Amaral Vieira Te Deum in stilo barocco Missa Choralis
Ouvir Amaral Vieira e descobrir quais foram os compositores que inspiraram a concepção de cada obra – da estruturação à orquestração, do contraponto à temática – é um saudável e complexo exercício que recomendo aos mais bem aventurados fazê-lo. Aqui vão duas das melhores obras coral-sinfônicas do compositor paulistano. A Missa Choralis em particular é um primor de majestade musical, valendo-se apenas de três instrumentos para dar suporte ao coral: duas trompas e um piano.
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Amaral Vieira – Te Deum in stilo barocco e Missa Choralis
Te Deum
1. Abertura
2. Te Deum laudamus
3. Te ergo quaesumos
4. Aeterna fac
5. Salvum fac populum
6. In te Domine speravi
Missa
7. Kyrie
8. Gloria
9. Credo
10. Sanctus
11. Post elevationem (Benedictus)
12. Agnus Dei
Orquestra Filarmônica da Eslováquia e Coro, regidos por Mario Kosik e Jan Rozehnal
Este é o CD que é vendido em par com o do Stabat Mater e outras obras sinfônico-corais de Szymanowski, que postei aqui não faz muito.
Na ocasião escrevi bastante sobre o compositor e sua música, e também o Carlinus escreveu bastante quando postou o lindo CD das obras para violino e piano. Acho então que agora não precisa ser dito nada… Que fale a música!
Hmmm… mas acho que não vou perder a oportunidade de tocar nisto: será que todos os leitores sabem que SZ em polonês tem o som do nosso CH, e portanto o nome do compositor se pronuncia “chimanóvsqui”?
Acho interessante isso, porque em húngaro é bem ao contrário: todo S tem som de CH, e eles acrescentam o Z para o S parar de chiar (p.ex. Liszt se pronuncia “lisst” porque é escrito assim; se fosse escrito apenas List, se pronunciaria “lisht”).
Engraçado, né?, já que são duas línguas da Europa Oriental… Só que o parentesco entre as duas é perfeitamente comparável ao parentesco entre o português e o japonês!
Enfim, chega de conversa mole, e fiquem com a música do nosso caro “chimanóvsqui”!
Szymanowski: Concerto para violino e orquestra n.º 1, op.35
01 I. Vivace assai
02 II. Vivace scherzando
03 III. Cadeza. Allegro Moderato
Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio Polonesa
Solista: Konstanty Kulka – Regência: Jerzy Maksymiuk
Szymanowski: Concerto para violino e orquestra n.º 2, op.61
04 I. Moderato
05 II. Allegramente
06 III. Andantino
Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio Polonesa
Solista: Konstanty Kulka – Regência: Jerzy Maksymiuk
Szymanowski: Sinfonia concertante op.60
07 I. Moderato, tempo comodo
08 II. Andante molto sostenuto
09 III. Allegro non troppo, ma agitato ed ansioso
Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio Polonesa
Solista: Piotr Paleczny – Regência: Jerzy Semkov
Estava pensando no que postar. Decidi ouvir esta peça de um dos meus compositores favoritos, Brahms, e aí a dúvida cessou. O primeiro movimento é extraordinário, leve, suave. É diferente, por exemplo, do Concerto no. 1 para piano e orquestra e o primeiro movimento da Terceira Sinfonia. Ah! Já ia esquecendo! O regente é o grande Claudio Abbado à frente da Filarmônica de Berlim, numa gravação de 1983. Não é das principais composições de Brahms, mas é música de primeira linha. Brahms é Brahms.
Johannes Brahms (1833-1897) – Serenade Nr. 1 D maior, Op. 11
01 Allegro molto [13:16]
02 Scherzo. Allegro non troppo – Trio. Poco piu moto [8:13]
03 Adagio non troppo [14:49]
04 Menuetto I – Menuetto II [4:08]
05 Scherzo. Allegro – Trio [2:40]
06 Rondo. Allegro [5:52]
Recado de PQP: Grande música! Mas temos estas duas gravações… Bem melhores! Aqui e aqui.
Com certeza, esta é uma das peças que mais ouvi em minha vida. Resolvi postar esta versão de 1964, porque gosto muito de Otto Klemperer e a sua interpretação deveria figurar por aqui. Certa vez, pude gravar uma seleção das músicas desse oratório no programa Clássicos de Todos os Tempos (meu primeiro contato com a peça), que passa aqui em Brasília todas as noites. São duas horas dedicadas à música clássica. Como não tinha muito material para apreciar, quase todos os dias – e sempre que podia -, eu ouvia o programa. Foi numa dessas ocasiões que gravei duas fitas cassetes. Como ouvi o conteúdo daquelas duas fitas cassetes! Ainda as tenho comigo. A qualidade do som foi afetada pelo tempo. Não sei muito bem de quem é a gravação. Logo em seguida, eu ganhei uma gravação não muito boa produzida pelas Paulinas. A gravação foi realizada pela Orquestra de Câmara da Lituânia. Isso se deu em 2003. O CD duplo ainda está comigo. Guardado. Bem acondicionado. O que me atrai em O Messias é a musicalidade celsa. A peça de abertura é docemente triste e pressaga. Uma gaita de foles é tocada e faz surgir uma reflexão preparatória para aquilo que virá. Em seguida surge a voz tristemente profética e consoladora dizendo: “Consolai! Consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai ao coração de Jerusalém e dizei-lhe em alta voz que a sua servidão está cumprida, que a sua iniquidade está perdoada. Uma voz clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, aplanai na estepe uma vereda para o nosso Deus”, texto este extraído de Isaías 40.1-3. Em seguida é dito: “Todo vale será elevado, toda montanha e colina serão aplainadas, o que estiver torto se endireite e os terrenos acidentados fiquem planos”, mais uma vez o profeta Isaías (40.5). Ao todo são mais de 53 canções em quase 3 horas de música celeste. O Messias segue didaticamente três períodos, englobando a vida de Cristo: (1) Profecia e narrativas da natividade; (2) Paixão e Ressurreição; e (3) A esperança do ser humano em sua própria ressurreição. Boa apreciação!
Como disse certa vez Stäel: “Miguel Ângelo foi o pintor da Bíblia. Handel foi o seu compositor”. Have Joy!
George F. Handel (1685 – 1759) – O Messias DISCO 1
01 – Sinfony
02 – Accompagnato_ Comfort ye my people (Tenor)
03 – Air_ Ev’ry valley shall be exalted (Tenor)
04 – Chorus_ And the glory of the Lord
05 – Accompagnato_ Thus saith the Lord (Bass)
06 – Air_ But who may abide the day of his coming (Bass)
07 – Chorus_ And he shall purify
08 – Recitative_ Behold, a virgin shall conceive (Alto)
09 – Air_ O thou that tellest good tidings to Zion (Alto)
10 – Chorus_ O thou that tellest good tidings to Zion
11 – Accompagnato_ For behold, darkness shall cover the earth (Bass)
12 – Air_ The people that walked in darkness (Bass)
13 – Chorus_ FOr unto us a child is born
14 – Pifa (Pastoral Symphony)
15 – Recitative_ There were shepherds abiding in the fields (Soprano)
16 – Chorus_ Glory to God
17 – Air_ Rejoice greatly, o daughter to Zion (Soprano)
18 – Recitative_Then shall the eyes of the blind be open’d (Soprano)
19 – Air_ He shall feed his flock like a shepherd (Soprano)
20 – Chorus_ His yoke is easy, His burthen is light
DISCO 2
01 – Chorus_ Behold the Lamb of God
02 – Air_ He was despised and rejected of men (alto)
03 – Chorus_ Surely, He hath borne our griefs
04 – Chorus_ And with His stripes we are healed
05 – Chorus_ All we like sheep have gone astray
06 – Recitative_ All they that see Him, laugh Him to scorn (tenor)
07 – Chorus_ He trusted in God
08 – Recitative_ Thy rebuke hath broken His heart (tenor)
09 – Arioso_ Behold and see if there be any sorrow (tenor)
10 – Recitative_ He was cut off of the land of the living (tenor)
11 – Air_ But thou didst not leave His soul in hell (tenor)
12 – Chorus_ Lift up your heads, O ye gates
13 – Chorus_ The Lord gave the word
14 – Air_ How beautiful are the feet (soprano)
15 – Chorus_ Their sound is gone out into all lands
16 – Air_ Why do the nations so furiously rage together (bass)
17 – Chorus_ Let us break their bonds asunder
18 – Recitative_ He that dwelleth in heaven (tenor)
19 – Air_ Thos shalt break them with a rod of iron (tenor)
20 – Chorus_ Hallelujah, for the Lord God Omnipotent reigneth
21 – Air_ I know that my redeemer liveth (soprano)
22 – Chorus_ Since by man came death
23 – Recitative_ Behold, I tell you a mystery (bass)
24 – Air_ The trumpet shall sound (bass)
25 – Chorus_ Worthy is the lamb
26 – Chorus_ Amen
Gravado em 1964
The Philharmonia Orchestra & Chorus
Otto Klemperer, regente
Adianto o post que pretendia fazer no domingo e já aviso a vocês que pretendo postar Arvo Pärt aos domingos, com alguns interlúdios de vez em quando. E postar outros compositores às quintas, também com alguns interlúdios de quando em vez.
Por que adiantei o post de domingo pra hoje? Simples, temos aqui em Adam’s Lament a Christmas Lullaby, uma pequena e bela obra de natal. Além dessa temos Salve Regina, numa interpretação de Tõnu Kaljuste que não me agrada muito. Depois lhes trarei uma feita por Paul Hillier que considero muito mais adequada. Para vocês terem uma ideia, Paul Hillier é para Arvo Pärt aquilo que Jordi Savall é para Monteverdi, ou aquilo que Philippe Herreweghe é para Bach (se bem que aqui a treta é polêmica). Portanto é difícil superar Paul.
Falando em Savall, uma curiosidade: as lullaby’s desse álbum – Estonian Lullaby e Christmas Lullaby – foram dedicadas a ele e à sua mulher. E uma coincidência (que não tem nada a ver com Savall mas comigo): o texto usado no Christmas Lullaby é do evangelho de Lucas.
Tenham um ótimo dia.
Arvo Pärt (1935): Adam’s Lament
01 Adam’s Lament
02 Beatus Petronius
03 Salve Regina
04 Statuit et Dominus
05 Alleluia-Tropus*
06 L’Abbe Agathon
07 Estonian Lullaby
08 Christmas Lullaby
Latvian Radio Choir
Sinfonietta Riga
Vox Clamantis
Estonian Philharmoic Chamber Choir
Tallinn Chamber Orchestra
Tõnu Kaljuste, regente
Tui Hirv, soprano*
Rainer Vilu, barítono*
Aqui a mistura acontece com Erik Satie e Takashi Yoshimatsu. A semelhança entre os dois é ao mesmo tempo uma peculiaridade: ambos não seguem nenhum estilo que esteja presente no tempo deles mas também não são grandes inovadores.Satie em sua época utilizava melodias simples e tocantes puxando um pouco do romantismo, mas ao mesmo tempo utilizava diferenças ritmicas que distoavam das regras deste. Takashi Yoshimatsu é o que podemos chamar de um neorromantico, mas ao mesmo tempo traz influências do jazz que nada têm a ver com o romantismo.
A peculiaridade da música dos dois compositores é o que os une apesar de distantes historicamente. E é o que torna esse álbum tão peculiar, pouco mas surpreendentemente agradável.
Erik Satie (1866-1925) & Takashi Yoshimatsu (1953): Crystal Dream
01 Gymnopedie No.1
02 Interlude To Water
03 Gnossienne No.1
04 Romance From The Past
05 Gnossienne No.4
06 Nonchalantry Prelude
07 Gymnopedie No.2
08 Globular Romance
09 Gymnopedie No.3
10 Arabesque In Twilight
11 Gnossienne No.3
12 Prelude To Little Spring
13 Romance To Listless Summer
14 Barcalore On Autumn
15 Pastoral On Winter
16 Croquis Et Agaceries D’un Gros Bonhomme: En Bois Tyrolienne Turque
17 Croquis Et Agaceries D’un Gros Bonhomme: En Bois Danse Maigre
18 Croquis Et Agaceries D’un Gros Bonhomme: En Bois Espanana
19 Interlude With Birds
20 Gnossienne No.2
21 Gnossienne No.5
22 Memory Of Interlude
23 Reverie Du Pauvre
24 Interrupted Faint Prelude
25 Caresse
26 Je Te Veux
27 Distant Dream Romance
28 Gnossienne No.6
29 Noel In Midnight
30 Sarabande No.3
31 Static Dream Pavane
1, 3, 5, 7, 9, 11, 16-18, 20, 21, 23, 25, 26, 28, 30 composed by Erik Satie
Lamentate é uma das maiores composições de Arvo Pärt. É um concerto onde o piano é o elemento solista, mas tanto pra mim, quanto na visão do próprio compositor, não se assemelha nem um pouco à um concerto para piano tradicional. Como qualquer ouvinte experiente de Arvo Pärt deve ter percebido, suas composições raramente seguem tipos de composição tradicionais, como sinfonias, sonatas, motetos, etc. Por isso são mais conhecidas pelos nomes do que pelo seu tipo.
Essa obra, segundo a Wikipedia, foi dedicada à obra de um escultor britânico-indiano, chamada Marsyas:
Vemos que essa obra, apesar de enorme e imponente, parece ao mesmo tempo ser delicada e frágil. É quase como a forma que o próprio Arvo Pärt descreve Lamentate:
“Essa obra é mercada diametralmente por dois humores opostos… Exagerando um pouco, Eu descreveria esses opostos como ‘brutalmente esmagadora e ‘intimamente frágil’.”
E acho que não tem maneira melhor de descrever Lamentate. Certamente aqueles que estavam acostumados com a delicadeza de Alina, por exemplo, ficarão estarrecidos com a brutalidade de Lamentate.
O solista é Alexei Lubimov, pianista por quem me apaixonei ao ouvir seu álbum Der Bote. Aqui ele é igualmente apaixonante em seu desempenho.
Arvo Pärt (1935): Lamentate
01 Da Pacem Domine
Lamentate
02 I. Minacciando
03 II. Spietato
04 III. Fragile
05 IV. Pregando
06 V. Solitudine – stato d’animo
07 VI. Consolante
08 VII. Stridendo
09 VIII. Lamentabile
10 IX. Risolutamente
11 X. Fragile e conciliante
Hilliard Ensemble
SWR Stuttgart Radio Symphony Orchestra
Andrey Boreyko, conductor
Alexei Lubimov, piano
A capa deste álbum incomoda em três pontos: no design feio, no marketing e no esquecimento (ou será machismo?) de Ustvolskaya. A feiura da capa vocês podem perceber. O design é marketeiro pois coloca o nome de Górecki em caixa muito mais alta do que o nome de Pärt, que em 1994 — época do lançamento deste álbum — era menos conhecido que Górecki suponho eu. Esquecida pois mesmo as obras de Ustvolskaya ocupando a maior parte do álbum, o nome dela nem aparece na capa, só na parte de trás.
Mas apesar desses escorregões, é um álbum razoável.
As obras de Pärt vocês já estão cansados de ouvir. A sonata no. 1 e os quatro prelúdios de Górecki são tensos, imprevisíveis e violentos em alguns momentos. Algo que é inteiramente diferente da calmaria das obras de Pärt no começo do álbum, o que causa um estranhamento se ouvimos tudo em sequência.
Mas nada supera a deliciosa violência e tensão do piano de Ustvolskaya. Seus prelúdios dançam entre a leveza e a tensão. Se ouvirmos puramente os doze prelúdios, nos parece que falta algo na obra, como se estivesse inacabada. O álbum termina com a sonata no. 6 de Galina, tensa, densa e pesada. Tipicamente o estilo de Galina que assusta uns e leva outros ao gozo.
Arvo Pärt (1935):
01 Fur Alina
Variationen Zur Gesundung Von Arinushka
02 I: Moderato
03 II
04 III
05 IV: Piu Mosso
06 V
07 VI
Henryk Górecki (1933-2010):
Sonata No. 1
08 Allegro Molto, Con Fuoco
09 Grave Pesante E Corale
10 Allegro Vivace, Ma Non Troppo
Four Preludes
11 Molto Agitato
12 Lento-recitativo
13 Allegro Scherzando
14 Molto Allegro Quasi Presto
Galina Ustvolskaya (1919-2006):
Twelve Preludes
15 I
16 II
17 III
18 IV
19 V
20 VI
21 VII
22 VIII
23 IX
24 X
25 XI
26 XII
Hoje não farei uma análise propriamente minha, pois estou com pouco tempo, mas deixo aqui uma ótima análise de um consumidor da Amazon (se alguém requisitar, posso traduzir depois):
“This disc is a single-composer study, of which it can be said that some items are better examples of his work than others. Two works on this disc show Part’s tintinnabuli style in full bloom. “Miserere” itself is over thirty minutes long, and by far the best item in the programme. A setting of Psalm 51 in Latin (the same text as set in the famous Allegri “Miserere”) with verses interpolated from the “Dies Irae” of the Missa pro Defunctis, this work shows how Part’s style can magically draw a wealth of emotions from the simplest of musical concepts. Indeed, the work opens with the barest of motifs: the words of the psalm are chanted on three notes by a high solo tenor, interspersed with triadic statements (the so-called tintinnabuli pitches) on clarinet, and moreover bound together with distinct silences. This develops as the text unfolds: a solo counter-tenor joins the tenor in a haunting duet; meanwhile the instrumental ensemble expands to include other woodwinds and organ, all of which offer what appears to be a delicate wordless commentary. An abrupt change of pace comes with the “Dies Irae” verses, sung by a four-part chamber choir with massive, apocalyptic statements from woodwinds, brass, organ, percussion and electric guitars (!) – yet all is in the same style as the opening. After this massive outburst of terror, the opening discourse returns, sung by soloists (soprano, counter-tenor, two tenors and a bass). The interplay of voices and instruments carries the text forward in strikingly beautiful and sensitive ways. The work ends, in pure penitence and supplication, with a further choral statement, this time sung with heart-rending quietness: the “Rex tremendae” verse of the “Dies Irae,” bringing the work to a close. It truly is one of Part’s masterpieces – a proof that the extreme simplicity of the tintinnabuli style need not be limited to small-scale works, and can indeed break free of sounding annoying or repetitive. Recorded here in a very generous acoustic, played and sung with clarity and gravity, and carrying a beautifully sustained emotional weight, this is a definitive performance – a real gem.
The other tintinnabuli work (track 2) is “Festina lente” – “hurrying slowly” – which is scored for string orchestra and harp and makes use of the mensuration canon technique employed by the composer in “Miserere” and other works. This is a softer and more direct piece than “Miserere,” but the effect is refreshing after the profound writing of the former – and like “Miserere,” it is sensitively performed here.
The last work on the disc may at first seem off-putting. “Sarah was ninety years old” was composed just prior to Part’s formation of tintinnabuli (he had previously written serial music, like that of Schoenberg). It is a minimalist piece – the first four minutes or so feature nothing but a single drum, played with two beaters to produce alternating timbres of sound. These timbres are hacked out in a single rhythmic pattern that never seems to end: this is said to symbolise the ninety years of barren life lived by Sarah, wife of Abraham in the biblical book of Genesis. Presently, two tenors enter with an array of chords, cycling around each other and also set to a basic repeating rhythm. After more knocking from the drum and more very simple vocal droning, the organ enters, massive yet restrained, and an ecstatic solo soprano takes up the wordless narrative – Sarah conceives a child, the first of many that became the Israelites in the Genesis story. At first hearing (and perhaps several subsequent ones) this piece will seem dull and pointless; it does have a remarkable meaning, however, and it is quite gem-like even as it is barren and seemingly devoid of musical content.
Having described the contents of this disc, I feel that ultimately no description, not even the more explicitly-detailed ones given in the booklet, can prepare the listener for this music. If you like Arvo Part, it is essential listening; if you like the Hilliard Ensemble, it is one of their outstanding performances beyond any doubt. Some listeners may find it tedious, others may simply find it too overwhelming and give it a miss. However, with its excellent performances and intricate designs (such as are a hallmark of ECM New Series), this record is certainly very special.”
Arvo Pärt (1935): Miserere
01 Miserere
02 Festina Lente
03 Sarah Was Ninety Years Old
The Hilliard Ensemble
Orchester Der Beethovenhalle Bonn
Dennis Russell Davies, conductor
A nona sinfonia de Beethoven. Primeira sinfonia que utilizou coro em sua composição. Ao longo da história, utilizada com fins políticos tanto por socialistas, conservadores e liberais. Aclamada como o hino nacional da União Europeia em 1972. Foi escolhida, por Carl Sagan e outros cientistas, dentre todas as obras musicais da humanidade para integrar o disco de ouro que juntamente com milhares de outras informações sobre a humanidade, foi acoplada à sonda Voyager, que hoje já está fora de nosso sistema solar. Foi a partir do tamanho necessário para gravar uma interpretação completa sua (60-75 minutos em média), que foi definido o diâmetro atual de um CD. Já foi postada dezenas de vezes aqui no blog. O que há mais para dizer sobre esta sinfonia que vocês não saibam?
Gosto bastante dessa interpretação de Karl Böhm. Ele sabe diminuir a velocidade na hora certa e ser rápido e conciso quando é necessário. Embora em algumas partes ele possa ser lento até demais.
Divirtam-se.
Beethoven: Symphonie No. 9
Ludwig van Beethoven (1770-1827):
Symphony No. 9 in D minor Op. 125 “Choral”
01 I. Allegro ma non troppo, un poco majestoso
02 II. Molto vivace
03 III. Adagio molto e cantabile
04 IV. Presto
05 V. ‘O Freunde, nicht diese Töne’ – Allegro assai
Konzertvereinigung Wiener Staatsopernchor
Wiener Philharmoniker
Karl Böhm, conductor
Jessye Norman, soprano
Brigitte Fassbaender, mezzo-soprano
Plácido Domingo, tenor
Walter Berry, bass
Quero discutir com vocês um pouco sobre música modal. Para entender melhor boa parte das obras de Pärt que postei até agora e as que virão no futuro, é bom ter uma noção do que se está escutando.
Imaginem algo circular, que não tem um fim, mas apenas uma progressão estável e contínua, variando muito pouco em sua forma e sempre retornando para os mesmos pontos. Essa ideia de circularidade não é apenas a ideia de história que tinham, por exemplo, os gregos antigos, ou os povos ameríndios do século XVI, é uma ideia que predominou na construção musical que veio do oriente e que se fixou por séculos no ocidente, o chamado cantochão (mais conhecido como canto gregoriano). A música ocidental como a conhecemos, a qual chamamos tonal, só veio a nascer com a Ars Nova no século XIII. Ao contrário da música modal, que anda em círculos, a música tonal possui uma construção teleológica, ou seja, com um telos, ou um fim. A música tonal poderíamos dizer, é como uma montanha russa, cheia de altos e baixos, enquanto a música modal, permanence constante e linear.
Um bom exemplo do que quero dizer é o segundo movimento de Tabula Rasa, Silentum, onde a música permanece constante e parece estar num ciclo infinito. Semelhantemente, quando forem ouvir a Kanon Pokajanen, entre um Ode e outro pode lhes parecer estar na mesma música, e durante vários momentos ao longo do álbum alguns modos se repetem. Se pensarmos bem, é até contraditório que o cristianismo, religião que delimita um fim pra história, possa conter em sua cultura algo de cíclico, sem fim. Mas a musica modal ocidental é resultado do contato com o oriente, cuja visão da história é, em algumas culturas, cíclica. Por isso que, um compositor, que em pleno final do século XX recupera a imemorável tradição musical medieval sacra, veio a surgir justamente no leste europeu, sob o cristianismo ortodoxo, que, querendo ou não, ainda conserva certas influências do oriente medieval.
Este é um álbum para se ouvir no momento mais espiritual e calmo possível. Um dia nublado, silencioso, uma enorme paz no espírito e aquele sentimento de que ouvir qualquer coisa dramática demais não vai cair bem. Desligue a TV (como brincou o próprio Pärt sobre como essa música deveria ser ouvida), o celular, e sinta a beleza e o imenso poder de uma fé.
Arvo Pärt (1935): Kanon Pokajanen for soloists & mixed choir
CD1
Kanon Pokajanen
01 Ode I
02 Ode III
03 Ode IV
04 Ode V
05 Ode VI
CD2
01 Kondakion
02 Ikos
03 Ode VII
04 Ode VIII
05 Ode IX
06 Prayer After the Canon
Estonian Philharmonic Chamber Choir
Tõnu Kaljuste, conductor
Ave Moor, alto
Kaia Urb, soprano
Tiit Kogerman, tenor
Estreamos aqui hoje o compositor escocês James MacMillan. Católico que é, grande parte de suas obras são sacras, mas também adora compor pra orquestra. Seu primeiro concerto para percussão, chamado “Veni, Veni, Emmanuel” ganhou o mundo e parece ser a obra mais executada do compositor.
Cheguei a assistir a estreia do segundo concerto para percussão na Sala São Paulo, que ao contrário de seu antecessor, não tem um nome. Impressionado, e acreditando que poderia encontrar coisas mais picantes — graças a toda propaganda que a Osesp fazia de MacMillan e de seu primeiro concerto para percussão — resolvi procurar mais coisas e encontrei este álbum.
Certamente o segundo concerto para percussão é melhor. Em Veni, Veni, Emmanuel MacMillan parece não saber o que está fazendo, apenas sabe que está fazendo barulho e para empolgar um pouco, coloca um dança entre um movimento e outro do concerto, além de repetir o tema principal de várias formas diferentes até o final do concerto. Mesmo assim, parece faltar o sal necessário para que possamos sentir o gosto da música. Talvez ao vivo seja melhor.
Em “…as others see us…” o compositor tenta criar “pinturas musicais” de alguns personagens históricos britânicos, como Henry VIII, George Byron, T. S. Elliot e Dorothy Hodgkin. Faz tudo isso a partir de um mesmo tema escocês. Não acho que a brincadeira dê muito certo.
As três principais obras do álbum fazem um uso extensivo da percussão e a incrível Evelyn Glennie as executa muito bem, embora em “…as others see us…” e Three Dawn Rituals, Glennie não possa fazer milagres com a falta de criatividade de MacMillan.
As musicas de MacMillan parecem ser mais experimentações infantis do que resultado de conflitos internos que o compositor supera por meio da composição. Olhem Pärt, Schnittke ou Boulez por exemplo. Cada um desses compositores, divididos entre o conhecimento tradicional de composição que aprenderam e a época em que viviam, usaram de sua música para superar essa contradição. Uns demoraram mais, outros menos, mas todos os três, e alguns outros da mesma época, superaram suas contradições. Podemos sentir isso claramente na música desses compositores.
Em MacMillan não sentimos nada disso. A música dele, dependendo da obra, parece mesclar serialismo, colagem de outras obras, dissonâncias, adagios, e nada disso parece satisfazer a música ou o ouvinte. Ele não parece estar querendo buscar resolver nada no sentido ideal — ou material no resultado de sua própria música — mas fazer apenas umas brincadeiras em meio à qualquer plano de fundo musical que lhe venha à mente.
…As Others See Us…
10 “…As Others See Us…” : Henry VIII (1491-1547)
11 “…As Others See Us…” : John Wilmot (1647-1680)
12 “…As Others See Us…” : John Churchill (1650-1722)
13 “…As Others See Us…” : George Gordon (1788-1824) and William Wordsworth (1770-1850)
14 “…As Others See Us…” : Thomas Stearns Eliot (1888-1965)
15 “…As Others See Us…” : Dorothy Mary Hodgkin (b. 1910)
Three Dawn Rituals
16 Larghetto
17 Allegro moderato
18 Andante
19 Untold
Members Of The Scottish Chamber Orchestra
James MacMillan, conductor
Dou uma pausa na polinização de música contemporânea para trazer este álbum que traz os belíssimos trios para piano de Brahms, Schubert e o primeiro de Mendelssohn, interpretados por esse trio de peso: Isaac Stern no violino, Leonard Rose no violoncelo e Eugene Istomin no piano.
Adquiri esse álbum só pelo Trio No. 2 do Schubert, cujo segundo movimento compõe a trilha sonora do belíssimo Barry Lyndon, filme dirigido por Stanley Kubrick. Mas acabei que me deliciei com todos eles, principalmente o primeiro de Brahms e o primeiro de Mendelssohn. Não cheguei a ouvir muitas interpretações desses trios, até porque essa interpretação sempre conseguiu satisfazer minha alma, mas acho que cinco estrelas na Amazon não é pouca coisa. É o tipo de coisa que o PQP ou o FDP categorizariam como imperdível.
Isaac Stern Collection Vol. 1: Piano Trios
CD1
Johannes Brahms (1833-1897):
Piano Trio No. 1 in B major Op. 8
01 I. Allegro con brio
02 II. Scherzo: Allegro molto – Trio: Meno allegro
03 III. Adagio
04 IV. Allegro
Piano Trio No. 2 in C major Op. 87
05 I. Allegro
06 II. Adante con moto
07 III. Scherzo: Presto – Poco meno presto
08 IV. Finale: Allegro giocoso
CD2
Piano Trio No. 3 in c minor Op. 101
01 I. Allegro enérgico
02 II. Presto non assai
03 III. Andante graziozo
04 IV. Allegro molto
Franz Schubert (1797-1828):
Piano Trio in E-flat major No. 2 D. 929
05 I. Allegro
06 II. Andante con moto
07 III. Scherzo – Allegro moderato
08 IV. Allegro moderato
CD3
Piano Trio in B-flat major No. 1 D. 898
01 I – Allegro moderato
02 II – Andante un poco mosso
03 III – Scherzo: allegro
04 IV – Rondo: Allegro vivace
Felix Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847):
Piano Trio in D minor Op. 49
05 I – Molto allegro agitato
06 II – Andante con moto tranquillo
07 III – Scherzo: Legiero e vivace
08 IV – Finale: Allegro assai appassionato
Isaac Stern, violin
Leonard Rose, cello
Eugene Istomin, piano
O post de hoje é digno de duas rapsódias húngaras de Liszt. Temos aqui, CINCO compositores húngaros diferentes em dois álbuns, e, talvez tão extraordinário quanto isso, todos com obras para viola! Sério, só tá faltando o Gyorgy Lukács pra completar o bacanal… Brincadeira, Lukács apesar de húngaro, era filósofo, não músico. E antes que venham polemizar, já digo: Eötvös e Serly, nasceram em regiões que antes faziam parte da Hungria, embora hoje sejam regiões de outros países. E além disso, ambos são de família húngara, assim como também é György Kurtág, outro que nasceu na Romênia mas é húngaro.
Mas vamos falar da viola. Eu a adoro. Por ser um instrumento meio “hipster” na orquestra, diferentemente do violino ou piano, muito pouco foi feito por ela pelos compositores clássicos e românticos. Foram os modernos e os compositores contemporâneos que, abraçando esse instrumento “marginalizado” e tão satirizado, fizeram obras grandiosas. Só para citar dois bons exemplos de obras deliciosas para viola, o concerto para viola de Schnittke, e a sonata para viola de Shostakovich.
Existe uma afinidade eletiva aqui entre compositores húngaros cujo estilo é de vanguarda e o uso de um instrumento antes secundário, a viola. E não é ao acaso que todos eles sejam do século XX, época de grandes transformações sociais que vão influenciar diretamente a produção cultural. Os dois álbuns parecem saber disso, pela seleção de obras que fazem.
Em ambos os álbuns temos o Concerto para Viola de Bartók, que já foi postado muitas vezes aqui no blog, e o qual eu devo admitir não ter digerido muito bem, mas não pelo estilo de Bartók (o qual eu adoro), mas pelo próprio ethos húngaro que eu ainda não consegui absorver tão bem quanto acredito já ter absorvido o ethos russo e alemão, por exemplo. A interpretação dos concertos fica a cargo que ninguém menos que Lawrence Power e, respirem fundo, Kim Kashkashian. Não há do que reclamar aqui amiguinhos. Dois interpretes maravilhosos.
O álbum com Power começa com o Concerto para Viola de Miklós Rózsa, compositor muito conhecido pelas composições para Hollywood, que chegam a quase cem segundo a wikipedia. Assim como Bártok, também mesclou elementos da música húngara em suas composições e podemos sentir o ethos húngaro em sua música de forma semelhante a como sentimos na música de Bártok. Pelo menos é o que se pode dizer ouvindo o concerto para viola dele. Por causa disso, poderíamos dizer que ele também era um modernista. Seu concerto me lembra um pouco o primeiro concerto para violino de Shostakovich, principalmente o quarto movimento “Allegro con spirito”.
Tibor Serly, é mais conhecido por ter sido o responsável por terminar o Concerto para Viola de Bartók. E em sua época era mais conhecido como violinista, mas também era compositor e sua obra mais conhecida é a Rapsódia para viola e orquestra, que compõe o álbum com Power.
Do álbum com Kim, além de Bartók temos Péter Eötvös, que é regente e compositor. No álbum ele rege sua própria obra, um concerto para viola a que ele chama de Replica. Sua música parece uma mistura de Shostakovich e Schnittke, e diferentemente de Bártok, Serly ou Rozsa, não faz uma música essencialmente húngara. Sua música parece usar do serialismo integral, o que resulta numa música que não remete a nada específico. E, geralmente, tendo a dizer que quando isso acontece é sintoma do vazio no coração do homem pós-moderno. Ok, talvez eu tenha ido longe, mas acho que essa minha impressão dialoga muito com a ideia que ele tenta passar na obra de um “adeus de pessoas que estão indo à lugar nenhum”, segundo o libreto.
O álbum termina com a obra do indecifrável György Kurtág. Não consegui entender muito bem qual a “ideia por trás da matéria” de sua música. Fui descobrir um pouco dele e sei que ele gosta de fazer citações nas obras. Citações essas que vão desde Bach até Webern. Na obra aqui em questão, segundo o libreto, parece que tem Brahms, Haydn e Bartók. Não captei nenhum.
Viola Concertos by Rosza, Serly & Bartok
Miklós Rózsa (1907-1995):
Viola Concerto Op. 37
01 1. Moderato assai
02 Allegro giocoso
03 Adagio –
04 Allegro con spirito
Bela Bartók (1881-1945)
Viola Concerto (completed in 1949 by Tibor Serly), Sz 120, BB 128
05 I. Moderato –
06 II. Adagio religioso –
07 III. Allegro vivace
Tibor Serly (1901-1978)
08 Rhapsody for viola & orchestra
Bergen Philharmonic
Andrew Litton, conductor
Lawrence Power, viola
Hoje vou quebrar um pouquinho minha tradição de postar compositores modernos e contemporâneos, e vou postar um álbum de um compositor romântico.
Romântico? Na verdade, nem tanto. Dvorák, compositor tcheco, tinha um ideal nacionalista e modernista em sua música que antecipa bastante o movimento modernista que seria acompanhado por outros grandes compositores europeus como Jean Sibelius e Edvard Grieg. A sua Sinfonia No. 9, conhecida como “Do Novo Mundo” é uma obra extremamente reconhecida do repertório da música erudita. Percebi que o blog estava precisando que ela fosse repostada.
Embora num primeiro momento o nome possa remeter à uma ideia de novo mundo utópico ou imaginário, o drama de novo mundo foi muito real. Veio a partir do choque que Dvorák teve em sua estadia nos Estados Unidos. E junto à sinfonia, Dvorák escreveu também, no “novo mundo”, o famoso concerto para violoncelo.
A interpretação aqui é polêmica. Embora os performers sejam ótimos, a Orquestra da Academia de Santa Cecília conduzida por Antonio Pappano e o solista do concerto para violoncelo sendo Mario Brunello, por ser ao vivo, temos muitos “sons de marcenaria” como diria PQP. Eu não me importo, mas alguns comentaristas da Amazon foram cruéis em seu julgamento.
Antonín Dvořák (1841-1904)
CD1
Symphony No. 9 in E minor Op. 95 “From the New World”
01 Adagio – Allegro molto
02 Largo
03 Scherzo: Molto vivace – Poco sostenuto
04 Allegro con fuoco
Accademia di Santa Cecilia Orchestra
Antonio Pappano, conductor
CD2
Cello Concerto in B minor Op. 104
01 Allegro
02 Adagio, ma non troppo
03 Finale: Allegro moderato – Andante – Allegro vivo
Accademia di Santa Cecilia Orchestra
Antonio Pappano, conductor
Mario Brunello, cello
Eu sou um fissurado por concertos para piano. Meus primeiros amores neste gênero vêm dos concertos para piano de Mozart, os quais do 17 ao 26 eu ouvi várias vezes, tendo apadrinhado o 20 e o 24 como meus favoritos, justamente por sua carga mais emotiva e levemente melancólica. Também amo os concertos para piano de Chopin, com sua forte carga expressiva, ao mesmo tempo que delicada e profunda. Assim como também amo os de Liszt, que é um romântico diametralmente oposto à Chopin em seu estilo, embora seus concertos sejam igualmente apaixonantes. Já na música moderna e contemporânea, as coisas mudam bastante em relação aos concertos para piano.
Diferentemente de compositores que dentro de uma tradição seguem estilos diferentes (por exemplo Chopin e Liszt) ou de compositores que dentro de uma tradição usam uma forma de composição específica como meio de prática acadêmica de sua técnica musical (como Mozart fazia com seus concertos para piano), na música moderna, a partir do início do século XX, os compositores se viram perdidos num mundo onde já não existia mais certezas nem uma tradição paradigmática, como foi antes o romantismo, o clássico e o barroco. Por isso, alguns acabam abandonando até mesmo as formas tradicionais de composição (sinfonia, sonata, concerto, etc.), embora os elementos constitutivos de sua música em si não sejam tão radicais, como, por exemplo, fez Debussy ou Satie. Outros continuam usando as velhas formas de composição mas acabam criando ou mesclando estilos que, a não ser pelo próprio arranjo dessas formas (orquestra, quarteto de cordas, etc.), pouco lembram as formas em que se inserem, como por exemplo fez Bartók e Shostakovich. Schnittke se situa entre as duas tendências; a maioria de suas obras é feita sob um molde tradicional (sinfonia, concerto, sonata, etc.), mas ele viola um pouco as regras fazendo algumas mudanças, como é o caso de seu concerto para piano.
Escrito em 1979, seu concerto para piano e cordas não parece ter a intenção de ser um concerto para piano como qualquer outro, já que é feito em um único movimento e que mescla, segundo Christopher Culver, “variação, sonata e forma cíclica (o que geralmente se chama de modalismo)”. É o poliestilismo de Schnitte em um de seus melhores exemplos de genialidade. Com poucas “radicalidades” que os ouvidos menos treinados podem não gostar, e com uma aura espiritual e meditativa em seu início, esse concerto é uma ótima introdução ao estilo de Schnittke, para você leitor que nunca ousou se aventurar nas obras deste compositor. Só o motivo inicial já é apaixonante, justamente por sua simplicidade.
Além do concerto, temos também o Réquiem.
Muitos compositores ao longo da história compuseram em cima deste tema tão latente na história do pensamento humano: a morte. Por mais ateu que alguém seja, é difícil não se emocionar com a dramaticidade que alguns compositores ao longo da história da música auferiram às suas homenagens aos mortos e à morte. Essencialmente, o réquiem é um texto liturgo cristão, logo, algumas características são fixas, como seus movimentos. Agnus Dei, Lacrimosa, Tuba Mirum, são todos trechos desta tradicional cerimônia. O meu trecho favorito é o Dies Irae. E quero fazer uma comparação entre meios diferentes de se musicar esse trecho. Vamos ouvir, por exemplo, o Dies Irae do Réquiem de Mozart:
Mozart, compositor clássico, faz um Dies Irae pouco expressivo mas bastante conciso. É uma música “redonda”, com temas que se intercalam e que não se desenvolvem muito.
Vejamos agora o Dies Irae do Réquiem de Verdi:
Verdi, compositor romântico, já é muito mais radical. Usando recursos “operísticos”, ele dá muito mais expressividade pra música, embora toda a sacralidade da obra possa ir pro brejo com tamanha expressividade.
Vejamos agora, Schnittke:
O arranjo volta a ser pequeno, embora alguns elementos ali (a guitarra e o baixo elétricos, por exemplo) sejam elementos totalmente “profanos”, tanto na liturgia cristã quanto na “liturgia” erudita (risos). A expressividade operística dá lugar à uma expressividade sombria e violenta, que eu diria ser muito condizente com nossos tempos.
Comparações deste tipo são boas para entendermos a diferença da passagem de uma época pra outra. Do clássico ao romantismo muita coisa mudou, mas do romatismo ao poliestilismo de Schnittke aconteceu uma mudança brutal, não só no arranjo orquestral e forma expressiva como também, e principalmente, na estrutura da música, que não explicarei em maiores detalhes aqui para não me alongar.
Num futuro não tão distante trarei as 10 sinfonias de Schnittke, que são uma boa forma de se aprofundar mais no estilo do compositor.
Bom deleite a vocês.
Alfred Schnittke (1934-1998): Concerto for piano andStrings & Requiem
01 Concerto for Piano and Strings
Requiem Op. 101
02 Requiem
03 Kyrie
04 Dies Irae
05 Tuba Mirum
06 Rex Tremendae Majestatis
07 Recordare
08 Lacrimosa
09 Domine Jesu
10 Hostias
11 Sanctus
12 Benedictus
13 Agnus Dei
14 Credo
15 Requiem
Russian State Symphonic Capella
Russian State Symphony Orchestra
Valery Polyansky, conductor
Igor Khudolei, piano
Anne-Sophie Mutter, muito amada pelos editores e leitores deste blog, interpreta aqui Dutilleux, Bártok e Stravinsky. Eu não tenho nem um pouco da intimidade que o PQP ou o FDP têm com ela, mas digo sem medo que neste álbum o vigor de seu toque é arrepiante.
Pelo menos é o que eu posso dizer ao ouvir o concerto para violino do Stravinsky, que deste álbum, é minha peça favorita. Stravinsky foi um bicho muito esquisito. Começou sua carreira de forma ascendente, com uma obra atrás da outra gerando sucesso e polêmicas, tudo isso a partir de um estilo próprio que condizia com a quebra das tradições e convenções na música que ocorria numa época em que a Europa era sacudida pela guerra e por revoluções. Mas esse estilo não durou muito, em sua fase seguinte, o neoclassicismo (que foi só uma das três fases de estilo de composição ao longo da longa vida de Stravinsky), o compositor resolveu voltar às velhas formas de composição. Um desses trabalhos é o concerto contido aqui, muito embora tudo que Stravinsky faça, seja num estilo de vanguarda, seja num estilo neoclássico, é perceptivelmente ímpar. Eu adoro isso nele.
Temos também o belo concerto para violino de Bártok e Sur le même accord abrindo o CD, obra que Dutilleux dedicou à própria Mutter (Já viram que muitos grandes homens perdem a cabeça por essa pessoa).
Anne-Sophie Mutter plays Dutilleux, Bartók, Stravinsky
Henri Dutilleux (1916-2013)
01 Sur le même accord
Orchestre National de France
Kurt Masur, conductor
Béla Bartók (1881-1945)
Violin Concerto No.2, BB 117, Sz.112
02 1. Allegro non troppo
03 2. Andante tranquillo – Allegro scherzando – Tempo 1
04 3. Allegro molto
Boston Symphony Orchestra
Seiji Ozawa, conductor
Ígor Stravinski (1882-1971)
Violin Concerto in D major
05 1. Toccata
06 2. Aria 1
07 3. Aria 2
08 4. Capriccio
Como devem ter percebido ao longo de todo esse tempo em que venho postando obras de Pärt, boa parte de sua produção musical é profundamente religiosa. A Berliner Messe que vem completa neste álbum, na ótima interpretação de Paul Hillier, nos lembra o cantochão tradicional (sobre o qual discuti aqui), mas com aquele toque de tintinnabuli que tanto nos agrada.
A beleza deste álbum está na sutileza e na beleza de sua religiosidade, portanto tentar escutá-lo buscando qualquer outra tendência “modernosa” que Pärt geralmente tem, por exemplo, em suas obras orquestrais ou camerísticas, não vai satisfazer o ouvinte afoito.
Além da Missa, reparem na beleza do Ode IX da Kanon Pokajanen. Trarei ela completa em breve, só aguardo o espírito necessário para escutá-la inteira de uma só vez. Infelizmente não estará na interpretação de Hillier, que neste álbum, conseguiu fazer um trabalho excelente (como lhe é de costume quando o assunto é Arvo Pärt).
Arvo Pärt (1935): I Am The True Vine
01 Bogoróditse dyévo (Hail Mary), for chorus
02 I Am the True Vine, for chorus
03 Ode IX: Nýnje k wam pribjegáju
04 The Woman with the Alabaster Box, for chorus
05 Tribute to Caesar, for chorus
Berliner Messe
06 Kyrie
07 Gloria
08 Erster Alleluiavers
09 Zweiter Alleluiavers
10 Veni Sancte Spiritus
11 Credo
12 Sanctus
13 Agnus Dei
Theatre of Voices
The Pro Arte Singers
Paul Hillier, conductor
Especialistas, se os houver por perto, podem começar a jogar pedras: há décadas discutem se estas “Vésperas de 1610” constituem uma das obras inaugurais do Barroco ou o canto-de-cisne da Renascença. Outros ainda podem dizer “Mas como! É óbvio que o barroco nasceu com a primeira ópera, a desaparecida Dafne, de Jacopo Peri, 13 anos antes. Ou com a primeira preservada, a Euridice do mesmo Peri, de 1600. Ou com o Orfeo do próprio Monteverdi, de 1607!”
Todos têm sua razão, é claro – mas o meu barroco nasceu em 1610 com esta coleção de 24 peças sacras usadas nos ofícios daquela inacreditável catedral emersa: São Marcos de Veneza.
Já os menos especialistas acostumados com Bach, Vivaldi, Händel, podem perguntar espantados: mas isto é barroco?! Pois bem: isto é, sim, o barroco – em sua brotação inicial: a música que, na comparação com as outras artes, mais merece o rótulo ‘barroco’!, e que envolve compositores como Schütz, Scheidt, Sweelinck, Frescobaldi. O barroco com que estamos acostumados, de 120, 140 anos mais tarde, é o fruto não apenas amadurecido mas já feito compota – da qual, deixo claro, me lambuzo!
Mas isto aqui… isto aqui pra mim nem é barroco nem nada: é uma viagem pra outro planeta. Quando ouvi a primeira vez já era acostumado com Schütz, uma coisa parecida – e linda – em sóbrias roupas marrons germânicas, pão de centeio em mesa de madeira… mas não conhecia nada dos ouros de Veneza, porto e porta do Oriente, e fiquei embasbacado diante do colorido intenso dos timbres, das vozes se lançando em arcos alucinados cheios de arabescos impossíveis, talvez último eco das glórias de Bizâncio…
Talvez vocês não achem nada disso – ainda mais que o efeito vai pegando aos poucos… – mas me permitam apontar uns highlights:Lauda Jerusalem (faixa 15): o que é isso, um negro spiritual?! Escutem as chamadas e respostas e as síncopes e me digam se não! Os ecos de metades de palavras que dialogam com a palavra original em Audi Coelum (39): gaudio/audio, orientalis/talis, solamen/amen – barroco é ISSO, senhores! O milagre de não só nos fazer acreditar em Deus (como se diz de Bach), mas até no “gracioso amor de Maria” no Ave Maris Stella (18); o Magnificat do começo ao fim (21-32), inclusive o mais espantoso Gloria Patri que já ouvi; e talvez mais que tudo o Duo Seraphim (36), com seu inusitado ornamento de notas repetidas em accelerando (canto de inhambu?!) e as imitações entre os dois serafins de Isaías, que viram três depois da intervenção do evangelista João afirmando a Trindade.
(Essa afirmação, que se dá sobretudo mediante o ‘Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto’ no fim de quase todas as peças, merece observação especial: um dos testemunhos que levaram o dramaturgo António José da Silva à fogueira da Inquisição em 1739 foi o de que teria sido ouvido recitando salmos sem o Gloria Patri cristianizante ao final – e isso era prova bastante de que se mantinha secretamente fiel ao judaísmo…)
Quanto a esta realização, acho que às vezes McCreesh se precipita um pouco, que podia respirar e contemplar um pouco mais, mas apesar disso acho que no conjunto ainda não ouvi melhor. Cabe advertir que ele buscou sugerir um ofício religioso real, mudando aqui e ali a ordem “de espetáculo” que se costuma dar às peças, e intercalando 12 passagens em gregoriano e 4 solos de órgão – estes emprestados dos contemporâneos Giovanni Paolo Cima, Ercole Pasquini e Adriano Banchieri, mais uma improvisação -, com o que as 24 peças viraram 40 faixas. Para facilitar, destaco as peças propriamente das Vésperas em negrito, nas listas abaixo.
Os textos se encontram no livreto postado junto com o CD1, que também traz entrevista de McCreesh. Por uma falha do escaneador, falta o da faixa 18, Ave Maris Stella, que pode ser consultado AQUI enquanto não resolvemos isso. E boa viagem!
MONTEVERDI: VESPRO DELLA BEATA VERGINE
(Vésperas de 1610)
01. Deus, in adiutorium meum intende (Salmo 69[70]:2)
02. Missus est angelus (gregoriano)
03. Dixit Dominus (Salmo 109[110])
04. Nigra sum (Cântico dos Cânticos 1:4, 2:3, 2:11-12)
05. Ave Maria gratia plena (gregoriano)
06. Laudate pueri (Salmo 112[113])
07. Canzon Quarta: La Pace (Cima)
08. Ne timeas Maria (gregoriano)
09. Laetatus sum (Salmo 121[122])
10. Toccata (Pasquini)
11. Dabit ei Dominus (gregoriano)
12. Nisi Dominus (Salmo 126[127])
13. Secondo Dialogo (Banchieri)
14. Ecce ancilla Domini (gregoriano)
15. Lauda Jerusalem (Salmo 147[147:12 ss])
16. Pulchra es (Cântico dos Cânticos 6:3-4)
17. Ecce virgo concipiet (gregoriano)
18. Ave Maris Stella (hino mariano medieval)
19. Ave Maria gratia plena (gregoriano)
20. Spiritus Sanctus (gregoriano)
21. Magnificat (Lucas 1:46 ss, até faixa 30)
22. Et exsultavit
23. Quia respexit
24. Quia fecit mihi magna
25. Et misericordia
26. Fecit potentiam
27. Deposuit potentes de sede
28. Esurientes implevit bonis
29. Suscepit Israel
30. Sicut locutus est (Lucas 1:55)
31. Gloria Patri
32. Sicut erat in principio
33. Sonata sopra Sancta Maria
34. Dominus vobiscum – Deus, qui de beatae Mariae (gregoriano)
35. Dominus vobiscum – Benedicamus Domino (gregoriano)
36. Duo seraphim (Isaias 6:3, I João 5:7-8)
37. Fidelium animae (gregoriano)
38. Organ improvisation
39. Audi caelum (poema mariano)
40. Divinum auxilium (gregoriano)
Gabrieli Consort & Players dirigidos por Paul McCreesh.
Tessa Bonner e Susan Hemington Jones, sopranos;
Joseph Cornwell e Charles Daniels, tenores; Peter Harvey, barítono.
Gravado na Tonbridge Chapel, Tonbridge, Inglaterra, em novembro de 2005
Hoje estreio mais um compositor contemporâneo no blog, o israelense filho de pais sírios que hoje mora na Austrália, Yitzhak Yedid.
O fato de ele ter pais que imigraram da síria não é irrelevante. É justamente a música árabe que ele tenta reproduzir aqui e em outras obras suas. E foi a partir do contato com a cultura árabe na Síria que seu estilo foi influenciado, especialmente o estilo da obra que os trago hoje.
É uma das melhores coisas que ouvi ultimamente. Pianista de jazz que ele é, poderemos em alguns momentos da obra nos perguntarmos: “É música judaica, árabe, ou jazz?” Segundo ele, são as três coisas.
Por mais improvável que possa ser, essa mistura dá certo. O que há de melhor das três culturas é colocado a serviço de uma música que além de muito bem composta, é muito bem improvisada. Melodias árabes e judias se alternam, confundindo-se e mostrando sua irmandade.
Semelhantemente à uma brincadeira que já havia sido feita por Arvo Pärt em Orient & Occident, aqui o compositor frequentemente alterna entre o ocidente moderno (neste caso, a improvisação do Jazz), e o oriente (neste caso, o tipo de harmonia da música árabe e da música judaica). E como podem ver pelos nomes dos trechos dos movimentos, o compositor tenta a todo momento suscitar imagens e a contar uma história. Confesso não ter prestado tanta atenção no que Yitzhak tenta contar a partir dos títulos, deixarei isso para uma próxima audição. No momento, a música dele por si só já é deliciosamente instigante.
Yitzhak Yedid (1971):
Arabic Violin Bass Piano Trio: Suite in Four Movements
First Movement
01 Taqsim, dedicated to the day of tomorrow (01:59)
02 The image of an old weary man (04:14)
03 The pianist’s gaze (01:49)
04 Poetic fractions (02:34)
05 Evolution of hatred and bitterness (02:53)
06 His final request (01:01)
Second Movement
07 The High Priest’s whispered prayer on Yom Kippur as he leaves the Holy of Holies (06:43)
08 The dancers’ gleeful cries (01:17)
09 Olive branches in the candelabra (00:10)
10 Belly dancing in an imaginary cult ritual (00:42)
11 Eruption (01:01)
12 “And thus would he count” (00:25)
13 An even more powerful eruption (00:44)
14 “One, one and one, one and two, one and three, one and four, one and five” (04:15)
Third Movement
15 Image of a homeless Holocaust survivor on the streets of Tel Aviv (04:40)
16 The double bassist’s voice (03:24)
17 Awakening the dead (02:14)
18 An Israeli chorale, dedicated to the Holocaust survivor (02:29)
Fourth Movement
19 Cries of joy (00:23)
20 The violinist’s gaze (03:20)
21 Hallucinatory Debka dance (02:19)
22 Magic of a sensual belly dancer (01:37)
23 And again the cries (00:31)
24 The image of the old man from the First Movement (04:04)
25 The madness of creation (01:50)
26 Epilogue: the prayer of purification (02:46)
Yitzhak Yedid, piano
Sami Kheshaiboun, arabic violin
Ora Boasson Horev, double bass
Voices of Nature é um álbum com obras para vozes tanto de Pärt quanto de Schnittke.
O destaque aqui fica com o belíssimo e profundo Concerto para Coro de Schnittke. Se vocês ouviram o álbum do Kronos Quartet com obras de Schnittke, vocês notarão que o segundo movimento do concerto é o belíssimo Collected Songs Where Every Verse Is Filled With Grief.
Além disso, temos algumas obras pequenas dos dois compositores as quais não são tão valiosas, embora também belas.
E para os conservadores, não se preocupem, Schnittke no concerto deste álbum não utiliza de seu famoso poliestilismo.
Voices of Nature
Alfred Schnittke (1934-1998):
Concert for Choir
01 I
02 II
03 III
04 IV
05 Voices of Nature for ten women’s voices and vibraphone
Muitas obras musicais são caixinhas de surpresa de sentimentos: felicidade, melancolia, nostalgia, tristeza, raiva, euforia, entre outros. A maioria se situa entre a felicidade, que geralmente (mas nem sempre) está atrelada aos tons maiores (ré maior, fá maior, etc.) e a tristeza (ré menor, dó menor, etc.).
Se navegamos pelas músicas do período clássico e romântico, é muito fácil identificar os sentimentos da música em algum lugar entre esses dois polos, felicidade e tristeza. Na virada para o século XX, isso fica mais difícil entre os românticos tardios. No início do século XX, os compositores modernos nos deleitam com novos sentimentos até então pouco explorados, o suspense na Sagração de Stravinsky, e não bem um sentimento, mas imagens nostálgicas, nas obras de Debussy.
Mas o que até então eu nunca tinha experimentado, embora trilhas sonoras de filmes já tenham chegado perto, é terror. Terror no sentido mais puro da palavra, terror de verdade, da morte, da dor, uma mistura de medo e desespero em algo muito pior. Isso puramente a partir da música, não da mistura de sensações que os filmes nos trazem.
BY THE THROAT, lançado em 2009 pelo compositor e produtor musical Ben Frost, que apesar de ser australiano vive na Islândia, é uma experiência musical ímpar. Este álbum une a beleza de uma melodia levemente nostálgica com o terror de um ambiente criado pela música.
Um internauta desreveu soberbamente essa experiência auditiva:
“(…)And with this latest [album], the chills rise up my spine and hold me, in perpetual, electric shock. The cover art alone puts into my mind the images of my final moments, lying naked on the snow, steam rising from the breath of a hungry wolf, his teeth sunk into my throat. And the track titles do not let up. Through The Glass Of The Roof, Through The Roof Of Your Mouth, Through The Mouth Of Your Eye. And the music? Dark grinding metallic strings scratched through distorted pads, deep breaths, growls, and choking melodies. The intensity of the bass and guitar riffs create instant goose bumps, tickling the inside of my ears, and clawing at my chest. White knuckled at the seat, I think I accidentally scratched a healing scab off of my back and now I’m bleeding through this white collar shirt, the tie restricting my cries. Let me out! I’ve heard some dark and terrifying ambiance in my lifetime, but Frost’s onslaught is incredible(…)”
Recomendo que os senhores ouçam sozinhos, em casa e principalmente, no escuro. Como diz no final de seu comentário o ouvinte que citei acima, após terminar, vocês vão desejar voltar à sentir a angústia da melodia do piano, e o terror de toda essa experiência.
Ben Frost (1980): BY THE THROAT
01 Killshot
02 The Carpathians
03 Ó God Protect Me
04 Híbakúsja
05 Untitled Transient
06 Peter Venkman Part I
07 Peter Venkman Part II
08 Leo Needs A New Pair Of Shoes
09 Through The Glass Of The Roof
10 Through The Roof Of Your Mouth
11 Through The Mouth Of Your Eye
Sam Amidon, Featured Artist
Amiina Cello; Featured Artist, Viola, Violin
Paul Corley; Engineer, Percussion, Prepared Piano, Programming
Russell Fawcus, Strings
Jeremy Gara, Percussion
Borgar Magnason, Bass (Upright)
Nico Muhly; Harpsichord, Prepared Piano
Temos aqui da compositora grega Eleni Karaindrou um concerto realizado em Atenas onde vários trechos de trilhas sonoras entre outras composições são tocadas.
Peço encarecidamente a vocês que baixarem este álbum para ouvi-lo de noite. O saxofone somado à delicadeza do piano que é tocado pela própria compositora, mais a orquestra vagamente acompanhando as melodias criam uma atmosfera noturna para a música que seria de um enorme desgosto violá-lo.
Ouvir este álbum sob a luz do sol seria como comer bacon com chocolate.
Eleni Karaindrou (1941): Concert in Athens
01 Requiem for Willy Loman
02 Eternity Theme
03 Closed Roads
04 Waiting
05 Voyage
06 Invocation
07 Tango of love
08 Toms Theme
09 Lauras Waltz
10 Adagio
11 After memory
12 Farewell Theme
13 Seeking Theme
14 Nostalgia Song
15 Waltz of the Rain
16 Adagio for Saxophone
17 Dance
18 Requiem for Willy Loman, variation.
Kim Kashkashian, viola
Jan Garbarek, tenor saxophone
Vangelis Christopoulos, oboe
Eleni Karaindrou, piano
Desde o quinto álbum dessa coleção não temos decepções, e aqui, mantemos o nível e fechamos com chave de ouro.
Peter Sculthorpe, nascido na Tasmania, surpreende na criatividade dos quartetos — onde ele brinca com os timbres — e na musicalidade de From Ubirr, onde ele mistura uma melodia evidentemente ocidental com o instrumento didjeridu (didgeridoo em inglês), que é usado principalmente pelos aborígenes australianos. Segundo a wikipedia, esse sempre foi seu objetivo, unir a música australiana com a tradição da música ocidental. Portanto, podemos dizer que ele é um modernista contemporâneo da Austrália.
Já o P. Q. Phan — que nada tem a ver com o P. Q. P. — saiu da sua terra natal, o Vietnam, para ir aos EUA estudar música, e aqui ouvimos o que ele aprendeu. Sua música possui elementos facilmente confundíveis entre oriental, chinês ou japonês, mas é vietcongue. Meus vizinhos não gostaram muito do caos da sua música tipicamente contemporânea que eu não tive reservas em deixar o rádio tocar, mas eu adorei.
Depois de passar pela Austrália e pela Ásia, terminamos nossa longa viagem na África, com Kevin Volans. O dito cujo é branco e passou boa parte da vida fora da África do Sul, onde nasceu, mas certamente soube utilizar bastante da cultura africana de seu país para fazer sua música. White Man Sleeps utiliza o sistema tonal da cultura africana, ou seja, os intervalos entre as notas são diferentes, portanto podemos ouvir sons que geralmente não ouviríamos num instrumento com a tonalidade ocidental tradicional. São diferentes danças onde podemos sentir um pouco do ritmo africano ao mesmo tempo em que as melodias são mais europeias.
É isso ai amiguinhos, terminamos aqui essa coleção, espero que tenham gostado.
25 Years of the Kronos Quartet [BOX SET 10/10]
Peter Sculthorpe (1929-2014):
Jabiru Dreaming, Quartet No. 11
01 I. Deciso
02 II. Amoroso
Quartet No. 8
03 I. Con dolore
04 II. Risoluto; calmo
05 III. Con dolore
06 IV. Con precisione
07 V. Con dolore
08 From Ubirr*
P. Q. Phan (1962):
09 Tragedy at the Opera (from Memoirs of a Lost Soul)
Kevin Volans (1949):
White Man Sleeps, Quartet No. 1:
10 First Dance
11 Second Dance
12 Third Dance
13 Fourth Dance
14 Fifth Dance
Kronos Quartet:
David Harrington, violin
John Sherba, violin
Hank Dutt, viola
Joan Jeanrenaud, cello
Michael Brosnan & Mark Nolan, didgeridoos*
Temos aqui hoje o estadunidense Terry Riley e o russo Alfred Schnittke. Não, calma, não estamos na guerra fria.
Cadenza On The Night Plain é ótima. Podemos perceber facilmente a influência indiana na música de Riley, embora isso as vezes se restrinja às pequenas dissonâncias resultantes das diferenças de escalas entre as notas do sistema tonal indiano. G music dá uma pausa trazendo elementos do Jazz num formato tipicamente ocidental. A melodia é deliciosa e repete com pequenas variações. É o minimalismo de Riley.
Já em Schnittke temos muitas vísceras. O criador do poliestilismo não perdoa. O que é poliestilismo? Eu explico pra vocês. Poliestilismo é a técnica que numa única obra mescla diferentes estilos de composição, como por exemplo, barroco e romântico, ou barroco e dodecafonismo, ou clássico, romântico e minimalista todos juntos, entre outras combinações possíveis. Talvez alguma mente perspicaz pergunte: Ok, mas qual a diferença disso do collage? Bem, o collage utiliza trechos inteiros de músicas já prontas de diferentes compositores de diferentes épocas, o que pode tornar a harmonia bastante precária. É possível criar uma obra inteira sem fazer nada se o compositor for demasiadamente picareta. Já no poliestilismo o compositor precisa compor novas coisas em cada estilo e harmonizá-las numa música só, o que dá mais liberdade para criação e torna mais fácil criar uma harmonia, mas ao mesmo tempo demanda um conhecimento enorme das diferentes técnicas. Em poucas notas o compositor pode atravessar séculos inteiros.
Embora aqui, amigos, vocês sentirão pouco dessa técnica de Schnittke, já que o formato de quarteto é muito mais rígido em sua estrutura. Se quiserem perceber mais o poliestilismo, recomendo os concertos grossos.
Semana que vem trarei o último álbum da coleção com Peter Sculthorpe, P. Q. Phan e Kevin Volans. Alguém conhece esses caras?
25 Years of the Kronos Quartet [BOX SET 8 and 9/10]
Disc 8
Terry Riley (1935):
Cadenza On The Night Plain
01 Introduction
02 Cadenza: Violin
03 Where Was Wisdom When We Went West?
04 Cadenza: Viola
05 March of the Old Timers Reefer Division
06 Cadenza: Violin II
07 Tuning to Rolling Thunder
08 The Night Cry of Black Buffalo Woman
09 Cadenza: Cello
10 Gathering of the Spiral Clan
11 Captain Jack Has the Last Word
12 G Song
Salome Dances for Peace – excerpts
13 III. The Gift: Echoes of Primordial Time
14 III. The Gift: Mongolian Winds
15 V; Good Medicine: Good Medicine Dance