José Manuel Joly Braga Santos (1924-1988) – Sinfonias n° 1 a 6 (exceto a 4) + Fernando Lopes-Graça (1906-1994) – Sinfonia, Suíte rústica n° 1 e Canto de amor e morte

Os arquivos e comentários deste post foram enviados pelo José Eduardo. Acho que é a primeira postagem do blog sobre música portuguesa do séc. XX – mais uma lacuna aqui preenchida (update: deixou de ser com o post do mano CDF no início do mês). Realmente, como vocês podem ler abaixo e ouvir em seguida, Braga Santos tem pontos de semelhança com Camargo Guarnieri, que pensei ser um compositor sem paralelos. E tanto Braga Santos quanto Lópes-Graça são compositores de mão cheia.

CVL

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Fernando Lopes-Graça é provavelmente o principal compositor português, junto com Carlos Seixas e João Domingos Bomtempo (cada um de uma época, portanto). Ele se insere claramente na linha bartókiana de um modernismo bastante claro na forma, ritmicamente vigoroso, contrapontisticamente hiperativo e de harmonia com muitos toques modais, relativamente modesta no uso de dissonância e, sobretudo, que se apóia de maneira bastante inteligente no folclore e na cultura popular.

A Sinfonia que mandei, dita “Per orchestra”, é em três movimentos bem delineados, sendo o último uma passacaglia sobre um tema folclórico. É a única sinfonia do autor. Gosto muito da peça. O sabor modal lembra um pouco Vaughan Williams e Ernest Moeran, mas a ênfase rítmica e a limpidez incrível da forma o aproximam muito mais de Camargo Guarnieri.

A “Suíte rústica” no. 1 (ele escreveu mais duas, uma para orquestra de cordas e outra para piano) é uma peça em seis partes, cada uma baseada em um tema popular de uma região de Portugal: Oliveira do Hospital, Foz Côa, Reguengos de Monsaraz, Póvoa do Lanhoso, Pegarinhos e Beira. É uma delícia, os temas folclóricos são facilmente discerníveis e, ao mesmo tempo, são transformados por harmonia e orquestração bastante sofisticadas.

Joly Braga Santos teve uma carreira menos ilustre e foi menos reconhecido em vida. É, digamos, uma redescoberta mais recente, devida principalmente ao trabalho do regente Álvaro Cassuto. É o compositor português da moda nos países anglófonos. O David Hurwitz, do ClassicsToday, adora Braga Santos.

É um compositor praticamente contemporâneo de Lopes-Graça, porém pertencente a uma linha bem diferente, mais conservadora. Braga Santos foi um compositor precoce, e quatro de suas seis sinfonias foram escritas antes de seus 27 anos – são obras de juventude, surpreendemente bem realizadas.

Sua linguagem lembra Sibelius, Respighi e, principalmente, Vaughan Williams. A forma é bem expandida, os desenvolvimentos são alongados e comumente nascem de um estático inicial que vai acumulando tensão até um grande clímax. A harmonia mistura modalismo e cromatismo pós-wagneriano. As melodias são longas e muito bem desenhadas. A cor orquestral é costumeiramente escura, densa.

As duas sinfonias que mandei, a Segunda e a Terceira, são obras em grande escala. São bem parecidas, quase intercambiáveis entre si. Ambas têm quatro movimentos: os externos mais dramáticos, com longas introduções lentas; um segundo movimento adagio reflexivo; e um scherzo mais próximo do intermezzo brahmsiano do que do scherzo bruckneriano.

Elas surpreendem por terem sido escritas, e tão bem, por um compositor tão jovem. Mas, embora repletas de belíssimos momentos, são obras bastante derivativas. Overall, acho que valem sim a curiosidade.

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Sinfonia no. 2
Orquestra Sinfônica de Bournemouth
Álvaro Cassuto, regente

Sinfonia no. 3
Orquestra Sinfônica Portuguesa
Álvaro Cassuto, regente

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A gravação tem um som meio “de lata”, equalização alta – parece de música popular – e pobreza de detalhes. Ela faz parte de uma série de registros de música portuguesa realizada nos anos 90 no Leste Europeu, principalmente Hungria. É bastante curioso. Adoraria ouvir essas peças em som moderno e com intérpretes mais refinados. As sinfonias de Braga Santos tiveram mais sorte e foram magnificamente gravadas pela Marco Polo/Naxos.

Fernando Lopes-Graça (1906-1994)

Sinfonia “per orchestra”, op. 38
Suíte rústica no. 1, sobre temas folclóricos portugueses, op. 64

Orquestra Sinfônica Nacional Húngara
Tamás Pal, regente

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Joly Braga Santos

Sinfonia no. 6
Ana Ester Neves, soprano
Coro do Teatro Nacional de São Carlos
Orquestra Sinfônica Portuguesa
Álvaro Cassuto, regente

“Encruzilhada”, música para balé
Orquestra Sinfônica de Bournemouth
Álvaro Cassuto, regente

É o complemento dos CDs do Braga Santos que enviei antes. Tem a Sinfonia no. 6 e o balé “Encruzilhada”, todos da última fase, “abstrata” (apud CROWL, Harry), do compositor. Em geral, essa fase não me desperta, infelizmente, maior interesse.

A Sexta Sinfonia tem uma estrutura diferente das demais sinfonias de Braga Santos. É estruturada em seis movimentos executados em um só fôlego. A partir da segunda metade surgem as intervenções corais, com soprano solo (há texto, inclusive, de Camões).

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Joly Braga Santos

Sinfonia no. 1
Sinfonia no. 5
Orquestra Sinfônica Portuguesa

A Primeira é a minha sinfonia de Braga Santos favorita. Ela tem a mesma linguagem das quatro primeira sinfonias do autor – pós-romântica de toques modais alla Vaughan Williams – mas tem uma modelagem formal diferente. É em três movimentos, sendo que o último, batante poderoso, ainda não tem o início lento habitual do autor – ele prefere aqui incorporar ao finale um trio mais contemplativo, curiosamente parecido com o trio do scherzo da Segunda Sibelius (aquelas notas repetidas no oboé!). A sinfonia termina com um “apêndice” gradioso em estilo bruckneriano, culminando em fortes acordes espaçados (como na Quinta de Sibelius). As múltiplas influências indicam a relativa pouca maturidade do autor, mas a música é em muitos momentos realmente emocionante.

A Quinta pertence a fase posterior da carreira do Braga Santos. Sua linguagem é mais densa, dissonante, misteriosa. A música de Braga Santos já era densa, sombria. Aqui ela se torna realmente escura. Ao contrário das três sinfonias anteriores, a Quinta coloca o scherzo em segundo lugar, e é justamente ele o destaque da obra. Ele é inspirado em um ritmo moçambicano da região de Zavala. A peça mistura um ritmo constante nas percussões (xilofone, celesta) com uma harmonia fantasmagórica.

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Fernando Lopes-Graça

“Canto de amor e morte”
Orquestra Sinfônica Nacional Húngara
Tamás Pal, regente

É o complemento do álbum da Sinfonia e da Suíte rústica no. 1, que já mandei. É, segundo várias fontes, uma grande obra-prima da música portuguesa. Foi composta em 1961 para piano e quinteto de cordas, e orquestrada no ano seguinte. É uma espécie de longo poema sinfônico, de forma livre, em estilo cromático-extremado-quase-não-tonal. É música grave, seriíssima, sisuda, carrancuda. Talvez seja por essa cara feia e sem humor que eu, mesmo reconhecendo sua potência e relevância, nunca tenha sido frequentador assíduo da obra.

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CVL

18 comments / Add your comment below

  1. Legal, CVL 🙂

    Sério que você nunca tinha visto um paralelismo com o Camargo Guarnieri antes? Esse tipo de neo-classicismo sinfônico não me parece incomum. Além do Lopes-Graça, lembro dos populistas americanos – Roy Harris, Walter Piston, mesmo Aaron Copland -, e do dinamarquês Vagn Holmboe. Até a Sinfonia do Kodály daria seria possível encaixar nesse estilo, imagino eu.

    1. Pois é, nunca ouvi nada desses que você citou, Eduardo, exceto pela Suíte Hary Janós, pelas obras standard do Copland e pela terceira do Harris. Que o Guarnieri dos anos 50 ou antes disso tenha semelhanças com outros compositores, tudo bem, mas pensei que ele tivesse chegado a um estilo só dele em orquestração nos anos 60 e 70, no que Braga Santos me desenganou claramente.

    1. Estou baixando pra dar uma escutada e vou apagar o comentário, mas só farei a postagem se você se dispuser a escrever algumas linhas sobre o CD. Grato desde já.

  2. Merci pour ces symphonies de Braga Santos, un compositeur qu’il faut absolument découvrir, un style post romantique très intéressant. Mais il me semble que la 2ème symphonie est incomplète. Sa durée est de 14.54 après le téléchargement, et elle s’interrompt brutalement. La 3ème dure 39.06, celle ci est normale.

    D’autre part, connaissez vous un autre compositeur portugais du 20ème siècle, Luis de Freitas Branco ?

    Obrigado por estas sinfonias Braga Santos, todos devem experimentar compositor, um estilo post romântico muito interessante. Mas parece que a segunda sinfonia incompleta. Sua duração é 14,54 após o download, e ele pára brutalmente. O terceiro dura 39,06, que é normal.

    Por outro lado, você sabe outro compositor Português do século 20, Luis de Freitas Branco ? Ele também compôs sinfonias.

    1. Perdoe-me, Joachim. Não falo francês, por isso respondo em minha língua materna mesmo, até porque seus conterrâneos notoriamente também fazem questão de agir assim. Caso você tenha baixado os arquivos ontem, é só tentar o download novamente pois troquei o link esta madrugada. Obrigado por prestigiar nosso blog.

  3. Caro C V L: as durações de execução das sinfonias 2 e 3 do Braga Santos, estão com problema, menos de 15 min. para a segunda e de 40 min. para a terceira (o que é possivel). Voce informou que fez nova postagem, mas no meu caso não resolveu. Agradeceria alguma informação sobre o problema e os movimentos de cada sinfonia. Atenciosamente, Ramires.

    1. Oi, Ramires. Os arquivos estão completos. A duração da segunda sinfonia pode estar aparecendo como sendo 15 minutos (isso aconteceu comigo também), mas ela não está sendo interrompida mais abruptamente como o visitante francês acusa.

  4. Adoro música clássica. Hoje,25 de Maio de 2010, encontrei esta pérola de blog no meio de um oceano de banalidades. Sorte a minha que ia a passar e vos vi. Estive a ver as postagens anteriores do blog. Muito boa música, e o que é mais importante, por vezes dificil de adquirir nos meios mais insuspeitos.
    Agora vou fazer uns downloads (nem sei por onde começar!) e se me permitem, volto mais tarde para fazer uns comentários e me juntar à comunidade. Salut! 😉

  5. No século XX o primeiro e mais importante compositor moderno é Luís de Freitas Branco que compôs 4 sinfonias, poemas sinfónicos, uma obra prima “Vathek”, uma sonata para violoncelo e piano e um quarteto de cordas, Prelúdios para piano e canções. Na minha opinão é o maior e mais moderno. Lopes Graça é mais novo (epígono de Bartok?) e Joly menos interessante, muito influenciado por V.Williams, Walton.
    Muito obrigado por este blogue extraordinário que só hoje descobri.

  6. Amigos,
    peço a gentileza de incluírem na lista de revalidações os links para as obras acima. É difícil encontrar obras de ambos..

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