Os Índios Tabajaras – Casually Classic

Casually Classic - frHá ficção e realidade – e contos, e novelas.

Há mitos, há lendas – e causos, e trovas.

Há histórias tão improváveis que são indeglutíveis.

E há a história de Muçaperê e Erundi, ou de Natalício e Antenor Lima, ou – como o mundo todo viria a conhecê-los – dos Índios Tabajaras.

ooOoo

Eles eram, de fato, indígenas, nascidos da nação Tabajara, na serra de Ibiapaba, perto da divisa entre o Ceará e o Piauí. Receberam seus nomes nativos porque eram o terceiro (“muçaperê”) e quarto (“erundi”) filhos de seu pai. Sua trajetória do sertão até o sucesso mundial é tão inacreditável que minha prosa não tem asas para contá-la: deixo o próprio Natalício fazê-lo, neste longo, fascinante depoimento.

Resumo da epopeia: um primeiro contato com militares (e com o violão) no sertão; um tenente os apadrinha, e adotam “nomes de branco”; a fome move a família para o Rio de Janeiro, a pé e em pau-de-arara, ao longo de três anos, durante os quais se familiarizam com a viola brasileira e o violão; primeiras aparições no rádio e em teatros da Capital Federal e em São Paulo, anunciados como “bugres que sabem tocar”; sem serem levados muito a sério, fazem suas primeiras gravações; saem em turnê pela América Latina; chegam ao México, onde são apresentados por Ricardo Montalbán como “analfabetos musicais”; o constrangimento leva-os a terem aulas de música em Caracas e Buenos Aires; excursão pelos Estados Unidos, onde gravam várias músicas do repertório easy listening, incluindo o fox “Maria Elena”; retorno desiludido ao Brasil e busca de uma nova carreira; no meio-tempo, o compacto de “Maria Elena” transforma-se num imenso sucesso retardado, com mais de um milhão de vendas; os irmãos são catapultados de volta aos Estados Unidos, onde, entre idas e vindas, se radicam e vivem até suas mortes.

A acreditar em tudo o que se conta deles, temos a mais fantástica trajetória artística que ainda não virou livro ou filme. Mas não é ela, claro, que nos interessa, pois isso aqui, afinal de contas, é o PQP Bach e quem me lê não quer saber de histórias fabulosas: quer música, e muita, e da muito boa.

Surge, pois, a minha deixa para apresentar-lhes esta gravação.

Se a maior parte do repertório da dupla consistiu em músicas melosas, feitas para pagar as contas e destinadas invariavelmente aos almoços de família e às salas de espera de consultórios de dentista, os largamente autodidatas Muçaperê e Erundi eram entusiastas da música clássica europeia e, sempre que podiam, incluíam suas peças em seus recitais. Em muitos deles, tocavam música de elevador vestidos em trajes, ahn, “indígenas” (daqueles para inglês ver) para, depois do intervalo e de smoking, tocarem as transcrições de obras de concerto habilmente feitas por Muçaperê.

Este álbum, Casually Classic, inclui algumas delas, com solos de Muçaperê, e acompanhamentos de Erundi.

Talvez alguns torçam o nariz para a transcrição de Recuerdos de la Alhambra para dois violões, em vez da difícil superposição entre melodia em tremolo e acompanhamento em arpejos com o polegar da versão solo. Eu a acho esplêndida e muito mais evocativa que o original. Os excertos orquestrais são cheios de verve, e a fuga de Bach – uma estranha no ninho entre as seleções – é deliciosamente trigueira. O ponto alto, para mim, é a Fantasia-Improviso de Chopin, transcrita e interpretada de uma maneira tão linda que me é até mais convincente que o original pianístico.

Se a muitos será uma surpresa a revelação de que houve um grande duo de violonistas brasileiros antes dos irmãos Assad conquistarem o planeta, espero que ela, ao escutarem esta gravação, seja muito grata.

OS ÍNDIOS TABAJARAS – CASUALLY CLASSIC (1966)

Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)

01  – Valsa em Dó sustenido menor, Op. 64 no. 2

Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)

02 – O Quebra-Nozes, Op. 71: Valsa das Flores

Francisco de Asis TÁRREGA y Eixea (1852-1909)

03 – Recuerdos de la Alhambra

Nikolay Andreyevich RIMSKY-KORSAKOV (1844-1908)

04 – A Lenda do Czar Saltan – Ato III, Interlúdio: O Voo do Zangão

Fryderyk Franciszek CHOPIN

05  – Valsa em Ré bemol maior, Op. 64 no. 1

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

06 – O Cravo bem Temperado, livro I – Prelúdio e Fuga em Dó sustenido maior, BWV 848: Fuga

Manuel de FALLA y Matheu (1876-1946)

07 – El Amor Brujo: Dança Ritual do Fogo

Fryderyk Franciszek CHOPIN

08 – Fantasia-Improviso em Dó sustenido menor, Op. 66

Muçaperê (Natalício Moreira Lima) e Erundi (Antenor Moreira Lima), violões
Transcrições de Muçaperê

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Mussaperê e Herundi, vestidos para inglês ver
Erundi e Muçaperê, vestidos para inglês ver

Vassily

15 comments / Add your comment below

  1. FANTÁSTICO, Sr Vassily!!

    Ainda não baixei, nem li o texto em todos os detalhes, mas a história já é em si tão impressionante que me arrepiou inteiro – e não tá desarrepiando mais!

    Ansioso para ouvir!

    1. FASCINADO depois de ouvir, e ouvindo mais uma vez agora mesmo. Puristas podem franzir o nariz, mas na verdade MÚSICA É ISSO, é realização sobretudo intuitiva. Os rapazes são músicos até debaixo d’água, DIZEM cada frase. Tenho certeza de que Bach também era isso: todo seu saber teórico era apenas apoio ao fazer-música intuitivo, tão naturalmente “como quem mija” (para usar uma fala do Monteiro Lobato relativa ao escrever, dirigida ao Érico Veríssimo e relatada por este).

      A noção de agógica dos guris (condução do discurso musical pelo domínio do fraseado, das flexibilizações do tempo, das ênfases) dá de 10 a 0 em MUITO músico de currículo pomposo, seja em termos acadêmicos, de apresentações ou de gravações.

      OBRIGADÍSSIMO por resgatar não só as preciosidades específicas que são essas faixas gravadas (de que eu queria muito mais), mas sobretudo A MEMÓRIA desses grandes músicos de BRASILIDADE insuperável – do que somente vira-latas complexados haveriam de se envergonhar (digo-o contrastando com os vira-latas assumidos e orgulhosos de sê-lo, como eu).

  2. Adorei a oportunidade de ouvir esse disco. Moreira Lima, tem algo em comum com o Artur Moreira Lima? Estou certo?
    Excelente!
    Abraços!
    Mário

    1. Olá, Mário!
      Que bom poder repartir com tanta gente a experiência de escutar tão brilhantes artistas.
      Quanto à pergunta que me faz, não sei ao certo a resposta. O que sei é que os sobrenomes de Mussaperê e Erondi foram “emprestados” do tenente que fez contato com a família deles, ainda no Ceará. Seu nome, pelo que consta, era Hildebrando Moreira Lima e era natural do Rio de Janeiro. Como Arthur também é de lá, e de família cheia de militares (ele, inclusive, estudou em colégio militar) é muito provável que haja algum parentesco. Na próxima vez que encontrar o Arthur em Floripa (onde eu e ele moramos) vou perguntar!

      1. Obrigado pela atenciosa resposta! Gostei do disco, apesar de que algumas peças ainda soam um pouco estranhas neste formato de duo… Mas, como eu sempre digo, deve ser porque eu ainda não ouvi um número suficiente de vezes.
        Grande abraço!
        Mário
        PS: Você sabe quem desse grupo de pessoas que posta os CDs é o especialista em Mahler? Baixei pelo menos três ciclos completos de sinfonias do site e estou ainda trabalhando (?) neles. No momento estou bastante interessado nas gravações do ciclo de canções Des Knaben Wunderhorn. Vocês postaram uma gravação recente do Boulez… gostaria de ouvir a gravação do MacKerras que foi lançada pela Virgin (eu creio)… e algumas outras. Tenho também algumas gravações mas não sei como poderia dividi-las com vocês, caso haja algum interesse e possibilidade.
        Abraços!

        1. Escuto há vinte e cinco anos essas gravações e gosto delas a ponto de estranhar quando escuto a Valsa Op. 64 no. 2 em qualquer outro instrumento, mesmo no piano. Desconheço versão mais linda do “cantabile” da parte central da Fantasia-Improviso. Como você bem mencionou, é questão de tempo e de costume.
          Quanto aos especialistas em Mahler entre nós outros, não tenho dúvidas de que são a dupla dinâmica FDP e PQP Bach, responsáveis por quase todas as postagens de suas obras no blog. A oferta que você faz é muito gentil. Talvez possas mencioná-la em alguma das postagens de um deles, para proceder ao intercâmbio.
          Abraços!

  3. Nao me canso de me espantar com os dois discos dos Tabajaras postados aqui. Muito bom.
    Tenho um tio que foi violonista em Sao Paulo durante as decadas de 60/70, ele conheceu os irmaos Tabajaras. Disse o meu tio que eles eram mesmo violonistas da pesada (fato comprovado por estas maravilhosas gravacoes aqui postadas), disse tambem que os irmaos ficaram meio desanimados ao terem que gravar discos de “modinhas” a pedido da gravadora, eles gostavam mesmo era dos clássicos.
    Vassily, tu faz falta ao PQP, traz umas coisas diferentes ai pra gente.
    Abracos

  4. Por favor poderiam postar novamente este link não está mais funcionando para download Este disco é realmente um clássico para o violão clássico, o mais difícil é achar a gravação Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893) – O Quebra-Nozes, Op. 71: Valsa das Flores faixa 02. Conheci este duo através de um brinde da Coca Cola, disco com varias gravações de clássicos, qdo os ouvi pela primeira vez meu queixo caiu tal a qualidade sonora deste duo.

  5. Caro Vassily,

    O link baixa um arquivo vazio, e aparece a mensagem:
    ‘Vassily_Indios_Tabajaras_Casually_Classic.rar is not RAR archive
    No files to extract’

    Um abraço,

    Avicenna

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