Haydn escreveu 104 sinfonias, das quais a última é apresentada neste disco interpretado pelos eslovacos da Capella Istropolitana e seu regente inglês Barry Wordsworth, grupo de crescente reputação na Europa. E você vê o porquê neste disco. Eles conseguem levar Haydn de uma forma que captura o espírito e o frescor de seu trabalho. As três sinfonias são tocadas lindamente. E com Haydn isso é muito. Ele é reconhecido hoje como o “pai” da sinfonia, não porque tenha criado a forma — houve sinfonias antes dele, mas não soavam como hoje. Foi Haydn quem moldou e desenvolveu a sinfonia na forma clássica madura. A de Nº 44 é facilmente reconhecida como uma sinfonia moderna com quatro movimentos. É um trabalho agradável, mas certamente não está classificado entre os trabalhos mais importantes de Haydn, mas já dá a promessa das coisas maiores que estão por vir. A música de Haydn está repleta de felicidade e de belas melodias para as quais ele parecia ter um suprimento inesgotável. A Sinfonia Nº 88 representa mais um avanço no crescimento de Haydn como compositor. Continua sendo uma das sinfonias mais populares de Haydn e é frequentemente gravada e tocada em concertos. Aqui temos mais consistência do que na 44. Já é uma joia, mas a pepita do disco, no entanto, é a Sinfonia Nº 104, facilmente uma daquelas poucas sinfonias classificadas entre as maiores já escritas. Este é Haydn no pleno reflexo de sua genialidade. Nela, o compositor combina seu inato senso de estilo com uma grande competência e é uma alegria ouvi-la mais uma vez. Uma palavra sobre a Capella Istropolitana e Wordsworth: cresci numa época em que as sinfonias traziam consigo um molho pesado, às vezes indigesto. Minha introdução à Sinfonia Nº 104 de Haydn foi com Otto Klemperer e a Philharmonia. A interpretação era majestosa, grandiosa, bem executada e totalmente sem noção. Aqui, tudo é mais íntimo. A Capella Istropolitana é uma orquestra menor e de toque muito mais leve. É Haydn. Sua genialidade foi nos levar até às portas de Beethoven, mas ele não foi Beethoven.
Franz Joseph Haydn (1732-1809): Sinfonias Nº 44 “Trauer”, 88 e 104 “London” (Capella Istropolitana, Wordsworth)
Symphony No. 44 in E Minor, Hob.I:44, “Trauersinfonie” (Mourning)
1 I. Allegro con brio 07:08
2 II. Menuet and trio 06:23
3 III. Adagio 04:35
4 IV. Finale: Presto 03:48
Symphony No. 88 in G Major, Hob.I:88
5 I. Adagio – Allegro 06:40
6 II. Largo 05:34
7 III. Menuetto: Allegretto 04:13
8 IV. Finale: Allegro con spirito 03:53
Symphony No. 104 in D Major, Hob.I:104, “London”
9 I. Adagio – Allegro 08:22
10 II. Andante 09:29
11 III. Menuet – Trio 05:26
12 IV. Finale: Spiritoso 06:51
Orchestra: Capella Istropolitana
Conductor: Wordsworth, Barry
PQP
“As três sinfonias são tocadas lindamente. E com Haydn isso é muito”. Muito? Não entendi bem o sentido desta última frase, mas vamos lá. Meu problema é que justamente estas três sinfonias não me soam “tocadas lindamente”, muito pelo contrário. Falta à Capella Istropolitana toda a vitalidade que, acertadamente, se atribui à execução das obras de Vivaldi na postagem mais recente de hoje, 15/04/24. O contraste entre forte e piano fica sempre atenuado, faltam os graves e a agressividade que é uma das marcas fundamentais do trabalho de Haydn, desenvolvida numa direção mito distinta de de, por exemplo, Mozart. Quanto às sinfonias em questão, há quem diga que a 44, expressão grandiosa do período “Sturm und Drang” é uma das melhores, se não “a” melhor de Haydn, mas precisa ser bem tocada: ela justamente não é uma expressão “repleta de felicidade” (seu apelido, apócrifo, é “Fúnebre”!). E há quem pense diferente, que justo a 88 seria o píncaro da produção sinfônica do mestre, sem contar a 104, unanimidade no reconhecimento quanto a sua grandeza. Eu particularmente acho o páreo duríssimo, pois cada uma dessas tres ombreia outras: 45, 82, 86, 92, 97, 98, 101. E o que fazer com a grandiosa e desconhecida 102? Entendo que as leituras historicamente informadas destas obras tiraram muita quantidade de pó destas verdadeiras obras-primas, mas um tanto ainda ficou e perpassa leituras como a desta Capella, deixando tudo meio insosso, amorfo, no máximo simpático. Permito-me recomendar uma leitura que traz duas destas obras em execuções impecáveis: a de McGegan. Quanto à 44: o Pinnock, que vocês disponibilizaram aqui há algum tempo (ah, o trabalho do PQPBach: todo agradecimento será insuficiente…) é uma excelente pedida, mas há também o Koopman, o Weil, o Solomons… São outros mundos sonoros e de sensibilidades a que seremos conduzidos: sofisticados, complexos, finíssimos.
E enfim, “Haydn não foi Beethoven”: ainda bem!