.: interlúdio :. Os quatro grandes discos (1969-73) de uma ex-grande dama da canção estadunidense: Roberta Flack

Nossa homenagem ao saudoso Ranulfus continuará, também, através da republicação de suas preciosas contribuições ao nosso blog – como esta, que veio à luz em 12/9/2012.

 

 


Se existe algo de sagrado pra você, é em nome disso que eu peço: por favor, nem uma palavra pra dizer que você gostava ou gosta de Killing me softly. Praticamente todo mundo gosta, até eu não acho ruim quando está tocando, mas se já é unanimidade, pra que comentar? Que tal falar de alguma das outras 31 faixas desta postagem?

Tá, desculpem a cena dramática… mas é que tenho uma razão muito forte para odiar o sucesso que Killing me softly não para de fazer há 39 anos: foi esse sucesso que atiçou a sanha mefistofélica da indústria do disco, que então acabou precocemente a carreira da talvez última grande dama negra da canção estadunidense, e lançou a primeira gralha da pseudo-black music ultracomercial: a “rainha da discotheque” – ai!

Cantora-pianista, arranjadora, por vezes compositora, Roberta dividiu seus três primeiros discos entre o que se pode chamar “música de dor-de-cotovelo americana”, e peças de protesto e ativismo político (Compared to what e Trying times no disco 1, Go up moses no disco 3, mas sobretudo o arrepiante grito contra a guerra do Vietnã que é Business goes as usual no disco 2) –

… e ainda explorações variadas do universo cultural da comunidade negra estadunidense, indo do protesto contra a dominação cultural disfarçado de spiritual que é I told Jesus (disco 1) e da tocante crônica Sunday and sister Jones (disco 3) ao escrachado humor erótico de Reverend Lee (disco 2).

No quarto disco, sintomaticamente, a vertente política desaparece – mas não por isso deixo de considerá-lo magistral (à parte aquela canção que não vou nomear de novo).

Enfim: esta Roberta que estou partilhando foi para mim uma paixão de adolescente ávido de descobrir tudo o que música podia ser, uma revelação de mundos sonoros e poéticos tão diferentes de tudo o que eu já conhecia… Criou um departamento para si dentro de mim; até hoje suas frases me habitam. Acho que poderia falar horas sobre este ou aquele detalhe desta ou aquela canção – mas prefiro apenas nomear (mais) algumas que aprecio de modo especial.

Do primeiro disco (que aconselho não julgar pela primeira faixa), repito a menção à estupenda I Told Jesus; no segundo acho curioso comparar a abordagem de Roberta a The impossible dream com a entre nós tão conhecida versão de Maria Bethania – além da faixa de protesto já citada.

Do terceiro, repito Sunday and sister Jones e acrescento Will you still love me tomorrow? e Sweet bitter love – mas como não falar também da leitura personalíssima de Bridge over troubled water? Do quarto, digo que contém a faixa de dor de cotovelo mais rastejante que já ouvi em qualquer língua: Jesse – mas minhas preferidas são I’m the girl, When you smile, e finalmente Suzanne, de Leonard Cohen, na qual a grande cantora se despede para sempre com scats que pairam sobre um inquietante efeito de cordas que sugerem sirenes… escrito, talvez ironicamente, por um dos arranjadores mais caros dos EUA: o brasileiro Eumir Deodato.

E agora é com vocês!

ROBERTA FLACK – discos 1 a 4

1 FIRST TAKE (1969)
101 “Compared to What” (Gene McDaniels) – 5:16
102 “Angelitos Negros” (Andres Eloy Blanco, Manuel Alvarez Maciste) – 6:56
103 “Our Ages or Our Hearts” (Robert Ayers, Donny Hathaway) – 6:09
104 “I Told Jesus” (Traditional) – 6:09
105 “Hey, That’s No Way to Say Goodbye” (Leonard Cohen) – 4:08
106 “The First Time Ever I Saw Your Face” (Ewan MacColl) – 5:22
107 “Tryin’ Times” (Donny Hathaway, Leroy Hutson) – 5:08
108 “Ballad of the Sad Young Men” (Fran Landesman, Tommy Wolf) – 7:00

2 CHAPTER TWO (1970)
201 “Reverend Lee” (Gene McDaniels) 4:31
202 “Do What You Gotta Do” (Jimmy Webb) 4:09
203 “Just Like a Woman” (Bob Dylan) 6:14
204 “Let It Be Me” (Gilbert Becaud, Mann Curtis, Pierre Delanoë) 5:00
205 “Gone Away” (Donny Hathaway, Leroy Hutson, Curtis Mayfield) 5:16
206 “Until It’s Time for You to Go” (Buffy Sainte-Marie) 4:57
207 “The Impossible Dream” (Joe Darion, Mitch Leigh) 4:42
208 “Business Goes on as Usual” (Fred Hellerman, Fran Minkoff) 3:30

3 QUIET FIRE (1971)
301 “Go Up Moses” (Flack, Jesse Jackson, Joel Dorn)
302 “Bridge over Troubled Water” (Paul Simon)
303 “Sunday and Sister Jones” (Gene McDaniels)
304 “See You Then” (Jimmy Webb)
305 “Will You Still Love Me Tomorrow” (Carole King, Gerry Goffin)
306 “To Love Somebody” (Barry Gibb, Maurice Gibb, Sharon Robinson)
307 “Let Them Talk” (Sonny Thompson)
308 “Sweet Bitter Love” (Van McCoy)

4 KILLING ME SOFTLY (1973)
401 “Killing Me Softly with His Song” (Charles Fox, Norman Gimbel)
402 “Jesse” (Janis Ian)
403 “No Tears (In the End)” (Ralph MacDonald, William Salter)
404 “I’m the Girl” (James Alan Shelton)
405 “River” (Gene McDaniels)
406 “Conversation Love” (Terry Plumeri, Bill Seighman)
407 “When You Smile” (Ralph MacDonald, William Salter)
408 “Suzanne” (Leonard Cohen)

. . . . . . . BAIXE AQUI – download here

Ranulfus

[restaurado por seu amigo Vassily, com saudades do mestre, em 29/3/2023 – e ainda em alusão ao Dia Internacional da Mulher, no 8 último]

10 comments / Add your comment below

  1. Lembro deste disco de quando era adolescente: The First Time Ever I Saw Your Face é uma balada triste e maravilhosa; Reverend Lee é de impecável bom humor; Will You Still Love Me Tomorrow, de Carole King, é absolutamente matadora; Jesse é de cortar os pulsos (uma eutanásia eufônica?); a inominável era belíssima quando foi lançada mas, concordo, encheu; No Tears (In the End) é uma canção que já aponta para o fim de Roberta, mas é irresistível. Devo conhecer outras várias, mas, lendo o nome das músicas, reconheço as citadas como velhos e queridos amores abandonados.

  2. Bom, eu sou de um pouquinho depois, só 6 anos, mas é o suficiente para conhecer só a fase disco da moça…legal conhecer essa outra faceta dela.

  3. Caramba… será que sou o único “Geração Y” que baixou estas pérolas? Aliás, foram umas seis tentativas de baixar, a rede aqui no serviço me deu trabalho só neste pacotão… mas valeu, estou me encantando com a Sra Fleck que eu, desgraçadamente, só conhecia por causa daquela música (que me recusarei a ouvir, rs). Muito obrigado, Ranulfus, um interlúdio fantástico este! =)

  4. Caro Ranulfus,
    Peço o re-link… por favor…
    Sempre visito e investigo o site propcurando suas pérolas, aí hoje tentei achar Max Richter (que nao tem) e o buscador me troçe aquí… então me interessei por conhecer mais esta última diva… vericuetos da música….
    Obrigada obrigada obrigada

  5. Quando ódio ao mercado, menino. Mais Walter Benjamin, menos Adorno. Não foi o “mercado” que acabou com a carreira dela; em última instância, quem tomou as decisões foi ela.

    1. Essa é a sua opção, não a minha, meu caro. Respeito o seu direito de ter sua opinião & sentimento a respeito – enquanto seus. Para mim, prefiro continuar com os meus, que escolhi ter porque GOSTO 😉

  6. Só conhecia (para minha vergonha) uma canção de Roberta Flack. Com estes discos ela tomou outra dimensão que a colocan, em minha discoteca, ao lado das grandes divas. Versões muito interessantes e grandes interpretações: Just like a woman, Ballad of the sad young men, Conversation love… além das magnificas propostas por Ranulfus. E, que companheiros!: Eric Gale, Ron Carter, Grady Tate, Joe Farrell, Bucky (não John) Pizzarelli… Sucesso total, obrigado.

Deixe um comentário