BRUCKNER 200 ANOS! Bruckner (1824-1896): Sinfonia Nº 6 (Leitner – SWR Sinfonieorchester) / Hartmann (1905-1963): Sinfonia Nº 6

O maestro alemão F. Leitner, mais famoso por suas gravações de óperas e de concertos com solistas como Kempff e Freire, gravou aqui uma bela e elegante Sexta Sinfonia de Bruckner. Ele escolheu gravá-la junto da 6ª do compositor alemão Karl Amadeus Hartmann (1905-1963): ele tinha em alta estima essas duas sinfonias e via relações entre elas. Das sinfonias do austríaco, a sexta às vezes é dita a mais clássica: há momentos explosivos com percussões e tudo mais, mas durante a maior parte do tempo as melodias se desenvolvem em um clima de harmonia, equilíbrio e elegância, sem tantos extremos quanto nas outras sinfonias. Vejamos por exemplo o Adagio com sua melodia que vai se expandindo de maneira orgânica e suave, sem o chororô de momentos lentos de Tchaikovsky, Grieg ou Rachmaninoff. A personalidade de Bruckner se encontra mais próxima, ao menos nesse adagio, dos elegantes movimentos lentos de sinfonias e concertos de Mozart, ou ainda das sonatas lentas de Domenico Scarlatti com seus movimentos “adagio e cantabile“, “andante moderato“, “andante commodo“, etc (aqui e aqui). Ou talvez a maior semelhança – ainda em termos de classicismo – seja entre este adagio da 6ª de Bruckner e os movimentos lentos de Schubert em suas sinfonias, quartetos e quintetos. Compatriota de Bruckner, Schubert também se perdia às vezes (ou melhor: se encontrava) em repetições que um estrito professor de composição, ciente das opiniões do senso comum e sem a originalidade dos gênios, poderia cortar como pleonásticos. E, de fato, Bruckner em muitos momentos aderiu ao senso comum e fez cortes em várias de suas sinfonias, ou ainda as teve cortadas por terceiros para aumentar as chances de tê-las tocadas por grandes orquestras como a Filarmônica de Viena.

As repetições de Bruckner são, então, uma de suas marcas registradas. Para tentar entender o que significava esse aspecto do seu jeitinho único, fiz um exercício criativo: traduzir um texto do antropólogo Bruno Latour (1947-2022) sobre as repetições no estilo do poeta e ensaísta francês Charles Péguy (1873-1914), que teria idade para ser filho ou neto de Bruckner, também era católico e também foi muito criticado pelo estilo repetitivo. Para Latour, não se trata de uma simples questão de estilo, mas da substância mesmo da mensagem do poeta. E vejamos se não se aplica um pouco para o nosso esquisito e amado Anton Bruckner…

Péguy [Bruckner] repete sem parar as frases, os argumentos e mesmo os temas em suas obras. Essa característica é frequentemente criticada como uma falha. Acusam-no de não saber se limitar e de agir por aproximações sucessivas.

Ora, Péguy [Bruckner] procede quase por aforismos. Se ele repete, não é por ignorância ou por indecisão. Ele busca na repetição um “efeito”, que a simples qualidade da linguagem não pode dar. Que “efeito” é esse?

Um autor que não se repete corre de uma frase à outra, de modo progressivo, planejando as transições, e impõe assim ao [ouvinte] a imagem de um rio que desce do começo ao fim. Um autor que se repete suspende este movimento, desvia dessa corrente, e reduz a confiança que habitualmente se tem no progresso. Se, além disso, ele repete os argumentos e volta várias vezes para o começo, ele produz um efeito de confusão e ansiedade.

O [ouvinte] esperava uma “história”, com peripécias habilmente amarradas e desamarradas que se seguiriam como horizontalmente. E ele é forçado a parar em uma só peripécia que, bem longe de chegar a um fim, se aprofunda mais a cada instante, como verticalmente. Essa lógica, que desenha a repetição contra o seguimento e a lógica habituais, é precisamente o ato de colocar os hábitos de cabeça para baixo.

Esse pressentimento impede de considerar esse aspecto de estilo unicamente como um problema de forma. É preciso considerar o estilo repetitivo de Péguy [Bruckner] como o problema de fundo de sua obra.

Péguy [Bruckner] busca um “outro tempo”. Onde ele vai ser encontrado naquele fim de século XIX? No futuro? Mas o futuro para Péguy [Bruckner] não é uma categoria plena; ele não crê no progresso. Se ele briga com seus amigos, é pela mesma razão que o força a se repetir: ele espreita outra coisa que não o habitual; ele busca a novidade da origem através dos efeitos da quebra do hábito. Ele busca, no choque, o essencial – ou melhor dizendo, fazer com que, no choque, o essencial se mostre.

1-4. Anton Bruckner: Symphony No. 6 in A Major
Composed By – Anton Bruckner
I. Majestoso 15:47
II. Adagio. Sehr Feierlich 15:28
III. Scherzo. Nicht Schnell 9:18
IV. Finale. Bewegt, Docht Nicht Zu Schnell 15:05

5-6. Karl Amadeus Hartmann: Symphony No. 6 For Big Orchestra (Für Großes Orchester)
I. Adagio 11:43
II. Toccata Variata. Presto 12:14

Ferdinand Leitner, SWR Sinfonieorchester Baden-Baden Und Freiburg
Recording: 27/28 oct 1982 at Rosbaud-Studio Baden-Baden, SWR, West Germany

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Beethoven e Bruckner em vitral na Catedral de Linz, circa 1920

Pleyel

Deixe um comentário