Gustav Mahler (1860-1911): Adagio da Sinfonia Nº 10 / Dmitri Shostakovich (1906-1975): Sinfonia Nº 14

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Sim, a versão apresentada neste disco para o adágio da 10ª Sinfonia — Mahler completou apenas este movimento da 10ª que permaneceu incompleta, apesar das atuais “reconstruções” — é uma redução para cordas escrita por Hans Stadlmair. É inferior ao original mahleriano, mas é muito bonita. Porém, a Sinfonia Nº 14 de Shostakovich está com sua instrumentação completa. Não têm razão os críticos que atacam Kremer por ele ter gravado duas reduções. Fico pasmo com isso: pessoas que se apresentam como críticos de música ignoram que a Sinfonia Nº 14 SEJA uma sinfonia de câmara.

Este CD é uma iguaria. A redução do tristíssimo Adágio de Mahler combinou perfeitamente com a 14ª de Shosta. A KREMERara Baltica (fundada em 1997) comemorou seu décimo aniversário lançando este CD onde interpreta o adágio da inacabada décima de Mahler com grande sensibilidade, assim como 14ª Sinfonia de Shostakovich – ambos são trabalhos escritos tendo por horizonte a proximidade da morte. Shosta, aliás, fez sua sinfonia sobre poemas a respeito da morte. Estão presentes, por exemplo, García Lorca, Apollinaire e Rilke. Ambas são composições plenas de dor e desespero.

Sobre a 14ª de Shostakovich, eu já tinha escrito neste blog:

Sinfonia Nº 14, Op. 135 (1969)

A Sinfonia Nº 14 – espécie de ciclo de canções – foi dedicada a Britten, que a estreou em 1970 na Inglaterra. É a menos casual das dedicatórias. Seu formato e sonoridade é semelhante à Serenata para Tenor, Trompa e Cordas, Op. 31, e à Les Illuminations para tenor e orquestra de cordas, Op. 18, ambas do compositor inglês. Os dois eram amigos pessoais; conheceram-se em Londres em 1960, e Britten, depois disto, fez várias visitas à URSS. Se o formato musical vem de Britten, o espírito da música é inteiramente de Shostakovich, que se utiliza de poemas de Lorca, Brentano, Apollinaire, Küchelbecker e Rilke, sempre sobre o mesmo assunto: a morte.

O ciclo, escrito para soprano, baixo, percussão e cordas, não deixa a margem à consolação, é música de tristeza sem esperança. Cada canção tem personalidade própria, indo do sombrio e elegíaco em A la Santé, An Delvig e A Morte do Poeta, ao macabro na sensacional Malagueña, ao amargo em Les Attentives, ao grotesco em Réponse des Cosaques Zaporogues e à evocação dramática de Loreley. Não há música mais direta e que trabalhe tanto para a poesia, chegando, por vezes, a casar-se com ela sílaba por sílaba para tornar-se mais expressiva. Há uma versão da sinfonia no idioma original de cada poema, mas sempre a ouvi em russo. Então, já que não entendo esta língua, tenho que ouvi-la ao mesmo tempo em que leio uma tradução dos poemas. Posso dizer que a sinfonia torna-se apenas triste se estiver desacompanhada da compreensão dos poemas – pecado que cometi por anos! Ela perde sentido se não temos consciência de seu conteúdo autenticamente fúnebre. Além do mais, os poemas são notáveis.

Possui indiscutíveis seus méritos musicais mas o que importa é sua extrema sinceridade. Me entusiasmam especialmente a Malagueña, feita sobre poema de Lorca e a estranha Conclusão (Schluss-Stück) de Rilke, que é brevíssima, sardônica e — puxa vida — muito, mas muito final.

Gustav Mahler (1860-1911)

1 Symphony No. 10 – Adagio (1910) adapted for strings by Hans Stadlmair and Kremerata Baltica

Dmitri Shostakovich (1906-1975)

Symphony No. 14 op. 135 (1969) for soprano, bass and chamber orchestra
Dedicated to Benjamin Britten

2 De profundis
3 Malagueña
4 Loreley
5 The Suicide
6 On the Alert
7 Look, Madame
8 At the Santé Jail
9 The Zaporozhian Cossacks’ Reply to the Sultan of Constantinople
10 O Delvig, Delvig!
11 The Death of the Poet
12 Conclusion

Yulia Korpacheva soprano
Fedor Kuznetsov bass
The Kremerata Baltica
Gidon Kremer

Recorded 2001 and 2004
ECM New Series 2024

BAIXAR AQUI – DOWNLOAD HERE

Gidon Kremers e sua Kremerata Baltica
Gidon Kremer e sua Kremerata Baltica

PQP

20 comments / Add your comment below

  1. Caro PQP,
    estava lendo, no post de Helene Grimaud, sobre o denso e profundo Brahms e seu inexplicavel gosto por (Robert) Schumman. Lendo um ”Guia do ouvinte de música classica”, da editora Jorge Zahar, descobri que Schoenberg fez um arranjo do quarteto para piano op. 25 de Brahms para orquestra sinfonica, apresentado-o como “a quinta sinfonia de Brahms”. Fiquei extremamente curioso para ouvir tal arranjo, ja que aprecio de cabo a rabo toda a obra cameristica de Brahms. Uma versao sinfonica do quarteto op.25 seria, no mínimo, interessante. PQP, voce tem alguma vaga ideia de onde obter essa gravacao?
    Abraços,
    GS.

  2. Eu tenho uma gravação disso… é uma orquestração bem esquisita… o início é bonito (clarinete!) mas as discrepâncias de estilo vão se acumulando durante a obra. O finale é o ponto culminante do nonsense estilístico – o “alla zingarese” vira um circo totalmente não-brahmsiano.

    Bizarrice por bizarrice, há anos estou atrás de duas: a orquestração que Berio fez da Sonata para clarinete no. 1; e a orquestração que Rubbra fez das Variações Handel (as duas obras são de Brahms, naturalmente). Ouvi trechos das duas. Rubbra consegue ter estilo ainda mais díspar que Schoenberg! Já o Berio me pareceu bem legal.

    Mais maluquices: um dinamarquês orquestrou, de Nielsen, a Sonata para violino no. 2 e “Commotio”, a monumental peça para órgão. Existe gravação. Nunca ouvi…

  3. Liszt fez versoes pianisticas para todas as sinfonias de Beethoven? Nao sei. Em todo caso, muito legal a versao da Eroica, que baixei aqui. Esses dias, encontrei a versao da quinta sinfonia, igualmente apreciavel.
    Interessantissima tambem é a versao para sinfonia de camara do quarteto numero 8 de Shostakovich, que tambem encontrei aqui no PQP.
    Esperemos agora que surja, de algum lugar, a versão orquestrada do quarteto. Vou fazer uma busca pela web e, se achar, disponibilizo o link.
    Villalobiano, fiquei bem curioso a respeito da orquestraçao de Berio da sonata para clarinete. Voce tem essa gravacao?

    Abraços!
    GS.

  4. Fora um pouco do contexto do post, mas…

    “Por carta, assinada pelo presidente da Fundação do Conselho de Administração da Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o maestro John Neschling foi demitido da Osesp, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. A carta, publicada somente nesta quarta-feira (21/01), no site oficial da orquestra, tem data de 20 de janeiro.

    Neschling já havia comunicado, no ano passado, que só permaneceria à frente da orquestra até o fim de 2010. Mas, diz a carta de FHC, as declarações do maestro ao jornal “O Estado de S. Paulo”, em entrevista publicado no dia 9 de dezembro, repercutiu negativamente entre a administração e entre os músicos da fundação, provocando uma série de reuniões entre os integrantes do conselho até que a decisão pela demissão de Neschling, que será comunicado oficialmente de sua saída amanhã.” (Correio Braziliense, últimas notícias)

  5. PQP, vi só o recado agora. À noite, em casa, subo o Arnold no Sharebee e posto o link aqui.

    Quem será o novo diretor da OSESP? Vocês não têm medo de que, com a intesificação da briga política, a OSESP vire uma bagunça e perca a qualidade conqusistada nos últimos anos? Que FHC não deixe a peteca da OSESP cair…

  6. Tive o prazer de assistir a OSESP em 3 oportunidades, uma no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e duas em Brasília, no Teatro Nacional. Sem dúvida alguma, é uma grande orquestra, a melhor que já ouvi das orquestras brasileiras. E, claro, essa excelência deve-se, sobretudo, ao trabalho do Neschling, que é um “estrelâo”, mas que colocou a orquestra em uma posição de destaque internacional, como atestam, por exemplo, as várias excursões que fizeram, e os discos que gravaram.

  7. Apenas uma curiosidade, um tanto jocosa. Na última vez que a OSESP esteve em Brasília, fui assisti-la, era um domingo à tarde, no Teatro Nacioanl. Os músicos entraram no palco vrstidos de camisa, sem o paletó. Até aí tudo bem, como era um domingo, e à tarde, achei que era devido ao horário do concerto. Mas não… Entra o Neschling, pega o microfone, dá boa tarde, e avisa que os músicos iriam tocar vestidos mais informalmente porque o ar-condicionado do Teatro não estava funcionando adequadamente… Não satisfeito, diz que a administração do Teatro (público, administrado pelo governo local…) havia avisado a ele que o ar estava funcionando a 50% da sua capacidade, mas que nem a 50% o ar estava funcionando, e que por isso todos iriam tocar em mangas de camisa…rs…

  8. Hmmmm. O site da OSESP diz que será contratado, nas próximas semanas, um *regente titular* com contrato de dois anos. O próximo *diretor artístico* está sendo procurado para iniciar seu trabalho em 2011.

    Quer dizer, o regente contratado será mais ou menos tampão e a OSESP ficará acéfala administrativamente durante esse tempo. Não acho bom sinal.

  9. Caro Gustavo,lembro bem disso.O maestro disse que o 50% não estava 100%, hehehe.
    Lamento muito a saída do Neschling… E eu sonhando com uma sinfônica brasileira de primeiro mundo. Lamentável!

  10. grande debate sobre a OSESP.
    moro em brasília e aqui não tem nenhum grupo – que eu conheça – de altíssimo nível, mas tem coisa boa. tem a oquestra do Teatro Nacional, uma coisa aqui e ali da escola de música, uns quartetos de cordas vagando pela cidade, etc e tal.

    tem coisas razoáveis na cidade, as nada bem grande e acredito que seja a regra do nosso país; salvo raríssimas exceções no qual se atinge um nível mais alto.

    mas também, terça-feira tocam de graça e fica VAZIO. percebam bem, DE GRAÇA! esmo compositores com maior apelo popular como Beethoven sequer atinge metade da capacidade. aí cobram 150 conto no chiclete com banana e bomba. antes do Brasil querer uma orquestra de alto nível, precisa de ouvintes.

    e olha que alunos da UnB tocaram barbeiro de Sevilha de graça e ficou vazio. na minha opnião, a opera que mais deeria ficar cheia, pois uma das mais conhecidas

    eis minha opnião mais de 2 anos depois. pra quem gosta de música clássica nos sobra este e mais meia-dúzia de blogs…

  11. apenas pra corrigir, teve uma vez sim que ficou cheio, Carmina Burana. faz uns 6 anos que curto música clássica e costumo ir aos eventos gratuitos da cidade, a única vez que vi fila pra entrar foi essa.

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