Carlo Gesualdo (1566-1613): The Complete Madrigals – Delitiæ Musicæ, Longhini (7 cds)

Carlo Gesualdo (1566-1613): The Complete Madrigals – Delitiæ Musicæ, Longhini (7 cds)

É sempre uma tarefa complicada escrever sobre Carlo Gesualdo da Venosa (1566-1613) por conta de certos dados de sua biografia, um tanto quanto peculiares, que terminam por ser de alguma forma incontornáveis. O escriba então se vê frente ao dilema entre a omissão de fatos de grande magnitude, por um lado, e do risco perene de que esses temas contaminem de forma indevida a apreciação geral de sua obra, cuja excepcional qualidade por si só transcende e muito as discussões mais, digamos, folhetinescas de sua biografia.

O fato é que na noite de 16 de outubro de 1590 Gesualdo flagrou sua esposa, Maria D’Avalos, em flamejante adultério com Fabrizio Carafa, terceiro Duque de Andria e sétimo Conde de Ruovo. Os amantes foram assassinados a sangue frio no ato, no palazzo San Severo, em Nápoles. Após uma breve investigação, Gesualdo foi declarado inocente, já que teria apenas agido em legítima defesa da honra.

Seu segundo casamento, com Leonora D’Este, tampouco foi feliz. Ela o acusou diversas vezes de uma série de abusos, passando grande tempo longe. O passar dos anos fez com que Gesualdo mergulhasse no isolamento e na depressão e em acusações de envolvimento com ocultismo e bruxaria. Gesualdo morreu eu seu castelo em Avellino, na Campânia, em 8 de setembro de 1613.

Há um filme muito interessante sobre ele feito pelo brilhante cineasta alemão Werner Herzog. Gesualdo: Morte para Cinco Vozes (“Tod für fünf Stimmen”), de 1995, faz um entrelace interessantíssimo entre música e vida, biografia e encenação, documentário e ficção. Percursos por seu castelo e locais importantes de sua vida são entrecortados por performances de alguns de seus madrigais. Os madrigais, aliás, são o coração espiritual e estético de sua obra, que também compreende dois ciclos de canções sacras e uma coletânea de música destinada à Semana Santa.

Para comemorar o aniversário de Carlo Gesualdo da Venosa, neste dia 30 de março (e que, por uma singela coincidência, também é o aniversário deste que escreve estas linhas), o post traz a integral dos madrigais, com seis livros compostos entre 1594 e 1611. Esta integral foi reunida em uma caixa pelo selo Naxos, com interpretação do conjunto vocal Delitiaæ Musicæ sob regência de Marco Longhini.

 

Francesco Mancini, retrato de Carlo Gesualdo, séc XVIII

Os madrigais de Gesualdo são algumas das peças mais belas e extraordinárias já escritas para grupos vocais. São intrincadas construções harmônicas e cromáticas, complexos contrapontos que resultam em obras profundamente expressivas e sentimentais. São verdadeiros feitos da experiência humana neste planetinha azul que vaga cego pelo espaço, pequenas catedrais musicais em miniatura.

Ainda que sejam essencialmente seculares, os madrigais têm um efeito que acessa outros planos para além da pura experiência acústica e física. Em outras palavras, são composições tão poderosas que parecem ter a capacidade de fazer o ouvinte mergulhar em alguma espécie de oração durante o ato da escuta. É fácil perder-se no tempo e no espaço se escutamos esses discos com a atenção que eles, suavemente, exigem de nós.

São obras que carregam consigo uma beleza terrivelmente trágica, algo que cala fundo na alma e que é muito complicado de ser traduzido em palavras. Agradeço, desde já, aos que porventura quiserem dividir, nos comentários, um pouco das impressões e emoções causadas por essa poderosa obra.

Sempre penso nesses ciclos de madrigais de Gesualdo e de Claudio Monteverdi (1567-1643) como veementes exemplos do poder que a música tem sobre nós. Que grandeza o ser humano pode atingir com apenas cinco vozes! Quanta beleza, quanta paixão, quanta vida (e quanta morte) cabem em cada um desses madrigais. É música de uma grandeza infinita…

 

***

O castelo de Gesualdo, em Avelino, a leste de Nápoles

“ (…) Quase uma mania, Gesualdo. Pois eles o amavam, claro, e cantar seus às vezes quase incantáveis madrigais demandava um esforço que se prolongava no estudo dos textos, procurando a melhor forma de aliar os poemas à melodia, como o príncipe de Venosa fez, à sua maneira obscura e genial. Cada voz, cada tom devia encontrar aquele centro esquivo do qual surgiria a realidade do madrigal, e não uma das tantas versões mecânicas que às vezes escutavam em discos para comparar, para aprender, para ser um pouco Gesualdo, príncipe assassino, senhor da música. (…)

Este é um trecho do conto “Clone”, do livro Amamos tanto a Glenda, de Julio Cortázar, publicado em 1980 (aqui em tradução de Josely Vianna Baptista, Cia. das Letras, 2021). Os madrigais de Gesualdo são um protagonista desse interessante conto. Um pequeno indício material de como a vida e a obra do príncipe de Venosa influenciaram diversos artistas ao longo dos últimos séculos.

Para evitar um post gigantesco com uma lista imensa de faixas dos álbuns, elas serão reunidas em um arquivo de texto que integra o download. Grosso modo, os discos estão divididos da seguinte forma:

CD 1: Primeiro Livro de Madrigais
CD 2: Segundo Livro de Madrigais
CD 3: Terceiro Livro de Madrigais
CD 4: Quarto Livro de Madrigais
CD 5: Quinto Livro de Madrigais (parte um)
CD 6: Quinto Livro de Madrigais (parte dois) & Sexto Livro de Madrigais (parte um)
CD 7: Sexto Livro de Madrigais (parte dois)

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Karlheinz

del Buono / Gesualdo / Legrenzi / Macque / Montalbano / Piccinini / Rossi / Storace / Trabaci / Valente / Waesich: Seconde Stravaganze — Música Antiga Veneziana e Napolitana (L’Amoroso)

del Buono / Gesualdo / Legrenzi / Macque / Montalbano / Piccinini / Rossi / Storace / Trabaci / Valente / Waesich: Seconde Stravaganze — Música Antiga Veneziana e Napolitana (L’Amoroso)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Lindo disco! Durante um tempo, este CD custava mais de R$ 1000 nos vendedores de discos usados da internet. Depois foi relançado com outra capa — a capa ao lado é a antiga — e seu preço voltou ao normal. Olha, vale muito a pena ouvir. Os discos de música antiga podem ser extraordinários, dependendo da escolha ou da pesquisa envolvida. Os compositores são venezianos e napolitanos em boa parte desconhecidos e estreantes no PQP Bach, à exceção de três. A lista geral é esta: Alessandro Piccinini (1566 – 1638), Giovanni Legrenzi (1626 – 1690), Bartolomeo Montalbano (1600 – 1651), Antonio Valente (c. 1540 – c. 1601), Giovanni Maria Trabaci (1575 – 1647), Cherubino Waesich (cerca de 1600 – 1650), Bernardo Storace (cerca de 1630 – após 1665), Carlo Gesualdo (1560-1613), Gioan-Pietro Del Buono (fl. 1641-), Salomone Rossi (1570 – cerca de 1630) e Giovanni de Macque (1550 – 1614). As peças vão desde a adorável introdução de “Lo Ballo dell’Intorcia” de Valente, à “Pastorale” de Storace, feitas de maneira maravilhosa e inventiva. Estas duas peças são especialmente belas. Ficamos com um pouco do cromatismo da Renascença italiana tardia (o sempre estranho Gesualdo e a Seconde Stravaganze de Macque). Vamos decididamente ao barroco com a sonata de Legrenze, tudo isso interpretado de forma inventiva, com bom gosto e, quando necessário, virtuosismo. Percussão e contínuo, tanto de teclado quanto dedilhados, adicionam cor. Aliás, o trabalho de Guido Balestracci e de seu grupo de violas, cordas e percussão é muito sensível e de notável senso de estilo. Coisa mais linda.

del Buono / Gesualdo / Legrenzi / Macque / Montalbano / Piccinini / Rossi / Storace / Trabaci / Valente / Waesich: Seconde Stravaganze — Música Antiga Veneziana e Napolitana (L’Amoroso)

1 Lo Ballo Dell’Intorcia (Tenore Del Paso E Mezzo)
Composed By – Antonio Valente
4:45

2 Moro, Lasso
Composed By – Carlo Gesualdo
3:32

3 La Moniche
Composed By – Alessandro Piccinini
5:59

4 Gagliarda 1, La Galante
Composed By – Giovanni Maria Trabaci
3:31

5 Sonata No. 7, Stravagante Sull’ Ave Maris Stella
Composed By – Gioanpietro del Buono
4:03

6 Sonata No. 6
Composed By – Giovanni Legrenzi
6:25

7 Canzone No. 2
Composed By – Cherubino Waesich
4:28

8 Sonata Sopra L’ Aria di Ruggiero
Composed By – Salomone Rossi
7:34

9 Gagliarda V Cromatica, La Trabacina
Composed By – Giovanni Maria Trabaci
2:50

10 Canzon No. 7, Cromatica
Composed By – Giovanni Maria Trabaci
3:03

11 Sinfonia No. 11, Pianello
Composed By – Bartolomeo Montalbano
3:01

12 Pastorale
Composed By – Bernardo Storace
11:37

13 Seconde Stravaganze
Composed By – Giovanni de Macque
2:18

Ensemble – L’Amoroso
Harp [Double] – Loredana Gintoli
Liner Notes [Translation] – F. Regina Psaki, Nina Bernfeld, Peter Weber (6)
Organ, Harpsichord – Massimiliano Raschietti
Percussion – Alberto Macchini
Viola da Gamba – Alba Fresno, Jordi Comellas, Santi Mirón
Viola da Gamba, Directed By – Guido Balestracci
Violone – Gioacchino De Padova

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Caravaggio — Os Músicos (1597)

PQP

Les Arts Florissants: Secular Music + Sacred Music + Music & Theater, dir. William Christie

Les Arts Florissants
Edição comemorativa de 40 anos
Secular Music
Sacred Music
Music & Theater
dir. William Christie, Paul Agnew

Sandrine Piau         Michel Laplénie
Veronique Gens         Ian Honeyman
Agnès Mellon         Philippe Cantor
2019

Dedicado ao desempenho da música barroca nos últimos 40 anos, Les Arts Florissants nunca deixa de revelar um novo repertório, muitos dos quais passamos a classificar como entre as melhores realizações musicais na vida cultural da França (Lully, de Lalande, Charpentier, Rameau …), Itália (Monteverdi, Rossi …) e Inglaterra (Purcell, Handel …) – um legado que eles disponibilizaram para músicos e grupos em todo o mundo.

Quer tenham sido destinados aos cultos da igreja, aos palcos de teatro ou ao entretenimento real, aqui estão algumas das melhores jóias musicais, desde a lendária gravação de Atys até as mais recentes coleções de arias e madrigais, para listar apenas algumas. Quase todos os capítulos musicais da história do conjunto fizeram história e, juntamente com horas de puro prazer, esta retrospectiva certamente trará de volta boas recordações de seu primeiro encontro com Les Arts Florissants, que se tornou um pilar de nossa vida cultural coletiva. (do site do produtor)

CD 01 – Musique Profane
Claudio Giovanni Antonio Monteverdi (Cremona, 1567- Veneza, 1643)
01 – Zefiro torna, e di soavi accenti, SV 251
02 – Madrigals, Book 8, SV 146–167 “Madrigali guerrieri et amorosi”: Lamento de la ninfa, SV 163
03 – Il combattimento di Tancredi e Clorinda, SV 153
04 – Madrigals, Book 7, SV 117–145: Lettera amorosa, SV 141 (Live)
05 – Sestina Lagrime d’Amante al Sepolcro dell’Amata, SV 107, Prima parte: I. “Incenerite spoglie”
Carlo Gesualdo, aka Gesualdo da Venosa (Italy, 1566 – 1613)
06 – Madrigals, Libro III: IX. Non t’amo, o voce ingrata
Honoré d’Ambruys (France, séc. 18)
07 – Le doux silence de nos bois
Michel Lambert (França, 1610-1696)
08 – Le repos, l’ombre, le silence
09 – Airs à une, II, III et IV parties avec la basse-continue: Sans murmurer
Michel Pignolet de Montéclair (França, 1667 – 1737)
10 – La Mort de Didon pour soprano, violon, flûte et basse continue (6e cantate, Livre I)

CD 02 – Musique Sacrée
Marc-Antoine Charpentier (France, 1643-1704)
01. Te Deum, H. 146: I. Prélude
Georg Friedrich Händel (Alemanha, 1685 – Inglaterra, 1759)
02. Messiah, HWV 56, Part II: “Hallelujah!”
03. The Ways of Zion Do Mourn: IV. She put on righteousness. Chorus
Marc-Antoine Charpentier (France, 1643-1704)
04. Le Reniement de Saint Pierre , H. 424
05. Antiennes “O” de l’Avent, H.36-43, Premier O: “O Sapientia”
Luigi Rossi (Italia, 1597 – 1653)
06. Un peccator pentito: “Spargete sospiri”
Claudio Giovanni Antonio Monteverdi (Cremona, 1567- Veneza, 1643)
07. Selva morale e spirituale, SV 252-288: “Chi vol che m’innamori” a 3 voci e due violini
08. Selva morale e spirituale, SV 252-288: “O ciechi ciechi” a 5 voci et doi violini
Jean-Baptiste Lully (Italy, 1632-France, 1687)
09. Salve Regina
Georg Friedrich Händel (Alemanha, 1685 – Inglaterra, 1759)
10. Il Trionfo del Tempo e del Disinganno, HWV 46a: “Lascia la spina, cogli la rosa ” (Piacere)
Michel Richard de Lalande (France, 1657-1726)
11. Cantique Quatrième “sur le bonheur des justes & sur le malheur des resprouvez”: “Heureux, qui de la sagesse”
12. Te Deum, S.32: I. Simphonie
13. Te Deum, S.32: II. Te Deum laudamus
Johann Sebastian Bach (Germany, 1685-1750)
14. Mass in B Minor, BWV 232: Benedictus (Live)
Sébastien de Brossard (França 1655 – 1730)
15. Miserere mei Deus, SdB. 53 (Live)

CD 03 – Musique & theatre
Marc-Antoine Charpentier (France, 1643-1704)
01. Les Arts florissants, H. 487: I. Ouverture
Jean-Baptiste Lully (Italy, 1632-France, 1687)
02. Atys, LWV 53, Prologue: Ouverture
03. Atys, LWV 53, Acte III, Scène 4: Prélude. “Dormons, dormons tous” (Le Sommeil)
Jean-Philippe Rameau (França, 1683-1764)
04. Castor & Pollux, RCT 32, Acte I, Scène 1: Que tout gémisse (Troupe de Spartiates)
05. Castor & Pollux, RCT 32, Acte I, Scène 3: Tristes apprêts, pâles flambeaux (Télaïre)
06. Anacréon, RCT 30: Quel Bruit? Quelle clarté vient ici se répandre? (Prétresse de Bacchus et sa suite, Anacréon, Lycoris, Suite d’Anachréon)
07. Les Indes galantes, RCT 44, Troisième Entrée, Scène 3: “Amour, Amour, quand du destin j’éprouve la rigueur…” (Zaïre, Tacmas)
Marc-Antoine Charpentier (France, 1643-1704)
08. David et Jonathas H. 490, Prologue, Scène 1: “Où suis-je ? Qu’ai-je fait ?” (Saül)
09. David et Jonathas H. 490, Acte I, Scène 3: “Ciel ! Quel triste combat en ces lieux me rappelle ?” (David)
10. Le Malade imaginaire, H. 495, Premier intermède: “Notte e di” (Spacamond)
Jean-Philippe Rameau (França, 1683-1764)
11. Pygmalion, RCT 52, Acte I, Scènes 1-3: Fatal Amour, cruel vainqueur (Pygmalion)
André Campra (França, 1660-1744)
12. Idoménée, Acte I, Scène 1: “Venez, Gloire, Fierté” (Ilione)
13. Idoménée, Acte II, Scène 1 – Scène 2: “O Dieux ! ô justes Dieux” (Chœur de peuple) – “Cessez de soulever les ondes” (Neptune)
Luigi Rossi (Italia, 1597 – 1653)
14. Orfeo, Acte III, Scène 10: “Abandonnez l’Averne, ô peines, et me suivez !” (Orfeo, Giove, Mercurio, Coro Celeste)
Jean-Philippe Rameau (França, 1683-1764)
15. Dardanus, RCT 35: “Hâtons-nous,courons à la gloire”
Antoine Dauvergne (França, 1713 – 1797)
16. La Vénitienne: “Livrons-nous au sommeil”
Michel Pignolet de Montéclair (França, 1667 – 1737)
17. Jephté, Act II, Scène 6: Marche au son des tambourins. “Ô jour heureux” (Iphise, Elise, Troupe d’Habitants de Maspha)

Les Arts Florissants: Secular Music + Sacred Music + Music & Theater
Les Arts Florissants 
dir. William Christie

Ansiosa para saber a opinião da turma do PQP.

 

 

 

 

 

 

 
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Por gentileza, quando tiver problemas para descompactar arquivos com mais de 256 caracteres, para Windows, tente o 7-ZIP, em https://sourceforge.net/projects/sevenzip/ e para Mac, tente o Keka, em http://www.kekaosx.com/pt/, para descompactar, ambos gratuitos.

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Boa audição!

 

 

 

 

Avicenna

History of the Sacred Music vol. 04: The Polyphonic Motet from Ars Antiqua to the Renaissance

110ks9jHarmonia Mundi: História da Música Sacra
vol 04: O moteto polifônico, da Ars Antiqua à Renascença

A partir do sec. XIII, a crescente reorganização social em plena Idade Média,  acabaria lentamente por desembocar no Renascimento, período não só de esplendor artístico e cultural, mas de ressurgimento e poder das cidades, que entrariam para a história com uma fama até então desconhecida. É neste contexto de transição, que na música os compositores vão se exercitar numa técnica, que viria a ser, talvez, a mais genial contribuição da música ocidental: a polifonia.

Pretender esgotar este tema em poucas palavras seria o mesmo que explorar os meandros da história desde a Idade Média até o séc.XX numa conversa rápida. Podemos dizer que após um período de quase mil anos de hegemonia monofônica  do canto gregoriano, apresentou-se para os compositores da Ars Antiqua o problema de como estruturar suas obras vocais com objetivo de alçar vôo a formas de composições mais complexas, que garantissem meios de expressão musical, uma nova estética, onde unidade e contraste se opusessem de maneira harmônica.

O Moteto, assim, é este verdadeiro laboratório, que oriundo do cerimonial sacro, de funcionalidade ritual e mística, vai dar vazão  à presença simultânea do elemento profano, como meio de excitar a arte da criação.  Assim não será de se estranhar a presença nos motetos medievais e renascentistas de duas línguas como o latim e o francês, cantadas simultaneamente, por vozes diferentes. Aliás, é importante lembrar que uma das funções do moteto é justamente explorar a possibilidade musical da palavra. Notar a etmologia de moteto, que vem de mot (palavra), francês. 

Outra característica importante seria a crescente independência das vozes, pois enquanto o cantus firmus, que trazia uma melodia gregoriana conhecida, se mantinha estável, outra voz ornamentava esta melodia, à maneira de um melisma, ou seja um tipo de vocalise. Posteriormente as melodias sacras foram substituídas por temas profanos, aonde se adaptavam os textos sacros. A isorritimia foi  o início de um processo de composição que abriu as fronteiras para as complexas técnicas de composição que haveriam de se seguir, criando na música mistérios ocultos, revelados pelos apaixonados e estudiosos. Arte è cosa mentale (Leonardo da Vinci).

O período de ouro do moteto realmente é grande, desde a Ars Antiqua, com os mestres Léonin e Pérotin da École de Nôtre Dame, tendo a seguir na Ars Nova o brilho de Philippe de Vitry, Guillaume de Machaut e Guillaume Dufay. O ciclo continua  com a Escola Flamenga, onde o contaponto é exercitado de maneira quase matemática, trazendo ao moteto todas as possibilidades de cânon. É claro, que já no séc. XVI, no auge da polifonia, com Palestrina, o moteto não encerra sua trajetória na arte da composição. Muitos séculos ainda testemunhariam as possibilidades inesgotáveis desta arte de explorar da palavra os seus recursos musicais, e colocar a música ao serviço do ritmo da palavra. Ainda teremos, Bach, Mozart, Brahms, Bruckner…para citar apenas alguns.

Palhinha: ouça 12. Renaissence: 3. Cantiones sacrae: Peccantem me quotidie

History of the Sacred Music vol. 04: The Polyphonic Motet from Ars Antiqua to the Renaissance

Anonymous
Theatre of Voices – Director: Paulo Hillier
01. Ars Antiqua – École de Notre Dame 1. Virgo flagellatur

Pérotin (France, fl. c. 1200), also called Pérotin the Great
Theatre of Voices – Director: Paulo Hillier
02. Ars Antiqua – École de Notre Dame 2. Mors

Anonymous
The Hilliard Ensemble – Director: Paulo Hillier
03. 14th-Century England 1. Campanis cum cymbalis. Honorem Dominan
04. 14th-Century England 2. Worldes blisse have good day (Benedicamus Domino)
05. 14th-Century England 3. Valde mane diluculo
06. 14th-Century England 4. Ovet mundus letabundus

Guillaume Dufay (Du Fay, Du Fayt) (Franco-Flemish, 1397? – 1474)
The Orlando Consort
07. Ars Nova & Pre-renaissance: 1. Ave Regina coelorum

John Dunstaple (or Dunstable) (England, c.1390 – 1453)
The Orlando Consort
08. Ars Nova & Pre-renaissance: 2. Salve scema sanctitatis/Salve salus servulorum/ Cantant celi agmina

John Plummer (also Plomer, Plourmel, Plumere, Polmier, Polumier (c.1410 – c.1483)
The Hilliard Ensemble – Director: Paulo Hillier
09. Ars Nova & Pre-renaissance: 3. Anna Mater Matris Christi

Josquin Desprez (Franco-Flemish, c.1450 to 1455 – 1521)
La Chapelle Royale – Director: Philippe Herreweghe
10. Renaissance: 1. Salve Regina

Clément Janequin (France, c.1485 – 1558)
Ensemble Clément Janequin – Director: Dominique Visse
11. Renaissence: 2 .Congregati sunt

William Byrd (England, 1540 or late 1539 – 1623)
Ensemble Vocal Européen – Director: Philippe Herreweghe
12. Renaissence: 3. Cantiones sacrae: Peccantem me quotidie

Carlo Gesualdo, aka Gesualdo da Venosa (Italy, 1566 – 1613)
Ensemble Vocal Européen – Director: Philippe Herreweghe
13. Renaissence: 4. Tribulationem et dolorem
14. Renaissence: 5. Ecce quomodo moritur justus (Sabbato Sancto)

Hans Leo Hassler (Germany, 1564 – 1612)
Ensemble Vocal Européen – Director: Philippe Herreweghe
15. Renaissence: 6. Ad Dominum

History of the Sacred Music vol. 04: The Polyphonic Motet from Ars Antiqua to the Renaissance – 2009
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Encarte e letras dos 30 CDs – AQUI – HERE

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Boa audição.

 

macaco-pensante

 

 

 

 

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texto: gabrieldelaclarinet & Prof. Paulo Peloso – Departamento de Composição/Escola de Música – UFRJ
lay-out & mouse operator: Avicenna

Carlo Gesualdo da Venosa (1566-1613): Livro I dos Madrigais

Texto de Milton Ribeiro. Retirado daqui.

Quem leu Cortázar direitinho sabe quem é Gesualdo da Venosa. Aquele pessoal da Renascença não era mole. Passei grande parte da segunda e terça-feira com o iPod ligado, ouvindo Gesualdo, um sujeito nascido em 1566 que merecia ser conhecido por sua música e não apenas por ter cometido um espetacular assassinato.

Gesualdo casou-se aos 26 anos com sua prima, Maria d`Avalos. Dois anos de casamento feliz — provavelmente só na opinião do marido — e Maria começou um caso com Fabrizio Carafa, Duque de Andria. Como quase sempre acontece, o corno é o último a saber; ou seja, toda cidade sabia, menos o proprietário das frondosas peças. Talvez fosse esperado que, ao descobrir com quem sua Maria se deitava, o Príncipe da Venosa tivesse uma reação blasé, mais ou menos como um nobre francês… Nada disso! Gesualdo deve ter pensado que “Corno que sabe e consente, bem age quem lhe acrescente…”, e tratou de vingar-se. Vamos ver o que fez Gesualdo.

Num belo dia de outono, ele preparou algo que lhe servisse como aquecimento: uma caçada com amigos. Nada melhor que um pouco de sangue para alguém quem traz um desejo de morte na alma. Então, em meio à caçada, Gesu resolveu ver como andavam as coisas em casa, digo, no Palazzo San Severo. Severo? Severíssimo! Testemunhas disseram que Gesualdo pediu que os empregados segurassem Fabrizio, dando-lhe um lugar confortável onde pudesse ver o primeiro ato da cena. Então, dedicou-se à mulher, enfiando-lhe a espada diversas vezes. Como Maria custasse a morrer, ele berrava “Ainda não?, Ainda não?” e seguia perfurando a pobre adúltera. Na segunda parte, ministrou tratamento semelhante à Fabrizio, com resultado análogo. Contudo, antes, fez o Duque de Andria trajar um vestido de noite de Maria. As roupas de Fabrizio foram encontradas limpas e sem marcas de violência.

Completou a obra deixando os corpos bem na frente de seu castelo, de forma a mostrar como se faz à cidade de Nápoles. Tal atitude foi cantada em versos por Tasso e admirada em toda a Europa. Virou tema de ópera, poemas e peças teatrais.

Mas voltemos ao caso. Vocês estão pensando que ele foi preso, não? Nada disso, os nobres nunca eram presos; havia para eles uma pizza institucionalizada. Porém (ah, porém…), um outro nobre podia vingar-se dele numa boa. Após o crime, Gesualdo arranjou outra mulher e isolou-se, compondo sua maravilhosa (mesmo!) obra musical. Aquele aristocrático napolitano só foi reconhecido nos primeiros anos do século XX. Tinha uma linguagem avançada que incluia dissonâncias, progressões harmônicas, ritmos contrastantes, passagens diatônicas, cromatismo, etc. Stravinski erigiu-lhe um monumento musical — o Monumentum pro Gesualdo (1960) –, Julio Cortázar dedicou-lhe com conto; Anatole France, um romance (Le puits de Sainte-Claire); e Aldous Huxley várias páginas de seu As Portas da Percepção (The Doors of Perception).

Só que eu escrevi um “ah, porém” ao estilo de Paulinho da Viola. O motivo é que, vinte anos depois da morte da mãe, o segundo filho do casal Gesualdo e Maria d`Avalos resolveu vingar-se, matando o pai que assassinara sua mãe quando era bebê. A vingança é um prato que se come frio e, com mais esta morte, pegamos um dos pingos do sangue de Gesualdo para pormos um ponto final a este post.

Gesualdo (1566-1613): Livro I dos Madrigais

1 Baci Soavi E Cari
2 Il Parte – Quanto Ha Di Dolce
3 Madonna Io Ben Vorrei
4 Come Esser Può
5 Gelo Ha Madonna Il Seno
6 Mentre Madonna Il Lasso
7 Il Parte – Ahi Troppo Saggia
8 Se Da Sì Nobil Mano
9 II Parte – Amor Pace Non Chero
10 Sì Gioioso Mi Fanno I Dolor Miei
11 O Dolce Mio Martire
12 Tirsi Morir Volea
13 II Parte – Frenò Tirsi Il Desio
14 Mentre Mia Stella Miri
15 Non Mirar Di Questa Bella Imago
16 Questi Leggiadri Adorosetti
17 Felice Primavera
18 II Parte – Danzan Le Ninfe Oneste
19 Son Sì Belle Le Rose
20 Bella Angioletta

Conductor, Harpsichord – Sergio Vartolo
Ensemble – Concerto Delle Dame Di Ferrara

Harp – Loredana Gintoli
Vocals [Alto] – Gabriella Martellacci
Vocals [Bass] – Walter Testolin
Vocals [Soprano I] – Lisa Serafini
Vocals [Soprano Ii] – Angela Bucci
Vocals [Tenor I] – Makoto Sakurada
Vocals [Tenor Ii] – Giampaolo Fagotto

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PQP