O que caracteriza o que chamamos música espanhola em palavras é elusivo, mas evidente nos sons musicais. E o fascínio por música espanhola é universal. Basta lembrar do Capricho Espanhol ou de Carmen.
Domenico Scarlatti e Luigi Boccherini são compositores que devem grande parte de suas reputações exatamente por terem vivido e produzido o melhor de sua arte na Espanha.
Os compositores franceses do século XIX e XX influenciaram e foram influenciados pela música espanhola. Basta pensar nos compositores-pianistas Manuel de Falla, Isaac Albéniz e Enrique Granados.
Eu adoro este tipo de música. O LP Danzas Españolas, de Granados, interpretadas por Alicia de Larrocha quase furou e desde então, sempre que vejo um disco com esse tipo de repertório vou logo investigar.
O pianista Luis López nasceu em Tenerife e começou seus estudos no Conservatório Superior de Canárias e aperfeiçoou-se na Polônia. Este disco é muito recente e traz peças de Granados e Albéniz. A produção – o som – e o programa do disco são excelentes. As Valsas Poéticas são deslumbrantes e as outras peças muito bem escolhidas.
Acrescentei ao disco da postagem uma coleção de faixas de um disco antigo, gravado pela pianista brasileira Magda Tagliaferro. A única peça em comum com aquelas do primeiro disco é uma peça de Goyescas, Quejas o la Maja y el Ruiseñor, mas há uma grande afinidade no repertório e ouvir interpretações tão diferentes é fascinante.
Espero que goste das peças e que a audição seja um estímulo para que você explore esse tipo de repertório.
Enrique Granados (1867 – 1916)
8 Valses poéticos
Introducción. Vivace molto
1, Melódico
2, Tempo de vals noble
3, Tempo de vals lento
4, Allegro humoristico
5, Allegretto
6, Quasi ad libitum
7, Vivo
8a Coda. Presto
8b, Tempo dil primero vals
Capricho Español, Op. 39
Capricho Español
Goyescas
Quejas o la Maja y el Ruiseñor
Isaac Albeniz (1860 – 1909)
Iberia, Cahier 1
El Puerto
Evocación
Iberia, Cahier 2
Almería
Luis López, piano
Luis López interpreta estas 8 Valsas Poéticas com rigor e inspiração, com uma sensibilidade magistral e pulso determinado. Ele completa os silêncios com intenção declarada e minucioso. Como se cada frase, cada silêncio, cada momento de som fosse uma eternidade que surge da mais distante inspiração poética.
It is difficult to think of a more irrepressible virtuoso pianist than Brazillian born but Paris based Magda Tagliaferro…a pianist who revelled in music of a facile but endearing charm.
Esta postagem é uma reverência aos 400 anos da morte de William Byrd
William Byrd morreu há quatrocentos anos, em 1623, depois de ter vivido 83 anos. Nos nossos dias isso é considerado um feito, imagine há tantos séculos. E olhe que William era católico vivendo na Inglaterra, durante o período do surgimento da Igreja Anglicana – um ambiente no qual se misturavam religião e assuntos de estado, com conspirações ocorrendo em cada esquina.
Byrd foi organista da Lincoln Cathedral a partir de 1563 e tornou-se músico da Chapel Royal, assumindo o lugar de Robert Parsons, em 1572, servindo assim, ao lado de Thomas Tallis e outros, a Igreja Anglicana. Ao mesmo tempo era membro ativo da comunidade católica e recebia a patronagem de importantes aristocratas católicos. Em termos de música sacra, enquanto na Igreja Católica os ofícios eram em latim e a música elaborada, na Igreja Anglicana usava-se o inglês e a música que se esperava devia ser simples, uma nota para cada vogal. É claro que em certas circunstâncias esperava-se alguma coisa mais elaborada e até uns certos latins…
Mas para Byrd, essa vida dupla tornou-se mais perigosa durante a década de 1580, ao longo da qual houve tentativas de destronar a rainha Elizabeth I, para coroar em seu lugar sua prima Maria Stuart. Além disso, em 1585 morreu Thomas Tallis, que era figura importante na vida de Byrd. Eles dividiam direito de publicação de música entre outras coisas. Byrd e sua família passaram diversos perrengues, chegando a ser investigado, pagando multas por não atender aos ofícios da igreja, passando por prisão domiciliar. Safava-se por ter costas-quentes e numa ocasião até por intervenção da rainha, que gostava de música e queria exibir, pelo menos nas devidas ocasiões, pompa e esplendor. E nisso, esses músicos eram realmente espetaculares, dominavam a arte como poucos. Há um moteto de Thomas Tallis, Spem in alium, para 40 vozes. É pouco ou quer mais? Os músicos da Chapel Royal, como Robert Parsons, John Sheppard e William Mundy, produziram música mais elaborada, os serviços, que faziam as vezes das missas no caso católico. Mas Tallis e Byrd só produziram serviços bastante simples, seguindo à risca as determinações do Arcebispo…
É por isso que a obra dessa publicação, The Great Service, coloca um certo mistério na história. Apesar de deter poder de publicação, essa obra não foi publicada durante a vida do compositor. Por volta de 1594 Byrd diminuiu suas atividades na Chapel Royal e mudou-se com a família para uma pequena vila em Essex, ficando próximo de um rico dono de terras na região, Petre, que era católico. Isso tudo não impediu que Byrd continuasse a produzir música que servisse a Igreja Anglicana e The Great Service pode ter sido um projeto que seguiu à publicação das Missas para Três, Quatro e Cinco Vozes, dando continuidade à tradição de obras desse escopo escritas por outros compositores, como William Mundy e Robert Parsons. A obra é composta para um coro de cinco partes, dividido em Decani e Cantoris (nomes dados às duas tendas de coro em que as duas divisões do coro ficavam de frente uma para a outra do outro lado do corredor). Algumas seções são marcadas para grupos de solistas, rotuladas como “verso” e contrastando com as seções “completas”. O coro era normalmente dobrado pelo órgão (como as partes sobreviventes do órgão deixam claro) e provavelmente às vezes por instrumentos de sopro altos (cornetts e sackbuts), uma prática que causou muito indignação entre os puritanos da época. Sua sobrevivência deve-se principalmente a conjuntos incompletos de livros parciais do coro da igreja, bem como três partes contemporâneas do órgão. Ao reunir vários manuscritos, os estudiosos se deram com um texto praticamente completo, embora a primeira parte do Contratenor Decani do Venite ainda esteja faltando. Devido ao seu escopo, a obra deve ter ficado limitada à Chapel Royal.
As partes do Grande Serviço são sete: três formam as Matinas (Morning Prayers), duas formam a Comunhão (Communion), e mais duas formam as Vésperas (Evensong):
Venite
Te Deum
Benedictus
Kyrie
Creed
Magnificat
Nunc dimitts
Eu escolhi quatro gravações, duas das quais eu ouço já há muitos anos. A primeira é a mais antiga, com o coro do King’s College, sob a direção de Stephen Cleobury é de 1987 e foi publicada na saudosa série Reflexe, da EMI. Essa é uma gravação muito interessante que apresenta as partes da obra com alguns pequenos números entre elas, colocando-as como em uma liturgia. Para completar, dois anthems, o primeiro deles falando da Rainha Elizabeth.
Depois consegui um disco com a gravação de The Tallis Scholars, com direção de Peter Phillips. Essa interpretação também é de 1987 (meu Deus, o tempo voa…) e parece mais alinhada com as práticas de época. Originalmente foi lançada pelo selo Gimell Records e hoje deve estar sob controle de algum selo universal… Ela apresenta os movimentos seguidos sem qualquer outro número. O Kyrie, que dura perto de dois minutos, não aparece nesse disco, que termina com três Anthems, dois deles também fazem parte do disco anterior. A capa traz um retrato da Rainha Elizabeth I.
As outras duas gravações são mais recentes, de 2011 e 2018, e trazem a obra num contexto mais litúrgico. Os libretos com muita informação e o texto cantado constam nos arquivos nesses casos e podem fazer a experiência de ouvir essas gravações ainda mais enriquecedora. No caso da gravação mais recente, feita pelo selo Linn Records, há trechos de texto falado, recitados por um famoso personagem inglês. Se precisar decifrar quem é o dono da voz, sugiro contratar um bom detetive…
William Byrd (1540 – 1623)
The Great Service
The Morning Service
I Venite
II Te Deum
III Benedictus
Communion
IV Kyrie
Creed
The Evening Service
Vocals [Cantor] – Robert Graham-Campbell
I Introit “Lift Up Your Hands” (Psalm 24)
II First Preces
Psalm 47 “O Clap Your Hands”
III Magnificat
IV Nunc Dimittis
V Responses
Prayers
Collects
Anthems
VI Anthem “O Lord Make Thy Servant Elizabeth”
VII Anthem “Sing Joyfully Unto God Our Strength” (Psalm 81,1-4)
Recorded At – Chapel Of King’s College, Cambridge
Alto Vocals – Anthony Musson, Benjamin Phillips (2), Stephen Hilton (2)
Bass Vocals – Gavin Carr, Lawrence Whitehead (2)
Choir – The Choir Of King’s College, Cambridge*
Directed By – Stephen Cleobury
Tenor Vocals – Christopher Cullen (2), Christopher Walker (2), Robert Graham-Campbell
Treble Vocals – Graham Green (5), Thomas Elias
Recorded: 13.-14 XII. 1985, King’s College Chapel, Cambridge.
The music in the Great Service is of unparalleled proportions and inexhaustible variety; Byrd vividly represents the text at every opportunity stimulating the listener’s imagination. The Great Service encapsulates the canticles that were sung during the services of Matins and Evensong, which made up an important part of the Book of Common Prayer.
Você ainda não viu Uma passagem para a Índia, do David Lean? Então veja, pois o filme é ótimo. Na história se opõem duas culturas: os ingleses tentando manter seus hábitos em um ambiente impregnado de sabores, cheiros e cores exóticas, muito diferentes das que eles conheciam na terrinha deles. O filme originou de um livro escrito por Edward Morgan Forster – E.M. Forster. É uma linda história que descreve esta colisão de culturas, da qual as duas saem modificadas.
O disco desta postagem traz um paralelo sonoro a esse tipo de situação, mas remonta a um período anterior àquela descrita no filme – Calcutá, 1789. O programa descreve o que pode ter sido um concerto realizado em Calcutá naquela época.
Calcutá fica na província de Bengala e foi fundada em 1609 como um posto de troca pela Companhia Britânica das Índias Orientais. A cidade se tornou um cruzamento de culturas, o Ocidente se encontra com o Oriente, gerando uma colorida fusão de comidas, música e artes em geral. Por volta de 1780, a colônia inglesa residente em Calcutá era da ordem de 4000 pessoas. Entre eles, os nababos, ricos representantes do comércio onde permaneciam anos ou mesmo décadas e se cercavam de uma pequena corte, com músicos, cozinheiro e artistas.
Neste ambiente também floresciam empresários musicais, tais como William Hamilton Bird, que organizavam concertos com subscrição e que apresentavam até mesmo Oratórios. O gosto musical era afinado com o que se ouvia em Londres, onde reinava a dupla germânica formada por Carl Friedrich Abel e Johann Christian Bach, o Bach inglês. Músicos das gerações anteriores, como Purcell e Handel também constavam nos programas. É claro que a música era adaptada às disponibilidades locais. Aqui temos quartetos e quintetos com oboé, flauta, cordas e cravo. Mas o que mais coloriu o disco, assim como deve ter feito nos concertos daquela época, são os números musicais com influência da cultura local.
As mulheres desses altos funcionários da Companhia das Índias eram educadas e sabiam tocar cravo. Os nomes de duas delas aparecem no libreto. São as amigas Sophia Plowden, de Lucknow, e Margaret Fowke, de Benares. Elas assistiam a espetáculos de música e dança dos artistas locais e depois arranjavam para cravo aquelas peças que mais gostavam. Algumas dessas árias coletadas foram arranjadas e publicadas por William Hamilton Bird. Todo esse material está reunido na Coleção Fitzwilliam, em Cambridge.
Assim como deve ter ocorrido nos concertos em Calcutá, temos essas pioneiras peças de world music, que funcionam como interlúdios para as peças ocidentais, nas quais brilham também os instrumentos locais, como a tabla e o sitar. A primeira faixa é realmente fascinante. Inicia com solo no cravo e é uma transcrição de uma ária hindustani, ao qual se juntam os instrumentos locais, assim como flauta, oboé, violino violoncelo, numa verdadeira jam session que vale o download.
Tradicional
Sakia (ária hindustani) (Arr. para grupo de câmera feito por Notturna)
Johann Christian Bach (1735 – 1782)
Quinteto para flauta, oboé, violino, violoncelo e cravo, Op. 22, No. 2
Allegro commodo
Tempo di minuetto
Quinteto para flauta, oboé, violino, violoncelo e cravo, Op. 22, No. 1
Andantino
George Frideric Handel (1685 – 1759)
Sonata em sol maior para oboé, dois violinos e b. c. – ‘My song shall be away’
Largo e staccato
Allegro
Adagio
Allegro
Henry Purcell (1659 – 1695)
(Arr. para grupo de câmera feito por Notturna)
If love’s a sweet passion (de The Fairy Queen, Z628)
Calcutá 1789 é um retrato fascinante da vida musical do século 18 na Índia durante o período colonial britânico.
Sob a direção de Christopher Palameta, o programa combina música tradicional indiana com obras de Purcell, Handel, J.C. Bach e C. F. Abel.
Aos instrumentistas de época de Notturna juntam-se os sons voluptuosos do sitar, tocado por Uwe Neumann, e da tabla, tocada por Shawn Mativetsky.
Inspirada em um programa de concertos de 1789 descoberto nos arquivos de Calcutá, a gravação reconstrói o rico intercâmbio cultural que se desenvolveu entre músicos indianos e ingleses que foram trazidos para a Índia como parte da comitiva da Companhia Britânica das Índias Orientais.
Neste surpreendente disco é percorrido o caminho inverso do que vimos recentemente por aqui – uma orquestração do Quarteto para Piano e Cordas No. 1, com o festivo e impetuoso Presto alla zingarese final. Apresentados aqui, temos o tal Quarteto em sol menor op. 25, na sua versão original, e ao seu lado, um arranjo da Sinfonia No. 3 para a mesma formação – piano e cordas – feito pelo arranjador e compositor Andreas N. Tarkmann (nascido em 1956).
Arranjos de obras escritas originalmente para orquestra adaptadas para conjuntos menores ou mesmo para piano eram comuns na época anterior à música gravada, pois permitia que a música fosse apreciada ou por amadores ou mais facilmente executada. Há uma versão para trio com piano da Sinfonia No. 2 de Beethoven. Arnold Schoenberg arranjou a Canção da Terra, de Mahler, para um conjunto bem menor de instrumentos e, como você já deve saber, orquestrou o Quarteto No. 1.
A novidade aqui deve-se ao fato de que este arranjo da sinfonia de Brahms foi feito recentemente para o Notos Quartett pelo versátil e prolífico Andreas Tarkmann. A crítica do disco no The Guardian começa com a retórica pergunta: por que ouvir uma versão para um conjunto de câmara se há tantas gravações excelentes da versão para orquestra? Ao final chega-se à conclusão que é necessário realmente ouvir o disco para crer que o quarteto arranjado é tão bom quanto o escrito por Brahms. Como eu sempre gostei do Quarteto Cigano, ouvi o disco muitas vezes… e adorei. Vamos, dê uma chance ao jovem grupo musical e seu arranjador. Aposto uma cocada como você vai gostar. Depois me conte…
Parte da crítica que pode ser lida na íntegra aqui: […] listen to what the Notos players do with the Piano Quartet No. 1. This is a stupendous performance, which entirely gets the point of Brahms’s youthful energy and ambition. Antonia Köster’s piano playing is suitably aristocratic without being overwhelming, the ensemble between her and the three string players is clean, detailed, delicate as required, and miraculously, elastically organic; Sindri Lederer’s violin tone is opulent and beautifully voiced; Andrea Burger’s viola playing is ideal for this sort of repertoire; and Philip Graham endows the cello part with rich lyricism. Together they have worked out the work’s accumulative strengths, and the result is breathtaking. I’m still reeling from the sheer power of the Andante’s middle section. Highly recommended.
[…] ouça o que os músicos do Notos fazem com o Quarteto de Piano No. 1. Esta é uma performance estupenda, que atinge inteiramente a energia e a ambição juvenil de Brahms. O piano de Antonia Köster é adequadamente aristocrático sem ser avassalador, o conjunto entre ela e os três tocadores de cordas é limpo, detalhado, delicado conforme necessário e, milagrosamente, elasticamente orgânico; O tom de violino de Sindri Lederer é opulento e lindamente dublado; A viola de Andrea Burger é ideal para esse tipo de repertório; e Philip Graham dota a parte do violoncelo de rico lirismo. Juntos, eles trabalharam os pontos fortes acumulados do trabalho e o resultado é de tirar o fôlego. Ainda estou me recuperando do poder absoluto da seção central do Andante. Altamente recomendado.
Dei com o nome Arabella Steibacher em um artigo da BBC Music Magazine sobre a famosa violinista Anne-Sophie Mutter. Ela criou em 1997 uma fundação para apoiar jovens talentos do naipe de cordas e Arabella estava entre os beneficiados, assim como Daniel Muller-Schott (violoncelo), Roman Patkoló (contrabaixo) e Sergey Kachatryan (violinista). Os benefícios culturais de iniciativas como essa são muitos e enriquecem nossas vidas.
O disco me atraiu imediatamente pelo repertório: sonatas para violino e piano compostas por franceses cujas existências coincidiram em parte, mas que também representam diferentes gerações.
Gabriel Fauré é o mais velho, mas foi bem longevo. Ele compôs duas sonatas para violino, mas essa do disco, é a primeira delas, ainda no século XIX, por volta de 1875. A première oficial foi na Société Nationale de Musique, na Sala Pleyel, que promovia música ‘francesa’ em contraste com a música ‘germânica’. Essa composição foi importante para estabelecer a reputação de Fauré como compositor.
Maurice Ravel é possivelmente o mais conhecido destes compositores e também compôs duas sonatas para violino. Como a primeira delas só veio a público depois da morte do compositor, esta segunda sonata é geralmente tratada apenas como Sonata para Violino de Ravel. Composta nos anos da década de 1920, teve o jazz e o blues, que eram muito populares em Paris desde o início do século XX, como fonte de inspiração. O terceiro movimento é intitulado ‘blues’.
A peça mais recente é a que abre o disco, uma belezura composta por Francis Poulenc. No entanto, a composição de uma sonata para violino foi um projeto que demorou a ser realizado. Várias tentativas ocorreram, desde a juventude do compositor, mas só em 1942 se completou. A sonata foi dedicada à memória do poeta Garcia Lorca, mas teve como madrinha a violinista Ginette Neveu, que deu vários pitacos para a parte de violino e estreou a peça ao lado do compositor como o pianista. Para entender a relutância e dificuldade que Francis Poulenc enfrentou na composição da peça, basta ler essas linhas que ele deixou ao completar o rascunho da peça: Le monstre est au point. Je vais commencer la réalisation. Ce n’est pas mal, je crois, et en tout cas fort différent de la sempiternelle ligne de violon-mélodie des sonates françaises du XIXe siècle…. Le violon prima donna sur piano arpège, me fait vomir. (O monstro está no ponto. Vou começar a realização. Não está mal, eu acho, e de qualquer forma é muito diferente da eterna linha violino-melodia das sonatas francesas do século XIX. O violino prima donna sobre os arpejos do piano me dá engulhos). Eu diria que o resultado ficou excelente.
Para fechar o cortejo, assim como um ‘encore’, temos mais uma peça de Ravel, Tzigane, cuja inspiração está evidente no próprio nome.
Aqui em casa gostamos de comida chinesa e pedimos pelo aplicativo – eu adoro frango xadrez. Mas, gostamos mesmo é dos biscoitos da sorte. Adoramos essas frases minúsculas de ‘sabedoria chinesa’, como a maravilhosa: O segredo da longevidade é comer a metade, andar o dobro e rir o triplo’!
Se está ali, escrito, não é segredo, mas chegou apenas no seu biscoito da sorte. Parece algo que foi feito só para você. Ah, depois dessa, só pedimos meias-porções, andamos até a entrada do condomínio para buscar a comida e rimos à beça, especialmente de nós mesmos.
Bom, alegria mesmo nos deu foi esse álbum da postagem, música da Belle Époque, cheia de charme e elegância, de virtuosismo e melodias inesquecíveis. Os compositores franceses desse período, início do século 20, escreveram ou transcreveram muita música linda para duo de pianos ou piano a quatro mãos. Eu adoro esse tipo de repertório e já andei postando alguns discos dessa estirpe por aqui. Esse é de 2010, mas só agora cruzou comigo. Eu já conhecia os intérpretes, que são irmãos, mas não os havia ouvido como um duo.
Karin Lechner nasceu em Buenos Aires, Argentina. Ela passou a maior parte de sua juventude em Caracas, Venezuela, onde começou seus estudos musicais com sua mãe, Lyl Tiempo. Ela fez sua primeira aparição pública aos cinco anos de idade, e sua estreia com orquestra quando tinha 11 anos.
Mudou-se para a Europa e continuou seus estudos de piano com Maria Curcio e Pierre Sancan e também recebeu conselhos musicais de Martha Argerich, Nelson Freire, Daniel Barenboim, Nikita Magaloff e Rafael Orozco.
Sergio Tiempo fez sua estreia profissional no Amsterdam Concertgebouw aos quatorze anos, e logo se tornou internacionalmente conhecido por sua energia bruta e versatilidade musical, de Brahms a Villa-Lobos e Ginastera.
Nascido em Caracas, Venezuela, Sergio Tiempo iniciou seus estudos de piano com sua mãe, Lyl Tiempo. Enquanto esteve na Fondazione per il Pianoforte em Como, Itália, trabalhou com Dimitri Bashkirov, Fou Tsong, Murray Perahia e Dietrich Fischer-Dieskau. Ele recebeu orientação musical frequente, assim como conselhos de Martha Argerich e Nelson Freire e se apresenta regularmente com o conterrâneo e amigo Gustavo Dudamel.
O repertório do disco é ótimo. Scaramuche é uma suíte escrita por Darius Milhaud, que andou pelo Brasil como adido cultural da Embaixada Francesa, e essa experiência pode ser ouvida no terceiro e último movimento da suíte.
Depois temos transcrições da Segunda Suíte do balé Daphnis et Chloé, de Maurice Ravel, feitas por Lucien Garban, que era editor de música na editora Durand e foi amigo de Ravel por toda a vida.
No centro do disco uma peça para piano a quatro mãos, a Suíte Dolly, de Gabriel Fauré, famosa por sua inspiração no universo das crianças e que termina em um tour de force, Le pas espagnol, um enorme sucesso aqui em casa.
Depois dois noturnos de Debussy – Nuages e Fètes – transcritos para duo de pianos por Ravel. E para completar esse lindo disco, La valse, também de Ravel, em uma transcrição para duo de pianos pelo próprio compositor.
Seção “The Book is on the Table”: …without doubt one of the most electrifying recordings of four-hand piano music I have ever heard. Fauré’s Dolly is invested with a subtly expressive detail that makes you listen with fresh ears to this well-worn favourite… La valse is a thrilling tour de force. Gramophone Magazine January 2010
Do site da gravadora: It is always a musical highlight when both brother and sister join forces to offer us a truly virtuosic but also highly inspired moment of music. Their first album for avanticlassic focuses on one of the most interesting musical periods in France history: La Belle Époque. With Scaramouche from Darius Milhaud, Daphnis and Chloé by Maurice Ravel, Dolly by Gabriel Fauré, two Nocturnes from Debussy and a haunting la Valse from Maurice Ravel, they chose an inspired program displaying the intimacy, the magic, but also the fascinating musical concepts arising from this culturally rich era.
Os melhores livros são os que emprestamos dos amigos. Foi assim, Maurice Ravel emprestou de seu amigo, o pianista Ricardo Viñes, um livro de poemas escrito por Aloysius Bertrand. As poesias são cheias de personagens fantásticos e de histórias de terror. Esse disco reúne peças que foram em parte inspiradas nessas histórias escritas em forma de poemas. O disco tem dois lados, assim como o famoso personagem do conto “O Médico e o Monstro” – Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
A primeira parte é a peça que leva o nome do livro, Gaspard de la nuit, com seus três movimentos: Ondine, Le Gibet e Scarbo. Esta peça é considerada a mais difícil da literatura de piano e superou Islamey, de Balakyrev, a campeã em dificuldade até então. Pois foi o pianista Ricardo Viñes o primeiro a interpretá-la. Para saber mais sobre essa peça, veja aqui.
O outro lado do disco é uma delícia que começa com as Valsas nobres e sentimentais, nas quais Ravel emula o mundo vienense de Schubert, mais do que o de Strauss. A edição da partitura para piano (há uma versão para orquestra) leva uma citação de Henri de Régnier: “… le plaisir délicieux et toujour nouveau d’une occupation inutile” (… o prazer delicioso e sempre novo de uma ocupação inútil) – o que remete à doce inutilidade de escrever postagens, claro, guardadas as devidas proporções.
A última peça volta a ser colorida por seres fantásticos, mas do mundo das histórias para crianças (de todas as idades). A suíte da Mamãe Gansa é uma verdadeira maravilha, nessa versão para piano a quatro mãos. Encante-se com o Pequeno Polegar, A Princesinha Chinesa, A Bela e a Fera, e com o apoteótico Jardim das Fadas.
O pianista aqui é o jovem Emanuel Ax, que em 1978 tinha 29 anos e havia vencido em Tel Aviv o primeiro Concurso Arthur Rubinstein, em 1974. Na suíte da Mamãe Gansa ele tem a companhia da pianista Yoko Nazaki. Eu gostei muito deste disco já vintage, mas ainda em excelente forma.
Maurice Ravel (1875-1937)
Gaspard de la Nuit, M. 55
Ondine
Le Gibet
Scarbo
Valses nobles et sentimentales, M. 61
Modéré, très franc
Assez lent, avec une expression intense
Modéré
Assez animé
Presque lent, dans un semtiment intime
Vif
Moins vif
Épilogue. Lent
Ma mère l’oye, M. 60
Pavane de la Belle au bois dormant. Lent
Petit Poucet. Très modéré
Laideronnette, Impératrice des pagodes. Mouvement de marche
Les Entretiens de la Belle et de la Bête. Mouvement de valse très modéré
Seção “The Book is on the Table”: Emmanuel Ax is of the same generation as Murray Perahia and shares many of his attributes. These recordings date from early in his career and demonstrate all the key elements of his style – subtlety of colouring, wonderful tonal control, long-breathed lines. A must for devotees of Ax and of piano playing!
Sometimes not the playing I would look for in an individual work, but always substantial pianism and mostly much better than that. The Ravel is very, very fine, which is not in the line of most of what he does. I can often hear him solving (successfully) problems that other pianists have with specific barriers.
Un album entièrement français… Claude Debussy e Francis Poulenc contribuíram imensamente para estabelecer a identidade musical francesa, compondo música que é a um só tempo refinada, emotiva, mas também com espaço para gaiatice, ironia. E foram inovadores, verdadeiramente criativos.
A primeira vez que ouvi a sonata para violoncelo e piano de Debussy foi no disco de Rostropovich e Britten. Depois, a ouvi novamente, ao lado das suas outras sonatas, no disco da Philips, com Gendron, Grumiaux e o resto da gang. Eu gosto muito dessas obras, em particular da sonata para flauta, viola e harpa.
A música de Poulenc eu descobri um pouco mais tarde, mas agora está sempre presente em minhas playslists. A sua sonata para violino, assim como a sonata para violoncelo, está entre as minhas preferidas, mas Poulenc também compôs lindas sonatas com instrumentos de sopro que vale a pena explorar.
Esse disco todo francês, tem por intérpretes dois expoentes de uma nova geração de músicos franceses que assegura uma continuidade de excelência musical. Jean-Guihen Queyras é violoncelista de primeira e Alexandre Tharaud pianista que tem no repertório bem mais do que só música francesa. Os dois músicos já andaram por aqui, visitando a terrinha, e se você tiver a oportunidade, vá vê-los.
Não deixe de se deliciar com as duas sonatas e também com as outras peças que completam o disco. A valsa ‘La plus que lente’, uma versão para violoncelo e piano da conhecida peça para piano. Do lado mais exótico temos a bagatela de Poulenc, que é seguida pela linda serenata. Um álbum para ser saboreado…
Conheci a sonata de Poulenc graças ao Alexandre, que acredito (embora ainda não tenha conseguido fazê-lo admitir) deve ter aprendido a tocar essa música antes de começar a andar; ela parece fluir de seus dedos como se fosse uma segunda natureza. JG Queyras
As 2 obras deste disco são contemporâneas. Hindemith compôs a Sinfonia em 1934 e Bartók compôs a sua obra em 1936.
Hindemith planejava compor uma ópera com enredo baseado na vida de Matthias Grünewald, o pintor do Retábulo de Isenheim, quando William Furtwängler lhe pediu uma peça para apresentar em uma turnê que faria com a Berliner Philharmoniker. Ele resolveu compor estes movimentos sinfônicos, que foram posteriormente usados na ópera.
A peça de Bartók foi comissionada por Paul Sacher para a celebração do aniversário de dez anos de sua orquestra, a Basler Kammerorchester. Paul Sacher dedicou-se à música de seu século de muitas maneiras diferentes: como intérprete, como patrono de novas composições e como membro e patrocinador de muitos comitês e instituições. A Música para Cordas, Percussão e Celesta foi composta no mesmo período em que Bartók compôs o Quarto e o Quinto Quartetos de Cordas. A partitura dessa peça é precedida pela cuidadosa disposição dos instrumentos em relação ao regente.
Este disco me deixou intrigado, pois sempre imaginava Herbert von Karajan regendo as peças de maior apelo aos ouvintes. As sinfonias de Tchaikovsky e outros famosos compositores, assim como os concertos, sempre com jovens intérpretes. No entanto, este é apenas um dos muitos aspectos deste regente que desperta tão forte opiniões nas pessoas. Havia também o seu interesse pela música de seu próprio tempo, assim como pelas novas tecnologias. Karajan gravou essa peça de Bartók três vezes. Sua primeira gravação, feita em 1949, foi simplesmente a segunda gravação da peça. A gravação que temos aqui foi feita em novembro de 1960 e já se beneficiou da nova tecnologia de gravações – estéreo. A produção foi feita pelo lendário e controverso Walter Legge. Há ainda outra gravação dessa obra de Bartók por Karajan e a Berliner Philharmoniker, provavelmente mais conhecida, por ser para o selo Deutsche Grammophon, feita em 1973.
Quanto a obra de Hindemith, não sei quantas gravações Karajan fez, mas certamente ela fazia parte de seu repertório de novidades, como as sinfonias de Arthur Honegger e as peças dos seres do outro planeta, Schoenberg, Berg e Webern. Há uma gravação feita ao vivo de um concerto com a Wiener Symphoniker em 18 de fevereiro de 1957, na Grosser Saal des Wiener Musikvereins, cujo programa foi a Sinfonia de Hindemith e a Sétima de Beethoven.
As duas obras do disco, apesar da proximidade temporal, não poderiam ser mais diferentes. Um texto que descreve a obra de Bartók começa assim; ‘Qual é a fonte dessa música diabólica? As divagações cromáticas sugerem Wagner e o seu Tristão, que preludia Schönberg. Mas existem outros antecedentes, e estes incluem Strauss, Stravinsky, Debussy, Ravel e, crucialmente, a música folclórica da Hungria natal de Bartók e dos seus arredores’. Diabólica… bem, trechos da obra foram usados em filmes como Being John Malkovich e Shining. Aqui você encontrará mais informações sobre essa peça.
A obra de Hindemith não é uma sinfonia no sentido estrito, uma vez que sua composição derivou de material que seria usado na ópera, mas é bem próxima do que se esperava de uma sinfonia. Veja como inicia a descrição da peça em uma análise acadêmica: “É irônico que a Sinfonia “Mathis der Maler” tenha sido considerada anti-alemã pelos nazistas. Do ponto de vista estilístico, como uma obra tonal que revive a tradição sinfônica alemã, com um foco nacionalista e uso de melodias folclóricas, deveria ter sido uma obra modelo de um compositor do Terceiro Reich. No entanto, sua paleta sonora melódica e pós-romântica a coloca na categoria de outras obras europeias da década de 1930 por compositores como Stravinsky, Bartók, Schoenberg e Shostakovich que reagiram em sua música contra o totalitarismo.”
O primeiro movimento da sinfonia, por exemplo, foi inspirado no painel “O Concerto Angélico” (Engelkonsert) de Mathis Grünewald, que retrata três anjos tocando e cantando para o recém-nascido Cristo e sua mãe. A pintura serviu de inspiração para o primeiro movimento da Sinfonia, também funcionando como prelúdio para a ópera. Aqui, Hindemith optou por citar uma melodia folclórica de oito compassos, Es sungen drei Engel ein süssen Gesang (Três Anjos Cantaram uma Canção Doce). O Sepultamento, segundo movimento da Sinfonia, foi inspirado na parte de baixo do Tríptico.
A pintura mais impressionante, na minha opinião é a que trata das tentações de Santo Antônio.
Béla Bartók (1881-1945)
Música para Cordas, Percussão e Celesta, Sz. 106
Andante tranquilo
Allegro
Adagio
Allegro molto
Paul Hindemith (1895-1963)
Sinfonia “Mathis der Maler”
Engelskonzert (Concerto Angélico)
Grablegung (Sepultamento)
Versuchung des heiligen Antonius (As Tentações de Santo Antônio)
Numa entrevista de Herbert para Herbert, que você poderá ver na íntegra aqui:
Herbert Pendergast – ‘Você acha que a música de compositores como Boulez e Webern será facilmente compreendida pelo público musical da próxima geração?’
Herbert von Karajan – ‘Tenho certeza de que a próxima geração não terá problemas em compreender a maior parte da música de hoje.Pense no Concerto para Orquestra de Bartók.Há vinte anos era considerado inacessível;hoje é um clássico.Pense na Música para Cordas, Percussão e Celesta.Quando o tocamos hoje, soa como um concerto grosso de Handel.Com o declínio da inspiração melódica na música, as técnicas seriais de hoje são uma disciplina auto-imposta necessária para o compositor…’
Paul resolveu pousar para fotos com os instrumentos do acervo do PQP Bach, durante a preparação da postagem… Béla caiu na gargalhada…
O disco consiste em dois concertos para piano de Mozart, do período de plena maturidade do compositor, mas com características próprias, muito distintas.
O Concerto No. 20 em ré menor (1785) é austero, começa com ares ameaçadores e sombrios, cheio de afinidades com a ópera ‘Don Giovanni’. É um de dois concertos em tonalidade menor e tem um dos movimentos lentos mais sublimes em toda a literatura musical. Já o Concerto No. 27 em si bemol maior (1791) é o último da série de concertos, cheio de leveza, claridade e de uma certa alegria que só Mozart é capaz de produzir em seus momentos de grande tristeza.
O intérprete, solista e regente nesta gravação, parece mais adequado aos grandes concertos românticos, é verdade, mas talvez por ter sido criança prodígio, assim como Wolfie, mostra grande afinidade com a música e o disco é tão bom que dá vontade de ouvir de novo…
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Concerto para Piano No. 20 em ré menor, K. 466
Allegro
Romanze
Allegro assai
Concerto para Piano No. 27 em si bemol maior, K. 595
Seção ‘The-book-is-on-the-table’: EMI recorded the two concertos in Munich in 2008, capturing a pleasantly ambient acoustic that perfectly suits the music; it’s slightly resonant without in any way hampering midrange transparency. There is ample stage depth for the relatively small ensemble accompanying Kissin, with a realistic piano sound, reasonably wide dynamics, a modest impact, and good, clean definition and air. It’s probably easier to describe the sound by what it’s not: It’s not bright, hard, or edgy nor is it unnecessarily warm, soft, clouded, or fuzzy. For this music, it is just right. Para ler toda a crítica, clique aqui.
As suítes para teclado de Handel nunca ganharam a mesma popularidade que as suítes de Bach (Suítes Francesas, Suítes Inglesas, Partitas) ou as sonatas de seu contemporâneo italiano Domenico Scarlatti. São obras muito atraentes, com características handelianas sintetizando as características de teclado do sul da Alemanha e da Itália em um estilo e estrutura franceses muito rigorosos. Embora não sejam obviamente virtuosísticas, certamente representam um desafio para o intérprete, e o conteúdo musical é definitivamente o de Handel dos grandes oratórios, óperas e músicas orquestrais: audaz, dramático e festivo ou afetuoso.
Nas interpretações gravadas neste disco, pela pianista Dina Ugorskaja, essas características estão bastante presentes. Com tempos mais largos o aspecto mais grandioso dessas peças fica enfatizado.
Lamentavelmente, Dina Ugorskaja morreu muito cedo, em setembro de 2019. Ela era filha do pianista Anatol Ugorsky e da musicologista e artista Maja Elik. Dina estudou inicialmente com seu pai, mas toda a sua formação se deu na Alemanha, para onde a família buscou abrigo em 1990, deixando a então União Soviética.
Veja o que nos diz a abertura de sua página: Dina Ugorskaja é uma musicista reservada e profundamente intensa, séria e de voz suave, sonhadora e radiante. Sua excelência musical foi internalizada, realizada e agora nos é transmitida apenas por meio dessas incríveis gravações, como as suítes de Handel, o Cravo Bem Temperado de Bach, as obras tardias de Beethoven e Schubert.
PS: Esta postagem foi escrita antes de 5 de setembro de 2023, dia que Anatol Ugorsky faleceu, em Detmold, na Alemanha.
Seção ‘The-book-is-on-the-table’: Handel was known as a superb keyboard player, and these dance suites exploit the expressive and technical resources of his instrument with no less mastery than that of his Leipzig counterpart, and with a joie de vivre that makes listening a constant diversion and delight.
Um jovem pianista com muita confiança se prepara para lançar um de seus primeiros álbuns no qual aparecerá como solista de uma conhecida orquestra e seu famoso maestro. Qual repertório escolher? Uma grande obra com centenas de gravações famosas que certamente levarão a comparações com os monstros sagrados do teclado ou algumas peças que ficam em menos evidência, mas que exercem uma atração especial no solista e também na audiência?
Esse tipo de questão deve ter cruzado a mente do jovem Till Fellner lá pelos idos de 1994, quando gravou este álbum. Em 1993 sua carreira foi lançada de vez quando ganhou o primeiro prêmio no Concours Clara Haskil, em Vevey, Suíça. Aposto que ele buscou inspiração em outro jovem pianista no início de carreira e escolheu os dois brilhantes concertos de Beethoven. O Concerto No. 2 foi o primeiro dos cinco publicados que ele compôs e com o novo finale para a publicação é uma peça espetacular. O Terceiro Concerto também é uma peça importante na carreira do compositor, escrito na tonalidade dó menor, assim como o concerto de Mozart que tanto gostava. Com essa escolha, Till Fellner teve muito material para mostra toda a sua técnica e musicalidade, mas ainda assim evitar os dois grandes concertos, que eventualmente viriam a aparecer em sua discografia.
O acompanhamento ficou a cargo da experientíssima orquestra de St. Martin-in-the-Fields, regida pelo incansável Neville Marriner, que tantos ótimos álbuns nos deixou.
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Concerto para Piano No. 3 em dó menor, Op. 37
I Allegro con brio
II Largo
III Rondo – Allegro
Concerto para Piano No. 2 em si bemol maior, Op. 19
The Book-is-on-the-table section: The young Austrian pianist Till Fellner teamed with the famous British chamber orchestra Academy of St. Martin in the Fields in 1994 and they recorded the set of two Beethoven’s early piano concertos for the French label Erato. Fellner does a good job, his technique is more than adequate for the pieces and his musicality soars on slower movements. The orchestra under Sir Neville Marriner is as polished as ever, making for an impressive recording, which deserves much more attention than it actually gets. […] I do not think you will go wrong with purchasing this album, even if you already have some recordings of Piano Concertos 2&3. Fellner and Marriner certainly do no shame to the great composer.
Assim disse Antonio Roberto, um crítico amador, para a Amazon. Eu não consigo discordar dele. Aproveite!
René Denon
Aqui o outro disco com Concertos para Piano de Beethoven com o Till Fellner:
“São na verdade solos de violino sem baixo, três sonatas e três partitas, que, no entanto, podem ser muito bem executadas no teclado”. (Jacob Adlung, Anleitung zu der musikalischen Gelahrtheit, 1758)
“O compositor frequentemente as tocava no próprio clavicórdio, e acrescentava tanta harmonia a elas quanto achasse necessário.” (Johann Friedrich Agricola, 1775, Bach-Dokumente III, Nr. 808)
No ano 2000 foi lançado o resultado de um projeto realizado pela Bachakademie Stuttgart e a gravadora Hänssler Classic – uma caixa com 170 CDs contendo a integral da obra de Johann Sebastian Bach, o santo padroeiro do blog. Já se vai quase um quarto de século e eu ainda não explorei devidamente essa caixota – como diria um de meus mais saudosos amigos.
Pois antes que chegue mais uma dessas efemérides e nova caixas surjam, decidi vasculhar esse material. Algumas de suas preciosidades já foram aqui apresentadas, como a extraordinária gravação das Partitas BWV 825 – 830, pelo regente e cravista Trevor Pinnock.
Para hoje temos a música de Bach interpretada pelo cravista Robert Hill. Nestes dois discos o programa é de transcrições de música escrita originalmente para instrumentos de cordas, como a Partita BWV 1004, escrita para violino solo e que termina com a famosíssima Ciaccona.
As duas frases que estão em destaque no início do texto são evidências da prática comum tanto de Bach quanto das gentes que o cercava de interpretarem assim, ao teclado, música que fora concebida para cordas.
No disco temos transcrições feitas na época de Bach e outras recentes, feitas pelo próprio Robert Hill. Na listagem das obras a seguir isso ficará explicitado. Além disso, diferentes instrumentos de teclado são usados na gravação – cravo, clavicórdio e cravo-alaúde (Lautenklavier).
Espero que você ouça a música sem maiores preocupações com originalidade ou não, simplesmente desfrutando esse universo sonoro decididamente Bachiano. Veja que Robert Hill reúne excelente formação musical, experiência, prática e é músico de mão cheia. Há mais contribuições dele na nossa fila de espera…
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
CD1
Partita em sol menor (transcrição da Partita em ré menor BWV 1004, por Robert Hill)
Allemanda
Corrente
Sarabanda
Giga
Ciaccona
Sonata em ré menor BWV 964 (transcrição da Sonata em lá menor BWV 1003)
Grave
Fuga
Andante
Allegro
Sonata em sol maior BWV 968 (transcrição da Sonata em dó maior BWV 1005 – movimentos 2 a 4 por Robert Hill)
Adagio
Fuga – Alla Breve
Largo
Allegro Assai
Robert Hill, cravo
CD2
Partita em mi maior BWV 1006a
Preludio
Loure
Gavotte En Rondeau
Menuet I
Menuet II
Bourrée
Gigue
Sonata em dó maior BWV 966 (Composição de J.A. Reincken e arranjo de J.S. Bach)
Prélude
Fuga
Adagio/Presto
Allemande
Adagio em lá menor BWV 965 (Composição de J.A. Reincken e arranjo de J.S. Bach)
Adagio
Sonata em lá menor BWV 965 (Composição de J.A. Reincken e arranjo de J.S. Bach)
Adagio
Fugue
Adagio/Presto
Allemande
Courante
Sarabande
Gigue
Fuga em si bemol maior BWV 954 (Composição de J.A. Reincken e arranjo de J.S. Bach)
Fuga
Sonata em dó menor (transcrição da Sonata em sol menor BWV 1001 feita por Robert Hill)
Adagio
Allegro
Siciliana
Presto
Robert Hill, cravo-alaúde (1-7, 20-24), clavicórdio (8-12), cravo (13-19)
Para saber um pouco mais sobre R Hill, clique aqui.
Particularmente interessantes as faixas 12 e 13, nas quais a mesma música, composta por Reincken e transcrita para teclado por Bach, é interpretada ao calvicórdio e logo a seguir ao cravo, permitindo comparar a sonoridade dos dois instrumentos.
Johann Adam Reincken foi, assim como Dietrich Buxthehude, compositor e organista de uma geração anterior a J.S. Bach. Ambos eram expoentes na arte da improvisação e serviram como modelo para Bach, que visitou ambos em sua juventude, como parte de sua formação.
Reincken era organista em Hamburgo onde foi visitado por Bach mais uma vez em 1720, quando este fora até a cidade em busca de uma posição. Nesta ocasião Bach deu um concerto no órgão da Igreja de Santa Catarina, instrumento do qual ele muito gostava, com a presença de Reincken, que lhe pedira uma improvisação sobre o coral luterano An Wasserflüssen Babylon. Conta a história que o velho músico teria dito a Sebastian: Eu achava que esta arte [da improvisação] estivesse extinta, mas pude ver que ela ainda vive em você.
A jovem pianista achou que fosse apenas cansaço da turnê ou uma virose e continuou cumprindo sua agenda até o último concerto. No entanto, ao acordar depois disso, percebeu que a situação era mais séria – ela não conseguia levantar-se da cama e estava com a visão afetada, pois via tudo duplicado. Demorou duas semanas para que conseguisse voltar a andar de novo. Após muitos exames e visitas a diferentes médicos, a pianista Alie Sara Ott que havia maravilhado o mundo da música com suas interpretações da música de Liszt, Chopin, Beethoven, estava diante de um desafio gigante: foi diagnosticada como tendo esclerose múltipla.
Esclerose Múltipla
Também chamada: EM
Uma doença em que o sistema imunológico ataca a cobertura protetora dos nervos. Na EM, o dano resultante nos nervos interrompe a comunicação entre o cérebro e o corpo. A esclerose múltipla causa muitos sintomas diferentes, incluindo perda de visão, dor, fadiga e coordenação prejudicada. Os sintomas, gravidade e duração podem variar de pessoa para pessoa. Algumas pessoas podem não apresentar sintomas na maior parte de suas vidas, enquanto outras podem ter sintomas graves e crônicos que nunca desaparecem. A fisioterapia e a medicação que suprime o sistema imunológico podem ajudar com os sintomas e retardar a progressão da doença.
Isso ocorreu em 2018. “Encontrei-me a bordo de uma montanha-russa emocional, com sentimentos de pânico, medo e devastação”, ela escreve. No entanto, com o equilíbrio certo de tratamento e terapia, seus sintomas gradualmente diminuíram e Ott conseguiu continuar sua carreira como concertista. “Eu sempre fui uma pessoa positiva. Tenho 31 anos e ainda tenho uma longa vida pela frente. Não quero passar o resto da minha vida sendo lastimável e triste. Isso não é quem eu sou”, ela diz.
Este disco recente mostra que ela tem conseguido seguir com sua carreira de pianista, assim como outras atividades que fazem parte de sua vida. Ela também se conecta às pessoas ao colocar sua proeminência global a serviço de contratos lucrativos. Enquanto Ray Chen se apresenta exclusivamente em ternos Armani, Yuja, Yundi e Domingo consideram o relógio Rolex seu “instrumento favorito”, Alice Sara Ott modela diamantes, pulseiras e todo tipo de joia, e ela projetou uma série de bolsas de couro para uma exclusiva empresa alemã. Ela é a Embaixadora Global da Technics, a marca de áudio Hi-Fi da Panasonic.
Ludwig Van Beethoven (1770 – 1827)
Concerto para Piano No. 1 em dó maior, Op. 15
Allegro con brio
Largo
Allegro scherzando
Sonata para Piano No. 14 em dó sustenido menor, Op. 27 No. 2 “Ao Luar”
Alice Sara Ott entrou no mundo dos smartphones com sua série de adesivos “E Aqui Vem a Alice”, projetada para o popular aplicativo de mensagens instantâneas LINE. Sua estratégia de vendas diz: “Alice toca piano, preferencialmente descalça. Ela adora viajar, chocolate, uísque e origami”. E como toca…
A estrada que liga Olmutz até Absam passa por várias cidades interessantes: Brno, Viena, Linz e… Salzburgo. Por essa estrada deveria ter passado o nosso Henrique Biber, lá no verão (europeu) de 1670. O patrão, bispo Karl II von Liechentstein-Kastelkorn, o enviara até lá para comprar na loja de Herr Jacob Steiner alguns violinos e outros instrumentos de cordas para a sua orquestra. Pois o jovem Biber, lá pelos seus vinte e tantos anos, era virtuose do violino e resolveu passar uns dias em Salzburg, mostrando seus muitos talentos ao Arcebispo Maximilian Gandolph von Kuenburg, que era amigo do bispo Karl. Pois Biber gostou tanto de Salzburgo e das oportunidades locais que nunca saiu de lá.
Eventualmente, o bispo Karl se reconciliou com Biber, em prol de preservar um pouco de dignidade. Biber, na verdade, infringiu seu contrato original por seis anos (1670-1676), enquanto estava ausente e desfrutava das riquezas da vida em Salzburgo. Inclusive se casando em 1672. Biber continuou a viver a grande vida em Salzburgo até sua morte em 1704. Ele até se tornou um pouco um socialite e conquistou favores suficientes para ser nomeado cavaleiro pelo Imperador Leopoldo I em 1690 (foi quando o “von” foi adicionado a “Biber”). Os nomes Ignaz e Franz, de dois santos jesuítas, também foram acrescentados.
Essas sonatas aqui gravadas mostram bem como ele era inventivo e talentoso como compositor, revelando também um pouco de suas habilidades como instrumentista.
Eu gostei imensamente do disco, inclusive por sua linda sonoridade. O selo Glossa é Espanhol e as gravações foram feitas em Antequera, que fica próxima de Málaga. A violinista Lina Tur Bonet já esteve aqui pelo blog, patrocinada pelo próprio PQP Bach, apresentando sonatas de Herr Bach e Mr. Handel. Ela tem um excelente currículo e escreveu as notas do disco. Veja um trechinho: Em Biber, pode-se perceber um caráter intimamente ligado à terra, em sua combinação original de melodias populares, danças e elementos folclóricos, e através de seu desejo de ter seu próprio “estúdio de composição”, além de cultivar um jardim e cuidar de videiras.
Apesar do disco não conter as oito sonatas da obra completa publicada por Biber em Nurenberg, no ano de 1681, achei que as aqui apresentadas dão uma ótima perspectiva do todo.
Lina Tur Bonet selecionou quatro das oito sonatas para violino solo com baixo contínuo e acrescentou uma parthia para duas violas d’amore.
A violinista espanhola Lina Tur Bonet é uma especialista em música virtuosística para violino do início do Barroco e já gravou vários CDs com seu conjunto Musica Alchemica pelo selo Pan Classics.
Sua gravação completa das Sonatas do Rosário de Biber foi celebrada tanto por críticos quanto pelo público, e ela recebeu o prêmio Diapason d’or na França por seu CD “La Bellezza“.
“honest and heartfelt music-making, her releases are becoming things to look forward to”
Há pouco tivemos um pequeno Ligeti frenzy onde algumas ótimas gravações dos Études para Piano foram postadas. Mas, como nosso apetite por essas obras é insaciável, sempre que uma nova gravação tão bem recomendada como esta aparece, nosso editor chefe logo encomenda uma postagem, com urgência!
Realmente, o disco do Han Chen merece toda a nossa apreciação. Este jovem pianista é natural de Taichung, Taiwan, e estudou com Yoheved Kaplinsky na Juilliard School, onde obteve seu bacharelado e mestrado. Ele foi beneficiado, em parte, com uma bolsa de ex-alunos do Van Cliburn. Foi vencedor do primeiro prêmio no Sexto Concurso Internacional de Piano da China e o seu álbum de estreia, pela Naxos, oferece algumas transcrições de óperas de Liszt.
Este álbum dos Études foi escolhido pelo editor da Gramophone como um dos dez melhores para a última edição da revista. Veja um trecho da resenha: “[Chen]’s one of the few pianists who handles both gnarly contemporary scores and over-the-top Romantic showpieces with equal authority and style…” (“Chen é um dos poucos pianistas que domina tanto partituras contemporâneas desafiadoras quanto peças românticas exuberantes com igual autoridade e estilo…“)
Outro álbum do Chen é uma coletânea de peças do compositor e regente inglês Thomas Adès, que talvez apareça dia desses no seu PQP Bach mais próximo.
Sobre a música desse álbum, você já sabe, Ligeti compôs seus Estudos para Piano ao longo de sua carreira, deixando três livros, o terceiro meio que por terminar, mas assim terminado pela situação. Eu não consigo deixar de ficar muito impressionado com os arrasadores estudos Désorde (lembro do Caos da Matemática), Der Zauberlehrling (O Aprendiz de Feiticeiro) e L’escalier du diable. Mas há muito o que admirar nestas peças e espero que você comente depois de ouvir o disco, indicando quais estudos lhe impressionaram mais.
A ordem aqui é um pouco diferente dos outros discos postados. Primeiro o Livro Um e o Livro Três. Em seguida, como intermezzo, duas peças mais de juventude, dois Caprichos. Completando o disco, o Livro Dois, que inicia com o Galamb Borong (com jeito de música javanesa), Fém (que é ferro…), além de dois estudos dos que mencionei acima, terminando com a Columna infinta, que talvez nunca acabe…
Recebi uma pasta musical que prometia – Concerto para Piano No. 2 de Brahms mais as Quatro Peças para Piano, op. 119 – um total de oito arquivos na pasta, um disco virtual com oito faixas, quatro do concerto e as outras quatro, das lindas peças. O selo holandês Brillant não é assim, uma Brastemp, mas traz ótimas gravações e oferece muitas outras possibilidades além do que costuma ser gravado de novo e de novo. A pianista Karin Lechner pode não ser muito conhecida, mas foi protegida de Martha Argerich e isso não costuma acontecer por nada. A expectativa pelo disco era alta, mas ao colocar para tocar a música que surgiu foi bem outra. Escondidas atrás das informações sobre a música de Brahms estava um recital para piano, música do período romântico. Pois a deliciosa dúvida imediatamente se pôs – o que e quem estaria tocando? Até parecia um desafio do PQP Bach.
As quatro primeiras faixas eram familiares, melodias bem conhecidas, mas eu não conseguia exatamente descobrir o que estava tocando. Depois de uma segunda audição, algumas cascatas de notas começaram a se revelar. Busquei a confirmação comparando com arquivos do meu acervo (atividade bem divertida) e assim surgiu o primeiro nome – Gnomenreigen, de Liszt. Eu confesso não ter muita paciência com Liszt, mas não faz muito tempo postei dois discos de Murray Perahia e lá estava a confirmação. Daí para descobrir que a faixa quatro era a Valsa Mefisto foi um pulo, pois ela também estava num disco que havia ouvido há pouco, um disco com valsas gravado pelo pianista Vassilis Varvareso. A terceira faixa foi a que mais me iludiu. Eu achava que poderia ser um noturno de Chopin, mas não conseguia nenhuma coincidência. Fui para outra parte do disco e duas faixas descobri de cara. Schubert, Impromptu, só faltou verificar qual deles. O disco mais a mão era uma gravação de Marc-André Hamelin. Logo em seguida a faixa oito, a Primeira Balada de Chopin, linda, como interpretada por Nobuyuki Tsujii. Fui dormir com o placar empatado, quatro a quatro. No outro dia, cedo, outra faixa logo se revelou, Arabesco de Schumann, como não percebi antes? Lá estava a prova, no disco do Fabrizio Chiovetta. Mas essas vitórias empalideciam quando eu pensava na terceira faixa, tão perto, mas tão distante. Dei tratos à bola, mas nada… Neste ponto me ocorreu algo, e você pode até dizer que foi golpe baixo, mas a curiosidade me aguçava e então, apelei: Google Search – Pesquisar uma música – e a peça revelou-se o Sonho de Amor, de Liszt. Como não pude ver antes? Como dizem os gringos, I was barking to the wrong tree, pensando que pudesse ser algo de Chopin. Aí o recital se revelou por inteiro. A primeira peça, o outro estudo de Liszt, também gravado pelo Perahia, Ruídos da Floresta, e a quinta faixa, outra famosíssima, Les Jeux d’eau à la Villa D’Este, que tenho tocada pelos dedos de outro grande pianista, Pierre-Laurent Aimard. De posse do programa, faltava descobrir o pianista, mas com a lista dos nomes das peças, não foi difícil localizar. O Google logo deu o serviço, a pianista é a ótima Klára Würtz, que já teve discos aqui por mim postados, num disco do mesmo selo Brillant, com o sugestivo nome ‘Música Romântica para Piano’. O tal disco da Klára tem, na verdade, mais duas faixas, outra de Chopin, a lindíssima Barcarolle, e uma peça virtuosística de Debussy, L’isle joyeuse. Eu já havia montado um disco paralelo com as peças interpretadas pelos outros pianistas, que havia usado como referência para confirmar as peças do disco misterioso. Gostei tanto da atividade que resolvi postar assim, o romântico recital de Klára Würtz e depois, tudo de novo, com os outros intérpretes. Fica com você ouvir tudo e depois me contar do que gostou mais…
Franz Liszt (1811 – 1886)
Estudo de Concerto No. 1 – Waldesrauschen
Estudo de Concerto No. 2 – Gnomenreigen
Liebestraume, S. 541 / R. 211
Valsa Mefisto No. 1
Années de pèlerinage, Livro 3, S. 163 – No. 4, Les jeux d’eau a la Villa d’Este
Franz Schubert (1797 – 1828)
Impromptu, D935, No. 3 em si bemol maior
Robert Schumann (1810 – 1856)
Arabeske em dó maior, Op. 18
Frédéric Chopin (1810 – 1849)
Ballade No. 1 em sol menor, Op. 23
Barcarolle em fá sustendo maior, Op. 60
Claude Debussy (1862 – 1918)
L’isle joyeuse
Klára Würtz, piano
Disco Paralelo
Franz Liszt (1811 – 1886)
Estudo de Concerto No. 1 – Waldesrauschen
Estudo de Concerto No. 2 – Gnomenreigen
Murray Perahia, piano
Liebestraume, S. 541 / R. 211
Nobuyuki Tsujii, piano
Valsa Mefisto No. 1
Vassilis Varvareso, piano
Années de pèlerinage, Livro 3, S. 163 – No. 4, Les jeux d’eau a la Villa d’Este
When chosen Gramophone’s Pick of the Month (May 2022), the review sums up: “Würtz’s performances have disarming freshness which throws our listening emphases away from her and back on to the music.” The Hungarian-born pianist Klára Würtz is based in The Netherlands and is best known for her numerous recordings on Brilliant Classics.
Os Concertos para Cravo de Bach surgiram da necessidade de música para os concertos no Collegium Musicum, uma sociedade musical centrada nos alunos da Universidade em Leipzig, que se reunia semanalmente no Café Zimmerman. Bach foi o diretor dessa sociedade por certo tempo e para conseguir os concertos usou material de outras ocasiões adaptando-o para esse novo formato.
Esses concertos para cravo e orquestra sobreviveram em uma cópia feita pelo próprio Bach, reunindo os Concertos enumerados BWV 1052 – 1059. Na verdade, o manuscrito começa com a inscrição JJ – Jesus juva (Jesus, ajude) e, após o Concerto BWV 1057, encontra-se a inscrição Finis. S.D.Gl. (Soli Deo Gloria). Isso indica que esses seis concertos formam um conjunto de seis peças. A parte de cravo do Concerto BWV 1058 tem muitas correções e o Concerto BWV 1059 contém apenas fragmentos. Apesar disso, este concerto pode ser recomposto, como foi feito neste disco, pelo cravista Steven Devine, uma vez que Bach usou seus movimentos em três números da Cantata BWV 35 – Geist und Seele wird verwirret.
O disco foi lançado há poucos dias reunindo a ótima Orchestra of the Age of Enlightenment sob a regência desde o cravo de Steven Devine, com produção do também relativamente novo selo inglês Resonus, fundado em 2011. Steven já tem ótimos discos lançados pelo selo Resonus, que já ganhou alguns prêmios por seus excelentes produtos.
Como bônus para nossos fiéis seguidores, acrescento os três movimentos da Cantata BWV 35 – Espírito e Alma estão confusos, na gravação do contratenor Alex Potter acompanhado pelo conjunto Il Gardelino, pelo selo belga Passacaglie.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto em ré maior, BWV 1052
Allegro
Adagio
Allegro
Concerto em lá maior, BWV 1055
Allegro
Larghetto
Allegro ma non tanto
Concerto em ré maior, BWV 1054
[Allegro]
Adagio e piano sempre
Allegro
Concerto em ré menor, BWV 1059 (reconstrução – S. Devine)
Steven Devine combines a career as a conductor and director of orchestral, choral and opera repertoire with that of a solo harpsichordist and fortepianist. He is Conductor and Artistic Advisor of The English Haydn Festival; Music Director of New Chamber Opera, Oxford and Director of the Orchestra of the Age of Enlightenment’s “Bach the Universe & Everything” series.
The harpsichord concertos of J.S. Bach form the origins of the keyboard concerto genre that was to continue to flourish through the music of his sons, C.P.E. Bach and J.C. Bach, and onwards.
Here, celebrated keyboardist Steven Devine is joined by members of the Orchestra of the Age of Enlightenment in this recording that features the Concerto in D minor, BWV 1052, Concerto in A major BWV 1055, and the Concerto in D major BWV1054, together with a new reconstruction by Steven Devine of the Concerto in D minor BWV 1059.
Há pouquíssimos instrumentos para os quais Bach nada escreveu. No seu tempo, era costume tocar um concerto ou um solo com algum instrumento durante a comunhão, na igreja, e ele compôs um grande número de obras assim, escrevendo-os de tal forma que eles ajudavam quem os estivesse interpretando a tornar-se um artista ainda melhor – a maior parte deles se perdeu.
J.N.Forkel
Neste disco Guillaume Rebinguet Sudre dirige o Ensemble Baroque Atlantique e interpreta concertos de J.S. Bach – o Concerto para Violino No. 1 BWV 1041, o Concerto para três Violinos BWV 1096 (uma transcrição do Concerto para três Cravos BWV 1064) e um Concerto para dois Violinos, transcrito pelo próprio Guillaume a partir da Sonata para Órgão (Triosonata) BWV 530. No livreto, Guillaume explica como as conhecidas transcrições do próprio Bach lhe serviram de guia e inspiração.
Funcionando como interlúdios entre os concertos, temos uma sarabanda e duas sinfonias e aberturas de cantatas, que reforçam o lado mais introspectivo e reflexivo da música de Bach, fazendo bom contraste com os movimentos mais solares dos concertos.
O disco não é um primor de produção, mas vale a novidade da transcrição e o amor dos artistas pela música fica evidente em cada trecho.
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Concerto para Dois Violinos em sol maior, BWV 530
Guillaume Rebinguet Sudre e Diana Lee, solistas
Vivace
Lento
Allegro
Suite para Cravo em mi menor, BWV 996
Sarabande
Jean-Luc Ho, cravo
Christ lag in Todesbanden, BWV 4 & 12
Sinfonias
Violin Concerto para Violino No. 1 em lá menor, BWV1041
—
Andante
Allegro assai
Der Herr denket an uns, BWV 196
Sinfonia. Andante
Concerto para Três Violinos em dó maior, BWV 1096
Guillaume Rebinguet Sudre, Alix Boivert e Simon Pierre, solistas
Quem é Guillaume Rebinguet Sudre? Professor de violino barroco no Conservatório de Bordeaux, discípulo de Enrico Gatti e Hélène Schmitt. Ele também é um fabricante de cravo em Charente.
O Chat PQP ajudou na tradução de trechos de uma crítica original em francês: Você quer um jovem conjunto francês imaculado e às vezes até esplêndido, de primeira classe, mas previsível? Veja Pigmalião […]. Quer um coletivo às vezes desajeitado, mas cheio de ideias, que se diverte no seu primeiro disco para sacudir nossos hábitos em Bach? O Ensemble Baroque Atlantique recordará que, até há pouco tempo, a música antiga era movida pelo espírito de aventura.
O Concerto para dois violinos baseado na Sonata para Órgão BVW 530 e é menos legítimo historicamente, mas muito mais convincente musicalmente do que muitas “reconstruções” recentes.
O cartão de visita está pronto. Que a banda Atlantic dedique todo o seu tempo para entregar uma segunda obra à altura de seu talento.
“De muitas maneiras, Jenő Jandó definiu a abordagem que a Naxos tem para o seu catálogo: inovação, completude, qualidade, abrangência e disponibilidade. A isso pode-se acrescentar talvez a supremacia da obra sobre o ego do intérprete.”
Em 4 de julho de 2023 o mundo da música gravada perdeu um de seus mais prolíficos artistas – Jenő Jandó, pianista húngaro. Nascido em Pécs, em 1º de fevereiro de 1952, começou a carreira como a maioria dos pianistas, ganhando concursos e visibilidade. Atuou também como professor da Academia Franz Liszt de Budapest. O acervo de gravações deixado por Jenő Jandó merece as características listadas na página da Naxos – inovação, completude, qualidade, abrangência e disponibilidade.
Gravou para o selo Hungaroton, mas sua carreira de artista de disco se confunde com a do selo Naxos, para o qual deixou um enorme legado.
Para reverenciar tudo o que ele fez pelos amantes da música, especialmente os menos abastados, reuni nesta postagem quatro de seus discos, tentando dar alguma representatividade à sua extensa e bela obra.
Piano e Orquestra: Neste gênero Jenő Jandó deixou muitas gravações memoráveis, como a Integral dos Concertos para Piano de Mozart, que você encontrará aqui no PQP Bach. Há uma gravação da dobradinha com os concertos de Grieg e Schumann e outro disco espetacular com os Concertos de Bartók. Esse último também está aqui no blog. Como neste ano também reverenciamos o último dos românticos, decidi postar o Concerto No. 2 de Rachmaninov, que vem acompanhado da Rapsódia sobre um tema de Paganini. Música para milhões! Veja os louvores do Penguin Guide sobre esse disco, pela tradução feita pelo Chat PQP: As performances dessas obras por Jenő Jandó são muito recomendáveis. Ele tem a completa medida das idas e vindas, a fluência da fraseologia rachmaninoviana e o movimento lento é romanticamente expansivo, a reprise particularmente bela, assim como o final tem bastante energia e um sentimento lírico maduro. A Rapsódia é interpretada brilhantemente, tão boa quanto qualquer performance no catálogo.
Piano Solo: Aqui a lista de gravações é imensa. Nomes como Beethoven, Mozart, Bach, Schubert, Haydn, Schumann, Liszt, Scarlatti estão por lá. De Beethoven, Mozart, Haydn e Schubert gravou as integrais das sonatas para piano e outras cositas… De Bach há gravações do Cravo Bem Temperado e das Variações Goldberg. De qualquer forma, para mim, a Integral das Sonatas para Piano de Beethoven merece uma referência, mesmo tendo seus montes e vales, como disse o Conde Vassily. Desta coleção escolhi o disco que foi lançado como o Volume 2, com três sonatas que têm apelidos: Waldstein, Tempest e Les Adieux. Mais uma vez, o Penguin Guide: Jenő Jandó oferece aqui três das famosas sonatas, interpretadas com muito prazer, e elas soam bem agradáveis devido à sua abordagem direta.
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Sonata para Piano No. 21 em dó maior, Op. 53 “Waldstein”
Allegro con brio
Introduzione: Molto Adagio
Rondo: Allegretto Moderato
Sonata para Piano No. 17 em ré menor Op. 31 No. 2 “Tempest”
Largo – Allegro
Adagio
Allegretto
Sonata para Piano No. 26 em mi bemol maior Op. 81a “Les Adieux”
Alguns dias após está postagem ter ido ao ar, recebemos alguns comentários singelos. Entre eles, uma menção a esse disco, que decidi acrescentar à pequena antologia. Vale!
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Sonata para Piano No. 8 em dó menor, Op. 13 ‘Pathetique’
Grave – Allegro di molto e con brio
Adagio cantabile
Rondo: Allegro
Sonata para Piano No. No. 14 em dó sustenido menor, Op. 27 No. 2 ‘Ao Luar’
Adagio sostenuto
Allegretto
Presto agitato
Sonata para Piano No. No. 23 em fá menor, Op. 57 ‘Appassionata’
Música de Câmara: Jenő era ótimo músico camarístico e há vários discos primorosos nesse gênero. Sonatas para Violino e Piano com Takako Nishizaki, música para violoncelo e piano, de Kodaly, por exemplo, com a violoncelista Maria Kliegel, música para clarinete e piano com o clarinetista Kálmán Berkes. Para essa postagem escolhi uma gravação na qual ele faz parceria com o ótimo Quarteto Kodály, outra instituição da Naxos. Veja os comentários sobre a gravação dos Quintetos com Piano de Schumann e Brahms por esses titulares absolutos do time Naxos. Sobre o Quinteto de Brahms: “Essa ótima gravação da Naxos tem muito a oferecer, mesmo que não inclua a repetição da exposição do primeiro movimento. A execução é ousadamente espontânea e possui muita energia e sentimento expressivo. A abertura do final também possui um certo mistério e, de maneira geral, com uma gravação cheia de corpo e muita presença, isso causa uma forte impressão. Certamente, é uma pechincha.” Sobre o Quinteto de Schumann: “Uma performance fortemente caracterizada do belo Quinteto de Schumann, interpretado por Jenő Jandó e o Quarteto Kodály. Esta é uma interpretação vigorosa, romântica em espírito, e sua espontaneidade é bem transmitida por uma gravação vívida, feita em uma acústica atraente e ressonante.”
Robert Schumann (1810 – 1856)
Quinteto com Piano em mi bemol maior, Op. 44
Allegro Brillante
In Modo D’una Marcia. Un Poco Largamente
Scherzo: Molto Vivace – Trio I – Trio II – L’istesso Tempo
Allegro, Ma Non Troppo
Johannes Brahms (1833 – 1897)
Quinteto com Piano em fá menor, Op. 34
Allegro Non Troppo
Andante, Un Poco Adagio
Scherzo: Allegro – Trio
Finale: Poco Sostenuto – Allegro Non Troppo – Presto, Non Troppo
Música Ligeira: Num outro aspecto da música gravada, decidi trazer esse disco com selo Hungaroton, com música mais leve e despretensiosa – típica do período austro-húngaro, que revela outro aspecto da produção deste verdadeiro maratonista do piano que foi Jenő Jandó. O disco contém peças de Rossini e Schubert arranjadas para piano por Liszt. Rossini era frequentador das soirées nas casas dos abastados Aguado e Rothschild, onde ele geralmente acompanhava trechos mais famosos de suas óperas ao piano. Eventualmente ele acabou compondo novas peças para essas ocasiões. Isso deu surgimento a árias e duetos que foram posteriormente publicadas em ciclos, com o nome Soirées musicales. Liszt gostava bastante dessas peças e acabou fazendo arranjos delas para piano, que é o que ouvimos aqui. Já as Soirées de Vienne foram feitas sobre melodias de Schubert e buscam entreter e encantar.
Arranjos de Ferenc Liszt (1811 – 1886)
Composições de Franz Schubert (1797 – 1828)
Soirées De Vienne
2 Poco Allegro
Arranjos de Ferenc Liszt
Composições de Gioacchino Rossini (1792 – 1868)
Soirées Musicales R.236: Part One
1 La Promessa (The Promise) – Canzonetta
5 Il Rimprovero (Reproach) – Canzonetta
7 La Partenza (Depart) – Canzonetta
11 L’Orgia (The Orgy) – Arietta
3 L’Invito (Invitation) – Bolero
6 La Pastorella Dell’Alpi (The Shepherdess Of The Alps) – Tirolese
7 La Gita In Gondola (By Gondola) – Barcarola
8 La Danza (Dance) – Tarantella Napoletana
Arranjos de Ferenc Liszt
Composições de Franz Schubert
Soirées De Vienne
7 Allegro Spiritoso
Arranjos de Ferenc Liszt
Composições de Gioacchino Rossini
Soirées Musicales R.236: Part Two
2 La Regata Veneziana (The Venice Regatta) – Notturno
Não se deixe enganar pela capa, este é um ótimo disco. Reuniu um time de músicos e técnicos excelentes para ser gravado e está recheado de lindas obras de Mozart.
O repertório consiste dos dois quartetos com piano e o trio ‘Kegelstatt’, combinações incomuns de instrumentos e mesmo inéditas (no caso do trio) nos dias em que foram compostas.
O quarteto Domus era então formado por Krysia Osostowicz (violino), Timothy Boulton (viola), Rchard Lester (violoncelo) e eram todos bem jovens em 1991. O selo Virgin colocou a produção nas mãos de Andrew Keener e as gravações foram feitas na St. George’s Church, em Bristoll. O produtor deixou uma pequena nota no livreto contando da enorme alegria do grupo ao tocar para uma audiência e, por isso, boa parte do resultado final do disco foi gravada ao vivo.
Os quartetos para piano de Mozart chegaram à sua existência graças a um ótimo personagem que vivia em Viena, era músico, compositor e, como Mozart, fora atraído para essa cidade mais ou menos na mesma época que ele. Franz Anton Hoffmeister publicava música e encomendou três quartetos com piano de Mozart, esperando grandes vendas para os músicos amadores vienenses, sempre ávidos por boas melodias. Mas, quando o primeiro dos quartetos ficou pronto, Hoffmeister cancelou o acordo com o amigo Wolfie, deixando que este ficasse com o dinheiro já pago e liberando-o da obrigação de compor os outros. O fato é que no dia da inspiração para o primeiro quarteto, a musa que atendeu aos chamados do compositor era a da tonalidade sol menor… e ela estava inspirada. A parte para piano é bem mais difícil do que se esperava e, apesar da belíssima música, toda a obra soava estranhíssima para aqueles dias. Veja por você como essa tonalidade afetava Mozart, que a usou também em outras obras impressionantes, como as Sinfonias Nos. 25 e 40, assim como no Quinteto de Cordas K. 516. Aqui está uma postagem recente, feita pelo nosso editor chefe, com uma gravação também recente e excelente do quinteto…
Hoffmeister explicou tudo para o amigo Mozart, sobre a parte para piano, a tonalidade… deve ser isso, pois apesar de estar livre do compromisso, Mozart compôs ainda mais um Quarteto, aquele bem mais próximo da receita de Franz Anton. O Quarteto em mi bemol maior, K. 493, foi completado nos mesmos dias que Mozart finalizou a ópera As Bodas de Fígaro e, assim como o Concerto No. 22, também em mi bemol, é uma obra elegante e graciosa.
O Trio com Clarinete tem sua história ligada a outro amigo de Mozart, o clarinetista Anton Stadler, que tocou essa parte pela primeira vez em companhia do próprio Mozart, que por sua vez tocou a parte da viola, na estreia da peça. Ao piano a jovem Franziska, filha do dono da casa onde o evento se deu, o Barão Gottfried van Jacquin. A jovem e seu irmão eram alunos de Mozart e, pelo que podemos ouvir no trio, era talentosa.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Quarteto com Piano No. 1 em sol menor, K 478
Alegro
Andante
Rondo: Allegro
Trio para Piano, Clarinete e Viola em mi bemol maior, K 498 ‘Kegelstatt’
Na seção ‘The book is on the table’ de hoje, temos um resumo de uma crítica de Mr. Stanley Crowe:
Domus is long gone, and its members have morphed into the Florestan Trio, but it was a great group, and by the time they recorded these Mozart pieces, they had been together for a dozen years. The music […] is superbly played and recorded here. Just as sound, I was taken with the recording of the “Kegelstat” Trio (for piano, viola, and clarinet), where the instruments seem in perfect balance and the charm of the piece […] comes through well. As always, the pianist Susan Tomes excels […] and it’s good to hear the viola to somewhat more advantage than one usually does in quartets. Timothy Boulton plays beautifully, as does Richard Hosford, an excellent clarinetist. There are other fine recordings of these pieces out there, but this is as good as any.
O pobre Inácio ficava cada vez mais confuso na medida que o concerto avançava – havia sido convocado pelo seu amigo Ludovico para virar as páginas da partitura na noite de estreia de seu concerto para piano, mas as páginas estavam praticamente em branco. ‘No máximo, em uma página ou outra alguns hieróglifos egípcios totalmente incompreensíveis para mim, mas ele havia anotado para servir de pontos de referência. Ele tocou quase todo o concerto de memória, já que, como então aconteceu, não teve tempo de colocar tudo no papel’.
O que pode acontecer quando se reúnem um medalhista de ouro do Concurso Van Cliburn, uma das grandes orquestras americanas e uma cantora excepcional? Pois aqui você verá que acontece uma viagem artística em um relativamente curto espaço de tempo, do classicismo ao romantismo.
O que nós conhecemos como Concerto para Piano No. 1 não foi a primeira tentativa no gênero feita por Beethoven. Houve um concerto escrito na adolescência e uma longa gestação do concerto que agora conhecemos como o de número 2. Esses concertos marcam sua transição de Bonn para Viena e estão completamente imersos no universo clássico dos concertos de Haydn, Mozart e CPE Bach (espero que o boss esteja lendo estas linhas e que lhe seja agradável esta justa menção ao parente).
O Concerto No. 3 foi composto no limiar do novo século em 1800 e atinge o que uma certa torcida chama de ‘um novo patamar’. A tonalidade é dó menor e a estreia só se deu em 1803. Nesse período a vida do Ludovico andou complicada. 1802 foi o ano do Testamento de Heiligenstadt e o período também assistiu o nascimento de outras obras importantes. A orquestra que acompanha o piano é bem mais rica do que nos casos anteriores, contando com flautas, oboé, clarinetes e até trompetes.
Mas ele não ficou por aí e em 1807 veio o Concerto No. 4. A novidade está já na abertura, com o solista entrando bem no começo do concerto. A estreia não poderia ser mais marcante, uma vez que no pantagruélico concerto também fizeram as suas estreias a Quinta, a Sexta Sinfonia e a Fantasia Coral, tudo dedicado ao Arquiduque Rodolfo. Esta foi a última apresentação pública de Beethoven como o solista de um concerto.
O último concerto, apelidado de ‘Imperador’ pelo editor inglês das obras de Beethoven, foi o único dos concertos a não ser estreado pelo próprio compositor. Na primeira apresentação privada o intérprete foi o amigo e patrono e aluno Arquiduque Rodolfo. Na primeira apresentação pública o intérprete foi Friedrich Schneider. Assim como a orquestra estava sendo expandida, as ideias de Beethoven demandavam instrumentos maiores, melhores. O Imperador realmente abriu caminho para os concertos românticos que estavam por vir.
Nesta integral o intérprete é o ainda jovem e espetacular pianista Haocheng Zhan, que estudou inicialmente no Conservatório de Shangai e na Escola de Arte Shenzhen com o professor Dan Zhaoiy e graduou-se pelo Curtis Institute of Music, na Filadélfia, tendo como professor o pianista Gary Graffman. Em 2009 ele ganhou a Medalha de Ouro do Concurso Van Cliburn e agora tem uma carreira internacional completamente consolidada como solista e como músico de câmara.
A Orquestra da Filadélfia é uma das maiores e é uma verdadeira instituição, oferecendo à sua comunidade muito mais do que os anuais concertos. Para reger esse maravilhoso grupo temos Nathalie Stutzmann, mais conhecida anteriormente por sua carreira de cantora contralto, excelente no repertório barroco e como intérprete de Lieder. Atuando agora como regente, na verdade Nathalie começou na música ainda muito jovem, estudando piano, fagote, violoncelo e … regência, com Jorma Panula. Seiji Ozawa e Simon Rattle tiveram papel importante em sua formação. Além de ser a Principal Regente Convidada da Orquestra da Filadélfia, ela é a diretora artística da Orquestra Sinfônica de Atlanta. Vocês poderão ver como a sob a sua batuta a orquestra canta magnificamente.
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Concerto para Piano No. 1 em dó menor, Op. 15
Allegro con brio
Largo
Rondo
Concerto para Piano No. 2 em si bemol maior, Op. 19
Allegro con brio
Adagio
Rondo
Concerto para Piano No. 3 em dó menor, Op. 37
Allegro con brio
Largo
Rondo
Concerto para Piano No. 4 em sol maior, Op. 58
Allegro moderato
Andante con moto
Rondo
Concerto para Piano No. 5 em mi bemol maior, Op. 73 ‘Imperador’
Zhang offers some breathtakingly beautiful moments…The Philadelphia Orchestra, here conducted by Nathalie Stutzmann, is one of those rare musical juggernauts that has its musical own distinctive sound. [BBC Music Magazine]
Together, Zhang and Stutzmann’s Beethoven is at once stylistically assured and not quite like any other.[Gramophone]
Os cinco concertos de Beethoven levaram, num curto espaço de tempo, entre os fins de 1780 até 1811, um gênero musical que havia atingido um nível de perfeição com a obra de Mozart, a uma nova dimensão artística. Os dois últimos concertos eram tão inovadores nos dias que foram criados que não foram mais ouvidos por muitos anos depois de suas estreias. O Concerto No. 4 foi retomado por Mendelssohn na década de 1830, que o levou para diversos centros musicais em suas turnês. Clara Schumann também o tomou como peça em seu repertório e gostava muito dele. Já o Imperador teve que esperar por Liszt para que realmente pudesse passar a ser apreciado pelas plateias mais diversas.
Você, por outro lado, só precisa baixar o arquivo e se deliciar com essa maravilhosa música. Ah, e se puder, deixe comentário para sabermos se gostou… repassarei tudo para o Ludovico.
Aproveite!
René Denon
Outra integral dos concertos para piano de Beethoven boa para caramba:
Pianista, polímata, foi criança prodígio, e agora Kit Armstrong está ensinando apreciação musical à inteligência artificial. Kit Armstrong compunha música aos cinco anos, estudava ciências na universidade aos 10 anos, foi solista de grandes orquestras durante a adolescência, e fez o mestrado em Matemática Pura só para ‘relaxar’.
Esta é a abertura de uma reportagem escrita por Enid Tsui para um jornal de Hong Kong em dezembro de 2022, quando o então jovem de 30 anos Kit Armstrong daria concertos por lá.
Este disco já tem dez anos, mas parece ter sido lançado ontem. O programa reúne uma coletânea de Prelúdios Corais de Bach, seguidos de uma peça escrita pelo próprio Kit Armstrong – uma fantasia sobre BACH. Segue a Partita em si bemol maior, BWV 825, e uma escolha de peças de Ligeti, da série Musica ricercata. Como você já deve saber, vintage Ligeti, composições da década de 1950, mas que soam bastante novas para mim.
Com a ajuda de nosso tradutor multilíngue, descobrimos o que disse sobre o disco um comprador da Amazon no Japão: É diferente da chamada performance de época de Bach, mas é uma performance maravilhosa que faz você sentir oração e significado em cada nota. Sinto até frescor. Ainda não há valor de nome, mas não há dúvida de que ele é uma pessoa talentosa que será responsável pelo futuro.
Encerrada a visita ao estúdio. O americano, que tem só 22 anos, não apenas demonstra incrível presença [carisma] em concerto, mas desde antes detinha uma reputação de gênio completo, com diplomas em Matemática e Composição. O fato de que ele só agora tenha consolidado sua carreira com uma estreia em CD deve-se provavelmente a Alfred Brendel, que o encorajou anteriormente. E deve ter sido Brendel que familiarizou o bachiano pianista Armstrong com as antigas gravações de Edwin Fischer, a quem admirava tanto. Isso porque o “poder mágico da paz interior”, que Brendel certa vez apontou enquanto escutava o Bach de Fischer, encontra-se em cada virada de página nos doze Prelúdios-corais que Armstrong gravou. Ele banhou com suave luminosidade alguns célebres ‘bálsamos’ da alma, como “Jesu, meine Freude” e “Allein Gott in der Höh’ sei Ehr”. E ele interpreta de maneira declamatória, fluência e delicadeza “O Mensch, bewein dein´ Sünde groß”. Apesar de toda discrição e nobreza no fraseado, que o próprio Armstrong leva muito a sério na Partita no. 1, BWV 825, esse Bach é muito mais moderno que o de seu mentor. O que, por um lado, não é uma proeza: afinal, Brendel espessava Bach romanticamente. Armstrong, por outro lado, consegue conectar coração e mente ao tornar a lógica interna das obras transparente com naturalidade. Armstrong combinou essas obras com sua própria “Fantasia sobre B-A-C-H” e meia dúzia de peças do ciclo “Música Ricercata”, de György Ligeti, completado em 1953. Enquanto Armstrong espalha fragmentos melódicos de Bach aqui e ali em sua Fantasia, essa obra de 2011 não é um peso-leve pós-moderno. Os atritos são deslumbrantemente ousados demais para isso. E bem no final o ritmo torna-se mecanicamente furioso, como se Armstrong tivesse em mente o americano Conlon Nancarrow, que Ligeti redescobrira. Tremenda, então, é a facilidade com que estabelece o neobarbarismo e os polirritmos diabólicos de Ligeti! Nada mau o cartão de visitas que Armstrong usou para recomendar-se ao futuro. [Guido Fischer]
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Jesus Christus unser Heiland, BWV 666
Bicinium: Allein Gott in der Höh’ sei Ehr’, BWV 711
In dulci jubilo, BWV 729
Vom Himmel hoch, da komm’ ich her, BWV 738
Gottes Sohn ist kommen, BWV 724
Christ lag in Todesbanden, BWV 625
Wer nur den lieben Gott lässt walten, BWV 690
In dich hab’ ich gehoffet, Herr, BWV 712
Jesu, meine Freude, BWV 713
Herr Jesu Christ, dich zu uns wend’, BWV 655
Allein Gott in der Höh’ sei Ehr’, BWV 715
O Mensch, bewein’ dein’ Sünde groß, BWV 622
Kit Armstrong (1992 – )
Fantasy on BACH
Johann Sebastian Bach (1685 – 1750)
Partita No. 1 in B Flat Major, BWV 825
Praeludium
Allemande
Courante
Sarabande
Menuett I & II
Gigue
György Ligeti (1923 – 2006)
Musica Ricercata
Tempo Di Valse (Poco Vivace) ” L’orgue de Barbarie”
Allegro Con Spiritu
Vivace. Capriccioso
Adagio. Mesto. Allegro Maestoso (Bla Bartk in Memoriam)
“I have experienced lots of wonderful things as a full-time musician since graduating from my cience studies in 2012. I will still tour a lot [as a concert pianist], but to be only a performer, selling the same product again and again, it has become less important for me than an overarching idea of what I can do for classical music.” KA
‘I had to make time for him’: Alfred Brendel on Kit Armstrong
‘Eu precisei arranjar tempo para ele!’
A uncharacteristic decision to take on an extraordinary pupil has brought new insights for both Alfred Brendel and Kit Armstrong. Leia a reportagem aqui.
Uma decisão incomum de aceitar um aluno extraordinário trouxe novas perspectivas tanto para Alfred Brendel quanto para Kit Armstrong.
Veja também o documentário: Set the Piano Stool on Fire
Imagine que você viajou ao Japão e, como eu, não fala nem lê japonês. Pois eis que na chegada a mala foi parar em Kobe e você está em Kyoto para visitar os famosos templos e ver as flores das cerejeiras nos diversos jardins espalhados pela cidade. Seguindo na minha imaginação, você e eu não vivemos sem música e todos os seus gadgets de ouvir música ficaram na mala. Sem esperar que delírios e tremedeiras ataquem, você compra um mp3 player que já vem com fones de ouvido e acessa alguma plataforma de streaming. Como a imaginação é minha, tudo vai bem, mas o visor do danado do aparelho teima em mostrar tudo na língua local. Como escolher a música? Mesmo sem ser algum gênio, uma boa saída é a escolha de capas e o disco escolhido é este:
O programa você já viu no alto da postagem…
Como não há tempo a perder, ouça a música: que surge maravilhosa. Logo na primeira faixa, uma linda e sinuosa melodia numa orquestra que vai se revelando aos poucos – Ravel e a Suíte da Mamãe Gansa.
A orquestra foi regida pelo maestro Charles Dutoit e todos os procedimentos se deram sob os olhares atentos do mentor do festival, o maestro Seiji Ozawa.
Essa gravação ocorreu durante o período da pandemia e revela o amor das pessoas envolvidas pela música. Você poderá acessar um site que descreve o desenrolar da gravação, mas veja as primeiras linhas:
It has been 10 days since the 2021 Seiji Ozawa Matsumoto Festival announced the cancellation of all performances. The performance of the Orchestra Concert Program B and it’s recording, which Festival Director Seiji Ozawa, Saito Kinen Orchestra, and all the staff have put their heart and soul into, has finally come true today.
Veja o programa e a tradução que o nosso Chat PQP fêz…
“Previously guest-conducting all over the world, in recent years, Ozawa stayed in his native Japan, where he established and led the Saito Kinen Festival, which was renamed the Seiji Ozawa Matsumoto Festival in his honor in 2015 — the same year when he was a Kennedy Center honoree.”
Os dois concertos deste disco foram compostos apenas alguns meses um do outro, em 1786, ano que assistiu a estreia de As Bodas de Fígaro. Mozart estava em plena forma. Num período de dois anos compôs nada menos do que 11 concertos para piano (!) e todos de altíssimo nível.
O Concerto No. 21 em dó maior (K. 467) tem um movimento lento especialmente lírico que o torna um dos preferidos do público. Esse movimento ficou famoso por ser usado em um clássico do cinema chamado ‘Elvira Madigan’.
O Concerto No. 22 em mi bemol maior (K. 482) tem a mesma orquestração que o concerto anterior, mas no lugar de oboés, Mozart usa dois clarinetes, que torna a audição bastante interessante. O movimento lento deste concerto é também muito bonito e a interpretação que você ouvirá aqui pode ajudar a entender a razão de ter sido exigido a sua repetição na estreia do concerto. Esse fato ficou registrado em uma carta que Leopold – pai de Mozart, que o visitava em Viena, – escreveu para Nannerl, sua irmã, surpreso por esse fato tão pouco usual.
O pianista Jonathan Biss nasceu em uma família de músicos e cresceu em Bloomington, estado de Indiana, no meio oeste americano. Bloomington é uma cidade universitária e tem uma vida musical muito rica, assim como a escola de música da Universidade de Indiana, que é muito forte.
Em uma entrevista, Jonathan Biss contou como foi importante o encontro com o pianista Leon Fleisher. Seus pais o levaram para Baltimore quando ele tinha 14 anos. Nesse dia Leon Fleisher tocou todas as Sonatas de Beethoven junto com seus alunos. Essa experiência certamente marcou muito o jovem pianista. Jonathan Biss gravou a integral das Sonatas de Beethoven. Espero que não seja preciso esperar mais alguma data festiva para ver essas gravações alcançando as nossas publicações aqui no PQP Bach.
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791)
Concerto para Piano No. 21 em dó maior, K. 467
Allegro maestoso (Cadência: J. Biss)
Andante
Allegro vivace assai (Cadência: Dinu Lipatti)
Concerto para Piano No. 22 em mi bemol maior, K. 482 (Cadências: J. Biss)
Biss (on modern concert grand rather than any period instrument) has completely and satisfyingly surrendered to the music’s moods and emotions, whilst maintaining Mozartian clarity and poise. […] His emotive reading of the mournful, unsettled Andante (K. 482) leaves one in no doubt as to why the first audience demanded an encore. Fantastic stuff. [BBC Music Magazine, 2008]