50 anos sem Heitor Villa-Lobos (1887-1959) – Nelson Freire interpreta Villa-Lobos

Nota: esta postagem, assim como todas as demais com obras de Heitor Villa-Lobos, não contém links para arquivos de áudio, pelos motivos expostos AQUI

Este é um álbum que me agrada por demais, pois ele nos dá uma boa amostra da literatura pianística de Villa-Lobos. O cd apresenta peças, como a empolgante e técnica Prole do Bebê Nº 1, o lírico Prelúdio das Bachianas Brasileiras Nº 4, as singelas Três Marias e a grande obra-prima para piano de Villa-Lobos, o monumental Rudepoema, tudo isso nas mãos do competentíssimo Nelson Freire.

As Obras

A Prole do Bebê Nº 1, é um marco importante na biografia de Villa-Lobos: Arthur Rubinstein, o grande pianista polonês, encantou-se por essa coleção de oito peças inspiradas basicamente em canções folclóricas: passou a tocá-la por todo o mundo (sobretudo o Polichinelo, que ele gostava de dar como extra): e foi assim que a fama de Villa-Lobos transpôs as nossas fronteiras.

Nas mãos de Nelson Freire, essa primeira Prole aparece, aqui, em toda a sua concentrada poesia e colorido, Villa-Lobos, nesta série, ainda está próximo do impressionismo francês (o que não aconteceria com a segunda Prole, de 1921).

A escrita é a mais transparente, exige um domínio absoluto da técnica. Mas, por baixo desses cristais franceses, lá está o Villa profundo, cantando logo na Boneca de Louça, que abre a série. A Boenca de Massa, que se segue, é como um rio que corre, infinito, cheio de sombras e luzes, uma verdadeira criação em termos de linguagem pianística, tanto mais extraordinária quanto Villa-Lobos nunca foi um grande pianista, muito mais ligado, como intérprete, ao violão e ao violoncelo.

Já se disse que Villa-Lobos, é um compositor caudaloso que não consegue controlar a sua própria produção. Pois ei-lo aqui, no Prelúdio das Bachianas Brasileiras Nº 4, trabalhando só o essencial: uma linha melódica muito pura, de fragrância realmente bachiana, e uma linha de baixo. É quase só isso; e também uma regularidade absoluta, que contribui para a atmosfera de paz transcendente, Nelson Freire sublinha essa grandeza clássica através do seu fraseado, e da mais cuidadosa gradação dinâmica.

“Essencial” é também o Villa-Lobos de As Três Marias, três pequenas peças da sua maturidade, onde ele se compraz em reproduzir a luz álgida das estrelas, trabalhando na região aguda do piano. É como que uma prefiguração das Cartas Celestes de Almeida Prado, num clima de depuração completa. Este pequeno tríptico foi escrito em 1939 a pedido de Edgar Varèse, e estreado por José Vieira Brandão, no mesmo ano, no Rio de Janeiro.

Com o Rudepoema, escrito entre 1921 e 1926, chegamos finalmente ao Villa-Lobos torrencial, ciclópico, numa peça em que ele se propunha a fazer o retrato musical de Arthur Rubinstein. Não se sabe se Rubinstein se reconheceu no retrato. Talvez seja mais próprio falar de um auto-retrato do Villa-Lobos irredutível a formas, a limitações, às vezes selvático, refletindo um temperamento fortíssimo, uma inspiração vulcânica. Poucas peças existem que coloquem tantas exigências ao intérprete, não só de técnica mas, sobretudo, de discernimento para caminhar no meio desta selva. A versão de Nelson Freire é um ótimo guia para essas complexidades, um monumento ao compositor e ao intérprete.

Fonte: Encarte do cd – Luiz Paulo Horta

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Nelson Freire interpreta Villa-Lobos

A Prole do Bebê Nº 1
01 Branquinha – A Boneca de Louça (2:17)
02 Moreninha – A Boneca de Massa (1:28)
03 Caboclinha – A Boneca de Barro (2:22)
04 Mulatinha – A Boneca de Borracha (1:46)
05 Negrinha – A Boneca de Pão (1:07)
06 A Pobrezinha – A Boneca de Trapo (1:37)
07 O Polichinelo (1:21)
08 Bruxa – A Boneca de Pano (2:25)

09 Prelúdio – Bachianas Brasileiras Nº 4 (3:38)

10 As Três Marias (3:23)

11 Rudepoema (17:58)

Nelson Freire, piano

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Marcelo Stravinsky

25 comments / Add your comment below

  1. Suíte Floral – alguém tem? Acho que gosto mais da Suíte Floral que de qualquer outra peça dele para piano…

    Outra coisa estranha é um artista do nível do Nélson se dignar a gravar o Prelúdio das Bachianas 4 sozinho. Isso costuma ser recurso de pianista preguiçoso pra se desincumbir diante da lei que exige peças brasileiras nos programas de concerto.

    Aliás, alguém sabe dizer se essa lei ainda vigora? Sei que – justificada ou não – tinha sido invenção do Mário de Andrade… e VIGORAVA!

  2. Nossa! Estava louco pela versão pianística do Prelúdio das Bachianas No.4, ainda mais bela que a orquestral. A primeira vez que ouvi esta música, sem saber de quem era, fiquei todo arrepiado, uma melodia de beleza e pungência inigualáveis. Obrigado!

    1. A questão não é a peça não ser boa, Haya… É gravá-la sozinha, sem os outros três movimentos. Mais ou menos como as gravações da Sonata ao Luar de Beethoven: gravações só do primeiro movimento geralmente são marca de comercialismo. Afinal o compositor pensou esses trechos em conjunto! E fiquei surpreso porque sempre enxerguei Nelson Freire realmente num patamar acima desse tipo de gravação… Aliás, terá sido ele, ou “aprontação” da gravadora?

  3. Ele foi a minha porta pro clássico, me lembro até hoje e tenho tal nota de 500 cruzados, que estampava Heitor Villa-Lobos, as bachianas foram um empogação até hoje me deparo com a Bachiana N.2 – 3. Dança (Lembrança Do Sertão) Andantino Moderato, tocando em minha mente enquanto trabalho, adoro suas composições que diferem de tudo o que conheço musicalmente, um gênio! Espero que um dia papai Nepomuceno seja reconhecido como ele e sua obra tenha maior divulgação, mais creio que tal desejo nem meus humildes descendentes de quarta ou quinta geração poderão desfrutar, de qualquer modo, viva Villa.

  4. Caro Marcelo:

    Baixei novamente o arquivo e não tive nenhum problema (estou ouvindo o Rudepoema enquanto escrevo).Deve ter sido um problema na conexão.
    De qualquer forma,obrigado pela atenção.

    Até breve.

  5. Só hoje tive tempo de ouvir o Rudepoema neste disco – uma tarefa e tanto, vocês hão de concordar, né? GRANDE NELSON!! Foi a primeira vez que consegui entender um fraseado, seguir a _fala_ dessa peça espantosa – ouvi-la como efetivamente BELA, não como uma mera provocação!

  6. Na Prole do Bebê e nas Três Marias, ótimas interpretações. Mas o Rudepoema é tocado de modo totalmente impessoal, burocrático, em se tratando de um pianista do porte de Nelson Freire. As duas melhores gravações da obra para mim são a do Roberto Szidon (Deutsche Grammophon) e a que o Amaral Vieira gravou na Alemanha (saiu no Brasil pelo selo Velas). Essas duas versões são de arrepiar. É decepcionante a gravação recente do pianista Marc-André Hamelin. Mas há uma boa gravação bem antiga do pianista Menahem Pressler, do Beaux-Arts Trio.

  7. Muito obrigado por responder. Tenho as gravações do Roberto Szidon e do Amaral Vieira tocando o Rudepoema. Posso disponibilizar as duas com prazer. Por favor avise como posso lhe enviar esses dois arquivos em mp3. Grato e bom final de semana.

  8. Esqueci de mencionar que não sou nenhum expert em assuntos de informática, apesar de tentar me manter atualizado, de modo que espero que consiga baixar o arquivo sem qualquer transtorno. Comecei a usar o micro pouco antes de completar 60 anos de idade… assim sendo, qualquer criança de jardim de infância entenderá mais desse assunto do que eu. Mas se houver algum problema com o arquivo que lhe mandei, por favor deixe um recado e tentarei melhorar. Obrigado e um grande abraço.

  9. Acabo de deixar um comentário no Rudepoema (versões de Roberto Szidon e Amaral Vieira) e queria agradecer ao Marcos Oliveira Santos por ter disponibilizado essas gravações. Sugiro que as pessoas que estejam baixando as gravações do Nelson Freire interpretando Villa-Lobos também façam o download das outras duas versões do Rudepoema. Como o Marcos observou com propriedade, o grande Nelson aborda o Rudepoema de modo muito impessoal. Mas é muito bonita a sua versão da Prole do Bebê nº 1. Bom fim de semana para todos.

  10. O Nelson é sensacional. Concordo com um pessoal aí que diz que a versão dele de Rudepoema é muito distante, superficial, mas impressiona pela técnica. As demais peças deste disco dispensam comentários.

  11. Amigos, parece-me oportuno transcrever aqui os ótimos comentários que o Tiago deixou sobre as interpretações do RUDEPOEMA (Amaral Vieira e Roberto Szidon), já que aqui ele foi mais sucinto:

    Tiago Santos Pinto
    dezembro 19th, 2009 às 20:45

    Olá!

    Eu sou obrigado a concordar com todos aqui quanto à qualidade da interpretação de Rudepoema pelo Amaral Vieira. Pela primeira vez eu ouvi esta obra como sendo uma música só. Quer dizer, o Amaral Vieira estruturou-a como uma única peça, enquanto os outros tocaram-na como se fosse um conjunto de peças.

    Quanto às críticas feitas ao Szidon, concordo com muitas delas, mas a gravação dele das Cirandas e Cirandinhas do Villa-Lobos é sensacional (há quem discorde).

    Boas Festas a todos!

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