Um Bach quieto e denso

O som do CD deixa o piano um pouco ao fundo, ausente: o efeito está lá, mas é como se não houvesse o contato físico entre mãos e teclas, pés e pedais, martelos e cordas. Em uma primeira audição, Maurizio Pollini parece fazer um Bach mais harmônico, com ênfase na arquitetura estrutural. Mas a impressão deixa de predominar a partir da segunda escuta da recém-lançada gravação do primeiro volume de O Cravo Bem Temperado.

A primeira coleção de 24 prelúdios e fugas, que seguem em progressão de meio em meio tom através das 12 tonalidades maiores e menores, foi completada por Johann Sebastian Bach (1685 – 1750) em 1722. Artista do prestigioso selo Deutsche Grammophon desde 1971, o pianista milanês de 68 anos nunca havia gravado Bach. Sua discografia inclui as principais obras de Beethoven e Chopin, mas também cultiva o século 20 (Boulez, Nono e Schoenberg).

Embora não chame a atenção em um primeiro momento, o teor contrapontístico da escrita bachiana (as melodias que imitam umas às outras em tempos defasados) está presente em sua interpretação. Mas não vem acompanhado de cores, brilhos e ornamentos, como na versão de Andras Schiff, nem de contrastes de articulações e tempo, como na de Angela Hewitt.

Parece que Pollini constrói um Cravo Bem Temperado passível de diversas magnitudes de “zoom’’, todas ao mesmo tempo independentes e integradas, como se cada camada comentasse aspectos diversos da arte de Bach. Não só as entradas dos temas das fugas estão cuidadosamente equalizadas, mas elementos aparentemente menos importantes também sobressaem, como o desenho formado pelas notas longas no prelúdio em fá menor.

O segredo parece ser o controle do fluxo temporal: nenhuma linha é interrompida, não há gratuidade. Não há esforço aparente (digital e intelectual) nem qualquer exibicionismo.

Mas essa homogeneidade jamais se torna “fria’’: nunca desanda o amálgama improvável entre delicadeza, lucidez e densidade. A quietude das antológicas interpretações dos prelúdios e fugas em dó sustenido menor, ré sustenido menor e lá menor faz lembrar pinturas de Vermeer, o que corrobora a tese do crítico Edward Said de ser Pollini um “curador do repertório’’, cujas performances são capazes de gerar verdadeiros “ensaios sem palavras’’.

SIDNEY MOLINA | Folhapress

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  1. Vamos e venhamos: o estilo brasileiro da crítica de música clássica é um nojo, não?

    Acho que Arthur Nestrovski fez escola no Brasil: o crítico musical poetastro, que vê o invisível, ouve o inaudível e fica poetando sobre isso. De alguma maneira, o fato do Nestrovski ter ido para a OSESP foi bom para nos poupar de suas divagações na Folha.

    Poxa, é tão difícil escrever algo objetivo, que tenha sentido e, principalmente, seja informacionalmente rico?

    Por isso admiro o estilo americano. Como exemplo, a resenha do mesmo disco na ClassicsToday.com: http://goo.gl/ccmJ

  2. Tu escreveste uma coisa que me muito me interessa. É claro que publiquei o artigo acima porque amo Pollini, tanto que negritei uma frase ali, mas CONCORDO TOTALMENTE CONTIGO.

    O estilo de Arthur Nestrovski é apenas nojento, ridículo e mentiroso, sob uma aura de lustro “cultural” que só engana provincianos. Grande parte do estilo ultraescrachado que utilizo no PQP é uma reação a este gênero de crítica que não guarda nenhuma semelhança com a arte musical, e sim com as divagações dos enófilos, que tomam um gole de vinho e pensam reconhecer até minhoquinha da terra daquela uva.

  3. Tive a mesma impressao que José Eduardo ao ler essa ”crítica”. O tal do Sidney Molina deve ser um marciano, pois percebe coisas que nenhum outro homo sapiens capta.
    Incrivel! Garanto que o mesmo texto serviria para uma dezena de interpretaçoes… pois nao diz absolutamente nada de concreto e objetivo.
    O melhor de tudo foi comparar a interpretaçao de Pollini a um quadro de Vermeer… hehe.

  4. Sem modéstia, acredito que o Sr. Sidney Molina tenha enganado ao comparar um piano com violino ou violão pois muitas vezes atolamos o nosso conhecimento naquilo que mais praticamos. Confesso num tom maior que não consegui compreender a supracitada critica já que entendo suas razões pela qual o papel aceita qualquer coisa que nele se escreve. Lamentável em um período da historia contemporânea assuntos mal definidos e de bom gosto.Desculpe o mal gosto….

  5. A comparação que ele faz entre Pollini, Hewitt e Schiff é absolutamente… idiota.

    O Eduardo Maia Bandeira de Melo diz uma coisa maravilhosa: esta crítica serve para quase tudo o que se ouve, tal o vazio.

  6. O Sidney Molina – que descobri ser violonista, aluno do Nestrovski – escreveu um artigo sobre um CD/DVD de Schoenberg hoje na Folha.

    O alívio é que o estilo “poetástrico” foi em boa parte abandonado.

    O ruim é que ele elogia as gravações de uma maneira bem absoluta, sem comparar com a discografia. Esse tipo de crítica sempre me parece pouco embasada, meio chutada.

    Na mesma página da mesma Folha, Irineu Franco Perpétuo tece loas à gravação de Franck da Cristina Ortiz (que é uma pianista esplêndida mesmo!) desse jeito absoluto, sem confrontá-la com a discografia consagrada.

    Muito legal que a Folha tenha dado praticamente uma página inteira para Schoenberg + Cristina. Pena que ela tenha sido preenchida de um jeito bem mais-ou-menos.

  7. então Sidnei Malina é cria do Toscovski! que raiva desses intelectualóides que falam, falam, falam, falam…e não dizem absolutamente nada. por isso a Sinfônica de São Paulo hoje é uma orquestrinha que toca, toca, toca…e não nos diz absolutamente mais nada.

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