Uma ópera sobre Tosca nunca seria um sucesso – a ação inclui cenas de tortura, tentativa de estupro, assassinato, uma execução e alguém se jogando para a morte do alto de um castelo – simplesmente brutal!!

Esse foi um dos argumentos usados pelo editor Ricordi e por seu libretista Luigi Illica para induzirem um agora desconhecido compositor de óperas ceder o direito sobre o libreto baseado na peça de Victorien Sardou. E eles acrescentaram que toda a história decorre em torno das 24 horas de um dia de junho de 1800, num momento de conflitos de todas as ordens – republicanos contra monarquistas, Áustria contra Itália, Napoleão contra o mundo. O compositor nem vacilou, passou para frente a batata quente. No outro dia o contrato para a composição da ópera e o primeiro copião do libreto estavam nas mãos de Puccini. Ele havia se interessado pela história desde o lançamento da peça, em 1889, mas andava ocupado com La Bohème e Manon Lescaut. O libreto de Illica ainda estava longe do que Puccini queria e mais um colaborador foi chamado a bordo. Giuseppe Giacosa já havia trabalhado nos libretos das outras óperas de Puccini e, após muitas noites de tesoura e cola, de pressões do editor, muito esperneio, o resultado é essa maravilha que podemos ouvir, com a música de Puccini.
É famosa e impossível não citar a frase de Giacosa sobre duas das mais famosas óperas de Puccini – La Bohème e Tosca: “La Bohème é pura poesia e nenhuma ação; Tosca é só ação, sem poesia.” Mas eu discordo um pouquinho, sobre a parte da poesia… No início do terceiro ato, que eu adoro, um pastorzinho canta, logo na abertura, os versos a seguir:
Io de’ sospiri, / te ne rimanno tantti / pe’ quante foje / ne smoveno li venti.
Algo assim como: Meus suspiros são tantos quanto são as folhas levadas pelo vento…
Voltando ao assunto da ópera, assim como sabia Guimarães Rosa: “Mas nada disso vale a fala, porque a história de um burrinho, como a história de um homem grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida.” Realmente, toda a ação da ópera se dá no resumo de um dia, no mês de junho de 1800. Cada um dos três atos tem como cenário um lugar que realmente existe em Roma.

O primeiro ato se dá na Igreja Sant’Andrea della Valle. Nela encontramos um fugitivo da polícia política, o consul da breve República Romana, Cesare Angelotti, que estava nas garras do Barão Scarpia. Na Igreja onde ele busca refúgio encontra o pintor Mario Cavaradossi, amante de Tosca e simpatizante da República. Cavaradossi está pintando uma Maria Madalena, inspirado em uma linda loura de olhos azuis, exatamente a irmã do fugitivo. Isso, é claro, acaba despertando o furor e o ciúme de Tosca, desconfiada por ouvir os cochichos de Mario e Cesare, que se esconde numa das capelas. Tosca é uma famosa cantora de ópera, católica fervorosa e por sua posição monarquista.
Um tiro de canhão da conta da fuga do prisioneiro e tudo se precipita, com a chegada de Scarpia e seus asseclas em busca do fugitivo. Scarpia desconfia de Cavaradossi e joga com os sentimentos exacerbados de Tosca. O ato termina num tour de force, com a notícia da derrota de Napoleão o coro da igreja entoa um Te Deum, durante o qual o perverso Scarpia se regozija com a possibilidade de dupla vitória – prender os fugitivos e possuir Tosca: Con spasimo d’amor, […] um vai para a ponta da corda, a outra direto para os meus braços!
O segundo ato ocorre no Palazzo Farnese – onde vive Scarpia – que está jantando. Nesse local se dará cenas terríveis: a tortura de Cavarodossi, cujos gritos acabam fazendo Tosca fazer um acordo com o malvado e vil Barão. A tentativa de estupro, seguida do assassinato – a punhalada certeira, desfechada pela brava Tosca. Ela havia negociado sua fuga com Mario (duplo salvo-conduto, essas coisas) que deveria ter sua morte encenada de mentirinha.
O terceiro ato se passa no Castelo Sant’Angelo, onde Mario passa a noite – será fuzilado ao amanhecer. Eu adoro esse breve fechamento da ópera. Uma montanha russa de emoções. O prelúdio desse ato é um pouco mais longo, afinal estamos esperando raiar o dia. O tema da ária de despedida do pintor é apresentado pela orquestra, belíssimo!!!
Cavaradossi que é pintor diz essa maravilha de frase: L’ora è fuggita, e muoio disperato, e non ho amato mai tanto la vita… (A hora se foi e eu morro desesperado, e nunca amei tanto a vida).
Após uma sequência dos dois amantes, a execução, seguida da descoberta da tragédia por Tosca e a chegada da notícia da morte de Scarpia. Perseguida, Tosca se precipita do alto do castelo, lançando um último desafio: Scarpia, nos veremos diante de Deus!
A ópera termina com o triângulo (nada) amoroso esfacelado pela morte de seus três vértices. É uma opera inovadora, a história cheia de violência e os sentimentos levados aos extremos. Os três protagonistas vivem situações de extrema tensão e há pontos que não podem deixar de chamar a atenção do ouvinte.

O papel do mocinho, o pintor-tenor, é brindado com a ária Recondita armonia, no primeiro ato, mas especialmente a ária de despedida no terceiro ato, Elucevan le stelle. Tosca teve como uma de suas principais intérpretes a fabulosa Maria Callas, mas também tantas outras, como a rival Renata Tebaldi. A ária Vissi d’arte é a própria declaração de dedicação à essa maravilhosa profissão. O malvadão também é um protagonista inesquecível. Seu grande momento no primeiro ato mostra seu terrível caráter, durante o Te Deum. A sua presença no segundo ato ocupa um grande espaço no palco, contrapondo-se a Tosca, até a sua morte. Apesar dela, sua ações o colocam também no terceiro ato, apesar de não aparecer mais.
Para tão maravilhosa peça escolhi uma gravação estalando de nova – a soprano Eleonora Buratto, o tenor Jonathan Tetelman e o barítono Ludovic Tézier são excelentes e estão no primor de suas carreiras. O regente Daniel Harding acabou de assumir a orquestra da Academia Nazionale di Santa Cecilia e essa é a sua primeira gravação com ela. Muito auspiciosa. A produção é da Deutsche Grammophon, primorosa. Aqui a explicação dada no início de uma crítica mencionada mais abaixo: The three performances in late October last year were Harding’s inaugural concerts with his new band (along with a Verdi Requiem). The British conductor doesn’t have a lot of opera on his CV – and barely any trace of Puccini – but opera very much comes with the territory in this job. (As três apresentações no final de outubro do ano passado foram os concertos inaugurais de Harding com sua nova banda (junto com um Réquiem de Verdi). O maestro britânico não tem muita ópera em seu currículo – e quase nenhum traço de Puccini –, mas a ópera é parte integrante deste trabalho.)
Giacomo Puccini (1858 – 1924)
Tosca – Ópera em Três Atos
Eleonora Buratto, Tosca, Soprano
Jonathan Tetelman, Cavaradossi, Tenor
Ludovic Tézier, Scarpia, Baritone
Davide Giangregorio, Sacristan, Bass
Giorgi Manoshvili, Angelotti, Baritone
Matteo Macchioni, Spoletta, Tenor
Nicolò Ceriani, Sciarrone, Baritone
Alice Fiorelli, Shepherd, Singer
Costantino Finucci, Gaoler, Bass-baritone
Santa Cecilia Academy Chorus, Rome
Santa Cecilia Academy Orchestra, Rome
Daniel Harding, Conductor

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE
MP3 | 320 KBPS | 229 MB
Caso você seja usuário de plataformas de distribuição de músicas, aqui está uma possibilidade para a audição:
Tidal

Ao final de sua resenha para a Gramophone, Mark Pullinger escreveu: When I did a Tosca Collection survey (8/22), I plumped for Renata Tebaldi (Molinari-Pradelli) slightly ahead of Leontyne Price (Karajan). Those 1950s recordings remain in pole position but, even given occasional reservations over Harding, this new account boasts the finest Tosca cast of the digital era and is a recording I’ll be returning to often in years to come.
Como estamos entrando na era de renovação de arquivos ou mesmo de maneira de semear a boa música na web, essa gravação vem bem a calhar!
Aproveite!
René Denon

Grato RD: presentão de domingo = macarronada + vinho + ópera! Li algumas resenhas desse registro e todas são elogiosas. Vou ouví-la agora, enquanto arrumo papelada no escritório.
Obrigado, René. Que maravilha. Postagem muito rica e completa, não há nem como não ficar entusiasmado e ouvir a obra