O órgão essencial de Franck, para começar (e o piano também) – REVALIDADO

Links revalidados por Pleyel em 2023 com uma saudosa memória:

Estive com o Ralf (Ranulfus) naquele que provavelmente foi o último recital de piano que ele assistiu ao vivo, em dezembro de 2022. Meu companheiro Willian tocou a Sonata de Liszt e Ralf afirmaria, horas depois:
“Não sou particularmente fã de Liszt, mas ver um amigo fazendo essa travessia épica, não tem como não emocionar!”

Pois bem, depois dessa travessia épica a gente conversava em um grupo pequeno e o nosso inesquecível Ranulfus não perdeu a oportunidade de falar naquele que sempre foi um de seus preferidos:

– Você toca algo de Franck?

Perguntou ele ao pianista. Havia um amigo violinista perto: essa pergunta costuma deixar bem atiçados os violinistas. Mas o pianista não tinha nada do franco-belga no seu repertório, de modo que Ralf acabou emendando em memórias de seus tempos de conservatório no sul, quando assistiu a uma master-class de Madame Magdalena Tagliaferro lhe contando seus segredos sobre César Franck. E sobre esses segredos, nos calaremos para não tornar a introdução maior do que a postagem original. Um sábio como Ranulfus certamente levou consigo alguns segredos desse tipo, tendo compartilhado muitos outros aqui conosco.

Senhoras e senhores: precisamente dois anos atrás, em 27.04.2010, o monge Ranulfus começava sua carreira neste blog – carreira um bocado irregular como tudo mais em sua vida nem tão monacal assim… – e a começava precisamente com este post. Talvez por isso lhe ficou sendo um post especialmente querido, que ele não gostaria de ver como grão chocho, sem link válido. Espero que vocês achem o mesmo!

. . . . . . .
Caríssimos co-freqüentadores, talvez alguns lembrem que há semanas eu vinha clamando e golpeando os portões do templo com os punhos: “Precisamos de Franck! Precisamos de Franck!”

Pois vocês não vão acreditar, mas aconteceu: de repente uma voz trovejou dos céus “então posta logo você mesmo esse Franck, e pára de pentelhar, porra!” No mesmo instante deu-se um clarão e eu me vi transportado a uma bolha transparente pousada sobre um píncaro gelado, e lá dentro, quem vejo? A equipe toda do blog – sim, Avicenna, Strava, Carlinus, CVL, FDP, Bluedog, CDF, todos diante do trono de Bach Pai, que tinha assentado à sua direita Carl Phillip, e à esquerda vocês já sabem quem: com sua voz de trovão, o próprio PQP!

E então… então me furaram o dedo e eu tive que assinar com o próprio sangue o juramento de jamais revelar os detalhes da orgi… da organização… mas por outro lado fui autorizado a oficiar os ritos de São César Franck – e ainda outros mais! – em nome de PQP Bach. E então, sentindo-me honrado além de todo merecimento, com profunda reverência e uma baita ressaca… eis-me aqui!

E já começo com um rápido jogo de corpo: suspeito que fui guindado aos céus justo pela minha proposta de postar a nova concepção de “obra organística completa de Franck”, gravada em 2006 em seis CDs (e não apenas nos dois usuais) por Hans-Eberhard Ross… mas depois que acordei percebi: apesar de toda a pompa da produção, a agógica de Ross, sua “declamação”, está longe de satisfatória: com freqüência a trama complexa de vozes cantantes, que fazem a grandeza de Franck, desaparece numa pasta de timbres belos mas informes.

E aí eu pensei: a moçada precisa ouvir outro Franck antes desse; um que dê pra entender! Além disso, que tal conhecer bem os pontos altos da obra (especialmente os 3 Corais e o Prelúdio, Fuga e Variação) antes de se meter com a infinidade de micro-peças litúrgicas gravadas por Ross?

E aí recorri à gravação de André Isoir, de 1977, feita num instrumento de Cavaillé-Coll, aquele sujeito que teve a sorte de passar à posteridade como “o organeiro de César Franck”.

É a melhor? Confesso que ainda não achei “a melhor”. Confesso mais: as gravações “feitas em casa” por Thomas Fürstberger, um professor de Ensino Médio alemão que toca órgão nas horas vagas, me tocam mais. Com freqüência acho que as execuções de amadores têm mais verdade, mesmo se com alguns esbarrões aqui e ali; chegam mais perto da alma do compositor – quem sabe justamente pelo sentido original da palavra “amador”. Mas pra quê postar aqui as gravações de Fürstberger se ele mesmo as oferece no seu site? Então vai o link do site dele, junto com o de download.

Isso é tudo, por hoje? Nããão! Acontece que junto ao clamor pelo órgão do Franck (epa!) eu também berrava: “E o Prelúdio, Coral e Fuga para piano! E o Prelúdio, Coral e Fuga!” – e aí encontrei um exemplar pra lá de interessante desse animal: a gravação de Alfred Cortot, de 1932, hoje em domínio público. Vale inclusive pra ver que, ao contrário de alguns outros famosos, Cortot não é apenas nome. O fato de haver uma ou outra esbarrada (como nas gravações de amadores) só faz suspeitar que as gravações perfeitas que compramos hoje não passam de “photoshop sonoro”. Pois a interpretação desse mestre de tantos pianistas se mostra ao mesmo tempo sóbria, intensa e transparente, fazendo cantar cada uma das vozes internas – uma interpretação digna de, digamos, um Alfred Cortot!

E agora vai lá. Espero que vocês tenham tanto prazer quanto eu!

César Franck por André Isoir, órgão (1977)
01 Prélude, fugue et variation op.18 (~1860)
02 Choral n°1 en mi majeur op.38 (1890)
03 Choral n°2 en si mineur op.39 (1890)
04 Choral n°3 en la mineur op.40 (1890)
05 Pièce heroïque (1878)
06 Final op.21 (~1860)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Brinde:
Prelúdio, Coral e Fuga (1884) por Alfred Cortot (piano) em 1932

01 Prelude
02 Choral
03 Fugue

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Alternativa:
Os 3 Corais + o Prelúdio, Fuga e Variação por um amador competente

Página de Thomas Fürstberger: ACESSE AQUI

Ranulfus

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    1. Hehehhe… juro que pensei parecido, Carlinus 😉

      E, Strava, sem querer ser daqueles chatos que dizem “você não gosta de quiabo porque ainda não comeu como eu preparo”… me pergunto se você não passaria a ver Franck com ouvidos diferentes (yes) se penetrasse mais nesse seu lado neoclássico, no órgão e no piano, onde ele é paradoxalmente muito mais moderno que nas obras mais românticas como a sinfonia – mais original, mais inventor de suas próprias formas. (Embora eu pessoalmente goste – de modos diferentes – de tudo o que conheço dele)

      Enfim, obrigadaço pela calorosa acolhida (o píncaro era gelado, o interior da bolha não 😀 )

  1. Muito bem vindo, ranulfus. Reconheço minha total ignorância com relação a este repertório. Assim que resolver meus problemas de ordem técnica estarei baixando para conhecer melhor este compositor, cujas únicas obras que conheço são a sinfonia postada pelo Carlinus e uma bela sonata para violino e piano que postei aqui há algum tempo atrás.

    1. Não precisa se desculpar por qualquer ignorância em relação a Franck, FDP, pois essa é generalizada e quase total entre nós. Por isso mesmo, quando postar, em breve, a gravação da obra organística completa, pretendo esboçar rapidamente por que é que Franck não é “meramente um romântico” ou mesmo pós-romântico, e sim um dos maiores desenvolvedores das técnicas de construção musical que a humanidade já teve, do qual todo o século XX é devedor, inclusive compositores que aparentemente não têm nada a ver, como Bartók.

      Desde já, sugiro que reparem na predominância do número 3: três grupos temáticos, três movimentos, três repetições de um grupo temático, três seções internas em um movimento central que já é um de três. A coda do Prelúdio, Coral e Fuga (piano) apresenta os 3 grandes temas da obra tocados simultaneamente de um modo que parece impossível a um pianista só. Repare ainda na estrutura espelhada, ou em arco (1.2.3.2.1), que pode ser vista p.ex. no “coral” em la menor, n.º 3, provavelmente sua obra prima.

      A propósito, o PQP me contou uma coisa que eu não sabia, mas faz sentido e talvez ajude na identificação do lugar desse ilustre desconhecido: Franck teria sido um compositor de especial estima de Thomas Mann.

  2. Sensacional, Ranulfus!

    Aos amigos que vêm aqui, um recado: eu sempre entendi a arte e a música — mesmo as mais deprimentes — como manifestações da criatividade e, portanto, da alegria do ser humano. Não há sentido em sacralizá-la em termos incomprensíveis e impenetráveis. (Ui!) Um texto como o do Ranulfus faz com que eu me atire sem hesitar sobre o órgão de Franck. (Oh!)

    Se vocês quiserem uma justificativa bachiana para a postura do blog, não há problema. Leiam abaixo:

    Johann Sebastian havia feito uma longa viagem de trabalho e ficara dois meses fora. Ao retornar, soube que sua mulher Maria Barbara e dois de seus filhos haviam falecido. Dias depois, profundamente triste, Bach limitou-se a escrever no alto de uma partitura a seguinte frase: Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim.

    Ingmar Bergman escreveu em “A Lanterna Mágica”:

    Eu também tenho vivido toda a minha vida com isto a que Bach chama “a sua alegria”. Ela tem-me ajudado em muitas crises e depressões, tem-me sido tão fiel quanto meu coração. Às vezes é até excessiva, difícil de dominar, mas nunca se mostrou inimiga ou foi destrutiva. Bach chamou de alegria ao seu estado de alma, uma alegria-dádiva de Deus. Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim, repito no meu íntimo.

    1. PQP, Pqp!

      Que paulada /i>- e uma paulada generosa e benfazeja, capaz de marcar um dia, um mês, uma década, uma vida.

      Depois dessa só me cabe me encaminhar em alegre silêncio ao trabalho um tanto besta que tenho que enfrentar hoje –

      … mas não posso deixar de observar: eu apenas reparei no tom que você costuma trazer a esta “jam”, pra que o meu improviso não fosse um troço destoante. Parece que deu certo – mas isso é obra pelo menos tanto do band leader quanto do improvisador deste solo em particular 😀

  3. Ótimo post e seja bem vindo, Ranulfus.

    É difícil acreditar que Franck ainda não tenha sido celebrado por aqui, já que essas obras para orgão estão no mesmo nível (sem exagero) das obras de Bach. Achei interessante saber que Ross encontrou material para preencher 6 cds, mas, pelo que parece, deve ser música de interesse apenas para musicólogos. Tenho grande estima pelas gravações de Jennifer Bate (Regis) e Jean Guillou (Brilliant classics).

    Espero que o quinteto para piano (Cristina Ortiz gravou recentemente pela Naxos) e o quarteto de cordas apareçam por aqui. São obras geniais.

    p.s.: Outra grande lacuna no site (só para ser definitivamente o melhor e mais completo site sobre música no mundo :)) é a música de Szymanovsky.

  4. 1) “O fato de haver uma ou outra esbarrada (como nas gravações de amadores) só faz suspeitar que as gravações perfeitas que compramos hoje não passam de “photoshop sonoro”.”
    Pois é. Os pianistas mais antigos preocupam-se em fazer uma interpretação boa em 1º lugar. Não errar está em 2º lugar. Já notei isso em aulas de pianistas mais idosos – se a dinâmica, tempo, sentimento etc. estão bons, eles meio que deixam passar mesmo esbarradas feias. Segundo informações da rádio-corredor, o Ugorsky é um desses pianistas de “antigamente”.
    2) Eba, Franck!!! E, putaquepariu, vocês também já colocaram os TRIOS dele!!! Êeeeeeee!

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