musical, um universo sonoro que narra as histórias, mesmo que você não as perceba literalmente. De qualquer forma, aqui vão algumas dicas…
Alguns temas são recorrentes, como vaguear (Wanderer), água (Wasser, Meer), noite (Nacht), primavera (Frühling). Há um bocado de sofrência (dois ciclos são impregnados disso) e algumas imagens perpassam muitas canções. A noite é sempre profunda (tiefer Nacht), o protagonista está sempre em busca de paz (ruh) ou felicidade (Glück). O céu tem a Lua (Mond) e estrelas (Sterne).
Há canções onde a letra é formada por estrofes e a música vai se repetindo de novo e de novo e formam uma boa parte delas. Veja alguns nomes: Der Wanderer na den Mond, Der Wanderer, Der Einsame (O Solitário), Fruhlingssehnsucht, Fruhlingsglaube, Im Frühling, Im Abendrot, Die Sterne.
Há na coleção duas canções com nomes de mulheres: An Sylvia e Alinde. ‘Para Silvia’ tem por letra uma tradução para o alemão de um texto de Shakespeare, Who is Sylvia, da peça Dois Cavalheiros de Verona.
Muitas canções da antologia foram compostas no fim da (curta) vida de Schubert, como indicam os altos números do catálogo D (Deutsch), mas ele era um mestre completo na arte da canção mesmo quando muito novo, como nos atestam o inquieto Rastlose Liebe D. 138 e Nahe des Geliebten D. 162, ambos com poesia de Goethe.
Temos também oito canções do Schwanengesang, um conjunto de canções que foi publicado como um ciclo logo após a morte de Schubert, com canções sobre letras de diferentes poetas. Entre elas as belíssimas Die Taubenpost, Standchen e Abschied, que resolvi deixar no fim da fila.
Há duas baladas – canções cuja letra narra uma história ou um fragmento de história, com estilo folclórico, fantasmagórica ou com tema medieval. São elas Der Zwerg e Erlkönig, que tem letra de Goethe. Essas canções são verdadeiras provas de fogo para os intérpretes, que têm pouco tempo para dar o recado, inclusive fazendo diversos personages – o narrador, o anão, a rainha, o cavaleiro, a criança e o Rei dos Elfos… Não menos dramáticas são Der Kreuzzug, Kriegers Ahnung e Heimweh. Deixo com você a tarefa de decifrá-las.
E tem ainda a música, a maravilhosa música que era amadrinhada com Schubert e que a arte de pessoas como Dietrich Fischer-Dieskau (100 anos em 2025) e Gerald Moore nos revelam, em uma linda cançãozinha, An die Musik, uma ode à música…
Franz Schubert (1797 – 1828)
Der Wanderer an den Mond D870 (Johann Gabriel Seidl)
Der Einsame, D800 (Karl Lappe)
Nachtviolen, D752 (Johann Mayrhofer)
Frühlingssehnsucht – Schwanengesang, D. 957: No. 3 (Ludwig Rellstab)
Geheimes, D. 719 (Johann Wolfgang von Goethe)
Rastlose Liebe, D138 (Johann Wolfgang von Goethe)
Liebesbotschaft – Schwanengesang, D. 957: No. 1 (Ludwig Rellstab)
Im Abendrot, D799 (Joseph von Eichendorff)
Die Sterne, D939 (Karl Gottfried von Leitner)
An die Musik D547 (Franz von Schober)
Wehmut, D. 772 (Matthäus Casimir von Collin)
Kriegers Ahnung – Schwanengesang, D. 957: No. 2 (Ludwig Rellstab)
Der Kreuzzug, D932 (Karl Gottfried von Leitner)
Totengräbers Heimweh, D842 (Jacob Nicolaus Craigher de Jachelutta)
Der Zwerg, D. 771 (Matthäus Casimir von Collin)
Der Wanderer, D. 489 (Georg Lübeck)
Frühlingsglaube, D. 686 (Johann Ludwig Uhland)
Die Taubenpost – Schwanengesang, D. 957: No. 14 (Johann Gabriel Seidl)
An Sylvia, D. 891 (Eduard von Bauernfeld, de William Shakespeare)
A primeira canção, que conta a história do Wanderer e da Lua é linda, remete à poesia chinesa do Li Po. Na terceira, a voz do DFD é reduzida a quase um fiapo, mas vai em frente… siga a deixa e ouça as outras.
Lorenz Christoph Mizler foi, entre muitas coisas, médico, matemático e compositor. Ele estudou teologia em Leipzig nos primeiros anos da década de 1730 e também composição musical. De alguma forma acabou associando-se a Johann Sebastian Bach a quem chamava de bom amigo. Mizler posteriormente mudou-se para a Polônia e fixou-se em Varsóvia onde praticou medicina. Ele tinha grande interesse em teoria musical e fundou a Sociedade Correspondente de Ciências Musicais. Os sócios contribuíam enviando trabalhos musicais teóricos ou práticos.
Vários compositores conhecidos faziam parte da Sociedade. Telemann, Handel, Graun e o padroeiro do blog, que associou-se em 1747, quando contribuiu com as Variações Canônicas sobre ‘Vom Himmel hoch’. No ano seguinte enviou a Oferenda Musical e para 1749 planejava enviar a Arte da Fuga.
Não é surpresa então que essa obra soe um pouco acadêmica e se você conhece Bach como o compositor da Ária na Corda Sol ou Jesus, a Alegria dos Homens, vai ficar perplexo. Praticar a audição de A Arte da Fuga é um de meus passatempos favoritos.
Como não há indicação de qual instrumento ou quais instrumentos devem ser usados para se executar a música há muitas diferentes abordagens, inclusive a especulação de que a obra havia sido feita para ser ouvida na mente, um verdadeiro exercício intelectual. É claro que isso deixaria de fora toda a plebe ignara que não lê notação musical. De qualquer forma, com a abundância de gravações ninguém precisa privar-se de ter contato com essa criação genial de Bach. As mais abundantes são aquelas nas quais se usa um instrumento de tecla como um cravo, um piano ou um órgão ou aquelas nas quais se usa um quarteto de cordas. Outras combinações musicais mais exotéricas também podem ser usadas, tais como conjunto de sopros (metais ou madeiras), marimbas ou um conjunto de acordeão com viola da gamba e violino.
Eu gosto muito da gravação da postagem na qual reina a criatividade de Heribert Breuer, um organista, regente, compositor e arranjador alemão. Ele estudou em Heidelberg, Berlim e Colônia com Helmuth Rilling e outros professores.
No libreto ele conta como pensou muito no tipo de formação que usaria para orquestrar a Arte da Fuga: minha orquestração usaria quatro quartetos e um instrumento solo com teclado.
Meu conceito era do espectro tonal mais transparente possível, cujas cores deveriam formar um contrapeso à polifonia sempre presente da obra.
O primeiro contraponto é interpretado pelo clássico quarteto de cordas. Os ritmos marcantes do segundo contraponto exigem uma instrumentação que deixe clara sua relação com as raízes do ‘cool jazz’. Dois pianos, vibrafone e contrabaixo representam a ‘música contemporânea’. No terceiro contraponto temos mais contrastes: sua expressividade cromática e desenvolvimento dinâmico explícito exigem recursos românticos, representados aqui por um quarteto de sopros – oboé, clarinete, trompa e fagote. O quarto contraponto, com o qual termina a primeira parte, sugere um mundo pré-bachiano, no qual o cromatismo e os ritmos pulsantes são evitados. Este estilo Música Antiga é representado por duas flautas doces e duas violas da gamba. Os cânones são interpretados por cravo ou órgão (apenas órgão, no disco).
Deixo aqui parte de uma crítica, entre as mais amenas que encontrei, que ajuda a descrever o que segue:
What then follows is too complicated to describe here but is a combination of all instrumental premutations as the counterpoint becomes more complex. Breuer took 25 years to do it, so one can imagine the complexity of the result. It does make for satisfying listening and serves to remind us just how amazing the Art of Fugue is. [O que se segue é muito complicado de descrever aqui, mas é uma combinação de todas as mutações instrumentais anteriores à medida que o contraponto se torna mais complexo. Breuer levou 25 anos para fazê-lo, então pode-se imaginar a complexidade do resultado. Ele faz uma audição satisfatória e serve para nos lembrar o quão incrível é a Arte da Fuga].
No livreto Heribert termina dizendo que gostaria que seu arranjo pudesse removesse dessa obra uma carga de abstração que tão comumente lhe é atribuída e que ajude a mostrar para os ouvintes a atemporalidade que reside bem no âmago da peça. Eu gostei do disco, a despeito das críticas e aguardo o vosso veredito: valeu o download?
The orchestra is made up of members of the major Berlin orchestras, its personnel varying with the program. For the Art of Fugue project, the Leipzig String Quartet, piano duettists Aglaia Bätzner and Cristina Marton, and vibraphone player Edgar Guggeis joined as guests.
Nomes dos específicos músicos estão em um documento na pasta do download.
Certainly the Musica Contemporanea group, with its jaunty, bounce-along approach, sounds out of place. [Uma crítica não muito favorável ao disco…]
Uma pena, eu gostei bastante do quarteto contemporâneo. Ouça lá no Contraponto 14, pouco depois do terceiro minuto, como eles dão o ar da graça…
Impossível evitar, o espírito de Natal está no ar. Meu vizinho colocou em sua casa tantas luzes com motivos natalinos que até a NASA já detectou o nosso bairro em seu mapa mundi de luminosidade. Fora isso, com as economias devidamente empregadas em bacalhau, a ceia deverá ser farta.
De qualquer forma, Natal remete à família e eu penso um pouco na minha. O ano teve, como deve ter acontecido na sua, altos e baixos. Impossível ser diferente, está nos genes.
Aqui comemoramos o primeiro ano de aniversário de minha neta mais nova, que está em ótimo desenvolvimento, assim como sua irmãzinha, um ano mais velha. Essa já conta até 10, reconhece e nomeia todas as cores. Ela repete tudo o que ouve, haja cuidado com o que se diga perto dela.
Uma querida cunhada está se despedindo da vida, uma nota de tristeza. Mas que vida cheia de amor e dedicação que tem sido essa. Força pedimos, confiança temos.
Assim vamos exercitando ao máximo a prática de esticar o tempo para conseguir fazer tudo o que planejamos, como o catártico escrever desta postagem.
Enfim, o que queremos para a noite de Natal? Eu quero estar rodeado de pessoas queridas, ouvir vozes e risos familiares. Ganhar abraços e beijos. Dar e receber aqueles telefonemas ou ZAP-mensagens que nos aproximam daquelas vozes que por alguma razão não podem estar ao pé de nós. Mas que no ano que vem, quem sabe?
Para a postagem, escolhi um álbum tipicamente produzido para a ocasião. Metade do disco com números do Messias de Handel, cantado em alemão (pasmem!), mas regido pelo inglês Sir Neville Marriner. A outra metade tem números do Oratório de Natal do imenso João Sebastião Ribeiro, padroeiro do blog. Aqui, forças mistas, anglo-germânicas. São vozes conhecidas para os que já ouvem música há algum tempo e precisam ser ouvidas pelos que ainda estão se aventurando nessas águas. Tudo muito lindo.
Aleluia!
George Frideric Handel (1685 – 1759)
Messiah – Der Messias HWV 56 (Highlights)
(sung in German)
2 Tröste dich, mein Volk … & Nr.3 Alle Tale macht hoch erhaben (Accompagnato & tenor arie)
4 Denn die Herrlichkeit Gottes (Chorus)
8 O du, der Wonne verkündet in Zion (Contralto aria)
11 Denn es ist uns ein Kind geboren (Chorus)
12 Pifa
14 Und alsbald war da bei dem Engel (Accompagnato sopran)
15 Ehre sei Gott in der Höhe (Chorus)
36 Warum denn rasen und toben die Heiden im Zorne (Bass aria)
39 Hallelujah! (Chorus)
40 Ich weiß, daß mein Erlöser lebet (Soprano aria)
47 Würdig ist das Lamm, das da starb (Chorus)
Lucia Popp (soprano)
Brigitte Fassbaender (contralto)
Robert Gambill (tenor)
Robert Holl (bass)
Südfunkchor (Klaus Martin Ziegler)
Radio-Sinfonieorchester Stuttgart des SWR
Sir Neville Marriner
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Christmas Oratorio, BWV 248 (Highlights)
1 Jauchzet, frohlocket, auf, preiset die Tage (Chorus)
“O enorme sucesso popular que algumas poucas obras de Rachmaninov tiveram em sua vida provavelmente não durará, e os músicos nunca o consideraram com muito favor.”
Assim escreveu o ilustre crítico inglês Eric Blom na quinta edição do Grove’s Dictionary of Music and Musicians, expressando a sabedoria musicológica predominante da época: certamente a história varreria de lado essa estrela pop da sala de concertos.
Blom was forthright in his opinions. Even more notoriously, he wrote that Rachmaninoff “did not have the individuality of Taneyev or Medtner. Technically he was highly gifted, but also severely limited. His music is … monotonous in texture … The enormous popular success some few of Rakhmaninov’s works had in his lifetime is not likely to last, and musicians never regarded it with much favour”. To this, Harold C. Schonberg, New York critic not immune to snobbery of his own, in his Lives of the Great Composers, responded with equally outspoken unfairness, “It is one of the most outrageously snobbish and even stupid statements ever to be found in a work that is supposed to be an objective reference”.
“É uma das declarações mais escandalosamente esnobes e até estúpidas já encontradas em uma obra que deveria ser uma referência objetiva”.
Pois agora, no final de 2023, ano que viu as comemorações tanto de 150 anos do nascimento quanto as homenagens feitas pelos 80 anos da morte de Rachmaninov, podemos afirmar que ‘o enorme sucesso popular’ que suas obras tiveram em vida perduraram até agora e a história ainda está considerando se tira a vassoura do armário para varrer a estrela pop da sala de concertos.
Veja alguns dos grandes e famosos pianistas que passaram o ano a tocar Rachmaninov: Yuja Wang, Daniil Trifonov, o jovem pianista Alim Beisembayev, acompanhado da Sinfonia of London, regida por John Wilson, e Mikhail Pletnev.
E nem só de Concertos para Piano viveu o artista, como se viu nesses concertos em POA e SP.
Veja também aqui: Cinco bambas do piano homenageando o compositor.
Se você quer mais, basta Googlar ‘Rachmaninov 2023’ e verá como no mundo todo homenagens não faltaram.
Para essa postagem escolhi dois álbuns com toda a obra para piano e orquestra de Rachmaninov. Um saído do forno, praticamente. O jovem pianista Lukáš Vondráček viu sua ocupadíssima agenda de concertos varrida pelo lockdown da Covid e teve, para nosso grande prazer, a oportunidade de, em parceria com a ótima orquestra de Praga, regida por Tomáš Brauner, gravar a integral dos Concertos para Piano do Sergei. O outro, um clássico: Earl Wild, um virtuose do piano como poucos, acompanhado por uma orquestra real, dirigida pelo improvável Rachmaninov-regente, Jascha Horenstein, mais conhecido por suas interpretações de Bruckner e Mahler. Essa gravação, pasmem, foi feita em Londres, no espaço de uma semana, no Walthamstow Town Hall, em maio de 1965, produzida para a Reader’s Digest pelo lendário Charles Gerhardt. A Royal Philharmonic era a orquestra fundada e dirigida por Beecham, que havia morrido há apenas quatro anos no momento desta gravação e estava em excelente forma. A orquestra, é claro! A edição da postagem leva o selo Chandos.
“Chaque concerto est individualisé, le Premier flamboyant, athlétique (Vondráček m’y rappelle Sergio Fiorentino, mêmes tempos, mêmes accents, même furia débordante dans le Finale), le Deuxième lyrique et sombre jusque dans un Finale incendiaire, et le Troisième telle une immense rhapsodie où la poésie alterne avec des échappées épiques : soudain le piano devient un instrument au sein de l’orchestre, Vondráček et Brauner le pensent non plus comme un concerto, mais comme une symphonie.” “Cada concerto é individualizado, o Primeiro extravagante, atlético (Vondráček lembra-me Sergio Fiorentino, os mesmos tempos, os mesmos sotaques, a mesma fúria transbordante no Finale), o Segundo lírico e afunda-se num Final incendiário, e o Terceiro como uma imensa rapsódia onde a poesia se alterna com fugas épicas: de repente o piano torna-se um instrumento dentro da orquestra, Vondráček e Brauner já não pensam nisso como um concerto, mas como uma sinfonia.” Artalinna, June 2023
“Mais c’est dans la narration exaltée du Concerto No. 3 que le pianiste tchèque se montre à son meilleur, la prise de son restituant la moindre inflexion de ce contour sûr de ses effets. Sans conteste, le sommet du double album.” “Mas é na exaltada narração (interpretação) do Concerto No. 3 que o pianista checo mostra o seu melhor, a gravação sonora reproduz a menor inflexão deste contorno seguro dos seus efeitos. Sem dúvida, o ápice do álbum duplo.”
Diapason, October 2023
Such is the luxuriance of sound revealed in these remasterings, it’s difficult to believe the recording date; and such is the quality of the piano playing that it’s easy to understand why Chandos should have wanted to go to such trouble. There aren’t so many Rachmaninov pianists who dare to throw caution to the wind to the extent that Earl Wild does in the outer movements of the First Concerto, fewer still who can keep their technical poise in the process. The improvisatory feel to the lyricism of the slow movement is no less remarkable.
Wild’s panache is every bit as seductive in No 4, and the Paganini Rhapsody is a rare example of a performance faster than the composer’s own – devilishly driven in the early variations and with tension maintained through the following slower ones …
O que caracteriza o que chamamos música espanhola em palavras é elusivo, mas evidente nos sons musicais. E o fascínio por música espanhola é universal. Basta lembrar do Capricho Espanhol ou de Carmen.
Domenico Scarlatti e Luigi Boccherini são compositores que devem grande parte de suas reputações exatamente por terem vivido e produzido o melhor de sua arte na Espanha.
Os compositores franceses do século XIX e XX influenciaram e foram influenciados pela música espanhola. Basta pensar nos compositores-pianistas Manuel de Falla, Isaac Albéniz e Enrique Granados.
Eu adoro este tipo de música. O LP Danzas Españolas, de Granados, interpretadas por Alicia de Larrocha quase furou e desde então, sempre que vejo um disco com esse tipo de repertório vou logo investigar.
O pianista Luis López nasceu em Tenerife e começou seus estudos no Conservatório Superior de Canárias e aperfeiçoou-se na Polônia. Este disco é muito recente e traz peças de Granados e Albéniz. A produção – o som – e o programa do disco são excelentes. As Valsas Poéticas são deslumbrantes e as outras peças muito bem escolhidas.
Acrescentei ao disco da postagem uma coleção de faixas de um disco antigo, gravado pela pianista brasileira Magda Tagliaferro. A única peça em comum com aquelas do primeiro disco é uma peça de Goyescas, Quejas o la Maja y el Ruiseñor, mas há uma grande afinidade no repertório e ouvir interpretações tão diferentes é fascinante.
Espero que goste das peças e que a audição seja um estímulo para que você explore esse tipo de repertório.
Enrique Granados (1867 – 1916)
8 Valses poéticos
Introducción. Vivace molto
1, Melódico
2, Tempo de vals noble
3, Tempo de vals lento
4, Allegro humoristico
5, Allegretto
6, Quasi ad libitum
7, Vivo
8a Coda. Presto
8b, Tempo dil primero vals
Capricho Español, Op. 39
Capricho Español
Goyescas
Quejas o la Maja y el Ruiseñor
Isaac Albeniz (1860 – 1909)
Iberia, Cahier 1
El Puerto
Evocación
Iberia, Cahier 2
Almería
Luis López, piano
Luis López interpreta estas 8 Valsas Poéticas com rigor e inspiração, com uma sensibilidade magistral e pulso determinado. Ele completa os silêncios com intenção declarada e minucioso. Como se cada frase, cada silêncio, cada momento de som fosse uma eternidade que surge da mais distante inspiração poética.
It is difficult to think of a more irrepressible virtuoso pianist than Brazillian born but Paris based Magda Tagliaferro…a pianist who revelled in music of a facile but endearing charm.
Esta postagem é uma reverência aos 400 anos da morte de William Byrd
William Byrd morreu há quatrocentos anos, em 1623, depois de ter vivido 83 anos. Nos nossos dias isso é considerado um feito, imagine há tantos séculos. E olhe que William era católico vivendo na Inglaterra, durante o período do surgimento da Igreja Anglicana – um ambiente no qual se misturavam religião e assuntos de estado, com conspirações ocorrendo em cada esquina.
Byrd foi organista da Lincoln Cathedral a partir de 1563 e tornou-se músico da Chapel Royal, assumindo o lugar de Robert Parsons, em 1572, servindo assim, ao lado de Thomas Tallis e outros, a Igreja Anglicana. Ao mesmo tempo era membro ativo da comunidade católica e recebia a patronagem de importantes aristocratas católicos. Em termos de música sacra, enquanto na Igreja Católica os ofícios eram em latim e a música elaborada, na Igreja Anglicana usava-se o inglês e a música que se esperava devia ser simples, uma nota para cada vogal. É claro que em certas circunstâncias esperava-se alguma coisa mais elaborada e até uns certos latins…
Mas para Byrd, essa vida dupla tornou-se mais perigosa durante a década de 1580, ao longo da qual houve tentativas de destronar a rainha Elizabeth I, para coroar em seu lugar sua prima Maria Stuart. Além disso, em 1585 morreu Thomas Tallis, que era figura importante na vida de Byrd. Eles dividiam direito de publicação de música entre outras coisas. Byrd e sua família passaram diversos perrengues, chegando a ser investigado, pagando multas por não atender aos ofícios da igreja, passando por prisão domiciliar. Safava-se por ter costas-quentes e numa ocasião até por intervenção da rainha, que gostava de música e queria exibir, pelo menos nas devidas ocasiões, pompa e esplendor. E nisso, esses músicos eram realmente espetaculares, dominavam a arte como poucos. Há um moteto de Thomas Tallis, Spem in alium, para 40 vozes. É pouco ou quer mais? Os músicos da Chapel Royal, como Robert Parsons, John Sheppard e William Mundy, produziram música mais elaborada, os serviços, que faziam as vezes das missas no caso católico. Mas Tallis e Byrd só produziram serviços bastante simples, seguindo à risca as determinações do Arcebispo…
É por isso que a obra dessa publicação, The Great Service, coloca um certo mistério na história. Apesar de deter poder de publicação, essa obra não foi publicada durante a vida do compositor. Por volta de 1594 Byrd diminuiu suas atividades na Chapel Royal e mudou-se com a família para uma pequena vila em Essex, ficando próximo de um rico dono de terras na região, Petre, que era católico. Isso tudo não impediu que Byrd continuasse a produzir música que servisse a Igreja Anglicana e The Great Service pode ter sido um projeto que seguiu à publicação das Missas para Três, Quatro e Cinco Vozes, dando continuidade à tradição de obras desse escopo escritas por outros compositores, como William Mundy e Robert Parsons. A obra é composta para um coro de cinco partes, dividido em Decani e Cantoris (nomes dados às duas tendas de coro em que as duas divisões do coro ficavam de frente uma para a outra do outro lado do corredor). Algumas seções são marcadas para grupos de solistas, rotuladas como “verso” e contrastando com as seções “completas”. O coro era normalmente dobrado pelo órgão (como as partes sobreviventes do órgão deixam claro) e provavelmente às vezes por instrumentos de sopro altos (cornetts e sackbuts), uma prática que causou muito indignação entre os puritanos da época. Sua sobrevivência deve-se principalmente a conjuntos incompletos de livros parciais do coro da igreja, bem como três partes contemporâneas do órgão. Ao reunir vários manuscritos, os estudiosos se deram com um texto praticamente completo, embora a primeira parte do Contratenor Decani do Venite ainda esteja faltando. Devido ao seu escopo, a obra deve ter ficado limitada à Chapel Royal.
As partes do Grande Serviço são sete: três formam as Matinas (Morning Prayers), duas formam a Comunhão (Communion), e mais duas formam as Vésperas (Evensong):
Venite
Te Deum
Benedictus
Kyrie
Creed
Magnificat
Nunc dimitts
Eu escolhi quatro gravações, duas das quais eu ouço já há muitos anos. A primeira é a mais antiga, com o coro do King’s College, sob a direção de Stephen Cleobury é de 1987 e foi publicada na saudosa série Reflexe, da EMI. Essa é uma gravação muito interessante que apresenta as partes da obra com alguns pequenos números entre elas, colocando-as como em uma liturgia. Para completar, dois anthems, o primeiro deles falando da Rainha Elizabeth.
Depois consegui um disco com a gravação de The Tallis Scholars, com direção de Peter Phillips. Essa interpretação também é de 1987 (meu Deus, o tempo voa…) e parece mais alinhada com as práticas de época. Originalmente foi lançada pelo selo Gimell Records e hoje deve estar sob controle de algum selo universal… Ela apresenta os movimentos seguidos sem qualquer outro número. O Kyrie, que dura perto de dois minutos, não aparece nesse disco, que termina com três Anthems, dois deles também fazem parte do disco anterior. A capa traz um retrato da Rainha Elizabeth I.
As outras duas gravações são mais recentes, de 2011 e 2018, e trazem a obra num contexto mais litúrgico. Os libretos com muita informação e o texto cantado constam nos arquivos nesses casos e podem fazer a experiência de ouvir essas gravações ainda mais enriquecedora. No caso da gravação mais recente, feita pelo selo Linn Records, há trechos de texto falado, recitados por um famoso personagem inglês. Se precisar decifrar quem é o dono da voz, sugiro contratar um bom detetive…
William Byrd (1540 – 1623)
The Great Service
The Morning Service
I Venite
II Te Deum
III Benedictus
Communion
IV Kyrie
Creed
The Evening Service
Vocals [Cantor] – Robert Graham-Campbell
I Introit “Lift Up Your Hands” (Psalm 24)
II First Preces
Psalm 47 “O Clap Your Hands”
III Magnificat
IV Nunc Dimittis
V Responses
Prayers
Collects
Anthems
VI Anthem “O Lord Make Thy Servant Elizabeth”
VII Anthem “Sing Joyfully Unto God Our Strength” (Psalm 81,1-4)
Recorded At – Chapel Of King’s College, Cambridge
Alto Vocals – Anthony Musson, Benjamin Phillips (2), Stephen Hilton (2)
Bass Vocals – Gavin Carr, Lawrence Whitehead (2)
Choir – The Choir Of King’s College, Cambridge*
Directed By – Stephen Cleobury
Tenor Vocals – Christopher Cullen (2), Christopher Walker (2), Robert Graham-Campbell
Treble Vocals – Graham Green (5), Thomas Elias
Recorded: 13.-14 XII. 1985, King’s College Chapel, Cambridge.
The music in the Great Service is of unparalleled proportions and inexhaustible variety; Byrd vividly represents the text at every opportunity stimulating the listener’s imagination. The Great Service encapsulates the canticles that were sung during the services of Matins and Evensong, which made up an important part of the Book of Common Prayer.
Você ainda não viu Uma passagem para a Índia, do David Lean? Então veja, pois o filme é ótimo. Na história se opõem duas culturas: os ingleses tentando manter seus hábitos em um ambiente impregnado de sabores, cheiros e cores exóticas, muito diferentes das que eles conheciam na terrinha deles. O filme originou de um livro escrito por Edward Morgan Forster – E.M. Forster. É uma linda história que descreve esta colisão de culturas, da qual as duas saem modificadas.
O disco desta postagem traz um paralelo sonoro a esse tipo de situação, mas remonta a um período anterior àquela descrita no filme – Calcutá, 1789. O programa descreve o que pode ter sido um concerto realizado em Calcutá naquela época.
Calcutá fica na província de Bengala e foi fundada em 1609 como um posto de troca pela Companhia Britânica das Índias Orientais. A cidade se tornou um cruzamento de culturas, o Ocidente se encontra com o Oriente, gerando uma colorida fusão de comidas, música e artes em geral. Por volta de 1780, a colônia inglesa residente em Calcutá era da ordem de 4000 pessoas. Entre eles, os nababos, ricos representantes do comércio onde permaneciam anos ou mesmo décadas e se cercavam de uma pequena corte, com músicos, cozinheiro e artistas.
Neste ambiente também floresciam empresários musicais, tais como William Hamilton Bird, que organizavam concertos com subscrição e que apresentavam até mesmo Oratórios. O gosto musical era afinado com o que se ouvia em Londres, onde reinava a dupla germânica formada por Carl Friedrich Abel e Johann Christian Bach, o Bach inglês. Músicos das gerações anteriores, como Purcell e Handel também constavam nos programas. É claro que a música era adaptada às disponibilidades locais. Aqui temos quartetos e quintetos com oboé, flauta, cordas e cravo. Mas o que mais coloriu o disco, assim como deve ter feito nos concertos daquela época, são os números musicais com influência da cultura local.
As mulheres desses altos funcionários da Companhia das Índias eram educadas e sabiam tocar cravo. Os nomes de duas delas aparecem no libreto. São as amigas Sophia Plowden, de Lucknow, e Margaret Fowke, de Benares. Elas assistiam a espetáculos de música e dança dos artistas locais e depois arranjavam para cravo aquelas peças que mais gostavam. Algumas dessas árias coletadas foram arranjadas e publicadas por William Hamilton Bird. Todo esse material está reunido na Coleção Fitzwilliam, em Cambridge.
Assim como deve ter ocorrido nos concertos em Calcutá, temos essas pioneiras peças de world music, que funcionam como interlúdios para as peças ocidentais, nas quais brilham também os instrumentos locais, como a tabla e o sitar. A primeira faixa é realmente fascinante. Inicia com solo no cravo e é uma transcrição de uma ária hindustani, ao qual se juntam os instrumentos locais, assim como flauta, oboé, violino violoncelo, numa verdadeira jam session que vale o download.
Tradicional
Sakia (ária hindustani) (Arr. para grupo de câmera feito por Notturna)
Johann Christian Bach (1735 – 1782)
Quinteto para flauta, oboé, violino, violoncelo e cravo, Op. 22, No. 2
Allegro commodo
Tempo di minuetto
Quinteto para flauta, oboé, violino, violoncelo e cravo, Op. 22, No. 1
Andantino
George Frideric Handel (1685 – 1759)
Sonata em sol maior para oboé, dois violinos e b. c. – ‘My song shall be away’
Largo e staccato
Allegro
Adagio
Allegro
Henry Purcell (1659 – 1695)
(Arr. para grupo de câmera feito por Notturna)
If love’s a sweet passion (de The Fairy Queen, Z628)
Calcutá 1789 é um retrato fascinante da vida musical do século 18 na Índia durante o período colonial britânico.
Sob a direção de Christopher Palameta, o programa combina música tradicional indiana com obras de Purcell, Handel, J.C. Bach e C. F. Abel.
Aos instrumentistas de época de Notturna juntam-se os sons voluptuosos do sitar, tocado por Uwe Neumann, e da tabla, tocada por Shawn Mativetsky.
Inspirada em um programa de concertos de 1789 descoberto nos arquivos de Calcutá, a gravação reconstrói o rico intercâmbio cultural que se desenvolveu entre músicos indianos e ingleses que foram trazidos para a Índia como parte da comitiva da Companhia Britânica das Índias Orientais.