Mais uma gravação de Svetlanov fazendo Mahler com músicos russos, mezzo-soprano russa, coro russo. Há momentos muito bons aqui, mas tanto os músicos como a cantora não alcançam as sublimes sonoridades da 3ª por Haitink, tanto a primeira com a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam em 1966 (aqui) como a última com a Orquestra da Rádio Bávara em 2016 (aqui).
Esta sinfonia, a mais longa do repertório sinfônico usual e atualmente uma das mais amadas pelos especialistas, se baseava inicialmente em um programa relacionado a uma relação panteista do ser humano com o mundo natural, relação que é alegre na maior parte do tempo mas alcança um momento de pensativo desespero no breve 4º movimento com solo de mezzo-soprano. As palavras ali são do Zaratustra de Friedrich Netzsche, que naquela década de 1890 alcançava ao mesmo tempo grande fama como escritor e, pessoalmente, vivia seus últimos anos internado com neurossífilis.
Múltiplas fontes indicam que Mahler era um leitor atento de Nietzsche, assim como de literatura russa, tendo recomendado a Schoenberg que estudasse menos contraponto e lesse mais Distoievsky. Em 1892, um ano antes de Gustav Mahler iniciar esta 3ª Sinfonia (que ele concluiu em 1896), uma publicação em Leipzig pelo Dr. Max Zerbst afirmava, sobre a popularidade do autor de O Nascimento da Tragédia e da Genealogia da Moral:
“Há dois Nietzsches. Um é o mundialmente famoso ‘filósofo na moda’, o brilhante poeta e mestre soberano da língua alemã e do estilo, de quem todos falam na atualidade e em cuja obra algumas frases de efeito mal-compreendidas se transformam em duvidoso patrimônio comum das pessoas ‘cultivadas’.” O outro Nietzsche corresponderia à real essência do autor, que ele (Zerbst) e seus colegas eruditos compreendiam ou pretendiam compreender. Se Mahler compreendia bem ou mal o filósofo, isso já é assunto para os biógrafos e, no fundo, um detalhe pouco relevante.
Imaginemos, em todo caso, que a leitura do irônico e inquieto Nietzsche ajudou Mahler a se afastar da pompa majestosa da música sinfônica da sua época (Wagner, Bruckner, Strauss…) Ou melhor dizendo: Mahler utiliza, quando lhe convém, os meios orquestrais lapidados por Wagner e Bruckner, aquelas sonoridades ainda mais brilhantes, grandiosas e luxuosas que as de Beethoven. Mas ele alterna, em cada uma de suas obras, essa orquestra grandiosa com momentos camerísticos, canções populares, de modo que o luxo parece conviver lado a lado com melodias que se ouvia na rua.
Em cada uma das suas sinfonias, e mais ainda nesta longa Terceira que às vezes parece uma versão secularizada da grandiosa Criação de Haydn, há momentos grandiosos, elevados, emocionantes. Mahler deixa claro que estudou bem as orquestrações de Berlioz e Wagner. Mas também, em cada uma das sinfonias, há quebras nessas espectativas monumentais. Em uma introdução para uma edição das canções (Lieder) de Mahler, Richard Specht mostra esse caráter duplo de Mahler:
“Nos séculos passados devia ser assim que cantavam soldados, pastores e camponeses nas feiras das pequenas cidades” e ao mesmo tempo a “admirável instrumentação alcança uma delicadeza, uma variedade no colorido orquestral que só a nossa época [Specht morreu em 1930], posterior a Wagner e a Berlioz, poderia conseguir.”
Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonia Nº 3 (1896)
1. Kräftig. Entschieden (Strong and decisive) D minor to F major
2. Tempo di Menuetto Sehr mässig (In the tempo of a minuet, very moderate) A major
3. Comodo (Scherzando) Ohne Hast (Comfortable (Scherzo), without haste) C minor to C major
4. Sehr langsam—Misterioso (Very slowly, mysteriously) D major
5. Lustig im Tempo und keck im Ausdruck (Cheerful in tempo and cheeky in expression) F major
6. Langsam—Ruhevoll—Empfunden (Slowly, tranquil, deeply felt) D major
Russian State Symphony Orchestra
Evgeny Svetlanov, conductor
Olga Alexandrova, mezzo-soprano
Recording: Moscow, Large Hall of the Conservatory, 1994

Pleyel