.: interlúdio :. Miles Davis: Kind of Blue

FDP escreveu em 26 de maio de 2008:

Já foram vários os pedidos para que este álbum fosse postado, mas sempre fomos protelando. Hoje, conversando com um amigo (que me lembrou do dia 25), resolvi encarar.

O que podemos falar sobre “Kind of Blue”, considerado pela crítica especializada o melhor álbum de jazz já gravado, aquele que encabeça a maior parte das listas de Top 10 desde seu lançamento em 1959, o maior sucesso de vendas da carreira de Miles, aquele que segundo reza a lenda a Columbia, e posteriormente a Sony, jamais deixaram de prensar, seja em LP, seja em CD, um disco por muitos considerados perfeito, difícil de se encontrar um momento que possa ser considerado mais fraco? Sem palavras… Coltrane, Cannonball Aderley, Bill Evans, Paul Chambers, Winton Kelly e Jimmy Cobb.. poucas formações foram tão fantásticas quanto esta..

E BlueDog respondeu na mesma data:

Kind of Blue em tópicos rápidos:
• Gravado em 22 de março (lado A, as três primeiras faixas) e 09 de abril de 1959 (lado B)
• Lançado em 17 de agosto daquele mesmo ano
• O álbum mais vendido da história do jazz
• E um dos mais importantes e influenciais de toda a música
• Nasceu do esgotamento do bebop diante da criatividade de Miles
• E do seu encontro com um livro chamado Lydian Chromatic Concept of Tonal Organization
• Kind of Blue, em termos de composição, foi precedido pela faixa Milestones, do disco homônimo de 58
• Marca o surgimento do jazz modal – baseado em escalas, ao invés de acordes
• E disso, um retorno à melodia, ao invés do duo técnica + velocidade do bebop
• É um disco que flui fácil nos ouvidos à primeira audição; na segunda, se percebe a enorme complexidade dos temas
• Gênio? disse Bill Evans: “Miles conceived these settings (as escalas) only hours before the recording dates.

“So What” consists of a mode based on two scales: sixteen measures of the first, followed by eight measures of the second, and then eight again of the first. “Freddie Freeloader” is a standard twelve bar blues form. “Blue in Green” consists of a ten-measure cycle following a short four-measure introduction. “All Blues” is a twelve bar blues form in 6/8 time. “Flamenco Sketches” consists of five scales, each to be played “as long as the soloist wishes until he has completed the series”.

• Evidentemente, a banda também não sabia quase nada sobre o que gravaria ao chegar no estúdio
• Wynton Kelly, que havia substituído Bill Evans há pouco no grupo de Davis, toca apenas “Freddie Freeloader”
• E Cannonball Adderley não participa de “Blue in Green”
• Sobre a obra, definiu Chick Corea: “It’s one thing to just play a tune, or play a program of music, but it’s another thing to practically create a new language of music, which is what Kind of Blue did.”

Este cão, que não sabe contar – e muito menos entende de teoria musical – apenas esmigalha informação disponível, e lembranças, para os leitores. Assim como não esquece da melhor crônica que já leu sobre Kind of Blue, escrita no blog de Rafael Galvão – e compartilha. Inadvertidamente, a copio abaixo. É também resenha do livro de Ashley Kahn sobre Kind of Blue. Leiam logo, antes que ele descubra. 

Kind of Blue
Oct 5th, 2007 por Rafael Galvão

Há algo de desgraçado no jazz. Algo que faz com que ninguém o ouça impunemente, que condena aquele que o conhece a nunca mais conseguir voltar atrás, a nunca mais se contentar de verdade com menos que aquilo; algo que eleva, para sempre, os padrões pelos quais se julga a música, qualquer tipo de música, não apenas a popular.

É difícil, para aquele que ouve o trompete de Louis Armstrong, ouvir qualquer outra música com trompete e não exigir que tenha a mesma qualidade, a mesma qualidade dramática, a mesma síncope, o mesmo swing — em última instância, as mesmas notas altas e desesperadas. E isso vale também para o piano, para o trombone, para o saxofone. É no jazz que a banda de música tradicional atinge o ápice, que eleva a arte de tocar esses instrumentos à perfeição.

O jazz é a forma superior de música popular. É o que de melhor fez um século que viu a música erudita se diluir em redundâncias medíocres como as trilhas para cinema ou grandes vazios como a música experimental, e que teve como principal trilha sonora o rock e o pop, galhos menos floridos do mesmo tronco que gerou o jazz.

E Kind of Blue, disco de Miles Davis, é a forma superior de jazz. Nunca mais o jazz atingiria um ponto semelhante, de perfeição quase absoluta. Foi ali, em um disco com a participação de mestres como John Coltrane e Bill Evans, gravado em duas sessões, com o primeiro take sendo o que valia, que o jazz atingiu a perfeição. Kind of Blue é um desses discos fundamentais por uma razão: é perfeito. Das notas iniciais de So What à última nota de All Blues, o que se tem não é a apenas a obra-prima do que chamavam jazz modal; é uma síntese de tudo o que o jazz tinha feito até aquele momento, do dixieland ao bebop: é a música popular elevada ao nível máximo que ela pode alcançar, quase ao nível da música erudita tradicional.

Embora tenham sido Louis Armstrong e Duke Ellington a dar ao jazz o status de arte, foi aquela geração — Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Miles Davis e John Coltrane, pela ordem — que elevou o jazz ao ponto máximo da música ocidental. Uma geração ambiciosa, consistente, que explodia os limites da música e apontava uma infinidade de caminhos ao mesmo tempo em que solidificava, com um talento nunca mais igualado, uma tradição de 50 anos de jazz. Infelizmente, quase na mesma época surgiria Ornette Coleman com uma nova mudança, e a porteira seria aberta para bobagens como free jazz e fusion; mas isso não importa. Ouve Ornette Coleman quem quer e quem gosta. O importante, mesmo, é que há um disco que explica, sem sequer uma palavra, o que é o jazz, que concentra em cinco faixas cinqüenta anos do mais assombroso gênero musical que o século XX criou. E esse disco é Kind of Blue.

A Barracuda, do Freddy Bilyk, lançou no começo deste ano um livro que conta a saga desse disco: “Kind of Blue — A história da obra prima de Miles Davis“, de Ashley Kahn, conta a história desse disco de maneira inteligente e simples. Contextualiza o disco em sua época e nas trajetórias de seus músicos, sem perder tempo com fofocas e explorações sensacionalistas ou simplesmente mundanas de detalhes pouco importantes, como os problemas com drogas que praticamente todos eles enfrentaram.

Kahn mostra o processo de criação das músicas, explicando a razão de cada termo utilizado com clareza e simplicidade notáveis. Detalha cada sessão, e explica cada música de um jeito simples mas completo. Explica por que o disco foi tão importante. E explora o legado de um álbum que foi recebido sem tanta euforia, mas que aos poucos se consolidou como o disco mais importante da história do jazz.

A importância de Miles Davis pode ser medida pelo que ele disse em um jantar na Casa Branca. Naquela ocasião, ele não mentiu. E Kind of Blue foi uma dessas revoluções. Talvez não tão importante, do ponto de vista “revolucionário”, quanto Birth of Cool; mas um disco estupidamente superior.

Por explorar com simplicidade um assunto tão fascinante mas ao mesmo tempo tão complexo, “Kind of Blue” é um daqueles livros indispensáveis para quem gosta de jazz, mas também para músicos que querem saber como pode funcionar uma sessão de gravação. É importante, também, para compositores que buscam densidade em seu processo criativo.

Há alguns anos, a Gabi me convidou para escrever uma coluna sobre jazz no site da Antena 1. A resposta foi a costumeira, uma recusa, mas dessa vez não foi apenas pela falta de tempo crônica: eu sabia que jamais poderia escrever sobre jazz porque isso requer uma erudição que eu, definitivamente, não tenho. Palavras e expressões como diatônica, escala cromática, modalismo não fazem parte do meu vocabulário habitual. E ler “Kind of Blue” me deixou com a certeza de que eu estava certíssimo ao dizer não. Mas, ainda mais que isso, me deu o conforto de saber que um sujeito como Ashley Kahn pode tornar essas palavras difíceis compreensíveis até para mim.

Miles Davis – Kind of Blue

01 – So What
02 – Freddie Freeloader
03 – Blue In Green
04 – All Blues
05 – Flamenco Sketches
06 – Flamenco Sketches (Alternate Take)

Miles Davis – Trompete
Julian “Cannonball” Adderley – Saxofone Alto (exceto “Blue in Green”)
John Coltrane – Saxofone Tenor
Bill Evans – Piano (exceto “Freddie Freeloader”)
Wynton Kelly – Piano ( em “Freddie Freeloader”)
Paul Chambers – Contrabaixo
Jimmy Cobb – Bateria

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Foto de uma das sessões de gravação de Kind of Blue

FDP / BlueDog

17 comments / Add your comment below

  1. FDP, eu até aprendi a usar a internet – mas contar já é muito complicado! auf! auf!

    …bem lembrado, bem lembrado! vou escutar só uma música do disco, em penitência.

    (mentira.)

  2. Kind é o disco mais importante de Jazz de todos os tempos ao lado de Take Five do Brubeck com o sax alto Paul Desmond, se Miles reinventa a música modal e de certa forma retoma o pessoal do Impressionismo que por sua vez interrompia a música narrativa e voltava ao Renascimento e Barroco, Brubeck retoma o caminho de um Bartok ou Stravinski com seus ritmos assimétricos.
    KIND OF BLUE É MARAVILHOSO , não ter postado ainda Take Five , por enquanto, ainda não tem perdão!rssrsr…Parabéns a todos!

  3. E o jazz certamente é a música clássica de câmara do sec XX , incorpora todos os elementos dos clássicos, as vezes com cerca de 40 ou 50 anos de atraso , mas quando o faz, o faz com maestria. Miles nunca entrou na onda do atonalismo do Free de Ornette, Coltrane e Cecyl Taylor, não gostava, mas infelizmente entrou em outra onda pior , o tal do Fusion.

  4. Com o devido perdão, o disco do Brubeck se chama TIME OUT e traz também o magnifico Rondó a la Turk, homenagem a Mozart.

  5. Prezados,
    Agradeço à valiosa contribuição do blue dog com este texto absolutamente preciso sobre esta obra prima que é “Kind of Blue”. Principe Salinas lembrou bem do belissimo “Time Out” do Brubeck, mais ainda do Paul Desmond, ouso dizer, que manda com todas as letras com seu sax alto. Assim que possível, postarei esse outro clássico.
    Escrevi esta postagem ontem no final da tarde, no meio de livros e folhas, preparando aula. e quem é professor sabe que temos de sacrificar todos estes nossos momentos de prazer.
    Com relação ao livro, irei correndo comprar. Um amigo já tinha me alertado sobre ele, e também comprado, e disse que o devorou em uma tarde. Os elogios foram muitos.

  6. Gosto de Dave Brubeck e Paul Desmond, mas prefiro uma diatribe de Eric Dolphy a todos os solos melodiosos de Desmond.

    Aliás, costumo chamar o jazz de Brubeck de “jazz de médico”. Todos os médicos que conheço adoram Brubeck. E são como ele: limpinhos em seus jalecos homogêneos.

    Obrigado, fico com as vísceras.

  7. Príncipe Salinas – adivinhastes não o próximo, mas o segundo na minha lista de postagens. Para seguir no gancho “1959”. Mais o Shape of Jazz to Come, Ah Um… que ano para a música, não? “Time Out” é realmente uma das obras maiores do jazz! E um dos discos com título mais apropriado.

    e PQP, entendo o que tu dizes. Embora tenha meus momentos de jazz mais limpo, também acabo preferindo os transgressores. Alias, sabias que antes de ir para a escola de música, Brubeck estudou veterinária?

  8. Bem Eric é também um dos meus ídolos e parece tocar tudo que ponham na sua boca…eheheh…clarineta,clarone,sax…mas realmente Eric é para poucos ouvidos.
    Brubeck faz parte daqueles pianistas ditos ”brancos” ou seja que vieram da música clássica, assim como o extraordinário Bill Evans e o cego Lennie Tristano, um dos pais do cool jazz.
    Os pianistas propriamentes jazzisticos tem uma interpretação que privilegia mais o ritmo-percussivo como o canadense Oscar Peterson,dentre tantos.

  9. The Uppsala Concerts gravados na Suécia sao raríssimos e consegui na Virgin ; vêm em dois volumes e neles Eric toca ”apenas” Flauta,sax alto e clarineta baixa em um quarteto completado por Suecos! Dentre outras músicas,”Out of Nowhere”, ”Laura”, ” I’LL Remember Aprill” , ”What ‘s this thing called love”
    Bem tenho ainda os Seminais cds ”Out There” e o EXTRAORDINÁRIO , ”Far Cry” com outro que ”quebra tudo” , Booker Little no Trumpete , Haynes na bateria e Ron Carter no baixo….timinho fraco…ehehe

  10. E se é para ”quebrar tudo” como quer o PQP , então vamos para o Impressions de Coltrane que tem participação de Eric ; temos também Roland Kirk outro que toca tudo que puser na boca ,com o seu cd Domino; outro sax alto fudidíssimo é o tal de Art Pepper, aliás sax alto,tenor e o caralho a quatro.
    E radicalizando mesmo Jimmy Giufre, clarineta ,sax tenor ,barítono,trombone….Então quebra tudo PQP…Quero ver a coragem……depois disso só dodecafonismo, Cage, Berio com as Sequências, Stokhausen…..e o fim do mundo….

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