Pelo grande pianista – e por amor ao jazz – a herdeira de uma nobre família britânica largou tudo. A história de Kathleen Annie Pannonica Rotschild, ou simplesmente Nica, está contada em um novo documentário dirigido por sua sobrinha-neta.
Ao descobrir que amava os músicos de jazz, Kathleen Annie Pannonica Rothschild, esposa do barão Jules de Koenigswarter, mudou sua vida – a sua e a deles também. A baronesa pagou seus aluguéis, resgatou seus instrumentos hipotecados em lojas, levou-os a shows em seu Bentley prata e convidou-os a morar em sua própria casa nos tempos mais difíceis.
Diante da desaprovação da sua família, ela apoiou de músicos proeminentes, como Sonny Rollins, Charles Mingus e Art Blakey, aos obscuros. Um deles, do qual ficou indissociavelmente ligada, foi Thelonious Monk. Pannonica, ou Nica, se apaixonou pela música do sumo sacerdote do bebop em 1952, ao ouvir Round Midnight. Em 1954, quando ele tinha 34 anos, e ela, 40, iniciaram uma relação cuja essência desafia analistas – e que só terminou com a morte dele.
Pannonica, assim chamada em homenagem a uma borboleta rara, era a caçula do banqueiro e entomologista Charles Rothschild. O homem, que sofria de depressão, cometeu suicídio quando ela tinha 12 anos e estava prestes a embarcar numa adolescência que para uma Rothschild só poderia representar, como ela diz em The Jazz Baroness, documentário recém-lançado por sua sobrinha-neta, Hannah, “uma sala de espera para o casamento e a maternidade”.
Tudo, então, mudou: artista talentosa, aos 18 anos ela estudava arte em Munique. Aprendeu a voar e, aos 22, casou-se com Jules, um colega aviador. Eles moraram em um castelo no noroeste da França, onde tiveram os filhos Patrick e Janka. A II Guerra levou o barão para a África, depois de ele aderir ao exército de De Gaulle.
Nica foi com o marido. Depois da guerra, o barão virou diplomata, primeiro na Noruega, a seguir no México. Eles tiveram outros três filhos – Berit, Shaun e Kari – mas, relata Hannah Rothschild, “Nica não se adaptou à vida de mulher de embaixador”. Em 1952, o casal se separou. E a baronesa foi para Nova York.
Três anos mais tarde, o divórcio foi incitado depois que Charlie Parker morreu no seu apartamento, no Hotel Stanhope, na 5th Avenue. O grande trompetista estava em turnê quando começou a tossir sangue. Um médico sugeriu repouso – é quando a casa de Nica entra na história. Três dias depois, enquanto viam TV, Parker caiu de súbito e morreu. Os Rothschild não gostaram da repercussão do caso.
Jules ganhou a guarda dos três filhos mais novos. Nica não foi uma mãe negligente, mas suas prioridades estavam noutro lugar, geralmente com Monk. O genial compositor e pianista tinha uma esposa, a quem dedicou Crepuscule with Nellie. Com a baronesa, o casal formou uma espécie de ménage – cujo principal objetivo era o de sustentá-lo e transpor o que provavelmente hoje seria diagnosticado como transtorno bipolar. “Nellie precisava de Nica para ajudá-la a lidar com a instabilidade de Monk”, diz um entrevistado do filme.
O par se tornou conhecido em clubes de Nova York, mas o espetáculo de uma mulher branca com um homem negro na década de 1950 acabou por provocar incidentes. Um deles: Nica levava Monk e seu saxofonista, Charlie Rouse, a um show em Wilmington, Delaware, quando, durante uma breve parada, um policial vasculhou o carro e encontrou uma pequena quantidade de maconha. Sabendo que uma condenação para os músicos significaria a proibição de se apresentar em casas noturnas, Nica assumiu a culpa, passou a noite na cela e foi condenada a três anos de prisão – o que seria anulado posteriormente.
Cansada de ser convidada a se retirar de hotéis por gerentes que não gostavam do entra-e-sai de músicos, a baronesa comprou uma mansão em New Jersey. Lá, instalou o piano Steinway que comprara para Monk, junto com seus – mais de 300 – gatos. Ele e Nellie se mudaram para lá.
De saúde instável, o jazzista morreu em 1982, aos 64 anos. Seis anos mais tarde, Nica, então com 75, não sobreviveu a uma cirurgia. Sua generosidade, contudo, não morreu com ela. A casa, pertencente a seus herdeiros, tem sido ocupada por Barry Harris, outro pianista. Tempos depois, as cartas de Nica foram descobertas entre os papéis do pianista Mary Lou William, outro amigo próximo, junto com várias de suas requintadas pinturas abstratas. Fragmentos das cartas, lidos pela atriz Helen Mirren, são ouvidos no filme, incluindo o veredito sobre seu casamento: “Jules odiava jazz. Ele se acostumou a quebrar meus discos quando eu me atrasava para jantar. Eu geralmente estava atrasada para jantar.”
Quanto aos seus amigos músicos, Hannah os descreveu, no lançamento do longa, como “as mais dignas, humanas e articuladas pessoas que conheci em 20 anos fazendo documentários.” Não deixa de ser uma resposta para quem se pergunta por que razão a discografia do jazz pós-guerra é estudada com um nome exótico, em um catálogo de composições que inclui não apenas a Pannonica de Monk, mas Nica’s Dream, Nica Steps Out, Blues for Nica e uma dúzia de outras.
O documentário não tem previsão de lançamento no Brasil.
The Guardian – Publicado hoje em Zero Hora
Ontem caí no vexame de perguntar se uma valsa de Shostakovitch é obra de Strauss (havia mesmo alguma coisa esquisita naquilo para ser do séc.XIX), mas é que a minha cultura é bem ordinariazinha ,e , no domínio da música , semi-inexistente(eufemismo?). Você já postou essa valsa? Pretende fazê-lo? Agradeceria muito.
H V, acho que ficaste tão perturbado pela autoria ser do Shosta que não leste o segundo parágrafo, onde deixei o link da obra no PQP Bach…
Outra coisa: não há problemas em fazer perguntas, OK? Nunca.
Abraço.
Caro H V!
Dou-lhe os parabéns pela sua posição humilde relativamente à ignorância que é muito mais sábia comparada à de muitos pseudo-intelectuais e académicos! Como frisou PQP Bach, não há qualquer problema em perguntar – só assim se aprende. Sócrates, com toda a razão, dizia “só sei que nada sei”, porque por um novo conhecimento que se adquira, surgem logo uma dúzia de novas perguntas – evidenciando, desta forma, a elementar ignorância do Ser Humano.
A sua dúvida quanto à autoria da valsa revela bom ouvido.
Abraço do lado de lá do Atlântico
Prezado editor.
Sauva-garda,peço permissão para reproduzir em meu blog a materia em questão com direito é claro, de colocar a fonte de origem no final. Guardo sua resposta e no mas, bela postagem de cunho informativo sobre o jazz.
Abaço.+
Liberado. Citando a fonte, aqui é tudo copyleft.
Abraço.
Paz e bem!
Há algum problema
pois faz um bom tempo
de meu RSS do PQP
não é atualizado.
Acabo de pedir
uma nova assinatura
e o que foi listado
como mais recente
é de novembro.
Muito bom esse articulo sobre a Baronesa, eu que sou fan de T.Monk não conhecia essa historia, que ache super interessante.
Amigos estou procurando um disco de Dana Gillespie chamado “Where Blue Begins”, poderiam dar-me uma dica, obrigado desde já.
Interessante a matéria, mas por favor, vale corrigir alguns erros (da tradução no Zero Hora?):
– Charlie Parker foi saxofonista (quase só sax alto) não trompetista.
– Mary Lou Williams não é homem (nem a galinha de um rockzinho antigo) mas mulher, uma das grandes damas do piano de jazz.
E mais alguns comentários:
– Nica aparece na biografia de Charlie Parker, “Bird” de Clint Eastwood, especialmente na morte dele em sua casa. Quando o médico que o dá como morto telefona para o IML, descreve o falecido como homem negro, cerca de 60 anos, ela rebate – “ele tinha 36”.
– Nica é da família de banqueiros (os barões Rotschild) que incluem outras figuras notáveis. Seu pai, Charles, foi dos maiores estudiosos e especialistas mundiais em pulgas – sua coleção está no Museu Britânico, creio. Sua irmã Miriam tornou-se também uma notável entomóloga, mundialmente conhecida por seus estudos de borboletas e ecologia química, e tão pouco convencional como a própria Nica.
O meu colega de baronato se antecipou a mim. Os caras vão traduzir do The Guardian e dá nisso. Imaginem, MARY LOU ‘amigo’ e ‘pianista conhecido’ da Nica.Sou chato e gosto de corrigir, mas para acrescentar. A biografia de Bird de Clint Eastwood para a tela é genial. Totalmente fiel ao livro de Ross Russell,’The High Life & Hard Times of Charlie Parker’. Quem quiser ter mais ‘cunho informativo’, melhor entrar no Ross Russell’s(tipo www). Há uns 12 anos traduzi cerca de 20% do livro, mas parei, pois ninguém se interessou. Se alguém se dispuser a me ajudar…(rs,rs)… O Monk, pra mim estacionou em ‘Round Midnight’, por sinal, um excelente filme francês sobre bebop do Tavernier. Bem… Esse PQP é um oásis de bom gosto aqui no continente esquecido. Ah! Quem dera um sítio sobre jazz por aqui… Temos que pegar carona da música erudita… Obrigado.
…Desculpem…’na’ música erudita… E salve o PQPBach!