Ao procurar discos para postar dentro das comemorações aos 160 anos de nascimento de Debussy encontrei este do Orlando Quartet, lançado lá em 1983, mas ainda atual. Estou ouvindo esse belíssimo CD em um final de tarde de sábado de inverno, nublado, porém não está frio, a temperatura está amena, média de 17 graus. E a execução deste ótimo grupo de Câmara nos oferece uma interpretação muito sólida e consistente.
O Orlando Quartet foi formado em 1976 e esteve ativo até 1997. Seus músicos eram de países diferentes, mas o grupo formou-se em Amsterdam. Neste ano de 1997 seu primeiro violinista, o hungaro István Párkányi formou seu próprio grupo, o István Párkányi Quartet. Não gravaram muito, mas cada um de seus discos é uma pequena jóia, belamente lapidada.
Apesar de muitas vezes serem gravadas juntas, no mesmo disco, são obras que tem dez anos de diferença entre elas. O Quarteto de Debussy foi escrito em 1893 e o de Ravel entre 1902 – 03. Infelizmente estas foram as únicas incursões dos compositores neste estilo, e por que não dizer, também na música de câmara.
Claude Debussy – String Quartet in G Minor, Op. 10
1 Animé Et Très Décidé
2 Scherzo (Assez Vif Et Bien Rhythmé)
3 Andantino, Doucement Expressif
4 Très Modéré – Très Mouvementé – Très Animé
Maurice Ravel – String Quartet in F
5 Allegro Moderato. Très Doux
6 Assez Vif. Très Rhythmé
7 Très Lent
8 Vif Et Agité
Violin [I] – István Párkányi
Violin [II] – Heinz Oberdorfer
Viola – Ferdinand Erblich
Cello – Stefan Metz
Theodor W. Adorno (Frankfurt, 1903–1969) afirma que a música de Debussy é marcada pela desconfiança de que o gesto grandioso usurpa um nível espiritual que depende justamente da ausência de tal gesto.
“A preponderância da sonoridade sensual na assim chamada música impressionista envolve, melancolicamente, dúvidas acerca da inabalável confiança alemã na potência autônoma do espírito.” (Intr. Soc. da Música, p.300)
A obra de Debussy é toda voltada para a contemplação interior, a intimidade, a pureza das frases e o desenrolar das ideias musicais por dez ou vinte minutos, não mais do que isso, em oposição à grandiloquência e exageros da música germânica de Wagner e Bruckner. Assim como muitos colegas de sua geração, ele teve um flerte inicial com as inovações harmônicas de Wagner, mas depois passou a combater a enorme influência wagneriana em toda a Europa do fim do século XIX.
Ernest Chausson, compositor amigo de Debussy, é outro que passou pelo mesmo processo: no caso dele, a influência de Wagner se faz ainda mais notável em sua música, mas ele escreveu, em 1886: “É preciso de deswagnerizar” (« Il faut se déwagnériser »).
A admiração inicial por Wagner levou os jovens Chausson e Debussy a irem a Bayreuth assistir às óperas do alemão, que faziam enorme sucesso naquela época (ao contrário de Bruckner e Mahler, cujas sinfonias seriam mais celebradas postumamente). E ir a Bayreuth não era, para eles, como ir logo ali na Normandia ou na Bélgica. Hoje o trajeto Paris-Bayreuth dura 8 horas de trem, quase 9 de carro, e certamente os meios de transporte e estradas da época eram bem mais lentos.
Sorte nossa que hoje essas disputas parecem algo muito antigo – enquanto a música soa atual! – de forma que podemos gostar de ambos os lados: ouvir hoje um Fauré e amanhã um Wagner, hoje os prelúdios de Debussy e amanhã as sinfonias gigantescas e devocionais de Bruckner.
Após longos anos de formação e de pouco sucesso, Debussy conseguiu se “deswagnerizar” e teve um primeiro sucesso de público com o Prélude à l’après-midi d’un faune (1894). Em seguida vieram suas duas outras grandes obras-primas orquestrais, Nocturnes (1899, estreias em 1900-1901) e La Mer (1905). Vieram em seguida Images, tendo como peça principal Iberia, certamente inspirada por Albéniz, e finalmente Jeux, partitura para balé que é sua obra mais moderna e de mais difícil apreensão. As outras obras aqui gravadas por Armin Jordan são partituras orquestradas por três pessoas que Debussy conheceu bem. A sarabanda da suíte Pour le piano (1901) foi orquestrada por Ravel. E as duas outras obras, Six épigraphes antiques (Seis epígrafes antigas) e La boîte à joujoux (A caixa de brinquedos), escritas nos últimos anos de vida, Debussy provavelmente tinha a intenção de orquestrar, não sabemos se uma intenção séria interrompida pela doença ou uma intenção assim como quem diz “vou fazer” sem muita convicção. Em todo caso, o que se sabe é que o maestro Ernest Ansermet (1883-1969, fundador da Orchestre de la Suisse Romande) orquestrou as eígrafes, que lembram um pouco as imagens e prelúdios para piano, com referências ao vento, à noite e à chuva. Já o maestro e comporitor André Caplet (1878-1925) orquestrou a caixa de brinquedos, obra de caráter infantil… quem entende um pouco de francês vai entender o diminutivo carinhoso de jouet (brinquedo) comendo a última sílaba, como os franceses o fazem para metrô (métropolitain), dodô (dormir) e restô (restaurant).
Nocturnes é a partitura que Debussy mais retocou após a estreia. Foram vários anos retocando pequenos detalhes aqui e ali, de modo que há mais de uma opção para os maestros escolherem. Quando Ernest Ansermet, em 1917 viu a partitura cheia de mudanças anotadas a caneta e a lápis, ele perguntou ao compositor qual era a versão correta. Debussy respondeu: “Não sei mais, todas são possíveis. Então leve essa partitura e use as que lhe parecerem melhores.” (Fonte: Ernest Ansermet: une vie de musique – Jean-Jacques Langendorf, 2004)
A partitura que a orquestra da Suisse Romande utiliza sob a batuta de Armin Jordan, sem dúvida, é a “versão Ansermet”, ou seja, inclui as mudanças manuscritas que Debussy adicionou nas décadas de 1900 e 1910. O suíço Charles Dutoit, que quando jovem conheceu Ansermet, também parece usar essa mesma versão da partitura em sua gravação com a Orquestra de Montréal. Já outras gravações, como as de Martinon (em Paris), Svetlanov (em Londres) e Haitink (em Amsterdam) utilizam outras versões, mais fiéis à original assinada por Debussy em 1899. Dá pra perceber as diferenças, já desde o clarinete no primeiro compasso do terceiro Noturno, Sirènes (Sereias). Este movimento, ao que parece, foi o que Debussy mais revisou ao longo de vários anos, movido pela enigmática dificuldade de encaixar o som da orquestra e o do coro de mulheres cantando sempre distantes – as sereias na Odisseia, ao contrário da feiticeira Circe e da ninfa Calipso, não encostam em Ulisses, apenas cantam no mar enquanto os gregos navegam.
Claude Debussy (1862-1918)
1 Nocturnes: No. 1, Nuages (1899)
2 Nocturnes: No. 2, Fêtes (1899)
3 Nocturnes: No. 3, Sirènes (1899)
4 Épigraphes antiques: No. 1, Pour invoquer Pan, dieu du vent d’été (1914) (Orch. Ansermet)
5 Épigraphes antiques: No. 2, Pour un tombeau sans nom (1914) (Orch. Ansermet)
6 Épigraphes antiques: No. 3, Pour que la nuit soit propice (1914) (Orch. Ansermet)
7 Épigraphes antiques: No. 4, Pour la danseuse aux crotales (1914) (Orch. Ansermet)
8 Épigraphes antiques: No. 5, Pour l’Égyptienne (1914) (Orch. Ansermet)
9 Épigraphes antiques: No. 6, Pour remercier la pluie au matin (1914) (Orch. Ansermet)
10 Pour le piano: II. Sarabande (1901) (Orch. Ravel)
11 La boîte à joujoux: I. Prélude. Le sommeil de la boîte (1913) (Orch. Caplet)
12 La boîte à joujoux: II. Le magasin de jouets (1913) (Orch. Caplet)
13 La boîte à joujoux: III. Le champ de ba taille (1913) (Orch. Caplet)
14 La boîte à joujoux: IV. La bergerie à vendre (1913) (Orch. Caplet)
15 La boîte à joujoux: V. Après fortune faite (1913) (Orch. Caplet)
16 La boîte à joujoux: VI. Épilogue (1913) (Orch. Caplet)
Orchestre de la Suisse Romande (1-3)
Sinfonie Orchester Basel (4-16)
Armin Jordan
Claude Debussy (1862-1918)
1 La Mer: I De l’aube à midi sur la mer (1905)
2 La Mer: II. Jeux de vagues (1905)
3 La Mer: III. Dialogue du vent et de la mer (1905)
4 Images pour orchestre, Pt. 1 “Gigues” (1912)
5 Images pour orchestre, Pt. 2 “Ibéria”: I. Par les rues et par les chemins (1912)
6 Images pour orchestre, Pt. 2 “Ibéria”: II. Les Parfums de la nuit (1912)
7 Images pour orchestre, Pt. 2 “Ibéria”: II. Le Matin d’un jour de fête (1912)
8 Images pour orchestre, Pt. 3 “Rondes de printemps” (1912)
9 Jeux (1913)
Orchestre de la Suisse Romande (1-9)
Armin Jordan
O pequeno piano de armário acima, da marca Ellington, foi feito pela Baldwin Piano Company em Cincinatti, nos Estados Unidos. Sua proprietária, uma japonesa de nome Shizuko, emigrou para os Estados Unidos sozinha depois de se formar em uma escola para moças. Isso não era comum no Japão da época, pois a sociedade fortemente patriarcal oferecia poucas oportunidades para que as mulheres pudessem viajar desacompanhadas, quanto mais para um outro país. Shizuko estabeleceu-se na Califórnia e casou-se com Genkichi Kawamoto, um imigrante japonês, em 1922.
Genkichi trabalhava em uma companhia de seguros e tinha o hábito de levar sua esposa, que ele amava muito, em suas viagens pela empresa. O piano foi um presente de Genkichi para ela, e Shizuko logo nele buscou conforto para os longos períodos de solidão e para os desafios de viver numa terra estranha. Em 25 de maio de 1926, algo da solidão dos Kawamoto arrefeceu: nasceu sua primeira filha, no Hospital Japonês de Los Angeles. “Esperamos tanto por ela!”, escreveu Genkichi em seu diário, “Espero que ela seja inteligente. Chamei-a de Akiko”.
O casal Kawamoto haveria de criar a primogênita com muito cuidado, quanto mais num ambiente crescentemente hostil aos japoneses e seus descendentes. Genkichi registrava seu peso e altura a cada poucos dias e anotou todos os sinais de seu crescimento. Em 1929, nasceria seu segundo filho, Nobuhiro. Em 1932, a família retornou ao Japão, que experimentava forte crescimento econômico e, também, vivia sob uma violenta retórica militarista que levara o país, no ano anterior, a invadir a Manchúria e, subsequentemente, a uma expansão imperialista que ocuparia – com muita truculência e a expensas de imenso sofrimento às populações locais – grande parte do Extremo Oriente e do Sudeste Asiático.
Os Kawamoto estabeleceram-se em Hiroshima, onde Akiko começou a frequentar a escola primária. Embora ela tivesse passado seus primeiros anos em um país anglófono, Genkichi e Shizuko fizeram o possível para que sua filha pudesse aprender japonês. Para praticar o idioma, a menina iniciou um diário, que manteria por onze anos e no qual anotaria, entre outras coisas, sua dedicação ao piano Ellington que os pais trouxeram dos Estados Unidos.
Em 1933, a família de Akiko mudou-se para uma casa localizada no Monte Mitaki, a noroeste de Hiroshima. Naquela época, poucas famílias tinham um piano em casa e, porque moravam num lugar remoto, eles pediram ao professor de piano que viesse à casa deles para aulas particulares. Durante a guerra, já nos anos 40, as condições de vida da família pioraram. Os Kawamoto alugaram um cômodo de sua casa para um conhecido, e a falta de espaço e de privacidade tirou-lhes muito da alegria com que celebravam festivais e aniversários. Em 1943, Akiko ingressou no curso de Economia Doméstica da Universidade de Hiroshima, o que a deixou radiante, embora viesse a se aborrecer com o pouco tempo para dedicar-se ao piano: além das exigências acadêmicas, havia aquelas, compulsórias e crescentes, para com os esforços de guerra, que incluíam trabalhar no Hospital do Exército, participar de exercícios antiaéreos e ajudar a cuidar de plantações.
9 de abril de 1944: Papai quer que eu continue meus estudos, mas mamãe, não. Isso me deixa confusa. É trabalho da mulher passar o dia todo preparando comida? Se sim, qual é o propósito da minha vida? Eu não teria tempo para estudar, e isso me deixaria infeliz”
Em 1944, ela começou a se preocupar com a saúde dos pais. Ela passou a tentar comer menos para que seus irmãos pudessem comer mais:
3 de maio de 1944: Minhas medidas do terceiro período: altura 159,1 cm; peso 51,5 kg; busto 73 cm. Estou 0,5 cm mais alta que no ano passado, mas perdi 1,5 kg e meu busto está 3,5 cm menor. Sinto-me mal, mas sou a única a tentar reduzir o arroz”
O trabalho nas plantações consumia todo tempo livre de Akiko, que largou o piano e, também, seu diário, no qual anotou, no final de 1944:
Tenho 19 anos. Sou estudante do segundo ano do Departamento de Economia Doméstica. Um terço ou um quarto da minha vida já passou”
Em 6 de agosto de 1945, o dia tórrido de verão começou como qualquer outra segunda-feira, e a população de Hiroshima, que se deslocava para o trabalho os estudos, pouco se impressionou com as sirenes que anunciaram a chegada de três bombardeiros B-29 sobre aqueles céus sem nuvens. Às 8h15, um clarão como nunca antes fora visto fez-se seguir duma violentíssima explosão, que pulverizou imediatamente vinte mil pessoas, mataria outras quarenta mil nos dias seguintes, e fecharia sua conta macabra em cento e vinte mil mortos nas décadas subsequentes. Akiko estava a poucos quilômetros do hipocentro, trabalhando como estudante mobilizada nos esforços de guerra. Sobreviveu à explosão por estar num prédio que não colapsou, e poucas horas depois começou a voltar a pé para casa. A devastação sem precedentes, que não preservara nem a alicerçagem das construções, deve tê-la impressionado. Como as pontes foram destruídas, ela foi forçada a atravessar o rio a nado. Quando chegou ao sopé do Monte Mitaki e avistou sua casa, sua energia se acabou, e ela não conseguia mais andar.
Shizuko não sabia da situação de Akiko e estava cuidando da casa, que desabou na explosão da bomba atômica. O piano sofrera danos no lado esquerdo e fora cravejado de fragmentos de vidro, mas estava inteiro. Foi quando um vizinho lhe avisou: “Sua filha está ali e não pode se mexer!”. Shizuko então correu para Akiko e a trouxe para casa. A menina parecia ter escapado por pouco da morte, mas logo perdeu a consciência: ela tinha sido exposta a níveis letais da radiação que chovia invisivelmente sobre Hiroshima, enquanto o “cogumelo atômico” gerado pela explosão se dissipava.
Mamãe, eu quero um tomate vermelho…
… implorou Akiko, em suas últimas palavras antes de morrer na manhã seguinte, depois de viver apenas “um terço de sua vida”.
ooOoo
Havia, na época, muitos tomates vermelhos no jardim dos Kawamoto, e, a cada verão depois do de 1945, até o final de seus 103 anos de vida, Shizuko cultivou tomates vermelhos, próximos ao imenso caquizeiro sob o qual sepultou as cinzas de Akiko.
O piano, que perdera aquela que mais o amou, passou grande parte dos sessenta anos seguintes em silêncio. De vez em quando algumas crianças da vizinhança visitavam Shizuko e o tocavam, mas aos poucos algumas das teclas foram perdendo seu movimento e, por fim, seu som.
Uma menina e um piano, ambos nascidos nos Estados Unidos. Uma perdeu a vida; o outro perdeu o som.
O silêncio do piano Ellington durou até 2005, quando Tomie Futakuchi decidiu restaurá-lo. Ela foi vizinha dos Kawamoto e, quando criança, costumava visitá-los e receber o carinho de Shizuko, que lhe contava histórias sobre Akiko e seu amado amigo musical. Quando a casa da família foi demolida, em 2004, muitas lembranças da jovem, guardadas como tesouros por Shizuko, foram doadas ao Memorial da Paz de Hiroshima. O piano foi legado a Tomie, que, na esperança de que as crianças de Hiroshima pudessem transmitir uma mensagem de paz através do precioso instrumento, chamou o restaurador Hiroshi Sakaibara.
O piano foi restaurado com todas as peças originais, e mantido nas condições em que estava imediatamente após o ataque a Hiroshima – incluindo os danos em seu lado esquerdo e os incontáveis pedaços de vidro que nele se incrustaram. Em 6 de agosto de 2005, no sexagésimo aniversário da desgraça, ele foi tocado em público pela primeira vez, e desde então encontra-se em exibição num salão do Parque Memorial da Paz.
Martha Argerich, nossa Rainha, adora o Japão e não deve ter hesitado sequer um instante para aceitar o convite que a Orquestra Sinfônica de Hiroshima lhe fez para tocar na icônica cidade em 5 de agosto de 2015 – véspera do 70º aniversário do criminoso ataque à sua população. A apresentação da deusa do piano, que incluiu seu tradicional cavalo de batalha – aquele primeiro concerto de Ludwig que ela toca desde sempre -, foi o esperado sucesso, e ela permaneceu na cidade para a sentidas cerimônias do dia seguinte, que culminaram com a tradicional procissão das velas flutuantes que os cidadãos de Hiroshima e os visitantes largam ao sabor da corrente do rio Motoyasu, em memória das vítimas.
Durante as cerimônias, Martha foi apresentada a Tomie Futakuchi, que lhe contou a história de Akiko e de seu piano, e nossa Rainha, num arroubo de sua impetuosidade tão típica, decidiu fazer uma visita surpresa ao Memorial da Paz no dia seguinte, 7 de agosto, para conhecer e tocar o instrumento.
Martha não sabia disso, mas estava a tocar o piano de Akiko na hora e no dia exatos em que a menina falecera, setenta anos antes.
O encontro entre a estrela mundial do piano e o inestimável instrumento calou fundo no compositor Dai Fujikura, que se pôs imediatamente a compor um concerto, que foi oferecido a Martha e à memória de Akiko. A Rainha ficou muito lisonjeada com a dedicatória e, uma vez mais, aceitou sem titubear um novo convite para tocar em Hiroshima, dessa feita para estrear o concerto de Fujikura com a sinfônica local em agosto de 2020, por ocasião do septuagésimo quinto aniversário da morte de Akiko.
Nas palavras do compositor,
Este concerto muito especial para piano e orquestra, chamado “O Piano de Akiko”, foi escrito e dedicado à Embaixadora da Paz e da Música da Orquestra Sinfônica de Hiroshima, Martha Argerich.
(…)
Embora naturalmente este concerto tenha a ‘música para a paz’ como mensagem principal, eu, como compositor, gosto de concentrar nos pontos de vista pessoais. Sinto que essa visão microscópica, para a partir daí contar sobre assuntos universais, deve ser o caminho a percorrer em minhas composições: a visão de Akiko, uma garota comum de 19 anos que não tinha nenhum poder sobre a política (…) Deve haver histórias semelhantes à dessa garota de 19 anos em todas as guerras da história e em todos os países do mundo. Toda guerra deve ter uma Akiko.
(…)
Neste concerto, faço uso de dois pianos: um é o piano de cauda principal, e outro, o Piano de Akiko, o piano que sobreviveu à bomba atômica, tocado na cadenza do final, ambos pelo solista.
Para expressar um tema tão universal quanto a ‘música para a paz’, a peça deve retratar o ponto de vista mais pessoal. Acho que esse é o caminho mais poderoso, e só através da Música se pode segui-lo.”
Em agosto de 2020, a pandemia impediu Martha de viajar o Japão. De sua casa na Suíça, ela gravou o vídeo seguinte, em inglês, no qual expressa seus sentimentos acerca da obra que lhe foi dedicada, do honroso convite que lhe foi feito, e de sua desolação por não poder honrá-lo:
O concerto de Fujikura foi, então, estreado na data prevista pela pianista Mami Hagiwara, juntamente com obras de J. S. Bach, Beethoven, Mahler e Penderecki – e a integral de sua première, incluindo a cadenza tocada no piano de Akiko, vocês podem conferir a seguir:
Todos os principais envolvidos na celebração da memória de Akiko Kawamoto – Martha Argerich, Dai Fujikura, Mami Hagiwara e os músicos da Orquestra Sinfônica de Hiroshima – autorizaram generosamente a publicação das gravações dos concertos supracitados em dois álbuns, cuja venda em linha, por período limitado, viu sua renda integralmente revertida para a preservação dos memoriais de Hiroshima e do piano de Akiko. E são essas as gravações, que adquiri na ocasião, que ora compartilho com nossos leitores-ouvintes, no septuagésimo sétimo aniversário do criminoso ataque a Hiroshima, em memória de suas dezenas de milhares de vítimas inocentes.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827) Concerto para piano e orquestra no. 1 em Dó maior, Op. 15
1 – Allegro con brio
2 – Largo
3 – Rondó: Allegro scherzando
Martha Argerich, piano Hiroshima Symphony Orchestra Kazuyoshi Akiyama, regência
BIS:
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Das Fantasiestücke para piano, Op. 12
4 – No. 7: Traumes Wirren
Gravado ao vivo na Hiroshima Bunka Gakuen Hall, Hiroshima, Japão, em 5 de agosto de 2015
Dai FUJIKURA (1977)
1 – Concerto para piano e orquestra no. 4, “Akiko’s Piano” (estreia mundial)
Mami Hagiwara, pianos: Steinway & Sons, Hamburgo; e Baldwin, Cincinatti (cadenza, a partir de 16:45)
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Do Quarteto de cordas no. 13 em Si bemol maior, Op. 130 2 – Cavatina: Adagio molto espressivo (arranjo para orquestra de cordas)
Gustav MAHLER (1860-1911) Kindertotenlieder, para voz e orquestra (1904)
3 – Nun will die Sonn’ so hell aufgeh’n
4 –Nun seh’ ich wohl, warum so dunkle Flammen
5 –Wenn dein Mutterlein
6 –Oft denk’ ich, sie sind nur ausgegangen!
7 – In diesem Wetter!
Mihoko Fujimura, mezzo-soprano
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
Orquestração de Hideo Saito (1902-1974) Da Partita no. 2 em Ré menor para violino solo, BWV 1004
8 – Ciaccona
As obras desta e da minha próxima postagem, em gravações por orquestras de países francófonos – Suíça, França, Mônaco – são todas do período que em francês costumam chamar Belle Époque (Bela época). Um período entre a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e as terríveis duas Guerras Mundiais (a partir de 1914), que retrospectivamente – para as gerações que viveram essas guerras, sem falar na crise de 29 – foi visto como uma era de ouro por gente como Marcel Proust (1871-1922): “os verdadeiros paraísos são os paraísos perdidos”, disse ele, ou seja, a gente só dá valor depois que perde.
Aqui um parêntesis: o economista Thomas Piketty afirma que “todas as sociedades europeias na Belle Époque se caracterizam por uma fortíssima concentração dos patrimônios.” Ou seja, foi uma bela época sobretudo para uma minúscula fração de pessoas que viviam de renda e podiam passar a semana entre várias soirées, salões, óperas e concertos. O 1% mais rico da sociedade detinha 60% do patrimônio na França e quase 70% na Inglaterra, concentração maior do que em meados do século XIX. As bombas da 1ª Guerra e as falências de 1929, entre outros fatores político-econômicos, significariam uma grande destruição de patrimônios dos ricos, com uma redução na concentração de renda ao longo do século XX e a emergência das classes médias, porém a tendência é de novo aumento nessa concentração no nosso século XXI. Se vocês querem saber os motivos, terão de ler as 900 pgs. do livro que Pikkety publicou em 2013: O Capital no Século XXI.
Em todo caso, em termos musicais, a Belle Époque é o período em que surgem grandes obras francesas que até hoje estão no repertório clássico: a Sinfonia com órgão e os concertos de Saint-Saëns, a Sonata para violino de Franck e suas Variações Sinfônicas, o Réquiem de Fauré e seus Quartetos e Quintetos com piano, quase todas as obras de Debussy e as primeiras de Ravel. Além de outros compositores com uma ou duas obras ainda lembradas, como Chausson, Chabrier, Dukas, d’Indy, Boulanger…
Sempre fico feliz quando ouço algum regente que gravou a Fantasia para piano e orquestra de Debussy. Grandes maestros como Haitink, Ansermet, Boulez e Karajan não a gravaram. O próprio Debussy desprezou a obra – na estreia, quando ele ainda era um compositor bem pouco famoso, queriam tocar só um dos três movimentos, de forma que ele se irritou e enfiou a partitura na gaveta – e ela só foi estreada de fato por Alfred Cortot em 1919, um ano após a morte do compositor. Felizmente outros gigantes como Jean Martinon (com Ciccolini) e Ivan Fischer (com Kocsis) gravaram essa obra. Mais recentemente, Barenboim e Argerich. Faço questão de citar esses maestros porque na minha irrelevante opinião essa partitura de 1890 tem, cronologicamente, a primeira das primorosas orquestrações de Debussy, um pouco abaixo do Fauno, de La Mer e Nocturnes, mas no mesmo nível de Jeux, Images e das Danças para harpa e orquestra.
Nesta gravação com Jordan, a Fantasia para piano e orquestra (assim como a Rapsódia para orquestra com clarinete) são muito bem defendidas pela Orquestra da Ópera de Monte-Carlo (Mônaco), orquestra tradicional, que estreou obras de Honegger e de Fauré e foi fundada em 1856 no principado famoso pelas corridas de F1. No Fauno de Debussy, ele está em Genebra com a Orquestra da Suisse Romande (que significa a parte da Suíça que fala francês), orquestra fundada em 1918 pelo maestro Ernest Ansermet, que a dirigiu até 1967. Ansermet conheceu Debussy e suas gravações provavelmente estão entre as mais próximas de como o compositor queria que as obras soassem. E a orquestra Suisse Romande, claro, manteve após Ansermet uma profunda ligação com a obra de Debussy.
Já no poema sinfônico Aprendiz de Feiticeiro (1897), one-hit-wonder de Dukas, Jordan está em Paris com a Nova Orquestra Filarmônica da Radio France. É esse percurso entre Paris, lagos da Suíça e sul da França que Jordan fez quase toda a vida. Nascido em Lausanne (Suíça) em 1932, ele não precisou ir morar nos EUA como dezenas de grandes maestros das duas gerações anteriores (Szell, Reiner, Munch, Toscanini, Monteux). Morreu em 2006, cinco dias após um mal súbito que teve enquanto regia a ópera O Amor das Três Laranjas, de Prokofiev, em Basel (Basileia, Suíça).
Também sempre fico feliz quando encontro alguma gravação de Lekeu, compositor de morte muito precoce, que deixou para a posteridade uma grande sonata para violino, algumas obras orquestrais e mais alguns esboços. No Adagio para cordas ele mostra sua voz muito característica e melancólica, que conheço bem da sua sonata para violino, estreada por Ysaye em 1893, mesmo ano em que Lekeu contraiu a febre tifóide que o vitimaria no começo do ano seguinte. Na Fantasia sobre temas da região de Angers, no oeste da França, Lekeu começa com fanfarras alegres, mas lá pelo 4º minuto se inicia novamente a melancolia romântica que o aproxima de românticos tardios como Tchaikovsky e Wagner. Ao mesmo tempo que sua personalidade musical é notável, também fica aquele ar de mistério: o que exatamente ele queria dizer, que caminhos tomaria se vivesse mais algumas décadas?
Viviane, de 1882, é uma das primeiras obras de Chausson, muito influenciada por Wagner. A orquestração do Poema do amor e do mar é um pouco mais distante da sonoridade de Wagner, e mais próxima do estilo orquestral de Debussy e de Fauré. O Requiem de Fauré (1988) já tinha sido estreado e o Fauno de Debussy seria estreado no ano seguinte, em 1894. Mas sabendo que Chausson era então amigo de Debussy (depois eles brigariam por causa de uma das várias mulheres por quem Debussy se apaixonou perdidamente) e frequentador dos mesmos salões, podemos imaginar que Chausson tenha ouvido uma versão preliminar do Fauno enquanto ele próprio orquestrava seu Poema em 1893. Há uma versão para tenor e uma para soprano. Aqui, quem canta é a diva Jessye Norman, aos 36 anos de idade. E nas melodias vocais, bem como às vezes na orquestra nos momentos dominados pelas cordas, Chausson retoma com força a sonoridade wagneriana. No Poema para violino e orquestra (1896), ela também alterna entre as polaridades francesa e alemã. É como se Wagner fosse um vício para esses franceses como Chausson, Fauré e Debussy: fugiam dele mas depois voltavam com evidente prazer.
As fotos acima são capas dos discos originais dos anos 1980 e 90. A gravadora francesa Erato, sumida desde 2001, ressurgiu em 2013 como um braço da Warner e lançou esta caixa de Armin Jordan em 2016, caixa da qual selecionamos apenas alguns CDs. Talvez voltemos algum dia com outras raridades de Jordan/Erato: Chabrier, Fauré, Franck…
Ernest Chausson (1855-1899); Guillaume Lekeu (1870-1894)
1 Chausson: Viviane Op. 5 (1882)
2 Chausson: Poème de l’amour et de la mer Op. 19 : I. La fleur des eaux (1893)
3 Chausson: Poème de l’amour et de la mer Op. 19 : II. Interlude (1893)
4 Chausson: Poème de l’amour et de la mer Op. 19 : III. La mort de l’amour (1893)
5 Chausson: Poème pour violon et orchestre Op. 25 (1896)
6 Lekeu: Fantaisie sur deux airs populaires angevins (1892)
7 Lekeu: Adagio pour quatuor d’orchestre, Op. 3 (1891)
Jessye Norman, soprano (2-4)
Jean Moulière, violin (5)
Sinfonieorchester Basel (1)
Orchestre Philharmonique de Monte-Carlo (2-7)
Armin Jordan
Paul Dukas (1865-1935), Claude Debussy (1862-1918)
1 Dukas: L’apprenti sorcier (1897)
2 La procession nocturne, Op. 6 (1910)
3 Debussy: Fantaisie pour piano et orchestre: I. Andante – Allegro (1890)
4 Debussy: Fantaisie pour piano et orchestre: II. Lento e molto espressivo (1890)
5 Debussy: Fantaisie pour piano et orchestre: III. Allegro molto (1890)
6 Debussy: Première rapsodie pour clarinette (1911)
7 Debussy: Prélude a l’après-midi d’un faune (1894)
Anne Queffélec, piano (3-5)
Antony Morf, clarinette (6)
Nouvel Orchestre Philharmonique de Radio France (1)
Orchestre Philharmonique de Monte-Carlo (2-6)
Orchestre de la Suisse Romande (7)
Armin Jordan
Apollo et Hyacinthus é uma ópera em latim, composta por Wolfgang Amadeus Mozart entre 1766 e 1767 com base no texto de R. Widl. Isto é, ele começou a escrevê-la aos 10 anos de idade e finalizou-a aos 11… Leva o número K. 38. É uma música escrita por um gênio, mas também por uma criança. Ou seja, é apenas bonitinha e sem grandes voos. Ouvi com a atenção e é uma ópera toda perfeitinha e sem graça, certamente retocada por papai — e explorador do filho? — Leopold. Surgiu a pedido da Universidade de Salzburgo, como complemento musical a uma tragédia que seria representada ao final de um curso. Sua estreia foi em 13 de maio de 1767 na Aula Magna da mesma Universidade. É um intermezzo musical dentro do estilo do barroco italiano. É a primeira ópera de Mozart. Tem três atos. Como sugere o nome, é baseada no mito grego de Jacinto e Apolo, contado pelo poeta romano Ovídio em suas Metamorfoses. Rufinus Widl escreveu o libreto em latim.
W. A. Mozart (1756-1791): Apollo et Hyacinthus, K. 38 (Pommer) — Ein Lateinisches Intermedium In Drei Akten Zu Dem Schuldrama “Clementia Croesi”
Actus 1
1 Intrada 2:56
2 Recitativo: Amice! Iam Parata Sunt Omnia 3:20
3 No. 1 Chorus: Numen O Latonium/O Apollo 5:38
4 Recitativo: Heu Me! Periimus 1:45
5 No. 2 Aria: Saepe Terrent Numina 9:02
6 Recitativo: Ah Nate! Vera Poqueris 3:27
7 No. 3 Aria: Iam Pastor Apollo 3:28
Actus 3
2-3 Recitativo. Non Est – Quis Ergo 2:56
2-4 Aria. Ut Navis In Aequore Luxuriante 7:49
2-5 Recitativo. Quocumque Me Converto 3:07
2-6 No. 8. Duetto. Natus Cadit, Atque Deus 6:07
2-7 Recitativo. Rex! Me Redire Cogit 5:43
2-8 Terzetto. Tandem Post Purbida Fulmina 2:52
Alto Vocals [Apollo, Friend Staying With Oebalus] – Ralf Popken
Alto Vocals [Zephyrus, Confidant Of Hyacinthus] – Axel Köhler
Chorus – Rundfunkchor Leipzig
Conductor – Max Pommer
Lyrics By [Text] – P. Rufinus Widl
Orchestra – Rundfunk-Sinfonieorchester Leipzig*
Soprano Vocals [Melia, His Daughter] – Venceslava Hruba-Freiberger*
Tenor Vocals [Oebalus, King Of Lacedemonia] – John Dickie
Vocals [Discantus] [Hyacinthus, His Son] – Arno Raunig
Os três homens não poderiam ser mais diferentes, nos aspectos e temperamentos… Apesar de cada um ter já um nome firmado como solista de seu próprio instrumento, quando se reuniam formavam um conjunto notável, pela maneira como se completavam musicalmente, recriando com rara espontaneidade as obras para trio com piano. Tanto que seu exemplo ajudou a firmar este tipo de conjunto. Esse famoso trio costumava reunir-se com regularidade para ensaiar, estudar novas peças, mas também para falar de literatura, pintura, dança e, é claro, música. Mas eis que em certa ocasião, lá se foi o violoncelista para sua natal Catalunha por uns tempos, deixando o pianista e o violinista às voltas com sonatas, incluindo a famosa Sonata de César Franck. Pois foi assim, num destes dias, o pianista chegou mais cedo e o violinista atrasou mais do que o costume. O pianista, para não se entediar, começou, de brincadeira, a tocar a sonata TODA. Isso mesmo, não apenas a pouco trivial parte do piano, mas, assim cantando com o teclado, ia incluindo também a parte do violino. Bom, o pianista era um bamba e quando o violinista ouviu um trecho, foi logo prometendo nunca mais se atrasar – pois que senão você fará o recital sozinho, disse ele.
Confesso ter imaginado isso tudo, mas que a história é plausível, ah, isso é. O trio a que me refiro era formado por Alfred Cortot (piano), Jacques Thibaud (violino) e Pablo Casals (violoncelo). O trio foi formado em 1905 e esteve ativo por décadas. Há registros dos três e, também, de Cortot e Thibaud tocando a tal Sonata de César Franck. Mas a postagem de hoje trata principalmente do pianista, regente e arranjador Alfred Cortot.
Como geralmente faço, estava revirando umas pilhas de discos que temos acumulados aqui no vault do PQP Bach Coop. em busca de coisas que goste ou de que possa vir a gostar. Acabei encontrando um disco que apesar de bem interessante, não chegou à postagem. Teve, no entanto, o mérito de indicar este arranjo – transcrição – da Sonata para Violino de César Franck para piano solo, feito por Alfred Cortot. Sai em busca de outras gravações e encontrei mais três discos com a peça. Depois de trocentas audições, dois deles acabaram entrando para a postagem. Eu nem sou assim um ouvinte assíduo das peças de Franck, acho que sua Sinfonia fica muito tempo taxiando antes de decolar e tal. Mas a Sonata para Violino, essa merece lugar de destaque. Minha gravação referência é a feita por Kyung-Wha Chung (violino) e Radu Lupu (piano), mas há muitas outras, excelentes.
No primeiro disco escolhido para a postagem, interpretados pelo ótimo pianista He Yue, encontramos um punhado de transcrições para piano de obras de diversos compositores, feitas por Cortot. As escolhas das fontes revelam dois aspectos das atividades ligadas ao piano. A de professor, que se preocupava com o aspecto técnico. Para ele, a música da Bach era muito importante na formação de um pianista. Esse aspecto está aqui na forma de uma transcrição da Toccata e Fuga em ré menor BWV 565. Imagino se o Capitão Nemo conhecia essa…
Mas Cortot também tinha um olho na audiência. Veja quais dois maravilhosos Lieder ele escolheu para transcrever: Wiegenlied, uma canção de ninar, de Brahms, e Heidenröslein, um dos maiores sucessos de Schubert. O Largo do Concerto em fá menor de Bach também tem uma dessas marcantes melodias, que gruda na memória da gente. Há também os desafios para qualquer pianista, dar conta sozinho de música que foi concebida para conjuntos maiores, como a Suíte Dolly, de Gabriel Fauré, escrita para duo de piano, o Largo da Sonata para Violoncelo de Chopin e a Sonata de César Franck, que completa o disco e foi a motivação para a postagem.
O segundo disco oferece música escrita originalmente apenas por César Franck, incluindo a tal transcrição para piano solo da Sonata para violino e piano feita por Cortot. Aqui uma interpretação um pouco diferente, talvez mais contida do que o virtuosismo do He Yue, mas o som produzido por Domenico Codispoti é muito bonito e não lhe falta virtuosismo e brilho quando chega a hora disso. A outra peça é uma transcrição para piano de um Prelúdio, Fuga e Variações escrito para órgão, feita por Harold Bauer. Bauer é também um ótimo personagem para se descobrir, mas hoje a postagem é do Cortot. Fechando o disco, uma outra peça notável de Franck, o Prelúdio Coral e Fuga, escrito para piano. Esta peça é figurinha carimbada nos álbuns de vários grandes pianistas, como Stephen Hough, Murray Perahia ou Evgeny Kissin. (Não perca, em breve, no seu PQP Bach mais próximo…)
Disco 1
Música transcrita para piano por
Alfred Cortot (1877 – 1962)
escrita originalmente por:
Gabriel Fauré (1893 – 1897)
Suíte Dolly, Op. 56
Berceuse
Mi-a-ou: Allegro vivo
Le jardin de Dolly: Andantino
Kitty-valse: Tempo di valse
Tendresse: Andante
Le pas espagnol: Allegro
Johann Sebastian Bach (1685 -1750)
Toccata e Fugue em ré menor, BWV565
Johannes Brahms (1833 – 1897)
Wiegenlied, Op. 49 No. 4 (Lullaby)
Johann Sebastian Bach (1685 -1750)
Concerto para Cravo em fá menor, BWV 1056:
Largo
Frédéric Chopin (1810 – 1849)
Sonata para violoncelo em sol menor, Op. 65
Largo
Franz Schubert (1797 – 1828)
Heidenröslein, D257
César Franck (1822 – 1890)
Sonata para violino em lá maior
Allegretto ben moderato
Allegro
Recitativo – Fantasia: Ben moderato – molto lento
Allegretto poco mosso
He Yue, piano
Gravação: 27, 28 de outubro de 2012
Music Hall, Gu Lang Yu Piano School, Central Music Conservatory, Xiamen City, China
Legendary pianist Alfred Cortot’s distinguished reputation as an educator is demonstrated in these magnificent arrangements of chamber music for solo piano. They cover every aspect of technique and expression, from Bach’s demanding Toccata and Fugue in D minor to Fauré’s delectable Dolly Suite and the grand scale of Franck’s Violin Sonata. Award-winning pianist He Yue is a young and rising star of the Chinese musical firmament.
Disco 2
César Franck (1822 – 1890)
Sonata para violino em lá maior (Arranjo de Alfred Cortot)
Allegretto ben moderato
Allegro
Recitativo – Fantasia: Ben moderato – molto lento
Allegretto poco mosso
Prelúdio, Fuga e Variações Op. 18 (Arranjo de Harold Bauer)
This CD contains the CD premiere of the transcription for piano solo of the Franck violin sonata, made by Alfred Cortot, a fascinating pianistic tour de force, the new pianistic textures giving a special sonority to the unique harmonies of this master piece. The Prélude, fugue et variation is originally an organ work, and is transcribed for piano by the famous pianist Harold Bauer. The Prélude, chorale et fugue is Franck’s pianistic pièce de résistance, although also here the influence of Franck the organist is never far away. An excellent new recording by Italian pianist Domenico Codispoti, playing with a beautiful blend of grandeur and intimacy, and a wonderful transparency (listen to the canonic 4-th movement of the violin sonata!).
Este é um CD para ninguém botar defeito – até mesmo para o anti-debussyanos. É um daqueles CDs que fazem bem à alma e à mente. Debussy é sempre bem-vindo em todas as ocasiões. Temos 3 sonatas maravilhosas – bem ao estilo debussyano. As três sonatas são um trabalho de um Debussy já maduro. Elas foram compostas entre os anos de 1915 e 1917 – no período da Primeira Guerra. “Também as três sonatas do seu período final foram construídas segundo princípios inteiramente diversos da sonata clássica vienense, mas por outros motivos. Foram compostas no período da guerra, e Debussy, nacionalista intransigente, rejeitou os princípios da sonata clássica vienense para recuperar a forma cíclica da sonata francesa. As três sonatas (1915-1917), parte de um ciclo que ficou incompleto, para instrumentos diversos, das quais a mais importante é a Sonata para piano e violino, são obras avançadas, com asperezas inéditas em sua música anterior”. Aparecem ainda Syrinx, uma composição para flauta escrita em 1913, de uma beleza sóbria, de uma profundidade comovente. Aprecie sem moderação!
Claude Debussy (1862-1918) – Três Sonatas e Syrinx
Sonata em Sol menor para violino e piano
1. I. Allegro Vivo
2. II. Intermède (Fantasque et Léger)
3. III. Finale (Très Animé)
Sonata em Ré menor para cello e piano
4. I. Prologue (Lent)
5. II. Sérénade (Modérément Animé)
6. III. Finale (Animé)
Syrinx, para flauta
7 . Syrinx
Sonata para flauta, viola e harpa
8. I. Pastorale (Lento, Dolce Rubato)
9. II. Interlude (Tempo di Menuetto)
10. III. Finale (Allegro Moderato ma Resoluto)
Cello – Maurice Gendron (tracks: 4 to 6)
Flauta – Roger Bourdin (tracks: 7 to 10)
Harpa – Annie Challan (tracks: 8 to 10)
Piano – István Hajdu (tracks: 1 to 3) , Jean Françaix (tracks: 4 to 6)
Viola – Colette Lequien (tracks: 8 to 10)
Violino – Arthur Grumiaux (tracks: 1 to 3) Recorded: 1962 (1-3), 1964 (4-6), 1966 (7-10)
Apoie os bons artistas, compre suas músicas.
Apesar de raramente respondidos, os comentários dos leitores e ouvintes são apreciadíssimos. São nosso combustível.
Comente a postagem!
Carlinus (2010)
Breve P.S. de Pleyel (2022): Doente com câncer, Debussy – ao contrário de Ravel – não se alistou como combatente na guerra em 1914. Mas ele também esteve imerso no clima de nacionalismo do momento, aliás já era muito anterior o seu desprezo pela música de Wagner e de Mahler (ele e seus amigos saíram no meio de uma apresentação da 2ª sinfonia de Mahler, dizendo tratar-se de música de anúncio de pneus). Em 1915, Debussy começou a escrever uma sonata para violoncelo e piano, que deveria ser a primeira de uma série de seis sonatas reunindo diferentes instrumentos. Ele escolheu um título que revela muito bem suas intenções: “Seis Sonatas / para diversos instrumentos / Compostas por Claude Debussy / Músico Francês”.
A sonata para flauta, viola e harpa, também de 1915, foi estreada em 1916 em Boston, EUA, por músicos norte-americanos, e pouco depois em uma reunião privada em Paris na casa de Durand, editor de Debussy. Também foi tocada em Londres em 1917. Durante a guerra era inviável juntar os músicos de uma orquestra, mas a música de câmara seguia acontecendo. (A 2ª Sonata para violino de Fauré e a História do Soldado de Stravinsky são do mesmo ano.)
A sonata para violino e piano, composta em 1917, foi estreada com Gaston Poulet no violino e Claude Debussy no piano. Foi a última vez que ele tocou em público. E as outras três sonatas previstas? Não deu tempo. Debussy faleceu em Paris, 25 de março de 1918 e a guerra ainda não tinha acabado.
Este disco está a um passo de ser um disco de gatinhos. Para quem teve o privilégio de viver o suficiente sabe que havia discos de (capas com) gatinhos, recheados com os melhores movimentos de música ‘clássica’, retirados do acervo (monumental) da gravadora Philips.
É claro que o resultado costumava ser uma coleção, uma antologia com os melhores momentos, mas que assim reunidos poderia resultar de uma Dança do Sabre, de Katchaturian, surgir após a Ária da Suíte Orquestral No. 3, de Bach… e ainda, a tal endiabrada dança dos furiosos guerreiros anteceder o (possivelmente) mais famoso movimento de uma Suíte Francesa – Clair de Lune, de Debussy. Mas os discos de gatinhos vendiam muito bem e levaram as sementes da música clássica para muitos futuros apreciadores.
Aqui temos assim uma coleção de ‘melhores momentos’, mas com um repertório que guarda uma maior afinidade, girando em torno de peças de música francesa ou próxima, para piano a duas ou a quatro mãos. Os dois intérpretes, Ludmilla Guilmault e Jean-Noël Dubois intercalam-se nos solos e eventualmente se juntam em algumas das faixas.
Este disco reúne peças de compositores de grande renome com peças brilhantes de compositores menos conhecidos e me surpreendeu pela sua contagiante amabilidade e alegria. Minha simpatia foi totalmente conquistada pelas duas peças de Séverac, que ocupam as faixas dois e três. Essas duas peças interpretadas a quatro mãos revelam lindas sonoridades e um frescor contagiante.
Assim, sem qualquer pudor de esbanjar alegria, o disco desfila peças de Debussy – alguns prelúdios, a já mencionada Clair de lune e dois irresistíveis movimentos da Petit Suite. A escolha entre os muitos prelúdios é bem interessante e diversa. O disco começa calmamente com Voiles, depois haverá poesia de Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir, as brincadeiras da Serenata interrompida e completará com as pirotecnias de Feux d’artifice.
Há duas nobres e sentimentais valsas de Ravel, assim como os tristes pássaros e dois deliciosos números da Suíte da Mamães Gansa.
Não poderia faltar alguma coisa bem-humorada da música de Camille Saint-Saëns, dois movimentos do Carnaval dos Animais: os contrastantes Hémiones e Aquarium. Fauré inaugura o clima fandango espanhol com o espetacular Le pas espagnol, da Suíte Dolly, e o clima continua com duas peças de Manuel de Falla – uma dança espanhola (de La Vida Breve) e a Dança Ritual do Fogo (de El Amor Brujo).
Para fechar o cortejo, em clima de bis, a Marcha Turca de Mozart, que em certos trechos ganha um reforço sonoro…
Um disco para ser ouvido pelo prazer das lindas peças e que para algumas pessoas pode servir para despertar o interesse por este tipo de música, assim como no passado fizeram os discos de gatinhos.
Claude Debussy (1862 – 1918)
Préludes, Livre 1, L. 117
Voiles
Ludmilla Guilmault, piano
Déodat de Séverac (1872 – 1921)
En Vacances, Vol. 1
Où l’on entend une vieille boîte à musique
Valse romantique
Ludmilla Guilmault; Jean-Noël Dubois, piano
Maurice Ravel (1875 – 1937)
Valses nobles et sentimentales, M. 61
Assez lent, avec une expression intense
Vif
Ludmilla Guilmault, piano
Claude Debussy (1862 – 1918)
Préludes, Livre 1, L. 117
Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir
Plus d’infos sur le ”Exotisme, Sonorités pittoresques” Concert-spectacle pour piano solo et à 4 mains par le Duo Cziffra à Paris
Dans ce choix de répertoire que j’ai choisie de Debussy, ravel, Fauré, Saint-Säens, séverac, De Falla, Mozart sont des compositeurs qui nous font voyager par leur couleur locale de leur nouveaux timbres pianistiques avec notamment ce prélude les Sons et les Parfums de Debussy, des accords qui habillent des harmonies voluptueuses au rythme impressionnisme.
L’odeur hispanisante.
Exotisme exprime pour moi une harmonie du soir, propice à l’évocation d’un lointain passé.
Exotisme, des images qui semblent solliciter, l’ouïe, la vue, le toucher, l’odorat, établissant en musique ces correspondances ténues que Baudelaire, le premier devina en poésie.
Des sensations de couleurs d’exotisme.
Des odeurs d’oeuillet et d’arguardiente, une atmosphère de castagnettes avec la Sérénade Interrompue de Claude Debussy.
Ces pièces orientales de Ravel, Laideronette, impératrice des pagodes pour piano à 4 mains nous évoque ces pays lointains, ce dépaysement par le recours au patrimoine musical de chaque compositeur.
Falla tient à faire son miel des fleurs du folklore.
Falla, c’est l’Andalousie et son flamenco, des voluptueux jardins andalous, des Nuits à l’âpre.
Séverac, possède une sonorité charnue, couleur en taches plus vives, en pâte plus épaisse, ce goût des échelles modales. Il nous conte les paysages traversés, inspiration de sa chère Méditerranée.