Chamar essa compilação beethoveniana de “peças para órgão” (e, sim, sei que vocês estão a esperar que eu escreva “órgão de Beethoven”, mas tirem o cavalinho da chuva porque isso NÃO VAI ACONTECER) é um pouco de exagero, posto que apenas uma das obras – a fuga WoO 31 – foi composta originalmente para o instrumento. As outras peças estão no ademais imenso repertório à disposição dos organistas como opção ou por necessidade.
A opção está nos curiosos prelúdios do Op. 39, publicados em partitura para piano, sem indicação de pedal, mas que se prestam muito bem à execução no órgão. Essas curiosas peças, compostas ainda em Bonn, foram publicadas bem depois em Viena porque Ludwig, para variar, precisava de dinheiro. É muito provável que tenham sido escritas como exercícios para seu professor Neefe, que era organista e de quem foi assistente na corte do Eleitor. Os dois prelúdios partem do Dó maior e vão modulando para todas as tonalidades maiores, de maneira ascendente e descendente, até retornarem ao Dó maior. No primeiro, as tonalidades são mantidas por alguns compassos, ao passo que no segundo as modulações são tão rápidas que por vezes nem as percebemos, numa considerável demonstração de habilidade do jovem compositor.
Já a necessidade da execução ao órgão está nas peças restante, que são tradicionalmente designadas em português “para relógio mecânico”, denominação um tanto sem sentido, uma vez que todos os relógios daquela época eram mecânicos. O termo mais usado em alemão, Spieluhr, indica uma caixinha de música, o que também não é o caso. Com efeito, o instrumento que Beethoven tinha em mente era um Flötenuhr (“relógio-flauta”), um relógio integrado a um realejo automático, acionado por foles movidos por contrapesos. A engenhoca tornou-se tão popular que logo os laboriosos compositores do Império Austro-Húngaro enxergaram oportunidades em lhe criar um repertório. Como poucos Flötenuhren chegaram até nossos dias, e nenhum deles sabe tocar Beethoven, a diminuta coleção que Ludwig destinou ao instrumento costuma ser hoje tocado por flautistas, com acompanhamento de harpa ou piano – e organistas.
Já que a música para o órgão de Beet, er, beethoveniana para órgão mal dá para a metade de um CD, resolvi completá-lo com obras de seus três principais professores, que encontrei perdidas em meus alfarrábios e que eu dificilmente publicaria aqui de outra maneira. Assim, o obscuro Christian Gottlob Neefe faz sua estreia no PQP Bach com uma das incontáveis peças organísticas que certamente compôs em função de seu cargo de organista da corte do Eleitor de Bonn, a imensa maioria das quais jamais foi publicada. Johann Georg Albrechtsberger, compositor daqueles hilariantes concertos para marranzano, dá aqui uma prova do que ouviam os vienenses que frequentavam a Stephansdom, ou a nobreza na época em que ele era o organista da corte imperial. Arrematando os trabalhos, um pequeno compêndio que Haydn, a um só tempo o mais célebre e o menos dedicado dos professores de Ludwig, escreveu para Flötenuhr, a engenhoca que os leitores-ouvintes conhecerão melhor através dos vídeos mais abaixo.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Dois prelúdios em todas as tonalidades maiores, para órgão ou piano, Op. 39
Composto em 1789
Publicado em 1803
1 – Prelúdio no. 1
2 – Prelúdio no. 2
Fuga em Ré maior para órgão, WoO 31 (1783)
3 – Sem indicação de andamento
Cinco peças para Flötenuhr, WoO 33 (1794-1799)
4 – No. 1 em Fá maior
5 – No. 2 em Sol maior
6 – No. 3 em Sol maior
7 – No. 4 em Dó maior
8 – No. 5 em Dó maior
Marcha dos granadeiros em Fá maior, Hess 107 (1798)
9 – Sem indicação de andamento
Simon Preston, órgão
Christian Gottlob NEEFE (1748-1798)
10 – Variações sobre a “Marcha dos Sacerdotes” de Die Zauberflöte de Mozart, para órgão
Johann Georg ALBRECHTSBERGER (1735 – 1809)
11 – Prelúdio em Sol menor/Fuga em Sol menor sobre o tema B-A-C-H, para órgão
Joseph HAYDN (1732-1809)
12 – Peças para Flötenuhr
Vassily
boa noite. por favor, restaure este interessante post. muito obrigado!