Gustav Mahler (1860-1911): Blumine e Sinfonia Nº 1 (CD 1 de 14)


Ah, meu deus, PQP Bach inventou um quinto movimento para a Sinfonia Nº 1 de Mahler! Não, meus amigos, não inventei nada. Nas primeiras três apresentações da Titã, Blumine ficava entre o primeiro e segundo movimentos. Depois Mahler retirou o movimento, hoje esquecido. Estranhamente, Sir Simon Rattle inicia sua coleção justamente pelo movimento recusado pelo autor.

Sinceramente, não vou apresentar a Primeira Sinfonia de Mahler para vocês. Daria muito trabalho e tenho a mais absoluta certeza que a Sociedade dos Amantes de Mahler tem textos maravilhosos a respeito. Estou aguardando a manifestação da mesma. O espaço a seguir é dela. O mesmo ocorrerá em toda a série, OK? Ah, já informo que os CDs 2 e 3 são da Sinfonia Nº 3 + os 8 Lieder aus Der Knaben Wunderhorn. Se a Sociedade não colaborar, paro a série aqui (ho, ho, ho). Falo sério. O texto pode ser enviado para o e-mail [email protected] e depois será aqui publicado.

Cumpra-se !!!!

E a Sociedade dos Amantes de Mahler cumpriu, como podemos ler abaixo:

Caro PQP,
aqui vão três textos sobre Mahler.
Os dois primeiros são de Michael Kennedy, de uma biografia publicada pela Jorge Zahar.
O primeiro, uma espécie de “introdução” à música do mestre.
O segundo, um comentário sobre a primeira sinfonia.
O terceiro, um texto da coleção Publifolha sobre o último movimento da primeira sinfonia, que considero importante para que vai ouvi-la pela primeira vez. Confesso que apesar de amar Mahler, nunca consegui compreender direito esse último movimento, daí a razão do texto.

Um abraço,
SAM.

Talvez seja conhecida dos leitores a tendência do exame da música de Mahler a resvalar para os domínios da verbosidade filosófica e psicológica. Sua música presta-se facilmente à análise extramusical; na verdade, está entre a música mais autobiográfica até hoje escrita, e alegar que ela existe apenas em termos de procedimentos musicais é ignorar um elemento que Mahler recomendou explicitamente que fosse tomado em consideração. Cada uma de suas sinfonias é uma extensão de sua personalidade, uma exploração do seu próprio eu e, no seu caso, tal como nos de Elgar e Berlioz, não é possível – de fato, é errôneo – separar a música da vida do compositor, como se fosse uma atividade isolada. Ao mesmo tempo, deve-se evitar uma associação excessivamente literal de vida e música, e levar na devida conta a imaginação criativa.

Por causa do curso tragi-romântico da vida de Mahler, em especial a sombra que pairou sobre ela desde 1907 até o seu fim, tem-se atribuído excessiva ênfase à obsessão com a morte e à longa despedida. O retrato de Mahler como homem condenado pelo destino, neuroticamente introspectivo, temperamentalmente desequilibrado, embora não seja uma representação totalmente falsa, constitui uma distorção da realidade. É certo que sua música deriva sua grandeza dos conflitos e contradições da personalidade de Mahler: o homem de ação (que ele era) e o homem que precisava, como disse a Alma, estar “freqüente e intensamente sozinho”; o filósofo e quase cientista e, por outro lado, o filho da natureza de coração puro. A música não corrobora uma interpretação de Mahler como um taciturno negador da vida: ele era positivo, afirmativo. A maioria das sinfonias é alegre e generosa em sua vitalidade, quaisquer que sejam as lutas por elas registradas. Somente a Sexta termina no menor.

Também devemos estar prevenidos contra a moda de relacionar a música de Mahler a determinados conceitos muito vagos mas imponentes, como o de um “microcosmo da decadência da sociedade ocidental”. É tentador exibir uma sabedoria ex post facto e apontar indícios e presságios de dissolução e destruição nessa música, até mesmo uma aplicabilidade espúria a eventos de hoje. Mas não é Gustav Mahler quem está nessas sinfonias em microcosmo, não a sociedade ocidental e sua evolução e revolução política. As esquerdas estão naturalmente ansiosas por reivindicá-lo como um dos seus – um homem do povo, transportando a música do povo para a sua arte. É claro que ele fez isso, os grandes artistas criativos são humanitários. Em 1905, registra Alma, ele cruzou-se com um desfile de trabalhadores no primeiro de maio, no Ring de Viena, e passou a acompanhá-lo a certa distância. “Todos olharam-no de modo tão fraterno – eles eram seus irmãos – e eram o futuro!” Se alguns desses irmãos se apresentassem no dia seguinte no Coro da Ópera de Viena, não tardariam a descobrir até onde iam na prática os instintos fraternos de Mahler. Mas se pode afirmar, na verdade, que ele democratizou a sinfonia, ou melhor, que lhe devolveu sua democracia beethoveniana. ( Também é verdade que ele pertenceu a um grupo socialista-vegetariano em 1880).

O uso em suas sinfonias de valsas, Ländler, marchas e fragmentos de canções era o meio prático de realizar seu credo de que “a sinfonia é o mundo, deve englobar tudo”. Para um homem de sua inclinação filosófica, a sinfonia era o veículo óbvio. Limitado a alguns meses por ano para compor, Mahler não dispunha de tempo para concertos, sonatas ou outras formas; entretanto, mesmo que tivesse, duvido que teria feito outra opção. A sinfonia era o seu Wunderhorn de abundância, e o fertilizou com a grande tradição austro-alemã da canção. Era o seu meio escolhido de auto-expressão, como o drama musical era o de Wagner e a mazurca, o de Chopin.

(…)

Os admiradores da música de Mahler dão três razões principais para o seu entusiasmo: o talento melódico, o domínio da forma e a originalidade do som (em outras palavras, seu brilhantismo como orquestrador). A segunda razão apresentada, o domínio da forma, teve que ser defendida com veemência. As dimensões das sinfonias de Mahler fazem com que, para algumas pessoas, sejam sinônimos de prolixidade. Mas ele necessitava de uma vasta tela sobre a qual elaborar e desenvolver as intrincadas relações de seus temas, porquanto não se pode negar que suas sinfonias são complexas. Seu tamanho está em proporção com seu material. A alegação de que ele era um autor natural de canções que equivocadamente tentou escrever sinfonias mostra uma falta de compreensão comparável às restrições críticas de Bernard Shaw a Schubert por ausência de “trabalho mental”.

O inconfundível “som Mahler” deriva principalmente de seu soberbo domínio orquestral – digo principalmente porque existe um certo formato, um tom de voz, nos próprios contornos de uma melodia de Mahler que proclama sua constante origem no pianoforte. Também sob esse ângulo se descobre, quando se escuta Mahler atentamente, como é equivocada a antiga asserção de que sua música era um hiperbólico e decadente canto de cisne do romantismo wagneriano. As tessituras de Mahler são frequentemente simples e despojadas, apesar da enorme orquestra que usava. Em parte, sua necessidade de tão grandes forças era determinada pelos contrastes dinâmicos necessários nas dimensões gigantescas de seus movimentos sinfônicos. Também em parte, era ditada pela incessante busca de claridade, acima de qualquer outra coisa – o que era igualmente a principal característica de sua regência. A música de Mahler é a uma reação às tessituras plenas do som wagneriano. Suas partituras contêm relativamente poucos tutti – se bem que quando quer criar um fortíssimo pode criar um de tremendas proporções – e estão repletas de solos: para trompa, flauta, oboé, clarineta em mi bemol, trompete – todos os instrumentos com um som muito bem definido. Sua ampliação da seção de madeiras promoveu-a sinfonicamente ao status das cordas e dos metais. Sua escrita para cordas raramente possui a confortável e luxuriante riqueza de Wagner e Bruckner: uma vez mais, é a insistência na escrita exposta e clara das partes

(KENNEDY, , Michael. Mahler. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 83-86).

Só se pode entender por que a primeira sinfonia foi tão impopular durante a vida de Mahler quando se recorda até que ponto a orquestração deve ter soado insólita e bizarra. O público sentiu-se contrafeito com as pinceladas de grotesquerie no movimento lento e, sob outros aspectos, benignamente lírico, a marcha fúnebre à maneira de Callot do funeral do caçador, acompanhado à sua sepultura pelos animais da floresta que ele outrora perseguia, tudo isso para uma paródia da popular ronda Bruder Martin (ou Frère Jacques). Mas essa pinturesca obra romântica pertence ao mundo de Dvorák e Tchaikovsky. Sua bela abertura, descrevendo uma alvorada primaveril, com o chilrear de pássaros e o canto do cuco, é uma vívida e imaginativa peça de pintura da natureza; o Ländler-scherzo é uma versão mahleriana das formas de dança camponesa austríaca consagradas por Bruckner e Haydn – é o espírito do segundo que predomina. Talvez o clímax triunfante do finale (com a ordem dada aos trompistas para tocarem de pé) seja encenado de molde excessivamente espalhafatoso após a recapitulação da música da aurora do primeiro movimento. (…) Hoje, essa obra-prima revolucionária desfruta de popularidade; entretanto, sua estréia em Viena em 19 de novembro de 1900, terminou em pandemônio. O que mais magoou Mahler foi a Orquestra Filarmônica, “a qual está capacitada para compreender minha obra melhor do que ninguém, abandonar-me no final do concerto. Os músicos rejubilaram-se positivamente com o fiasco e desviaram os rostos para ocultar a malevolência que se espelhava em seus olhos. Assim, uma vez mais, Viena maltratou o gênio.

(KENNEDY, Michael. Mahler. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 97-99).

O último andamento estala como uma explosão quase infernal. Mas é verdade que o herói triunfou? Quando as exclamações, golpes dos tímpanos, do bombo e dos trompetes se calam, aparece uma “tema piano”, mais doloroso que melancólico, terrivelmente nostálgico, que vai ascendendo não só em volume como numa crescente inquietação, até chegar a um grau máximo de dramaticidade, que, diria eu, é o maior que aparece em toda a sinfonia. Voltam temas de andamentos anteriores, e com eles estala de novo a tempestade, dessa vez sem conseguir acalmar-se por muito que tente, com o surgimento de novos episódios torturantes: as melodias estendem-se, inacabáveis, sem encontrar forma de se resolver. É inútil que os metais repitam fanfarronices e marchas, no final votará sempre a calma que acompanha a verdadeira dor. Outro intervalo interrompe esse grito estridente para refletir temas de chamamentos doces, cantos de pássaros. É como se a natureza nos devolvesse a paz e a tranqüilidade. As cordas graves chama-nos, com um curto motivo, para avisar que nada acabou. Sobre elas levanta-se uma pequena marcha, que, à medida que chega ao final, traz novas tempestades. No final, depois desse estalo de vitória gloriosa, a única coisa que parece ficar é o ânimo – até que ponto indomável? – de não se deixar vencer.

(RINCÓN, Eduardo. Gustav Mahler. São Paulo: Publifolha, 2005).

Symphonie No. 1 – Titan
01 Blumine
02. 1º mvto – Langsam. Schleppend. Wie ein Naturlaut – Im Anfang sehr gemächlich
03. 2º mvto – Kräftig bewegt, doch nicht zu schnell – Trio. Recht gemächlich
04. 3º mvto – Feierlich und gemessen, ohne zu schleppen
05. 4º mvto – Stürmisch bewegt

City of Birmingham Symphony Orchestra
Simon Rattle

Simon Rattle tentando acordar o timpanista
Simon Rattle tentando acordar o timpanista

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PQP

10 comments / Add your comment below

  1. Ora, vejam só! A Sociedade dos Amantes de Mahler de está de volta! Desculpe-me, caro PQP, pela ausência, tive alguns problemas técnicos por aqui, mas agora está tudo resolvido. Pois bem, temos aí a maravilhosa Titã e, de bônus, Blumine! Sempre tive grande curiosidade por esse Blumine, mas nunca tive chance de ouvi-lo.
    Pois bem. A Sociedade dos Amantes de Mahler está felicíssima. Hoje mesmo, envio os textos relativos à primeira sinfonia para o seu e-mail.
    Um grande abraço!
    SAM.

  2. Ótimo texto,ajuda muito a entender a música,para nós inici-

    antes.Li a biografia do sr.Mahler e achei muito apropriado

    uma sociedade de amantes de sua música.Ainda mais considerando

    a quantidade das de outro tipo que ele teve em vida.

  3. Confesso que nunca dei a devida oportunidade para as outras sinfonias, aliás, para todas as outras obras. Acho que a Sinfonia Titã é mais espetacular de todas, apesar de não ter escutado as outras com atenção… Mahler é um compositor que deve ser ouvido com bastante atenção, pois na minha opinião suas obras não são de fácil assimilação.

  4. Caro Strava, acho que o senhor poderia dedicar-se a escutar com atenção as demais sinfonias dele, com certeza! Aqui em Brasília, nesta terça, tivemos a apresentação da Nona dele na orquestra do Teatro Nacional e a obra, que eu já considerava maravilhosa, ficou ainda melhor ao vivo. Quanto mais ouvimos, melhor as sinfonias mahlerianas ficam.

  5. Caro PQP: Tenho a Sinfonia Nº 5 do Mahler com a Tonhalle Orchestra – regente David Zinman, e acho ótimo o fato de tê-la em SACD. Gostaria de saber se o senhor considera exagero.
    Gostaria de saber se pode fornecer um e-mail porque preciso de mais orientações para comprar outros autores, não somente este.
    Obrigado e um abraço

  6. Caros, agradeço pelo estímulo à escuta da obra sinfônica de Mahler. Como alguém disse acima, a 1a me vem bastando, mas preciso explorar as demais. E a contribuição da Sociedade dos Amantes de Mahler me inspirou de duas formas: a) passar a escutar as demais sinfonias do mestre, contando com a colaboração valiosa de quem entende; b) por pura inveja, criar a Sociedade dos Amigos de Haydn…

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