Ludwig van Beethoven não sabia exatamente quantos anos tinha. É o que indicam um diário de 1818, anotações de 1820 e 1823 e vários depoimentos. Como nos informa esta página, a culpa provavelmente é do pai, que queria valorizar o menino prodígio e o apresentava, já em março de 1778, como uma criança de 6 anos, quando na realidade teria 7.
Quando falo “na realidade”, é segundo os historiadores atuais, que fixaram o ano de 1770 com base no documento do batizado. Mas o próprio Ludwig desconfiava desse documento. Então a realidade, ao menos na cabeça dele, era confusa e o seu nascimento estava envolvido em densas névoas. Então hoje homenageamos os 201 anos do seu nascimento, ou talvez, quem sabe?, os 200 ou 199, com uma obra tão misteriosa quanto a vida do compositor, e uma outra obra mais galante e simples.
O trio em ré maior, opus 70 nº 1, publicado em 1809, foi chamado Geistertrio (Trio des Esprits, Ghost Trio, Trio “Fantasma” ou “dos Fantasmas”, o que faz diferença) devido ao seu longo, lento e misterioso movimento central, com a indicação de tempo “Largo assai ed espressivo“. Houve também quem associasse estes fantasmas ao fato de Beethoven, entre 1808 e 1809, estar trabalhando paralelamente numa ópera sobre Macbeth. Mas ao que tudo indica, o apelido “fantasma” aparece – ao menos por escrito – apenas nos anos 1840, a partir de Carl Czerny, pupilo de Beethoven. Ele é característico da face (e da fase) mais heróica, mais emocionalmente intensa do compositor, justamente a face de Beethoven com a qual os Românticos do século XIX iriam se identificar e reverenciar. Também a Sonata “ao luar” (1801) ganharia esse apelido apenas em 1832, cinco anos após a morte do compositor. E o famoso tema inicial da Quinta Sinfonia (1808) só aparece descrito como uma representação do “destino batendo na porta” em 1840 na biografia publicada por Anton Schindler, o mesmo que escreveu que Beethoven comparava à 17ª Sonata para Piano à Tempestade de Shakespeare. Schindler foi secretário e assistente do compositor, então talvez sua interpretação seja a correta. Ou não. O importante aqui é notar essa profusão post mortem de apelidos românticos para obras que realmente têm (ou não tem?) uma expressão romântica e misteriosa.
Já o Trio para piano, clarinete e violoncelo opus 11, de 1797, é menos misterioso e foi muito popular na época em que foi lançado. O apelido “Gassenhauer” significa algo como um hit cantado nas ruas e esquinas, e faz referência ao tema do último movimento, uma melodia que todos conheciam na Áustria (tá vendo Sérgio? Voltamos com a Áustria, recém-riscada do mapa neste blog). Aqui, o compositor de vinte e poucos anos já mostrava sua habilidade na forma “Tema e variações”, que aparecerá em obras como as variações opus 35 (1802), o final da Sinfonia Eroica (1804) e depois em várias de suas últimas sonatas e nas enormes variações sobre um tema de Diabelli (1823).
Este disco de 1979 recebeu uma excelente transferência para o digital e não se ouve o chiado do LP. E o elenco aqui é de primeira linha:
O austríaco Jörg Demus (1928-2019) foi um pioneiro nas interpretações com instrumentos antigos. Ele gravou, em sua longa carreira, obras de Beethoven para piano solo, a quatro mãos, piano e violoncelo, piano e violino, quinteto com sopros… Enfim, teve experiência com toda a obra, e não só com as sonatas e concertos.
O alemão Franzjosef Maier (1925-2014) foi spalla do Collegium Aureum desde sua formação. Esse grupo baseado em Colônia (Köln) gravou muito pela Harmonia Mundi, mesmo selo que lançou este LP de hoje. Os outros dois músicos também tocavam com o Collegium Aureum.
Ludwig van Beethoven (1770-1827):
Lado A
Geistertrio – Trio Op. 70 No. 1, “Fantasma”, em ré maior
I. Allegro vivace e con brio
II. Largo assai ed espressivo
III. Presto
Lado B
Gassenhauertrio – Trio Op. 11 para piano, violoncelo e clarinete
I. Poco sostenuto – Allegro, ma non troppo
II. Allegretto, C major/minor
III. Allegretto ma non troppo
IV. Finale. Allegro
Jörg Demus – fortepiano (Hammerflügel) por Conrad von Graf, Viena
Franzjosef Maier – violino por N. Gagliano, Nápoles 1728
Rudolf Mandalka – violoncelo por J. & A. Gagliano, Nápoles 1747
Hans Deinzer – clarinete por Turz, Innsbruck, 1790
LP by Deutsche Harmonia Mundi, 1979
Pleyel
Olá, Pleyel!
Eu não conhecia esta gravação, apesar de ter ouvido vários LPs do pessoal do Collegium aureum e do Franzjosej Maier nos bons tempos de caça aos LPs nas lojas de sebo. Este primeiro nome, Francisco José, neste formato – Franciscojosé – , é bastante único para mim, pelo menos.
Baixei o disco e ouvirei logo estes dias… A ripagem foi feita do LP ou de outra mídia já digitalizada?
Durante a enxurrada de postagens do Projeto Beethoven, durante um hiato das publicações do Vassily, eu andei postando também algumas coisas. Há duas destas postagens que se relacionam com esta sua que ouso mencionar:
Esta inclui o Trio Gassenhauer:
https://pqpbach.ars.blog.br/2020/04/30/beethoven-1770-1827-trios-com-clarinete-%e2%88%9e-eric-le-sage-paul-meyer-claudio-bohorquez-%d6%8d-bthvn250/
e esta inclui o Trio “Fantasma”:
https://pqpbach.ars.blog.br/2020/11/05/bthvn250-beethoven-1770-1827-%c2%b7-%e2%88%be-%c2%b7-alguns-trios-com-piano-%c2%b7-%e2%88%be-%c2%b7-smetana-trio-%d6%8d/
Aproveito para desejar ‘boas festas’ para você e mencionar que gostei bastante da postagem!
Abração do
René
Boa noite René,
Pra mim que sou um pouco mais novo, o nome Franzjosef Maier também traz algumas lembranças boas… Imagino pra você que teve mais tempo de vinis…
Por algum motivo, este LP parece nunca ter sido lançado no Brasil nem posteriormente em CD, salvo engano. Algum executivo de gravadora deve ter pensado algo como “esse pessoal presta em Bach, em Beethoven não presta”. Se pensaram isso, estavam enganados.
A ripagem foi direto do LP, pelo pessoal do blog Susato. Eles têm feito muitas postagens de LPs, pelo jeito já criaram o hábito de digitalizar, que é bem difícil pois sempre ficamos no dilema entre deixar o chiado original ou mexer no som correndo o risco de ficar com a naturalidade do rosto da Elza Soares – com todo respeito!
Em um outro disco que baixei lá (Vivaldi – 4 Konzerte für 2 Orchester) consta que fizeram “Digital Edition, Clean & Restauration”. Não sei que nível de restauração foi feito neste disco dos trios de Beethoven, mas assino embaixo do resultado final, ficou com aquele som emocionante mas não hiperromântico que conhecemos do Collegium Aureum!
Bom descanso para você e os seus, estamos precisando!
Boa noite René,
Pra mim que sou um pouco mais novo, o nome Franzjosef Maier também traz algumas lembranças boas… Imagino pra você que teve mais tempo de vinis…
Por algum motivo, este LP parece nunca ter sido lançado no Brasil nem posteriormente em CD, salvo engano. Algum executivo de gravadora deve ter pensado algo como “esse pessoal presta em Bach, em Beethoven não presta”. Se pensaram isso, estavam enganados.
A ripagem foi direto do LP, pelo pessoal do blog Susato. Eles têm feito muitas postagens de LPs, pelo jeito já criaram o hábito de digitalizar, que é bem difícil pois sempre ficamos no dilema entre deixar o chiado original ou mexer no som correndo o risco de ficar com a naturalidade do rosto dessas atrizes pós-harmonização facial.
Em um outro disco que baixei lá (Vivaldi – 4 Konzerte für 2 Orchester) consta que fizeram “Digital Edition, Clean & Restauration”. Não sei que nível de restauração foi feito neste disco dos trios de Beethoven, mas assino embaixo do resultado final, ficou com aquele som emocionante mas não hiperromântico que conhecemos do Collegium Aureum!
Bom descanso para você e os seus, estamos precisando!