Encerramos esta série sobre as cordas com dois dos maiores músicos do século XX.
O sitarista Ravi Shankar (1920-2012) dispensa apresentações, até porque já foi devidamente apresentado aqui no PQP Bach e fará (a julgar pelo grande número de downloads) muitas outras aparições por aqui. Ali Akbar Khan foi o maior mestre moderno do sarod -espécie de alaúde indiano, que tem as mesmas 18 ou 19 cordas do oud persa (e como vocês são espertos, já tiveram o clique: oud – al-oud – alaúde), embora tanto Khan quanto Shankar modestamente atribuíssem esta distinção, e também a de maior músico que jamais existiu, ao legendário Allauddin Khan (1862-1972), pai do primeiro e guru do segundo. A doçura solene do sarod e o timbre lisérgico do sitargarantem, a despeito da qualidade subótima de gravação, um dos mais eletrizantes álbuns de toda a música.
RAGAS – RAVI SHANKAR – ALI AKBAR KHAN
01 – Raga Palas Kafi
02 – Raga Bilashkani Todi
Ali Akbar Khan, sarod Ravi Shankar, sitar Kanall Dutta, tabla
Nodu Mullick e Ashish Kumar, tamboura
03 – Raga Ramdas Malhar
04 – Raga Malika
Ali Akbar Khan, sarod
Tabla e tamboura – músicos não-creditados
A parceria entre os gigantes Menuhin e Shankar, iniciada a convite do primeiro no Festival de Bath de 1966, resultou numa amizade que duraria até o final de suas vidas e em três bem-sucedidos álbuns que foram condensados neste volume que ora lhes apresento.
Já defendi em outra postagem a divulgação de música clássica de outras paragens, lançando mão das palavras do colega Ranulfus: “uma das coisas que me motivam na colaboração no blog é tentar demonstrar o quanto nosso conceito de ‘clássico’ pode ser justificadamente expandido para além das suas fronteiras tradicionais (no fundo etnocêntricas), e isso com criações autênticas, não com adaptações tipo ‘transcrições de canções populares para orquestra’.”.
A música clássica indiana, com seus instrumentos peculiares, os microtons (shrutis), sua intensa verve e o caráter improvisatório superposto às estritas definições de raga e tala, às quais voltaremos algum dia, pode trazer dificuldades a ouvidos pouco acostumados a ela. A ilustre presença de Lord Menuhin, aqui muito reverente à arte que busca integrar à sua própria, talvez facilite um pouco a introdução de vós outros a este novo planeta musical. Para quem estranha a presença de violino no conjunto de virtuoses indianos, digo que este instrumento, com o mesmíssimo feitio, mas com afinação e sob técnica muito diferentes, é usado há já alguns séculos na Índia para fazer música, ainda que, para isso, seja apoiado entre o ombro esquerdo e o pé direito do executante.
Convido os leitores-ouvintes à apreciação do rico som do sitar, da habilidade de Shankar na improvisação e, especialmente, das intervenções daquele que é considerado por muitos o maior percussionista que já existiu – Alla Rakha, mestre supremo da tabla.
Estas gravações históricas marcaram não só a primeira colaboração entre um músico indiano e um grande nome da música ocidental, como também lançaram a carreira de Shankar no Ocidente, onde se tornaria figurinha fácil nas grandes salas de concertos e influenciaria George Harrison e o som dos Beatles. Conquistou, entre seus pares, a reputação de um dos maiores músicos vivos e, ao morrer em 2012, virou uma lenda – não sem antes deixar para o mundo as maravilhosas filhas Anoushka Shankar e Norah Jones, duas estrelas da música, cada qual em sua própria vertente.
Espero que este grande encontro de notáveis deixe com as senhoras e senhores um sabor de “quero mais” que torne bem-vindo, noutras ocasiões, o que de mais eu lhes trouxer da riquíssima música daquele subcontinente.
WEST MEETS EAST – THE HISTORIC SHANKAR/MENUHIN SESSIONS