Os sumo-sacerdotes do purismo e parte da crítica, claro, caíram de tacape em cima do solista quando o disco foi lançado em 1992, por ocasião do jubileu da chegada de Colombo às Américas. Chamaram-no, entre outras coisas, de bufão e pretensioso, acusaram-no de desrespeitar as intenções do compositor e atacaram-no, óbvio, por ser um músico de flamenco e, por isso, supostamente incapaz de tocar música de concerto.
[quanto às acusações de desrespeito ao compositor, sugiro que prestem atenção no senhor idoso que aparece em segundo plano na capa do CD, à direita: ele é o PRÓPRIO Joaquín Rodrigo, que supervisionou pessoalmente a gravação. Sem mais.]
O público adorou, Rodrigo adorou, eu adorei, e o disco envelheceu muito bem. Como que para alimentar as acusações de seus detratores, Paco trouxe para o “Concierto de Aranjuez”, sem nenhum constrangimento, toda a sua caixa de ferramentas flamencas, e a abriu em sua interpretação: estão lá os ataques furibundos às cordas, os efeitos percussivos, as articulações características. O que ele conseguiu, ao menos para os meus ouvidos, foi fazer o “Concierto” soar vigoroso como nunca, com um frescor inédito.
CLARO que essa gravação, apesar de suas qualidades, não tem UMA GOTA SEQUER de violão clássico (soletando para quem ainda não entendeu: P-A-C-O D-E L-U-C-Í-A). Por isso, lógico, os devotos dessa escola provavelmente odiarão a interpretação, da qual sugiro que passem ao largo.
Aos demais, o que eu e meu ouvido bruto e pouco preconceituoso lhes podemos dizer é que, depois de Paco, se tornou muito inglória a tarefa de escutar outras interpretações do “Concierto” sem o élan que ele traz a esta figurinha tão fácil quanto linda do repertório do violão.
Três excertos da Suíte Iberia de Isaac Albéniz, transcritos mui idiomaticamente para trio de violões, completam essa gravação de que vocês podem até não vir a gostar, mas que recomendo muito conhecer.
CONCIERTO DE ARANJUEZ DE JOAQUÍN RODRIGO interpretado por PACO DE LUCÍA
Joaquín RODRIGO Vidre (1901-1999)
Concierto de Aranjuez em Ré maior para violão e orquestra
Joaquín Rodrigo (1901-1999), cego desde os três anos de idade, foi prolífico compositor, virtuoso ao piano e, numa bonita homenagem da Coroa Espanhola, o primeiro Marquês dos Jardins de Aranjuez
Passada em revista a parte da família das cordas que é tocada com arcos, enveredamos por um outro ramo da família com quem os arcos não falam muito, pois as salas de concerto costumam torcer-lhes os narizes: aquele das cordas dedilhadas.
Antes que me joguem os tomates, ou me perguntem por que exus eu não apus a palavrinha .:interlúdio:. ao título de uma gravação, vejam só, de banjo, de BANJO, de B A N J O! incongruentemente atirada no meio das sacrossantas interpretações dos Pollinis e Bernsteins que os blogueiros não-vassílycos publicam por aqui, bem, antes que venham os apupos, os “foras!” e que me defenestrem, eu antecipadamente me defendo: Béla Fleck é um TREMENDO músico e merece ser ouvido.
Ok, o repertório do CD é um balaio de gatos cheio de figurinhas fáceis do repertório das coleções “The Best of”, só que ele é feito sob medida para Fleck exibir com sobras seu talento. Asseguro-lhes que dificilmente ouvirão um banjo ser tocado com tanta maestria, ainda mais acompanhado por músicos do naipe de, entre outros, Joshua Bell, John Williams e Edgar Meyer. No final, para relaxar, Fleck colocou uma ótima versão bluegrass do “Moto Perpétuo” de Paganini, mas ela está claramente identificada como tal e os puristas entre vós outros poderão deletá-la antes que ela fira algum ouvido.
E, se vocês acharam interessante o Fleck ter o nome de Béla, saibam que o nome completo do cavalheiro é Béla Anton Leoš Fleck. Sim: uma homenagem ao grande Béla, àquele Anton e a este Leoš.
PERPETUAL MOTION – BÉLA FLECK
Domenico SCARLATTI (1685-1757)
01 – Sonata em Dó maior, K. 159
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
02 – Invenção a duas vozes no. 13 em Lá menor, BWV 784
Claude-Achille DEBUSSY (1862-1918)
03 – Children’s Corner, L. 113 – “Doctor Gradus ad Parnassum”
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
04 – Mazurkas, Op. 59 – no. 3 em Fá sustenido menor
Johann Sebastian BACH
05 – Partita no. 3 em Mi maior, BWV 1006 – Prélude
Fryderyk Franciszek CHOPIN
06 – Études, Op. 10 – no. 4 em Dó sustenido menor
07 – Mazurkas, Op. 6 – no. 1 em Fá sustenido menor
Johann Sebastian BACH
08 – Invenção a três vozes (Sinfonia) em Sol maior, BWV 796
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
09 – Souvenir d’un lieu cher, Op. 42 – no. 3: Mélodie
Johannes BRAHMS (1833-1897)
10 – Cinco estudos para piano, Anh. 1a/1 – no. 3 em Sol menor, após Johann Sebastian Bach
Johann Sebastian BACH
11 – Suíte no. 1 em Sol maior, BWV 1007 – Prelude
12 – Invenção a três vozes (Sinfonia) em Si menor, BWV 801
Domenico SCARLATTI
14 – Sonata em Ré menor, K. 213
Johann Sebastian BACH
15 – Invenção a duas vozes no. 6 em Mi maior, BWV 777
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
16 – Sonata no. 14 em Dó sustenido menor, Op. 27 no. 2, “Luar” – Adagio sostenuto
Johann Sebastian BACH
17 – Invenção a duas vozes no. 11 em Sol menor, BWV 782
Ludwig van BEETHOVEN
18 – Sete Variações sobre “God Save the King”, WoO 78
Johann Sebastian BACH
19 – Invenção a três vozes (Sinfonia) em Mi menor, BWV 793
Niccolò PAGANINI arranjo de James Bryan Sutton
12 – Moto Perpetuo, Op. 11 (versão bluegrass)
Béla Fleck, banjo Joshua Bell, violino Gary Hoffmann, violoncelo Evelyn Glennie, marimba Edgar Meyer, contrabaixo Chris Thile, bandolim James Bryan Sutton, violão folk John Williams, violão
Ao longo da próxima semana – e na falta de outra ideia para navegar a pantagruélica discoteca arquivada no PQP Share – apresentaremos uma breve minissérie dedicada à família das cordas.
Já que a cortesia manda sempre começarmos com os mais velhos, deixo-lhes esta gravação em que o Midas Jordi Savall maneja alguns ancestrais dessa família, entre os quais a viela (vieille, antecedente imediata da lira da braccio que eventualmente chegaria à viola) e o rebab mourisco. O eclético repertório compõe-se de cantigas e danças medievais de vários lugares da Europa, incluindo peças do Norte da África e canções sefarditas, acompanhadas de toques muito econômicos de percussão.
LA LIRA D’ESPERIA – JORDI SAVALL
01 – Rotundellus (Galícia – Cantiga 105)
02 – Lamento (Adrianopoli, sefardita)
03 – Danza de las Espadas (Argel, El Kantala)
04 – Istampitta – In Pro (Itália, manuscrito do século XIII)
05 – Saltarello (Itália, manuscrito do século XIII)
06 – Ritual (Argel, Zendani)
07 – El Rey de Francia (Esmirna, sefardita)
08 – Danza Ritual (Galícia, Cantiga 353)
09 – Istampitta – La Manfredina (Itália, manuscrito do século XIII)
10 – Trotto (Itália, manuscrito do século XIII)
11 – Albra (Castellón de la Plana)
12 – Paxarico tu te llamas (Sarajevo, sefardita)
13 – Danza del Viento (Argel, berber)
14 – Istampitta – Lamento di Tristano (Itália, manuscrito do século XIII)
15 – Saltarello (Itália, manuscrito do século XIII)
16 – Ductia (Galícia, Cantiga 248 – Gasconha)
JORDI SAVALL, viela, rebab, rebel mourisco PEDRO ESTEVAN, percussão
É com imensa satisfação que anunciamos, após algumas negociações no mercado negro internacional de LPs, uma ação de contrabando confesso e a inestimável ajuda de um leitor-ouvinte do PQP Bach, que dispomos agora da DISCOGRAFIA COMPLETA do genial Antonio Guedes Barbosa – conquista que comemoraremos ao postá-la, pouco a pouco, por aqui!
Chegamos àquela que é talvez a maior gravação do Mestre Esquecido: as quatorze valsas de Chopin que tomaram o público de assalto, que piraram completamente o cabeção da crítica e formaram um dos pouquíssimos álbuns dele lançados comercialmente neste Brasil insensato que tão pouco o conhece.
Sou tão tiete dessa gravação que me faltam até os superlativos para descrevê-la. Trata-se, simplesmente, da melhor interpretação que conheço para estas obras, que só podem ser chamadas de menores por quem nunca escutou Barbosa tocá-las. Elegância, precisão, humor, brilho… nada falta. Talvez sobre rubato, mas a gente perdoa, tamanha a musicalidade que, acima de tudo e de todos, transborda de cada faixa.
É escutar e catapultar imediatamente para o panteão dos favoritos.
ooOoo
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
01 – Grande Valse Brillante em Mi bemol maior, Op. 18
02 – Três Valsas, Op. 34 – No. 1 em Lá bemol maior
03 – Três Valsas, Op. 34 – No. 2 em Lá menor
04 – Três Valsas, Op. 34 – No. 3 em Fá maior
05 – Valsa em Lá bemol maior, Op. 42
06 – Três Valsas, Op. 64 – No. 1 em Ré bemol maior
07 – Três Valsas, Op. 64 – No. 2 em Dó sustenido menor
08 – Três Valsas, Op. 64 – No. 3 em Lá bemol maior
09 – Duas Valsas, Op. 69 – No. 1 em Lá bemol maior
10 – Duas Valsas, Op.69 – No. 2 em Si menor
11 – Três Valsas, Op. 70 – No. 1 em Sol bemol maior
12 – Três Valsas, Op. 70 – No. 2 em Fá menor
13 – Três Valsas, Op. 70 – No. 3 em Ré bemol maior
14 – Valsa em Mi maior, WN 18
Antonio Guedes Barbosa, piano
(de um CD esgotado da extinta Kuarup Klassics, que eu tenho há vinte e cinco anos e não vendo por dinheiro algum!)
Para o pavor de um de nossos colaboradores, que chama Vladimir Samoylovich (Volodya, para os íntimos) de “Horrorowitz”, pretendo trazer para cá um tanto do legado de um dos maiores pianistas do século XX.
A longa carreira de Horowitz acompanhou a evolução dos meios de gravação, dos rolos do processo Welte-Mignon (uma versão mais sofisticada da pianola), passando pelos discos de 78 rpm e chegando aos meios digitais. Seus altos e baixos foram, também, fartamente documentados: entre a fúria maníaca do jovem virtuose recém-chegado aos Estados Unidos, para quem nada parecia impossível, e o pianista decadente, cada vez mais maneirista e sequelado pela insegurança e pelos psicotrópicos, Horowitz foi um artista de poucos meios-termos. Em sua última década de vida, que começou com recitais lamentáveis, capazes de enfurecer até mesmo as pacientes plateias japonesas, redimiu-se pelo uso mais comedido de seus truques pianísticos e (dentro do que lhe era possível) uma placidez mais atenta às intenções dos compositores.
Esta gravação, dias antes de sua morte, é uma de suas melhores. Predomina Chopin, interpretado com muito colorido e elegância. O destaque é uma Fantasia-Improviso não só fiel à partitura, mas também impressionantemente ágil para dedos de 86 anos. Os Noturnos de Chopin fazem a gente lamentar que Horowitz tenha gravado poucas outras obras da série, e a Sonata de Haydn beira a perfeição. Concluir o álbum com “Liebestod” e morrer meros cinco dias depois de seu último acorde foi, suspeitam alguns, o último gesto apelativo desse grande pianista.
VLADIMIR HOROWITZ – THE LAST RECORDING
Joseph HAYDN (1732-1809)
Sonata em Mi bemol maior para piano, Hob. XVI:49
01 – Allegro
02 – Adagio e cantabile
03 – Finale – Tempo di menuetto
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
04 – Mazurca em Dó menor, Op. 56 no. 3
05 – Noturno em Mi bemol maior, Op. 55 no. 2
06 – Fantasia-Improviso em Dó sustenido menor, Op.66
07 – Estudo em Lá bemol maior, Op. 25 no. 1
08 – Estudo em Mi menor, Op. 25 no. 5
09 – Noturno em Si maior, Op. 62 no. 1
Ferenc LISZT (1811-1886)
10 – Prelúdio sobre um tema da cantata “Weinen, Klagen, Sorgen, Zagen” de J. S. Bach, S. 179
Wilhelm Richard WAGNER (1813-1883)
transcrição de Franz Liszt
Escrever às pressas, inda mais premido pela comoção, sempre é ingrato, quanto mais se é para lamentar a perda de alguém tão extraordinário quanto Jessye Norman, que nos deixou ontem. Nada que eu nestas linhas colocasse faria justiça à sua grandeza. Nada evocaria a beleza de sua voz, poderosa e inconfundível, a serviço de um repertório vasto e coerente, sempre alimentado pelos desafios que a levaram de Legrand a Schoenberg, e mesmo a encarar a demoníaca prosódia magiar no “Castelo do Barba-Azul” de Bartók sob Boulez. E nada que eu lhes trouxesse, nada em absoluto, estaria à altura de sua trajetória inesquecível, da Geórgia racista sob as leis de Jim Crow às plateias e aos ouvidos do planeta.
Por isso, paro por aqui.
“No final das contas”, disse Jessye numa entrevista, “na hora de escolher o que cantar, eu me faço apenas uma pergunta: posso falar das profundezas do meu ser com essa canção, com esse papel na ópera? Se posso, canto”.
E foi assim, caros leitores-ouvintes, que Jessye Norman nos falou através de Carmen.
Carmen,opéra-comique em quatro atos, sobre libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, baseado na novela homônima de Prosper Mérimée
Jessye Norman – Carmen Neil Schicoff – Don José Mirella Freni – Micaëla Simon Estes – Escamillo Chœur de Radio France Maîtrise de Radio France Orchestre National de France Seiji Ozawa, regência
DISCO 1
1 – Prélude
ATO 1
2 – Sur la place chacun passe
3 – Regardez donc cette petite qui semble vouloir nous parler
4 – Avec la garde montante nous arrivons, nous voilà
5 – Il Y A Une Jolie Fille Qui Est Venue Te Demander
6 – Et La Garde Descendante Rentre Chez Elle Et S’en Va
7 – Dites-moi, Brigadier ?
8 – La Cloche A Sonné
9 – Dans l’Air, Nous Suivons Des Yeux La Fumée
10 – Mais Nous Ne Voyons Pas La Carmencita !
11 – Quand Je Vous Aimerai ? … L’Amour Est Un Oiseau Rebelle (Havanaise)
12 – Carmen ! Sur Tes Pas Nous Nous Pressons Tous !
13 – Qu’est-ce Que Ca Veut Dire, Ces Façons-Là ?
14 – Parle-Moi De Ma Mère !
15 – Ma Mère, Je La Vois, Oui, Je Revois Mon Village !
16 – Attends Un Peu Maintenant… Je Vais Lire Sa Lettre
17 – Au Secours !
18 – Voyons Brigadier
19 – Avez-Vous Quelque Chose A Répondre ? – Tra La La La
20 – Où Me Conduirez-Vous ?
21 – Près Des Remparts De Séville (Séguidille)… Tais-Toi
22 – Le Lieutenant !… Prenez Garder ! – Voici L’Ordre
ATO 2
2 – Les Tringles Des Sistres Tintaient
3 – Vous Avez Quelque Chose A Nous Dire, Maître Lillas Pastia ?
4 – Votre Toast, Je Peux Vous Le Rendre, Señors
5 – Messieurs Les Officiers, Je Vous En Prie
6 – Le Dancaïre Et Le Remendado Ont A Vous Parler De Vos Affaires
7 – Nous Avons En Tête Une Affaire !
8 – En Voìlà Assez ; Je T’ai Dit Qu’il Fallait Venir, Et Tu Viendras
9 – Je Vais Danser En Votre Honneur
10 – Au Quartier ! Pour L’appel ! … Ah! J’étais Vraiment Trop Bête !
11 – La Fleur Que Tu M’avais Jetée
12 – Non ! Tu Ne M’aimes Pas !
13 – Holà ! Carmen ! Holà ! Holà !
14 – Bel Officier, L’amour Vous Joue En Ce Moment Un Assez Vilain Tour !
ATO 3
2 – Ecoute, Compangon, Ecoute
3 – Halte ! Nous Allons Nous Arreter Ici
4 – Mêlons ! Coupons !
5 – Carreau ! Pique ! … La Mort !
6 – Eh Bien ?
7 – Quant Au Douanier, C’est Notre Affaire !
8 – C’est Ici
9 – Je Dis Que Rien Ne M’épouvante
10 – Mais… Je Ne Me Trompe Pas… C’est Don José !
11 – Je Suis Escamillo, Torero De Grenade !
12 – Holà, Holà, José !
13 – Halte ! Quelqu’un Est Lâ Qui Cherche A Se Cacher !
14 – Entr’acte
ATO 4
15 – À Dos Cuartos ! À Dos Cuartos !
16 – Qu’avez-vous Donc Fait De La Carmencita ?
17 – Les Voici ! Les Voici ! Voici La Quadrille !
18 – Si Tu M’aimes, Carmen, Tu Pourras, Tout À L’heure, Être Fière De Moi !
19 – C’est Toi ! – C’est Moi !
Vocês achavam que não voltariam tão cedo a ouvir O’Conor, não é?
Pois se enganaram – ou, como diriam os saudosos sbornianos de “Tangos & Tragédias”, “essa história não se ESTÂNNCA por aqui”.
Ei-lo aqui tocando a série de Noturnos de seu compatriota Field, notável como precursor do gênero que Chopin celebrizaria. Já publicamos anteriormente uma gravação das mesmas obras num piano Broadwood, então sugerimos compará-la com o que Field tem a dizer com seu Steinway de Hamburgo.
Ainda sobre O’Conor, quem ainda não tem urticária à menção de seu nome tem a recomendação de assistir ao documentário a seguir, o “Campo de Recrutas Beethoven”, que acompanha a rotina de um curso de imersão em Positano, na costa amalfitana, e as masterclasses com jovens pianistas. Não há legendas, e o espesso sotaque irlandês de O’Conor fica às vezes pouco inteligível, especialmente nos mui frequentes momentos de entusiasmo, mas acho que serão cinquenta e poucos minutos bastante agradáveis para quem apreciou suas Sonatas de Beethoven:
JOHN FIELD – THE NOCTURNES – JOHN O’CONOR
John FIELD (1782-1837)
Noturnos para piano
01 – Noturno em Mi bemol maior
02 – Noturno em Dó menor
03 – Noturno em Lá maior
04 – Noturno em Si bemol maior
05 – Noturno em Fá maior
06 – Noturno em Lá maior
07 – Noturno em Mi bemol maior
08 – Noturno em Mi menor
09 – Noturno em Mi bemol maior
10 – Noturno em Sol maior
11 – Noturno em Ré menor
12 – Noturno em Dó maior
13 – Noturno em Dó maior
14 – Noturno em Fá maior
15 – Midi em Mi maior
E eis que chegamos ao volume que encerra esta maratona Beethoven com John O’Conor.
O critério para este CD, claro, foi um só: “sobras sortidas”. É a única explicação para justapor a curiosa e incomumente longa Sonata op. 7, de 1796, com a ótima Sonata “quasi una Fantasia” Op. 27 no. 1, injustamente eclipsada por sua irmã famosa de Opus e, acredito, obra superior em termos de arrojo e invenção. No meio delas, a pouco ouvida Sonata Op. 22, altamente estimada por Beethoven e talvez a última de suas obras mais convencionais no gênero.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. IX – JOHN O’CONOR
Sonata no. 4 em Mi bemol maior, Op. 7
01 – Molto allegro e con brio
02 – Largo, con gran espressione
03 – Allegro
04 – Rondo: Poco allegretto e grazioso
Sonata no. 11 em Si bemol maior, Op. 22
05 – Allegro con brio
06 – Adagio con molta espressione
07 – Menuetto
08 – Rondo: Allegretto
Sonata no. 13 em Mi bemol maior, Op. 27 no. 1, “Quasi una Fantasia”
06 – Andante
07 – Allegro molto e vivace
08 – Adagio con espressione
09 – Allegro vivace
Chegamos ao penúltimo CD da série e à colossal, mastodôntica, ___________ [insira aqui seu adjetivo superlativo favorito] Sonata Op. 106, vulgo “Hammerklavier”.
Como a peça dispensa apresentações, vou incorporar o espírito de alguém que nada mais tem a fazer além de chover no molhado. Escolho o de Anton Schindler, o factotum de Beethoven, notório por muito atochar em sua biografia do compositor e adulterar os cadernos de conversação que o Mestre, completamente surdo, usava para se comunicar, e que serviram de base para pesquisas biográficas. Já imbuído do espírito do famoso trouxão, faço aqui algumas perguntas bestas:
– O título “Sonata für das Hammerklavier” (“sonata para o piano de martelos”) explicita o instrumento preferido do compositor numa época em que o pianoforte, o clavicórdio e o cravo eram usados para tocar as sonatas de Beethoven. Se o título também foi usado para a Sonata Op. 101, por que o apelido colou somente na Op. 106?
– Se já na Sonata Op. 90 Beethoven começou a preferir indicar o andamento e as indicações de expressão em seu alemão nativo a fazê-lo no italiano de praxe, por que na mamútica, transcendental “Hammerklavier” ele voltou a recorrer à língua do Petrarca?
– Quando descreveu a fuga final como “a tre voci, con alcune licenze” (“a três vozes, com algumas licenças”), estaria Ludwig imaginando que alguém realmente se importaria com as liberdades que tomou em relação às estritas regras da forma, em vez de se chocar, como até hoje nos chocamos, com esta mais difícil e complexa de todas as fugas para teclado?
– Será possível algum dia escutar alguma interpretação plenamente satisfatória desta obra enorme e horrendamente difícil? E, se ela já existe, qual é? (para mim, a versão de Pollini era a preferida até escutar aquela do MAGO Sokolov, que algum dia postarei aqui)
– Vocês têm interesse de escutar uma versão da “Hammerklavier” para orquestra? Ou vão me crucificar de cabeça para baixo por isso?
Cartas para a redação.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. VIII – JOHN O’CONOR
Sonata no. 27 em Mi maior, Op. 90
01 – Mit Lebhaftigkeit und durchaus mit Empfindung und Ausdruck [“com vivacidade e ao longo [de todo o movimento] com sentimento e expressão”]
02 – Nicht zu geschwind und sehr singbar vorgetragen [“não tão rápido e executado de maneira cantável”]
Sonata no. 28 em Lá maior, Op. 101
03 – Etwas lebhaft und mit der innigsten Empfindung [“algo vivaz, com o mais profundo sentimento”]
04 – Lebhaft, marschmäßig [“vivo, como marcha”]
05 – Langsam und sehnsuchtsvoll [“lento e saudoso”] – Geschwind, doch nicht zu sehr und mit Entschlossenheit [“rápido, mas não demais, e com muita determinação”]
Sonata no. 29 em Si bemol maior, Op. 106, “Hammerklavier”
06 – Allegro
07 – Scherzo: Assai Vivace
08 – Adagio sostenuto
09 – Largo: allegro risoluto – Fuga a tre voci, con alcune licenze
Para a sétima estação da odisseia de John O’Conor com as sonatas de Beethoven, a Telarc resolveu reunir todas as sonatas curtinhas em um só volume.
Essas obras são tão breves que nenhuma delas chega sequer perto de durar tanto quanto o Adagio sostenuto da Sonata “Hammerklavier”, que encontraremos no volume seguinte. Meu xodó entre elas, apesar de seus singelos dois movimentos, é a Sonata Op. 78, cognominada “À Thérèse”, que é das obras-primas mais concisas de Beethoven, na bonita e incomum tonalidade de Fá sustenido maior.
Se a Telarc não começou a série do começo, não poderíamos esperar que ela terminasse pelo fim, não é mesmo? Pois as três últimas sonatas de Beethoven aqui estão, no miolo, o que as tira do contexto como as obras culminantes do compositor para seu instrumento favorito (embora ele ainda viesse a parir as geniais Variações Diabelli). Na minha opinião, não há testamento mais impressionante de uma evolução artística do que comparar as Sonatas op. 2, redondinhas e peroladas, com a concisão visionária da Sonata Op. 111, cuja “Arietta” final inclui um trecho que já foi chamado de “proto-jazz”:
A nós outros, bem, só nos resta dizer “amém”.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. VI – JOHN O’CONOR
Sonata no. 30 em Mi maior, Op. 109
01 – Vivace, ma non troppo – Adagio espressivo
02 – Prestissimo
03 – Tema: Molto cantabile ed espressivo – Variazioni I-VI
Sonata no. 31 em Lá bemol maior, Op. 110
04 – Moderato cantabile molto espressivo
05 – Allegro molto
06 – Adagio ma non troppo – Fuga: Allegro ma non troppo
Sonata no. 32 em Dó menor, Op. 111
07 – Maestoso – Allegro con brio ed appassionato
08 – Arietta: Adagio molto semplice e cantabile
Para variar um pouco, aqui não vai uma foto de John O’Conor, mas sim de Thomas Mann, cujo “Doutor Fausto” inclui um maravilhoso capítulo em que o Prof. Kretschmar discorre, em uma palestra para a população da fictícia Kaisersachern, sobre os motivos que teriam levado Beethoven a não escrever um terceiro movimento para a Sonata Op. 111
Tocamos o barco, quinto CD da série – e QUE CD, amigos!
Não bastassem as três sonatas do Op. 10, sem dúvidas as primeiras obras de peso de Beethoven no gênero, ainda há a belíssima Op. 26, conhecida e apelidada em função da “Marcia funebre” do terceiro movimento, mas cujo miocárdio se encontra nas belíssimas variações de abertura.
Ah, e a Op. 10 no. 3 me parece a primeira obra-prima de Beethoven no gênero, com um “Largo” maravilhoso. Se lhe tivessem inventado um apelido tão bom quanto a “Patética” Op. 13, talvez ela fosse conhecida como merece.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. V – JOHN O’CONOR
Sonata no. 5 em Dó menor, Op. 10 no. 1
01 – Allegro molto e con brio
02 – Adagio molto
03 – Finale: prestissimo
Sonata no. 6 em Fá maior, Op. 10 no. 2
04 – Allegro
05 – Allegretto
06 – Presto
Sonata no. 7 em Ré maior, Op. 10 no. 3
07 – Presto
08 – Largo e mesto
09 – Menuetto: Allegro
10 – Rondo: Allegro
Sonata no. 12 em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha Fúnebre”
11 – Andante con variazioni
12 – Scherzo: Allegro molto
13 – Maestoso andante: Marcia Funebre sulla morte d’un eroe
14 – Allegro
No quarto CD da série, volta-se para onde se começa: lá do começo.
As três sonatas do Op. 2, são obras em estrita sonata-forma, nos quatro movimentos protocolares, com um minueto/scherzo como terceiro movimento, etc. Não é à toa que foram dedicadas a Haydn, o mais famoso compositor da época, e que fora, brevemente, professor de Beethoven. São tão bem-acabadas que até mesmo o pancadinha Glenn Gould, notório sabotador das obras de Lud Van (quem escutou sua “Appassionata” sabe do que estou falando), declarou sua admiração por elas e fez gravações razoavelmente atentas à partitura e reverentes às intenções do compositor. Creio que elas se prestem muito bem ao estilo limpo de O’Conor, que não exagera nos contrastes dinâmicos, nem procura oportunidades de bravado onde elas pouco existem.
Em outras palavras: a turma do Lang Lang vai odiar.
Mais Beethoven, mais O’Conor, mais sonatas com apelidos, e poucos deles me parecem mais incompreensíveis do que “A Caça” para a Op. 31 no. 3, que é notável pelo fato de não ter movimentos lentos. A primeira do Op. 31, que abre este disco, é das minhas preferidas: composta em 1801, em meio a uma guirlanda de obras-primas, mostra com todas as garrinhas o Beethoven ácido e inventivo das décadas seguintes. Da “Pastoral”, em Ré maior, nada se precisa dizer, até porque eu já escrevi “obra-prima” logo acima, e não pretendo ser repetitivo.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. III – JOHN O’CONOR
Sonata no. 15 em Ré maior, Op. 28, “Pastoral”
01 – Allegro
02 – Andante
03 – Scherzo: Allegro vivace
04 – Rondo: Allegro ma non troppo
Prosseguindo a série da integral das Sonatas para piano de Lud Van com John O’Conor, alcanço-lhes o segundo tomo.
Se aqui o critério da gravadora parece ter sido outra vez selecionar sonatas com apelidos célebres, este recital resulta mais equilibrado, por conta das obras melhor buriladas. Se o movimento inicial da “Waldstein” pode soar como o desfraldar de cortinas, o “Wiedersehen” de “Les Adieux” fecha-as deixando tudo redondinho.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. II – JOHN O’CONOR
Sonata no. 21 em Dó maior, Op. 53, “Waldstein”
01 – Allegro con brio
02 – Introduzione: Adagio molto
03 – Rondo: Allegretto moderato
Enquanto vocês estão a me ler, eu estou a caminho do Congo, onde deverei passar uma boa parte das próximas semanas.
Sim, falo sério.
E o que vocês têm com isso?
Nada, é claro: afinal de contas, vocês só querem postagens novas, e estão pouco se lixando onde Vassily está quando sua postagem nova aparece para vocês enquanto se preparam para o almoço, não é?
Bem que fazem, leitores!
Só menciono a expedição ao Congo para justificar, de antemão, por que minhas postagens serão mais sucintas, e talvez repetitivas, ao longo deste setembro. Por ora, posso-lhes dizer que aqueles que detestam piano devem iniciar os preparativos para a urticária. Mas vocês não seriam desalmados a ponto de xingarem alguém que está no Congo, certo?
Esta integral com as Sonatas de Beethoven por John O’Conor, feita por um especialista na obra pianística do velho Ludovico, é uma gravação aclamada pela crítica. Eu a vi ser tão incensada que temi uma decepção cabal ao escutá-la, o que felizmente não aconteceu. Era a minha preferida até escutar a série com Pollini, e continua entre minhas mais queridas, junto com as de Schnabel, Gulda e Brendel (sim, vocês podem ter outras – mas estas são as minhas).
O’Conor reúne, talvez, o que as gravações do notável trio de austríacos têm de melhor, acrescentando um quê de, sei lá como chamá-la, talvez “sanguinidade”, que torna suas interpretações muito atraentes. Neste primeiro volume da série, claro, a gravadora fez questão de colocar as Sonatas mais célebres, aquelas com apelidos apelativos, para ver se seduz o ouvinte familiarizado com elas a comprar os oito volumes restantes. Ainda assim, e em que pese o som um pouco opaco da Teldec, a “Patética”, a “Luar” e a “Appassionata” são defendidas com brilho por O’Conor, cujas interpretações, aparentemente despojadas à primeira audição, só revelam riqueza e complexidade ao longo de revisitas.
LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)
SONATAS PARA PIANO, VOL. I – JOHN O’CONOR
Sonata no. 8 em Dó menor, Op. 13, “Patética”
01 – Grave – Allegro di molto e con brio
02 – Adagio cantabile
03 – Rondo. Allegro
Sonata no. 14 em Dó sustenido menor, Op. 27 no. 2, “Luar”
04 – Adagio sostenuto
05 – Allegretto
06 – Presto
Sonata no. 23 em Fá menor, Op. 57, “Appassionata”
07 – Allegro assai
08 – Andante con moto
09 – Allegro ma non troppo
Há dois dias, algumas postagens em minhas redes sociais deram conta do desaparecimento, aos 91 anos, do grande Paul Badura-Skoda, o subdecano dos pianistas (pois o decano é, sem dúvidas, o incansável Menahem Pressler: noventa e seis anos, oito décadas de carreira, participações em todas as formações do Beaux Arts Trio – de Daniel Guilet a Antonio Meneses – estreia com a Filarmônica de Berlim com noventa primaveras, e que tinha um recital marcado com o jovem Badura-Skoda para o mês passado, e que foi cancelado por indisposição do garoto austríaco). Imediatamente, comecei a escrever uma postagem lamentando o fato e celebrando a longa vida artística e, particularmente, o prolífico legado de Paul, fartamente registrado em gravações ao longo de sete décadas, muitas delas, como notou nosso colega Pleyel, em instrumentos de época, antes que esta prática entrasse em voga.
O sono me chamou, e a postagem jazeu incompleta, o que me poupou-me do vigoroso constrangimento de publicá-la só para depois constatar, com alegre cara de tacho, que, assim como acontecera com Mark Twain e das muitas teorias a darem conta de que Sir James Paul is no more, os rumores da morte do Paul austríaco foram grandemente exagerados.
Ainda bem.
Com votos de que o notável vienense se recupere prontamente, deixo-lhes o primeiro duma série de discos comemorando seu septuagésimo quinto aniversário – efeméride que, como veem, já fez seu baile de debutantes. Nele, Paul – adolescente e adulto jovem – deixa-nos alguns bombons, tanto em leituras do repertório tradicional para o piano, em peças a que voltaria dezenas de vezes, quanto em gravações para o acordeão, o instrumento favorito na família Skoda – uma delas, o arranjo para a abertura de La Gazza Ladra, que dedica à mãe pelo seu dia.
Gute Besserung, und komm schnell wieder auf die Beine!
PAUL BADURA SKODA – A MUSICAL BIOGRAPHY – 75h BIRTHDAY TRIBUTE – CD1
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
O Cravo bem Temperado, livro 1: Prelúdio e Fuga em Dó sustenido menor, BWV 849
01 – Prelúdio
02 – Fuga
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Sonata para piano no. 21 em Dó maior, Op. 53, “Waldstein”
03 – I. Allegro con brio
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
04 – Barcarola em Fá sustenido maior, Op. 60
05 – Fantasia em Fá menor, Op. 49
Hans Ulrich STAEPS (1909-1988)
06 – Pan Pan
Louis GRUENBERG (1884-1964)
07-12 Six Jazz Epigrams
Billy GOLWYN (?-?)
13 – Verbena
Leopold MITTMANN (1904-1976)
14-16 Jazz Babies
Gioachino Antonio ROSSINI (1792-1868)
17 – La gazza ladra: Abertura
Pietro FROSINI (1885-1951)
18 – Serenade italienne
Hermann SCHITTENHELM (1893-1979)
19 – Der Eislaufer (The Ice Skater)
“O piano não consegue respirar naturalmente – o pianista tem que insuflar vida no piano” – por isso que Paul também toca, como faz nesta gravação, o acordeão.
Completamos a coleção com os dois CDs que restavam da série (originalmente em quatro álbuns duplos) de Arthur Moreira Lima interpretando Ernesto Nazareth.
É curioso lembrar que Arthur não só já foi pop o bastante para ter seu programa na TV aberta (“Um Toque de Classe”, na extinta TV Manchete), mas que MÚSICA INSTRUMENTAL já tenha sido um tema suficientemente pulsante entre os brasileiros para ser abordado, entre novelas e comerciais de cigarros, no dito horário nobre:
Arthur sempre foi um top of mind entre os pianistas brasileiros, e assim continua mesmo entre pessoas que nunca viram um piano de perto. Isso talvez explique o imenso sucesso, entre outros, do seu “Piano na Estrada” e da coleção de discos que ele vendeu junto à revista “Caras” nos anos 90. Seu jeito bonachão de sempre, muito atencioso com os fãs, e sua postura cheia de bravado no palco, brandindo a cabeleira e fazendo gestos dramáticos, sintetizam talvez o que o público iniciante espera de um pianista e de um popstar – mais que, provavelmente, todas as notinhas no lugar.
Compreendo que estas sejam circunstâncias extramusicais e que muitos lhe torçam o nariz por isso. Como disse na postagem anterior, esta me parece uma opção deliberada do artista e que, mais ainda, ele é feliz assim. O que é realmente lamentável é as pessoas se esquecerem das gravações de Arthur no zênite de suas forças, como no belíssimo Noturno de Chopin a seguir, que ele tocou em Varsóvia como convidado do Concurso Chopin:
Volta e meia, numa roda de conversa entre melômanos, sempre que o assunto envereda para o piano brasileiro, surge a inevitável pergunta:
– Pô, o que aconteceu com o Arthur Moreira Lima?
Não se referem, claro, a sua vida ou morte – Arthur está, felizmente, bem vivo e mora, muito bem aliás, em Floripa, na Ilha da Magia com a esposa e os pianos. O que querem saber é como um sujeito que esteve entre os melhores pianistas do mundo, laureado no Concurso Chopin de Varsóvia (medalha de prata, pois naquele 1965 a Martha Argerich competiu e não teve para mais ninguém), destacado intérprete de Chopin, acabara assim (e aqui capricham no suspiro desdenhoso), *desse jeito*, tocando piano num caminhão-teatro, nos recantos mais isolados do Brasil, para plateias que nunca puderam escutar um piano ao vivo.
Não entrarei no mérito do seu projeto “Piano pela Estrada”, louvado por alguns (eu entre eles), criticado por outros tantos. Tampouco me juntarei ao coro dos que escutaram o grande pianista dos anos 70-80 esbarrando, nas décadas subsequentes, nas teclas e a se atrapalhar em obras mais difíceis. Acho que todos têm um tanto de razão em suas defesas e ataques. Se foi a técnica minguante que o afastou das grandes salas de concerto e o levou para lugares onde, suspeitam alguns, ninguém a notaria, ou se foi o contrário, talvez só ele mesmo pudesse responder. Mas cada vez que vejo Arthur a caminhar na praia, com aquele jeitão bonachão que tem desde jovem, fico com a impressão de que ele simplesmente quis remodelar a vida, e eu – que deixei Dogville para também ser menos infeliz na Ilha da Magia – compreendo e muito respeito sua decisão.
Nestas gravações dos anos 70, Arthur ainda estava no auge da forma, e ele a emprestou para o registro, com brilho e graça, de um bom punhado das obras de Ernesto Nazareth. Salvo melhor juízo, foi a primeira vez que tantas obras foram gravadas por um pianista clássico de tamanha reputação. O resultado é notável: a técnica sobra, as obras pulsam, e o ouvinte sorri. Aqui, ao contrário de alguns de seus outros projetos em música popular, como o ConSertão, Arthur não soa quadrado, nem sufoca a verve do pianeiro Nazareth: quem não espera grande ginga de dedos treinados em Moscou vai surpreender-se aqui com seus graciosos pulinhos.
Não, você não leu errado: estas são as gravações completas dos legendários violinistas Joachim e Sarasate, feitas no começo do século XX.
Sim, Joachim: aquele que estreou sob a batuta de Felix Mendelssohn e consolidou o Concerto Op. 61 de Beethoven no repertório, que escreveu dezenas de cadenzas para concertos alheios, fundador de uma importante escola pedagógica, amigo de Schumann e de Brahms, e consultor deste último nas obras concertantes para violino.
E sim, ele mesmo: Sarasate, o mais célebre dos violinistas do século XIX depois de Paganini, receptor das dedicatórias da Sinfonia Espanhola de Lalo, do Concerto no. 2 de Wieniawski, do Concerto no. 3 e Introdução e Rondó Caprichoso de Saint-Saëns, entre outros.
De quebra, para fechar o disco, algumas das gravações que Eugène Ysaÿe, o maior violinista de seu tempo, realizou durante uma visita a Nova York em 1912.
Joseph Joachim (1831-1907)
Joachim tinha 72 anos quando realizou suas gravações – idade avançada para a época – e certamente já não estava no melhor de sua forma, tanto física quanto técnica. As técnicas primitivas de gravações, agravadas pelas dificuldades inerentes à captação do som do violino, ainda mais com as cordas de tripa que eram então a norma, exigem bastante do ouvinte que deseja apreciar a arte deste violinista legendário. As duas peças de Bach para violino solo carregam a distinção de serem as primeiras obras do Pai da Música jamais gravadas. Chamam a atenção também as ornamentações que adicionou, especialmente à bourrée, o uso muito comedido de vibrato (pois a escola fundada por Joachim assim defendia) e o que parece uma entonação distinta, que talvez estivesse em voga na distante década de 1830, quando começou a receber sua educação musical.
Joachim com o jovem Franz von Vecsey, em foto de 1903 – ano em que realizou suas únicas gravações. Aquele dedo indicador artrítico da mão esquerda dói só de olhar, e nos faz conceder um generoso desconto quando ouvimos os erros que ele deixou registrados para a posteridade.
Pablo de Sarasate (1844-1908), com seu Stradivarius que pertenceu a Paganini, o mesmo instrumento usado nestas gravações.
Comedimento era o que não existia no diminuto corpo de Sarasate, virtuose de fama mundial e compositor de diversas obras feitas sob medida para exibir sua técnica. Diferentemente de Joachim, ele abusa do vibrato e, a julgar por suas gravações, apreciava andamentos insanamente rápidos. O Prelúdio da Partita em Mi maior de Bach, por exemplo, é tocada em velocidade lúbrica, mais rápido até do que era capaz o violinista sexagenário: lá pelo segundo terço ele se perde completamente, como um estudante em pânico na prova, e só vem a se recuperar quando a obra se encaminha para o final (ele parece comentar alguma coisa no fim – talvez uma exclamação desbocada – mas não a consegui entender). O arranjo do Noturno de Chopin permite apreciar um pouco de seu afamado “cantabile”, que pelo jeito abusava do portamento. No entanto, é em suas próprias obras que o basco parece se sair melhor, principalmente no “Zapateado” e nas famosas “Zigeunerweisen” (Árias Ciganas), aparentemente abreviadas para caberem na gravação – o Adagio acaba bruscamente (em meio a instruções sem-cerimoniosamente faladas pelo intérprete) para dar lugar ao velocíssimo Finale.
Eugene Ysaÿe (1858-1931)
Já o belga Ysaÿe, aluno dos legendários Vieuxtemps e Wieniawski em Bruxelas, viveu até os anos 30. Por isso, deixou um legado maior de gravações, que nos soam mais modernas e muito mais satisfatórias que as de Sarasate e Joachim – mérito, também, da impressionante evolução das técnicas de gravação. O movimento final do Concerto de Mendelssohn, apesar dos cortes necessários para que coubesse num lado de um LP de 78 rpm, é bastante bom, e a famosa elegância do estilo de Ysaÿe fica evidente, apesar de algumas escorregadelas. Lembremo-nos de que as gravações eram feitas em uma só tomada, e o alto custo da mídia não permitia o luxo de repetir tomadas a bel-prazer.
Ysaÿe e o pianista Camille Decreus, realizando as gravações que vocês escutarão em breve, em Nova York (1912). Reparem no cone que fazia as vezes de microfone
Espero que apreciem estas gravações preciosas que permitem, pelo menos àqueles que lhe relevam os ruídos de superfície inerentes às limitações técnicas da época, uma fascinante viagem aural ao passado.
JOSEPH JOACHIM – THE COMPLETE RECORDINGS (1903) PABLO DE SARASATE – THE COMPLETE RECORDINGS (1904) EUGÈNE YSAYE – SELECTED RECORDINGS (1912)
Johann Sebastian BACH (1685-1750)
01 – Partita no. 1 em Si menor para violino solo, BWV 1002 – Bourrée
02 – Sonata no. 1 em Sol menor para violino solo, BWV 1001 – Adagio
Joseph Joachim, violino
(1903)
Joseph JOACHIM (1831-1907)
03 – Romance em Dó maior para violino e piano
Johannes BRAHMS (1833-1897), arranjos para violino e piano de Joseph Joachim
04 – Dança Húngara no. 1 em Sol menor
05 – Dança Húngara no. 2 em Ré menor
Joseph Joachim, violino
Pianista desconhecido
(1903)
Pablo Martín Meliton de SARASATE y Nevascués (1844-1908)
BÔNUS: vocês sabiam que não há só uma, mas DUAS gravações de Johannes Brahms ao piano? Claro que o som é precaríssimo, pois elas são de 2 de dezembro de 1889 (imaginem, menos de um mês após a Proclamação de República no Brasil!). Brahms toca uma de suas Danças Húngaras e um trecho de uma polca de Josef Strauss. Este vídeo do pianista Jack Gibbons, que tem um dos melhores canais de YouTube para amantes do piano, guia-nos nessa experiência aural a um só tempo difícil e privilegiada:
Os capítulos dessa curta novela sobre o MESTRE Antonio Guedes Barbosa começam a minguar.
O CD da Connoisseur Society está esgotadíssimo, e o link ao lado leva a um exemplar usado pela bagatela de cento e quatro doletas. Mais ainda: ele jamais teria sido lançado no Brasil, não fosse uma ação entre clientes da Ticket Restaurante.
Sim, foi a TICKET RESTAURANTE – fiel depositária de estipêndios pagadores de coxinhas, tubaínas e churrascos gregos Brasil afora – e não a vontade das gravadoras, nem o clamor do público, a responsável pela iniciativa de distribuir esta gravação do genial pianista pessoense em seu país natal.
Se acham isso lamentável, saibam que o maravilhoso álbum triplo de Barbosa tocando as mazurcas de Chopin só chegou às praias de Pindorama graças à BOLSA DE VALORES DO RIO DE JANEIRO, que o distribuiu entre sua rapaziada como presente de final de ano.
Mas, claro, nada é tão ruim que não possa ser pior: quando encontrei este CD perdido numa loja de usados do Rio no ano passado, ele estava entre CDs do NETINHO e da BANDA BEIJO.
Talvez para me redimir do erro crasso que foi ignorar a gravação pioneira do decano dos violoncelistas brasileiros, o potiguar Aldo Parisot, e atribuir erroneamente a Dimos Goudaroulis a primeira gravação brasileira da integral das Suítes para violoncelo solo de J. S. Bach, apresento-lhes um belo álbum em que Parisot rege o conjunto de violoncelos da Universidade de Yale, formado por seus alunos, e que leva seu nome.
O álbum original, como vocês podem perceber pela capa rasurada, não continha somente obras de J. S. Bach, mas também outras tantas do maior dos compositores brasileiros, que se inspirou em Bach para compor um conjunto de nove obras, cujos títulos, mui apropriadamente, remetem a Bach. Duas dessas obras – a primeira e quinta da série – foram compostas para conjunto de violoncelos (acompanhados, na quinta, por uma soprano solista, que nesta gravação é a excelente Arleen Augér).
Lamentavelmente, não temos a autorização dos representantes dos direitos de tal compositor para divulgar suas obras por aqui. Assim, deixamos que as obras de Bach lhes mostrem a beleza do som do coro de violoncelos burilado por Parisot, enquanto vocês ficam imaginando como as obras do compositor-de-quem-não-se-diz-o-nome não soariam com esse conjunto.
Ou, ah sim, também podem comprar o disco. É só clicar a imagem acima.
(ou, então, escutar no YouTube – mas, shhhhhh, não espalhem!)
JOHANN SEBASTIAN BACH (1685-1750)
01 – Suíte para orquestra no. 3 em Ré maior, BWV 1068 – Ária
02 – Partita para violino solo no. 2 em Ré menor, BWV 1004 – Chaconne
03 – O Cravo bem Temperado, livro I – Prelúdio e Fuga em Mi bemol menor, BWV 853
04 – O Cravo bem Temperado, livro I – Prelúdio em Si bemol menor, BWV 867
05 – Suíte para violoncelo solo no. 6 em Ré maior, BWV 1012 – Sarabande
The Yale Cellos of Aldo Parisot Aldo Parisot, regência
Arranjos para conjunto de violoncelos: Aldo Parisot
(os excertos d’O Cravo bem Temperado foram arranjados, parece, por um grande compositor brasileiro)
“Concerto do Século” é um título bastante presunçoso para esta gravação da celebração dos 85 anos (jubileu esquisito, né?) do Carnegie Hall em Nova York, e que eu comprei no Carrefour nos anos 90.
Os talentos reunidos talvez justifiquem a presunção: afinal, se hoje Leonard Bernstein, Isaac Stern, Yehudi Menuhin, Vladimir Horowitz, Slava Rostropovich e Dietrich Fischer-Dieskau provavelmente estão, entre uma piada e outra de Slava, a fazer música no Olimpo, no tempo em que eles repartiam conosco o ar pestilento do Hades era bem difícil vê-los repartindo um palco.
O repertório é um saco de gatos difícil de entender, cujo único critério de eleição, parece, era o da Roda da Fortuna. Talvez quisessem apenas achar pretextos para reunir o notável panteão musical e ganhar dinheiro com isso – a edição de luxo da gravação, por exemplo, limitada a mil exemplares e autografada pelos artistas, ainda pode trocar de mãos pela ninharia de duas mil e trezentas doletas.
Essa, no entanto, é uma questão que empalidece quando imaginamos o espetáculo sui generis que não deve ter sido assistir aos célebres instrumentistas cantando (!) o Hallelujah de Händel que encerra o festim musical. Não conseguimos, em momento algum, discernir suas vozes em meio ao coro e, por isso, provavelmente devamos à Oratorio Society e à Filarmônica de New York nossos efusivos agradecimentos.
Ver Horowitz soltando um dó de peito certamente foi uma das trombetas do Apocalipse, mas o fechamento meio bizarro do concerto não condiz com algumas das belezas nele contidas. Ok, o Concerto Duplo de Bach com Stern e Menuhin é decepcionante, meio cru e cheio de arestas, e também fica difícil entender por que o “Pater Noster” à capela de Tchaikovsky está ali, perdido entre Bach e Händel. No entanto, o “Pezzo Elegiaco” que abre o belo Trio em Lá menor de Tchaikovsky (com Stern, Horowitz e Rostropovich) e o Andante da Sonata para violoncelo e piano de Rachmaninov (com Rostropovich e Horowitz) são tão bons que a gente fica cá com os botões a se perguntar por que diachos deles foram tocados só excertos.
O ouro maciço, entretanto, está no MA-RA-VI-LHO-SO “Dichterliebe” de Schumann, na voz de seu maior intérprete, Dietrich Fischer-Dieskau, e com Horowitz ao piano. Não conseguiríamos tecer loas bastantes à maior voz do século XX, então concentramos nossos confetes sobre Horowitz, que não só acompanha impecavelmente como também acrescenta tensão e lirismo a momentos cruciais. Para mim, esta é disparadamente a melhor gravação que existe desta obra-prima do gênero, e tenho certeza de que, se fosse lançada separadamente e não escondida neste saco de gatos de pedigree, seria um sempiterno sucesso.
CONCERT OF THE CENTURY – CELEBRATING THE 85th ANNIVERSARY OF CARNEGIE HALL
Gravado ao vivo em 18 de maio de 1976
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
01 – Abertura “Leonore”, Op. 72a
New York Philarmonic Leonard Bernstein, regência
Pyotr Ilyich TCHAIKOVSKY (1840-1893)
02 – Trio em Lá menor para violino, piano e violoncelo, Op. 50 – Pezzo elegiaco
Isaac Stern, violino Vladimir Horowitz, piano Mstislav Rostropovich, violoncelo
Sergey Vasilyevich RACHMANINOV (1873-1943)
03 – Sonata em Sol menor para violoncelo e piano, Op. 19 – Andante
Mstislav Rostropovich, violoncelo Vladimir Horowitz, piano
Isaac Stern, Yehudi Menuhin, Vladimir Horowitz, Mstislav Rostropovich, Leonard Bernstein, Dietrich Fischer-Dieskau, vozes The Oratorio Society New York Philarmonic Leonard Bernstein, regência
Poucos músicos me impressionam tanto quanto Jordi Savall: sua extensa discografia parece não ter pontos baixos, e, mesmo quando ele flerta com tradições musicais distantes de suas praias gambísticas, barrocas e clássicas, os resultados são sensacionais.
Neste “Espírito da Armênia”, Savall mergulha na rica tradição musical de uma das mais antigas nações do mundo. A pequenina Armênia de hoje é apenas uma fração da Armênia histórica (que inclui partes da Turquia, Síria e Irã), e há mais armênios espalhados pelo mundo do que na combalida república rodeada de inimigos históricos. Seja nessa vasta diáspora que se seguiu ao horror do genocídio perpetrado por forças otomanas, ou no minúsculo e montanhoso país encravado no Cáucaso, a sobrevivência da cultura armênia é um impressionante caso de resiliência.
O sagrado Monte Ararat, visto da capital Yerevan. Símbolo onipresente da Armênia, da mitologia ao brasão de armas, ergue-se de forma imponente e melancólica desde… o território da arqui-inimiga Turquia (foto do autor)
A viela de Savall e os demais instrumentos do Hespèrion XXI harmonizam lindamente com suas contrapartes armênias, entre as quais destacam-se a zurna (instrumento de sopro de palheta dupla, semelhante a um oboé), o kamancheh (com três cordas de seda tocadas com arco) e, particularmente, o duduk, também de palheta dupla – uma palheta enorme, aliás – e belíssimo timbre pungente. Se vocês se lembram da abertura de “A Última Tentação de Cristo” de Martin Scorsese e do mesmerizante instrumento solista, então já escutaram um duduk.
A musicalidade de Savall, mais uma vez, dá amálgama a uma combinação improvável que, sob mãos menos sensíveis, daria chabu. O resultado é uma gravação poderosa e, graças às fartas doses de duduk, cala fundo no ouvinte.
Como tudo o que o catalão toca vira ouro, espero que desfrutem, amigos, mais este pomo de seu toque de Midas.
ESPRIT D’ARMÉNIE – ARMENIAN SPIRIT JORDI SAVALL
1 – Menk kadj tohmi (duduk, vielas, kamantcha, percussão)
2 – Akna krunk (duduks)
3 – Kani vur djan im (rabeca, duduk, viela e percussão)
4 – Chant et Danse (duduk e percussão)
5 – O’h intsh anush (vielas, duduk e percussão)
6 – Matshkal (duduks)
7 – Dun en glkhen (kamantcha)
8 – Garun a (vielas, duduk, percussão)
9 – Chants de mariage (duduks, kamantcha e percussão)
10 – Al aylukhs (duduk, kamantcha, vielas e percussão)
11 – Plainte: en sarer (duduks)
12 – Azat astvatsn & Ter kedzo (viela e percussão)
13 – Sirt im sasani (duduks)
14 – Hayastan yerkir (viola, duduk e órgão)
15 – Hey djan (duduks)
16 – Hov arek (duduk, vielas, percussão)
17 – Lamento : sev mut amper (duduks)
Haig Sarikouyoumdjian e Georgi Minassyan, duduks Gaguik Mouradian, kamantcha Hespèrion XXI Jordi Savall, viela, viola e regência