Na postagem anterior falei rapidamente sobre a Sonata Primavera, e gostaria de contar uma pequena situação que ocorreu comigo ao ouvir esta obra. Creio que era um final de tarde, eu morava em São Paulo, numa região muito tranqüila, Vila Mariana, e recém tinha comprado uma fita cassete com a Sonata Primavera e a Sonata a Kreutzer, na belíssima versão do Heinrik Szering acompanhado da Ingrid Haebler. A casa em que eu morava era germinada com outras duas, então era comum ouvirmos as conversas dos vizinhos, ou até mesmo seus rádios ligados, ou tvs ligadas. Pois coloquei a fita para tocar num volume relativamente alto, e fui até a cozinha preparar meu jantar (ainda era solteiro). Passado algum tempo, tempo de duração do primeiro lado da fita, ouço minha vizinha que morava ao lado me chamar. Pensei que ia reclamar do volume do som, pois estava bem alto, e para surpresa minha, ela perguntou que música tão bonita era aquela que estava tocando, pois desde que começara ela tinha parado de fazer o que estava fazendo, e ficou ouvindo, e aquilo a tinha deixado muito emocionada. Falei que era Beethoven, a Sonata Primavera, e ela então perguntou se eu podia repetir novamente a fita. Obviamente que carreguei a fita novamente, logo depois ainda fiz uma cópia para ela. Infelizmente, após algum tempo, essa vizinha se mudou, e eu também, e perdemos o contato. Lembro-me que ela vivia com uma filha adolescente, com a qual tinha um relacionamento extremamente complicado, viviam brigando, e naquela mesma tarde, antes de eu chegar em casa, ela havia tido outra destas discussões. Creio que esta a música a deixou por algum tempo com a cabeça mais leve, relaxada. É o poder da música, ainda mais quando se trata de Beethoven.
O outro lado desta mesma fita cassete tinha a Sonata a Kreutzer. e é ela que se destaca mais nestes dois outros cds que estou postando. Vejamos o que Maynard Solomon escreveu a respeito dessa obra:
“A composição seguinte de Beethoven foi a Sonata Kreutzer para VIolino e Piano, op. 47. ‘Escrita num estilo muito concertante, como o de um concerto’, escreveu ele na primeira edição da Sonata, assinalando assim a sua intenção de introduzir elementos de conflito dinâmico num dos principais gêneros de salão do período clássico, e de conferir peso igual aos dois instrumentos. O estilo pianístico da Sonata Kreutzer já prenuncia as sonatas para piano do período intermediário, e o violino adquire agora uma voz insistente, declamatória. A obra é em três movimentos: um Adágio sostenuto – a única introdução lenta nas sonatas de Beethoven para violino – a que se segue um Presto dinamicamente propulsivo; um Andante con variazioni; e um gracioso Presto finale, em ritmo de tarantela, o qual foi composto originalmente composto para a Sonata op. 30, nº1. Na novela de Tolstoi do mesmo nome, uma audição desta sonata precipita a ação crucial: ‘Parecia que possibilidades e impulsos inteiramente novos me eram revelados em meu próprio íntimo de um modo que eu jamais sonhara’, diz o herói trágico de Tolstoi. ‘Tais obras só deveriam ser tocadas em condições muito graves e significativas e, ainda assim, somente quando certos feitos correspondentes a tal música estão prestes a concretizar-se’.”
Sobre as Sonatas op. 30, Solomon faz o seguinte comentário:
“As Sonatas op. 30, constituem um nítido avanço, com uma expansão de sonoridades tonais e momentos de pathos heróico que assinalam claramente estar Beethoven atingindo o limite extremo do estilo clássico. Com efeito, o que é agora o finale da Kreutzer destinava-se originalmente a ser o finale da op. 30, nº1. Beethoven tinha, nessa época, ampliado dramaticamente a extensão expressiva de sua escrita para piano. Agora estava prestes a dar forma a uma nova, dinâmica e declamatória voz para o violino, a fim de equilibrar esse estilo pianístico sem precedentes.”
Creio que todos os nosso ouvintes/leitores tem uma grande veneração por estas duas obras, e ao dar aos senhores a possibilidade de ouvi-las tocadas por dois gigantes do século XX, Yehudi Menuhin e Wilhelm Kempff, a veneração irá aumentar, pois trata-se muitas vezes de um embate, e não de uma simples parceria. O violino de Menuhin nunca se deixa dominar pelo piano de Kempff, e vice-versa. Força, sensibilidade, técnica, enfim, tudo está presente. Espero que apreciem.
Concluo, com esta postagem, mais uma integral beethoveniana, e creio que, desta forma, a Música de Câmara de Beethoven também se conclui. O que virá a seguir? Ainda não decidi…
01-Sonate f. Klavier und Violine in A-Dur, op.30, Nr. 1-Allegro
02-Adagio
03-Allegretto con Variazoni I-VI
04-Sonate f. Klavier u. Violine in c-moll, op. 30, Nr. 2- Allegretto
05-Adagio
06-Scherzo
07-Finale
08-Sonate f. Klavier u. Violine in G-Dur, op.30, Nr. 3- Allegro
09-Tempo di Minuetto
Yehudi Menuhin – Violino
Wilhelm Kempff – Piano
CD 3 BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
CD 4 BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
FDP Bach
A seguir, a Missa Solemnis.
Boa idéia, Sander. Uma Missa Solemnis a caminho… pode sre a versão do Herreweghe? A minha outra versão é em vinil..
2 comentários: Um imbecíl e outro sério.
1º Fico imaginando você envolvido com o jantar quando de repente sua vizinha grita: Ô FDP!!!
2º Fico grato pelas postagens. Tinha apenas as sonatas nº5 e 9 com essa mesma dupla, e tinha uma vontade enorme de conhecer as demais. Muito obrigado.
Olá amigos!
Kempf e Menhuim.
Permaneço com sérias dúvidas de que dois excelentes solistas, quando juntos, tornem-se bons cameristas.
Aliás, o nosso bom amigo FDP antecipa este fato quando enfatiza: “trata-se muitas vezes de um embate, e não de uma simples parceria. O violino de Menuhin nunca se deixa dominar pelo piano de Kempff, e vice-versa.”
Efetivamente eu concordo.
Temperamentos diversos, concepções diferentes e tentativas frustradas (e frustrantes) de chegarem a um denominador comum.
Tais tentativas, longe de minorarem, apenas enfatizam os conflitos existentes.
Isto ocorre, com grande freqüência, em “embates” semelhantes: a artificialidade das soluções encontradas nem se coadunam com um dos intérpretes, nem com o outro e, menos ainda, com o autor da obra que tentam interpretar.
É… …..em geral enfatizam os conflitos existentes…
…não os conflitos de Beethoven…
…os conflitos entre Menuhin e Kempff…
Bem…
…é assim que ouço o “embate” Kempff-Menuhin-Menuhin-Kempff.
Mas… …não concluam que eu não tenha gostado das postagens de nosso amigo FDP.
Longe disto!
São ricas de ensinamentos.
Um grande abraço, meus amigos.
Edson
Caro FDP, pode ser sim a do Herreweghe sem problema.
PS: não deu pra responder antes. Sorry.
não entendi… a kreutzer está no cd 4?
Eu gostaria de lhe pedir se me podia arranjar a melhor interpretação do Op.26 de Beethoven
oi galera eu de novo!!!!! 1o: pra parabenizar por seu trabalho! a primavera aprendi a amar na rádio mec fm do rj, no programa música de câmera….. ouço como degusto um chirrá (n sei escrever n reparem), da califórnia, da capsula azul…. porém amigos, se puderem reformar o link do cd 3, gostaria de ouvir para conhecer! bjs em todos