Os dois primeiros concertos de Beethoven são uma especialidade de Marthinha, e sua última gravação do Op. 19 com Ozawa é fresquíssima, feita em 2019 e lançada no mês passado. Não era uma obra de que o compositor gostasse muito, tanto que o mencionava com ironias em sua correspondência e o retrabalhou várias vezes desde que o estreou em Praga, acabando enfim por dar-lhe um finale completamente novo (o antigo, ao que tudo indica, é o rondó na mesma tonalidade de Si bemol maior, WoO 6, completado por Czerny). Como já mencionamos ontem, apesar de ser chamado de “concerto no. 2”, ele foi a quarta obra do gênero que Beethoven escreveu, depois de dois trabalhos incompletos de juventude e do concerto Op. 15, que publicamos ontem. Martha Argerich, no entanto, o conhece tão bem e o devora com tanto apetite que torna a obra, bem meia-boca para os padrões beethovenianos, um deleite de se escutar. À chuva de estrume que caiu sobre a Decca por conta da capa anterior de Argerich/Ozawa, acusando-a do suposto crime de mostrar dois intérpretes idosos livres de Photoshop, a dupla deu a melhor resposta possível, empenhando seus mais de cento e sessenta anos de experiência numa interpretação rápida, lépida, faceiríssima. Martha, particularmente, está em chamas, e Seiji não a deixa escapar.
Completam o disco um excerto dum divertimento de Mozart e uma linda “Holberg” de Grieg, a obra que me é o mais próximo que conheço duma panaceia instantânea para a melancolia. Ainda que não tenha se tornado meu registro favorito, há nele uma espontaneidade que me deixou, desde a primeira audição, com muita vontade de voltar.
Essa postagem vem com um agradecimento ao colega FDP Bach, que me conseguiu a gravação e que tanto contribui para o blog, desde que dele eu era um leitor-ouvinte. Ela também é um desagravo a este dedicado melômano, detentor de enorme acervo fonográfico, ante os ataques injustificáveis que recebeu de um leitor-ouvinte ingrato e grosseiramente mal educado. Recebemos de muito bom grado as críticas e contamos com nossos leitores-ouvintes para fazer as necessárias correções a nossos lapsos. Nós próprios nos criticamos e corrigimos muito em nossa comunicação privada, sem nunca perdermos o respeito por nossas preferências diferentes, que asseguram a diversidade do blog. Isso não autoriza qualquer um de nós a faltar com o respeito com os outros, sejam autores, sejam leitores-ouvintes. Não somos balde para despejarem recalques, nem bidê para lavar-lhes a prepotência. O último infeliz que tentou tomou uma tunda dos comentaristas e espero que tenha sumido para sempre. Não seja o próximo, por favor.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Concerto para piano e orquestra em Si bemol maior, Op. 19
(cadências de Beethoven)
Composto em 1787-1789, revisado em 1795
Publicado em 1801
Dedicado a Carl Nicklas von Nickelsberg
1 – Allegro con brio
2 – Adagio
3 – Rondo: Molto allegro
Martha Argerich, piano
Mito Chamber Orchestra
Seiji Ozawa, regência
Wolfgang Amadeus MOZART (1756-1791)
Divertimento em Ré maior, K. 136
4 – Allegro
Edvard Hagerup GRIEG (1843-1907)
Fra Holbergs tid (“Dos Tempos de Holberg”) – Suíte no Estilo Antigo, Op. 40
5 – Praeludium – Allegro vivace
6 – Sarabande – Andante
7 – Gavotte – Allegretto
8 – Air – Andante religioso
9 – Rigaudon – Allegro con brio
Mito Chamber Orchestra
Seiji Ozawa, regência
Para quem gostou da parceria Martha/Seiji, ei-los combinando forças com a orquestra do Festival Saito Kinen [grato, Isaac!] para uma vibrante Fantasia Coral de Beethoven – com direito a uma participação da diva Nathalie Stutzmann, facilmente encontradiça, como imensa amazona que é, no meio dos demais cantores. Martha é idolatrada no Japão – talvez o epicentro marthômano no mundo – e ela retribui generosamente, com visitas frequentes, colaboração com artistas japoneses e com a participação no primeiro festival a levar seu nome, na estância termal de Beppu.
Vassily
[restaurado por Vassily em 5/6/2021, em homenagem aos oitenta anos da Rainha!]
Apenas uma correçãozinha,perdão,mas esse concerto em que tocaram a Fantasia Coral é o com a orquestra Saito Kinen,gravado em Matsumoto.A Mito é uma formação pequena,estritamente camerística.
Nada por que pedir perdão, Isaac! Realmente a imensa orquestra é a Saito Kinen – e o local, certamente, não é o belo e diminuto auditório da Mito Art Tower. Grato pela atenção e gentileza da correção!