Surpreendi-me com a alta qualidade deste CD — mais um do compositor americano Samuel Barber. O Concerto para Violoncelo é uma verdadeira joia. As passagens são belíssimas e de bom gosto. Ainda não tivera a oportunidade de conhecer esse compositor. Mas após as duas sinfonias que postei a semana passada e com mais este concerto para cello, Barber entrou positivamente em meu conceito. Vale ressaltar ainda o belo Adagio para cordas, Op.11 encontrado neste CD que ora posto. Duas palavras o traduz: belo e desolador. Parece com uma daquelas velhas melodias sobre os efeitos devastadores da guerra. Não deixe de ouvir. Uma boa apreciação!
Samuel Barber (1910-1981) – Cello Concerto, Op. 22, Medea Ballet Suite, Op. 23 e Adagio for Strings, Op. 11
Cello Concerto, Op. 22
01. Allegro moderato
02. Andante sostenuto
03. Molto allegro e appassionato
Medea Ballet Suite, Op. 23
04. Parodos
05. Choros. Medea and Jason
06. The Young Princess. Jason
07. Chroso
08. Medea
09. Kantikos Agonias
10. Exodos
Adagio for Strings, Op. 11
11. Adagio for Strings, Op. 11
Royal Scottish National Orchestra
Marin Alsop, regente
Wendy Warner, cello
Como comentei em um post anterior de música romena, às vezes a sonoridade, a ambiência da música de Lerescu me lembram muito o Stefan Niculescu dos anos 70 e 80. Verdade que tenho a sensação de que falta um quê inominável, aquele que separa a obra-prima de uma obra “apenas” muito interessante e que não se restringe simplesmente a uma falta de novidade, ou de originalidade extrema. O que posso dizer é que parece faltar o peso, a força extrema com Niculescu bizarramente nos conduz pela leveza. E mais ainda, como ele consegue abandoná-la sempre que quer, sem se tornar refém da criação. Ainda assim, as sinfonias de Lerescu são obras de enorme beleza, e tenho certeza de que devem agradar mesmo os exigentes. Há nelas um transbordar de cor e dramaticidade que me recordam também um pouco daquele grandeur do Rautavaara dos primeiros concertos para piano, da época em que este ainda não tinha diluído de vez sua música (mas as sinfonias do Lerescu, ainda assim, são melhores que o melhor Rautavaara). As três primeiras sinfonias, respectivamente de 1984, 1987 e 1994, é que realmente são o caso. A quarta, para orquestra com órgão, não me impressiona tanto. E dentre as três primeiras, tenho um carinho todo especial pela segunda, que desde os primeiros segundos já nos envolve com uma entrada brilhante e sua delicadeza um pouco infantil.
Boa diversão!
Sorin Lerescu (1953)
Sinfonias
CD 1
01 Sinfonia nº1, para orquestra (1984)
02 Sinfonia nº2, para orquestra (1987)
CD 2
01 Sinfonia nº3, para orquestra (1987)
02 Sinfonia nº4, para orquestra com órgão
Nem todo CD que a gente posta neste blog é por morrer de amores pelo repertório; existem muitas outras razões possíveis. Por exemplo, o CVL e eu (Ranulfus) postamos bastante por razões de documentação: disponibilizar coisas de determinada época ou tendência artística pras pessoas poderem saber que essas coisas existem e como são.
Aliás, o próprio Grão Mestre PQP não faz isso sempre, mas quando faz vai fundo: baste ver o Miles Davis que ele postou há dois dias, que, como ele mesmo é o primeiro a dizer, é realmente o ó do borogodó.
Mas esse NÃO é, de jeito nenhum, o caso do CD que estou postando agora! É um CD muito bom; minha ressalva é só que pessoalmente sinto mais afinidade com repertórios de outras épocas e estilos.
Então minha decisão de postar estas peças brasileiras inincontráveis de outro modo tem por um lado esse caráter documental – mas também outras razões: uma delas a própria voz, e a impecabilidade no uso dessa voz, dentro da técnica que escolheu, da soprano Marília Vargas – que apesar de minha conterrânea só conheci este ano com a estupenda postagem feita pelo CVL das cantatas da compositora seiscentista veneziana Barbara Strozzi.
Pessoalmente continuo preferindo ouvir a voz da Marília nas cantatas de Strozzi – mas também não posso deixar de reconhecer o capricho, o empenho verdadeiramente amoroso colocado por Marília e pelo musicólogo Paulo José da Costa, seu pai, na pesquisa e realização do CD, não por acaso chamado (a partir de um verso de uma das canções) “Todo amor desta terra”.
As 22 faixas procedem de 8 compositores, só 2 deles vivos, com por volta de 90 anos. Desses oito, o nascido há mais tempo (130 anos) morreu com 47, vítima da gripe espanhola: trata-se de Augusto Stresser (1871-1918), sempre mencionado como autor da primeira ópera composta no Paraná, “Sidéria”, de 1912 (houve outras?). O mais recente estaria com 77 anos, se não houvesse morrido aos 74: Henrique de Curitiba (1934-2008), que comparece com um ciclo de 6 poemas musicados, mais uma faixa independente.
No entremeio temos (retomando a ordem de antiguidade) Benedito Nicolau dos Santos (1878-1956), com uma faixa – e aí as principais estrelas da “face antiga” do disco: 5 faixas de Bento Mossurunga (1879-1970) e 4 de Alceo Bocchino (1918). Entram ainda Wolf Schaia (1922-2002) com 2 faixas, Gabriel de Paula Machado (1924) com uma, e também uma de José Penalva (1924-2002).
Canções paranaenses ou curitibanas? Dos oito compositores, cinco são curitibanos – sendo que Alceo Bocchino, com 92 anos, vive há 65 no Rio. Mossurunga nasceu em Castro (cidade cujo rio é homenageado na primeira faixa), mas viveu 25 anos no Rio e bem uns 60 em Curitiba. Paula Machado parece ter vivido dividido entre sua Ponta Grossa natal e Curitiba. E o Padre Penalva, provavelmente o compositor mais denso do grupo, é paulista de Campinas; mudou-se com 34 anos para Curitiba, onde produziu o principal de sua obra nos 44 anos seguintes.
Paranaenses ou curitibanas, minha impressão é que a sombra de uma terceira cidade recai sobre pelo menos metade das canções: a do Rio antigo. Pois pelo menos metade podem ser classificadas como modinhas tardias: criações novecentistas dentro do principal gênero “de salão” da música brasileira oitocentista – “popular” na medida em que possa ser chamada assim a música cultivada nas casas senhoriais. E na combinação soprano e piano a modinha está inteiramente em casa.
Talvez o caso mais curioso no CD seja a canção do Padre Penalva (faixa 14), compositor que estamos acostumados a ver transitando entre o dodecafonismo e os clusters vocais à la Penderecki: pois não é que comparece aqui com uma espécie de modinha alunduzada? A propósito, uma exploração bastante interessante dos belos versos de Menotti del Picchia, mas em certo sentido a menos paranaense das canções: antecede em cinco anos a instalação do autor em Curitiba.
As mais paranaenses, num sentido folclorizante, são – é chato dizer, mas necessário – as que eu menos gosto: peças que pretendem estilizar para o salão um tipo de música que têm seu berço no galpão, e que vive muito bem no galpão sem precisar fingir o que não é. (Falo de um galpão sulino, puxando para o gauchesco). Cabem nesse saco (ou pelo menos tendem a ele) as faixas 2, 6 e 9, sintomaticamente chamadas “Tristeza do Pinheiro”, “Sapecada” (nome que se dá para assar pinhão no mato numa fogueira das próprias grimpas do pinheiro/araucária) e “Gauchinha”.
Eu diria ainda que duas das canções escapam ao modinheiro e ao folclorizante no rumo do Lied romântico europeu (com perdão da redundância): as faixas 5 (“As letras”, de Wolf Schaia sobre versos de Fagundes Varella) e 15 (a forte “Canção de Inverno” de Alceo Bocchino).
Finalmente, espero não estar sendo influenciado pela generosidade com que, nos anos 70, Henrique de Curitiba recebia os estudantes mais inquietos na sua mesa na Confeitaria Iguaçu ou mesmo na sua casa, ao dizer que se há uma voz propriamente pessoal no CD, essa é a sua. Não que aí também não apareça o elemento “modinha”; só que, justamente, é apenas um elemento. Também não quero dizer que a composição de Henrique me convença sempre: a última faixa do CD, por exemplo (e a exemplo de algumas outras peças suas que conheço, não neste CD), me parece ficar no nível de uma construção artificial, uma intenção de composição que não recebeu a graça daquele sopro de vida que concede naturalidade até às coisas construídas mais artificialmente. Mas Henrique também tem outros momentos –
… como o encontro entre o filho de poloneses Zbigniew Henrique Morozowicz (“de Curitiba” é nome artístico) e a filha de ucranianos Helena Kolody (1912-2004), uma modesta professora de ciências apaixonada pelas palavras desde menina, que com os anos atingiu um minimalismo singelo tão pessoal que a tornou a inegável grande dame da poesia paranaense. De 1999, os “Seis Poemas de Helena Kolody” são a peça mais recente do CD, e me caem como um vinho branco de perfume sutil. Em sua delicada síntese de eslavo e brasileiro, romântico e moderno, estudado e intuitivo, quer-me parecer que neste ciclo nosso professor e amigo Henrique chegou lá – tanto no sentido de realização pessoal quanto no de alguma coisa que possa ser chamada de “canções paranaenses”, e não apenas “de compositores paranaenses”.
Mas eu falei que postava o CD por diversas razões, e há uma que ainda não mencionei – esta bem pessoal: é que precisamente hoje, 10 de setembro, se encerra a estada de nove meses do peregrino monge Ranulfus na cidade de Curitiba: sua próxima postagem já virá de outro canto do Brasil. Daí a vontade de marcar o momento com a divulgação deste CD, o qual talvez possa ser entendido – inclusive em sua imagem de capa reproduzida abaixo – como um sensível reflexo das múltiplas e para mim fascinantes ambiguidades deste lugar.
“Todo amor desta terra” – canções paranaenses [1900-1999] (2008)
Soprano: Marília Vargas – Piano: Ben Hur Cionek
Flauta transversal: Fabrício Ribeiro (faixa 6)
01 Ondas do Iapó – Bento Mossorunga / José Gelbeck
02 Tristeza do Pinheiro – Bento Mossorunga / Alberico Figueira
03 Virgem do Rocio – Bento Mossorunga / Alberico Figueira
04 Cantiga de Ninar – Alceo Bocchino / Glauco de Sá Britto
05 As Letras – Wolf Schaia / Fagundes Varela
06 Sapecada – Bento Mossorunga / João de Barros Cassal
07 A Marília – Alceo Bocchino / Tomás Antônio Gonzaga
08 Só tu – Wolf Schaia / Paulo Setúbal
09 Gauchinha – Alceo Bocchino / Antônio Rangel Bandeira
10 Mimosa Morena – Benedito Nicolau dos Santos / Correia Junior
11 Vem – Bento Mossorunga / José Gelbeck
12 Serenata da ópera “Sidéria” – Augusto Stresser / Jayme Ballão
13 Ismália – Gabriel de Paula Machado / Alphonsus de Guimarães
14 Saudade – José Penalva / Menotti del Picchia
15 Canção de Inverno – Alceo Bocchino / Pery Borges
. . . . . . . . .
SEIS POEMAS DE HELENA KOLODY – Henrique de Curitiba
16 Cantar
17 Cantiga de Roda
18 Voz da Noite
19 Âmago
20 Nunca e Sempre
21 Viagem Infinita
. . . . . . . . .
22 E se a lua nos contasse – Henrique de Curitiba
Ouvir é um ato que requer humildade. É imprescindível acreditar. Infelizmente nossa natureza não é assim, o que alguns chamam de senso crítico, eu chamo de idealização ou característica estética preferida. E isso, na maioria das vezes, leva a um impedimento da expressão do outro. A grande maioria de vocês sabem da dificuldade de ouvir o novo (não estou falando de um período específico da história). Aquela linguagem que é totalmente alheia ao nosso mundo tem que “forçosamente” criar uma memória musical. Pois a apreciação quase sempre vem da lembrança. Não foi a toa que boa parte das grandes obras-primas tiveram uma rejeição inicial. No meu caso, devo confessar que tenho enorme dificuldade com a música medieval e renascentista, isso porque meus ouvidos estão acostumados a uma certa dinâmica que é muito difícil abandonar. Ou talvez a sonoridade, tão próxima da arquitetura das igrejas, seja muito sacrificada numa gravação. Vou citar um exemplo bem geral: estou lendo uma biografia fantástica sobre Handel (Handel – Paul Henry Lang; Dover). Esta biografia foi lançada no início dos anos 1960, época na qual a música barroca, instrumental ou operística, era pouco executada (com exceção de Bach). Há um capítulo fantástico e quase profético sobre a estética das óperas barrocas, praticamente impossível de ser apreciada pelo século XIX e início do século XX. Pois o público valorizava um certo realismo ou tipo de ação no palco, que era inexistente e desinteressante para o ouvinte do período barroco. Tanto Handel como Rameau, por exemplo, deveriam enfatizar apenas as características psicológicas dos personagens, já que a ação (temas bíblicos, romanos ou gregos, em geral) era amplamente conhecida pelo público na época. Muitas vezes o mesmo libreto era usado por vários compositores. O que realmente importava era como o compositor arrancava lirismo e verdade daquilo. Hoje, passado algumas décadas depois do livro, o público é bem menos ortodoxo e muito mais interessado nesse período genial da música, um período além de Bach.
“E o que isso a ver com Schoenberg?” Bem, esse disco com obras corais, praticamente todos a cappela, me lembram um pouco a dificuldade que tenho com a música medieval. É difícil essa empreitada neste momento da minha vida (quanto mais cedo acostumar o ouvido, melhor), mas não vejo a música de Schoenberg mais difícil que a música de Guillaume de Machaut, por exemplo. São mundos tão distantes no tempo, mas tem tanto em comum. Pelo menos, não falta humildade nas minhas audições.
Arnold Schoenberg (1874 – 1951) – Choral Works
1. Satires (3), for chorus and instruments, Op. 28: Am Scheideweg (At the Crossroads)
2. Satires (3), for chorus and instruments, Op. 28: Vielseitigkeit (Versatility)
3. Satires (3), for chorus and instruments, Op. 28: Der neue Klassizismus (The New Classicism)
4. Pieces (4) for chorus & ensemble, Op. 27: Unentrinnbar (Inescapable)
5. Pieces (4) for chorus & ensemble, Op. 27: Du sollst nicht, du mußt (Thou Shall Not, Thou Must)
6. Pieces (4) for chorus & ensemble, Op. 27: Mond und Menschen (Moon and Mankind)
7. Pieces (4) for chorus & ensemble, Op. 27: Der Wunsch des Liebhabers (The Lover’s Wish)
8. Pieces (6) for male chorus, Op. 35: Hemmung (Restraint)
9. Pieces (6) for male chorus, Op. 35: Gesetz (The Law)
10. Pieces (6) for male chorus, Op. 35: Ausdrucksweise (Means of Expression)
11. Pieces (6) for male chorus, Op. 35: Glück (Happiness)
12. Pieces (6) for male chorus, Op. 35: Landsknechte (Yeomen)
13. Pieces (6) for male chorus, Op. 35: Verbundenheit (Obligation)
14. German Folksongs (3) for chorus, Op. 49: Es gingen zwei Gespielen gut
15. German Folksongs (3) for chorus, Op. 49: Der Mai tritt ein mit Freuden
16. German Folksongs (3) for chorus, Op. 49: Mein Herz in steten Treuen
17. Peace on Earth (Friede auf Erden), for chorus & instruments ad lib, Op. 13
18. Dreimal tausend Jahre, for chorus, Op. 50a
19. De Profundis, for chorus, Op. 50b
Faz algum tempo que queria postar obras do compositor canadense Claude Vivier, mas, quando decidi fazê-lo, notei que meus arquivos tinham baixa qualidade e estavam bem desorganizados. Foi quando achei esta caixa com quatro cds cobrindo o período criativo do autor (que não foi muito extenso, dada sua morte precoce). Algumas das minhas peças favoritas, como Orion, não estão aqui e vão ter que esperar por um novo post, mas dá para se ter uma boa noção da linguagem do autor, enquanto nos deliciamos com grandes peças, como Siddharta e Lonely Child. Para mim, é bem verdade, há uma certa dificuldade em apreciar grande parte da sua obra, que foi direcionada para o canto (coisa que não suporto bem), mas mesmo com a soprano, uma peça como Lonely Child dá arrepios na sua aparente simplicidade, em seu ar sacro e direto.
Enfim, só para deixar claros alguns pontos biográficos, Vivier nasceu em 1948 de pais desconhecidos. Foi adotado quando tinha três anos. Teve uma formação religiosa bastante intensa, mas se dirigiu cedo para a música. Suas primeiras peças importantes datam de 1968, Quarteto de cordas e Prolifération (esta terminada só no ano seguinte). Sua música vai se mudando de estilo com o passar do tempo, sobretudo com os anos de estudos com Stockhausen (1973-74) e após sua viagem para o Japão e para Bali (1976-77). E neste momento que sua obra alcança uma linguagem muito pessoal e melodiosa, ainda que próxima da música espectral francesa e cheia de referências orientais e ritualísticas. Tristemente, poucos anos depois, em 1983, ao 34 anos de idade, o compositor morreria assassinado, tendo escrito até aquele momento 48 peças.
Boa diversão!
CLAUDE VIVIER (1948-1983)
Anthology of Canadian Music, vol. 36
CD 1
01 Documentário sobre Claude Vivier preparado e lido por Maryse Reicher, jornalista (em francês)
02 Chants (1973) 21:55
CD 2
01 Proliferation (1968-69) 14:40
02 Pianoforte (1975) 9:10
03 Hymnen an die Nacht (1975) 5:30
04 Piece pour flute et piano (1975) 5:15
05 Piece pour violoncelle et piano (1975) 8:30
06 Siddhartha (1976) 27:05
CD 3
01 Lettura di Dante (1974) 25:55
02 Pulau Dewata (1977) 11:00
03 Zipangu (1980) 15:40
04 Lonely Child (1980) 19:05
CD 4
01 Shiraz (1977) 12:55
02 Paramirabo (1978) 14:30
03 Cinq chansons pour percussions (1980) 19:40
04 Prologue pour un Marco Polo (1981) 24:20
Michel Ducharne, barítono (CD 4, faixa 4)
Yves Saint-Armant, baixo (CD 4, faixa 4)
Claude Lamothe, violoncelo (CD 2, faixa 5; CD 4, faixa 2)
Lorraine Vaillancourt, regente (CD 1, faixa 2; CD 4, faixa 4)
Pierre Beluse, regnte (CD 3, faixa 2)
Serge Garant, regente (CD 3, faixas 1 e 4)
Walter Boudreau, regente (CD 2, faixa 6)
Yuli Turovsky, regente (CD 3, faixa 3)
Lise Daoust, flauta (CD 2, faixa 4; CD 4, faixa 2)
Marie Laferriere, mezzo-soprano (CD 4, faixa 4)
Jacques Lavallee, narrador (CD 4, faixa 4)
Jean Laurendeau, ondes martenot (CD 2, faixa 1)
Marie-Danielle Parent, soprano (CD 1, faixa 2; CD 3, faixa 4)
Gail Desmarais, voz (CD 1, faixa 2)
Jocelyne Fleury Coutu, voz (CD 1, faixa 2)
Christine Lemelin, voz (CD 1, faixa 2)
Diane Eberhard Bergstrom, voz (CD 1, faixa 2)
Helene Marchand (CD 1, faixa 2)
Madeleine Jalbert (CD 1, faixa 2)
David Kent, percussão (CD 4, faixa 3)
Serge Laflamme, percussão (CD 2, faixa 1)
Jean-Eudes Vaillancourt, piano (CD 2, faixa 3)
Louis-Philippe Pelletier, piano (CD 2, faixas 1, 2, 4 e 5; CD 4, faixas 1 e 2)
Lorraine Vaillancourt, soprano (CD 2, faixa 3; CD 3, faixa 1; CD 4, faixa 4)
David Doane, tenor (CD 4, faixa 4)
Denise Lupien, violino (CD 4, faixa 2)
Em memória de todos os que morreram pela negligência deliberada de um governo genocida no Brasil (2020-2021)
I. INTRODUÇÃO
A décima primeira sinfonia de Shostakovich é daquelas obras que quanto mais penetramos em seu íntimo e descobrirmos todos os seus meandros e detalhes, mais prazerosa ela se torna à nossa fruição. E os sentimentos que ela provoca são mais agudos principalmente nos espíritos revolucionários.
Escrita logo após o levante da Hungria de 1956, ela evoca e descreve alguns dos acontecimentos de 1905, o ano da primeira Revolução Russa, que fracassou, homenageando o espírito da revolução passada, e talvez sutilmente honrando os trabalhadores que se insurgiram contra a burocracia stalinista naquele momento na Hungria, que embora já não contasse com Stálin, perpetuava as mesmas práticas sob o véu de uma “abertura” e das “denúncias” de Khruschev. No fim o que mostrou a continuidade entre ambos foi justamente a repressão contra os intelectuais e trabalhadores húngaros no levante. Mas é incerto se Shostakovich quis realmente também se referir ao levante húngaro.
De toda forma, o mais importante da obra é sua capacidade de “narrar” os fatos do ano de 1905, utilizando-se de canções populares tradicionalmente ligadas ao movimento político que lutou contra a autocracia no final do século XIX e início do XX, até a Revolução de Outubro de 1917.
O conhecimento dos fatos ocorridos no anos de 1905 ajudarão a entender a obra. Desde a manifestação pacífica de trabalhadores sob a liderança de um padre, que é massacrada pelas tropas em frente ao Palácio de Inverno em janeiro, conhecida como Domingo Sangrento, passando pela revolta dos trabalhadores de toda a Rússia com o massacre, até a insurreição nas ruas com barricadas e fuzis, que também será derrotada pelas tropas do Czar no final do ano.
II. ANÁLISE
Vou utilizar como referência para a análise uma interpretação no Youtube, porque assim é possível ver os instrumentos que estão sendo utilizados para executar motivos e melodias que têm importante significado ao longo da obra. Essa gravação é boa pois utiliza de jogos de imagem articulados com a música. Recomendo ver o vídeo com o texto ao lado, o que pode ser feito dividindo a tela entre o vídeo e o texto.
1. A praça do Palácio de Inverno (Adagio)
Não se enganem pela incomum nomenclatura de “adagio” em um primeiro movimento (se comparada à tradição da forma sonata, onde geralmente o primeiro movimento é um Allegro). Tenho certeza que muitos que já escutaram várias vezes essa sinfonia se deixaram levar e descreveram esse movimento inicial como leve, distraído, calmo. Mas, na verdade, ele é cheio de tensões e conflitos latentes e sutis. A luta de classes muitas vezes é silenciosa e aparece sob outras formas não imediatamente reconhecíveis. Fica implícita em certos acontecimentos e movimentos. Raramente ela é explícita e aberta.
A sinfonia começa com uma melodia calma e lenta nas cordas, com leves toques de harpa. É importante fixar bem essa melodia pois ela retornará várias vezes e reaparecerá com uma outra forma num dos momentos mais dramáticos da obra: o silêncio após o massacre na praça em frente ao Palácio de Inverno.
Logo neste começo aos 1:04~1:21 minutos (na interpretação do vídeo acima) surge um incomum motivo nos tímpanos. Este motivo retornará muitas vezes e em variados formatos. Esse motivo pode ser visto como o conflito (de classes) silencioso sempre latente mesmo em meio à suposta calmaria. Aos 1:24~1:53 temos o primeiro motivo de um dos personagens desse conflito: as tropas czaristas, ou, o poder militar czarista, cujo caráter fica evidente pela melodia do trompete e a percussão das caixas.
Esses dois motivos retornarão a todo o momento, como se dissessem: a calmaria e a paz permanente de uma praça e um palácio ostensivamente ricos só se mantêm pela permanente presença da ostensividade militar, e pelo conflito permanente entre exploradores e explorados.
Os temas e motivos se repetem. Mas, dessa vez, o sinal militar que antes fora executado no trompete é executado em uma trompa (3:23~3:47). Os tímpanos continuam presentes a todo o momento, até que aos 5:13 ~ 6:00 surge nas flautas a pequena canção dos trabalhadores. O motivo dos tímpanos, tenso, continua a tocar, ameaçador.
Conhecida como “Слушай!” (“Escute!“), essa canção singela descreve a esperança por liberdade, apesar das barras de ferro, das baionetas, dos tiranos e de todo o silêncio. Algo pode ser escutado em meio a toda essa situação… Provavelmente foi uma canção inspirada ou mesmo criada nas prisões e nos campos de trabalho forçado dos exílios na Sibéria. Shostakovich quer, aqui, descrever a situação de opressão dos trabalhadores russos.
O tema da praça retorna, com a tensão dos tímpanos e harpas mais forte, ao que é sucedido por algo novo: nos 7:05, as caixas militares entram com o seu ritmo diferente, e a canção dos trabalhadores também muda: fica mais tensa e se espalha por naipes inteiros da orquestra, sugerindo a tensão crescente das contradições sociais causadas pelo sofrimento e miséria dos trabalhadores. Cresce a insatisfação com o regime econômico, social e político do Império Russo. Depois de passar pelos metais, violinos, violoncelos e contrabaixos, nos 7:57 a canção dos trabalhadores muda sua melodia, tornando-se mais dramática e quase épica. Ao que é precedida por um toque no fagote (8:10) e, em seguida, novamente nas cordas, mudando seu tom e melodia. Os metais dão sinais e os tímpanos continuam ativos.
Aos 8:41~9:11 acontece uma coisa muito sutil, mas que essa gravação aqui disponibilizada ajuda a perceber: os contrabaixos começam a tocar uma nova melodia. É um novo lamento de angústia e de insatisfação, apesar da presença intimidadora constante do trompete militar e dos tímpanos tensos, que tentam calar o clamor popular, tal como a polícia política czarista naquela época, a temível Okhrana.
É a melancólica canção “Ночь темна лови минуты”, mais popularmente conhecida como “Арестант” (“O prisioneiro“). Ela narra a dureza da vida nas prisões políticas do Czar.
(Uma versão para coro muito bonita, mostrando imagens de época e dos locais dos prisioneiros)
A canção “Escute!” soma-se à sua nova companheira e retorna nos violinos e violas. Aos 9:25 “O prisioneiro” é tocada numa flauta solo que vai ganhando volume. A melodia de “o prisioneiro” então se desenvolve e toma outros instrumentos, a melodia de “Escute!” passa para os contrabaixos, e os tímpanos agora soam ameaçadoramente volumosos (10:08). O resto do movimento continua com esses conflitos e tensões entre os diversos motivos e melodias, até que o tema da praça retorna (11:38) e conclui com as esporádicas aparições das caixas, tímpanos e trompetes.
Nos 14:06 um motivo curto e inédito aparece, e encerra o movimento.
2. O 9 de janeiro (Allegro)
O Segundo movimento começa com os contrabaixos quase que “correndo”, o que mostra que alguma mobilização está sendo realizada. Nas ruas? Nas fábricas? Nos quartéis? Seriam os trabalhadores ou os soldados?
Logo no início desse movimento, aos 14:46, uma melodia é tocada nas madeiras, depois passa para as cordas, violinos e violas, enquanto se mantém a correria nos violoncelos e contrabaixos. É a canção “Девятое Января” (“Nono de janeiro”). Essa, ao contrário das anteriores, e da maioria das canções subsequentes, não é uma tradicional canção folclórica de luta. Mas o sexto poema que Shostakovich musicou em seus Dez Poemas Corais Sobre Textos Revolucionários, sobre texto de Evgeny Mikhailovich Tarasov (1882-1943).
(coloquei a partir do momento em que o tema em questão aparece)
Para ilustrar o significado dessa melodia, vamos ao que diz o texto de Tarasov, sobre o qual Shostakovich fez o poema musical:
[…] Com oração nos lábios e com fé no peito, Com os retratos reais, guiados pelos ícones, Não para lutar contra o inimigo, sem pensar em mal – o povo caminhou, exausto, para derrotar o Czar com suas testas. Oh tu, nosso Czar, nosso pai! Olhe ao nosso redor: […] Morremos acorrentados e com fome… sem lugar para ir… Você é um dos nossos protetores! Você nos protege! […] Sim, a mão imperial é generosa de misericórdia: O Czar escutou seu povo com tanta importância, Que nada disse – e acenou com a mão… Sob os rebanhos de servos reais liberados das correntes, Toda a terra tremeu com um rugido, E a praça em frente ao palácio ficou coberta de corpos: o povo caiu, alimentados com bala e chumbo. […] Um milagre foi criado desse feito: Onde, guiada, choveu uma tempestade Onde o sangue do povo foi derramado numa torrente, – Ali, de cada gota de sangue e chumbo O cuidado da mãe terra deu nascimento a um lutador!
(tradução livre e amadora; trechos)
Como diz a letra, essa canção, cuja melodia está inserida na sinfonia, descreve os trabalhadores e camponeses pobres, assolados pela pobreza, pela fome, pela miséria e pela servidão, que vão pedir humildemente ao “paizinho Czar” a resolução para seus sofrimentos. Mas, diante do massacre czarista, renascem como lutadores. Mas essa melodia aparece, simplesmente, representando a “ingenuidade” dos trabalhadores. Outras canções mais à frente descreverão sua revolta.
A melodia se desenvolve espalhando-se para toda orquestra, tornando-se o tema inicial deste movimento, até que aos 16:11, o trompete toca, é um sinal militar para que as tropas fiquem em guarda. Aos 17:31 um novo motivo surge nos trombones, derivado da mesma canção acima, mas de sua parte inicial, que em sua letra diz:
Descubram suas cabeças! Neste dia triste A sombra de uma longa noite tremulou sobre o solo. A fé do escravo em seu senhor caiu, E uma nova alvorada acendeu sobre a terra-mãe… […]
A melodia, que reaparece aos 18:08, quer transmitir o sentimento de despertar dos trabalhadores. Os trombones e tubas emitem esse motivo, e em seguida o tema da marcha sofre uma leve modulação, tornando-se mais dramático e mais apelativo.
Aos 20:03 os oboés e flautas tornam tudo inesperadamente mais tenso. E os temas vão se desenvolvendo em sucessão e interseção. Um grande clímax vai sendo construído, como se a mobilização de trabalhadores que se dirigem à Praça do Palácio de Inverno fosse crescendo e tornando-se mais volumosa. Os temas desenvolvidos aqui são os mesmos de sempre, ganhando toda a orquestra e atingindo o clímax.
Tudo vai tornando-se mais silencioso e delicado, até que aos 24:04 o tema da praça retorna. Os trabalhadores chegaram à Praça, e caminham lentamente na neve espessa, entoando seus hinos de apelo e misericórdia ao Czar… Ouvimos o motivo ameaçador dos tímpanos e o sinal dos trompetes… ataques rápidos nas caixas… São tiros! Aos 25:30. Mais tiros… começa uma correria de cavalos nos contrabaixos, seguido pelas violas… O massacre começou… os pobres manifestantes tentam correr, se abrigar, mas estão sendo cercados pelos cavalos, pelos chicotes e sabres dos cossacos fortemente armados e brutais. Aos 27:59 o fuzilamento e extermínio geral começa… estampidos, marchas, tiros e mais tiros… em meio à morte generalizada, a melodia de “descubram suas cabeças” ainda soa aos 28:46, dizendo que os trabalhadores despertam, e a luta apenas começou… Por enquanto, quem vence é a força das armas repressoras representada pelas caixas e tímpanos tocando em marcha. Silêncio…
O tema da praça retorna, mas agora, com as cordas fazendo leves trinados (oscilações), como se representassem os sons de agonia da imensidão de corpos caídos sobre a vasta neve fria da praça…
O movimento se encerra com “Escute!” tocando timidamente aos 31:36.
3. Memória eterna. (Adagio)
O terceiro movimento, novamente um adagio, começa com o dedilhado nos contrabaixos, que é quase uma reflexão em um minuto de luto para aqueles que se foram. Sucede nos 34:11 a famosa canção “Вы жертвою пали в борьбе роково” (Tu caíste morto na luta!)
Esta canção é mais que uma marcha fúnebre de luto qualquer, é uma marcha fúnebre revolucionária que homenageia os lutadores caídos, prometendo mais luta. Faz homenagem a todos os lutadores que caíram buscando transformar a sociedade e ao mesmo tempo promete vingança contra os tiranos que foram responsáveis por suas mortes.
Seus versos merecem ser reproduzidos aqui na íntegra:
Tu caíste morto na luta! Com um amor desinteressado pelo seu povo Entregou sua vida e tudo que tinha por ele, como um herói! Pela vida, honra e liberdade dos operários! Tu penaste em cárceres frios e úmidos! Julgado e condenado por policiais e déspotas mercenários! Eles o arrastaram violentamente por uma estrada deserta Enquanto tu ouvias, exausto, o som de suas correntes a balançar Mas, enquanto os malditos tiranos festejam em seus luxuosos palácios Deleitando com vinho e afogando-se no rum Poderosos, corajosos e mortais, corações mentes e mãos Prenunciam sua fúria nas paredes de fábricas e quartéis: O povo se rebelará e a tirania cairá Seremos grandes, poderosos e livres Então, como irmãos, nos despedimos de ti Pois você se foi honrando o nobre caminho que seguiu!
Aos 38:24 um novo tema surge, criando uma atmosfera sombria, mas que cada vez mais vai se iluminando, como se do luto nascesse uma disposição para lutar. Quase como a cena de Encouraçado Potemkin (um filme que retrata um evento também ocorrido no ano de 1905) de Eisenstein, onde após o luto pelo marinheiro morto, os trabalhadores que visitam seu túmulo cerram os punhos e entoam hinos de luta em sua memória.
Surge então, levemente, aos 38:50 uma nova melodia nas trompas. Aos 41:14, a melodia envolve a orquestra cita um motivo da canção “Славное море, священный Байкал…” (“Grande mar, o sagrado Baikal…”) que entoa o sentimento de um ex-prisioneiro que, encontrando o mar Baikal, descobre a liberdade…
O motivo principal dessa canção é acentuado aos 41:33 pelos metais, num clímax de esperança… e logo em seguida, aos 41:55, o tema de “descubram suas cabeças” é tocado, dizendo: despertamos!
Depois de um crescendo de tensão e fúria nos contrabaixos, novamente o tema principal deste movimento retorna aos 43:08 com alusões a partes da canção, depois reinicia-se brevemente, terminando o movimento com os mesmos dedilhados com que iniciou o movimento.
4. Tormenta. (Allegro non troppo)
Беснуйтесь, тираны! (“Ódio aos tiranos!“)
É com essa canção que começa o quarto movimento, anunciado e repetido nos trombones. Seus versos descrevem a ira do povo contra os tiranos, que tratam os trabalhadores de forma selvagem e cruel. Apesar das correntes, prisões, e das feridas das botas sobre seus corpos, os espíritos destes homens são indomáveis. E que caiam aqueles que tremem diante dos tiranos! Pois os corajosos não trocam seus direitos por nada, e não temem feridas no corpo. É melhor temer a escravidão do que a morte! A terra está vermelha de sangue expelido, em todos os lugares batalham irrompem. Com fogo o levante dos trabalhadores abraçam todos os países! Vergonha e morte aos tiranos!
Esse movimento vai descrever a revolução de 1905 no Império Russo, e outros acontecimentos ligados a ela, como a revolta dos marinheiros do Encouraçado Potemkin em Odessa.
Esse movimento, tal como o primeiro, será cheio de conflitos entre os naipes de instrumentos. Mas, agora, estão explícitos. É o advento de uma revolução. Os metais, embora inicialmente entoaram “Ódio aos tiranos!”, serão os repressores na maior parte do tempo, em vários momentos, aliados às caixas e tímpanos, tentarão calar e reprimir a movimentação das cordas e madeiras. (vários momentos entre 45:47~46:05) Excetuando quando vez ou outra tocarem alguns temas ou melodias de canções, como quando aos 46:14~46:18 novamente um trompete toca o motivo de “Ódio aos tiranos!”. E aos 47:45 o tema de “Descubram suas cabeças” retorna nos trombones. É uma verdadeira luta de classes e de naipes!
Aos 48:25 os contrabaixos entram no embalo da famosa Varshavianka (canção que ganhou versões em vários países e revoluções diferentes, como a famosa A las barricadas da Revolução Espanhola), e temos uma espécie de marcha e mobilização geral. Podemos interpretar como o povo indo às ruas, tomando prédios, formando os sovietes em São Petersburgo, conselhos deliberativos de operários, que surgem pela primeira vez na história durante esta revolução. É uma canção de força surpreendente, composta justamente na conjuntura do ano de 1905, exprimindo toda a força e sentimento daquele momento histórico. Vale a pena aqui reproduzir seus versos:
Balas do inimigo voam sobre nossas cabeças Forças das trevas nos oprimem sem pudor Nessa batalha, à qual estávamos predestinados Estamos à espera de destinos desconhecidos Ainda assim erguemos, orgulhosa e corajosamente A sagrada bandeira da luta dos trabalhadores Bandeira que luta por todos os povos Por liberdade e por um mundo melhor Para essa sangrenta, sagrada e justa guerra Marchemos adiante, povo trabalhador! Os trabalhadores devem continuar passando fome? Irmãos, até quando permaneceremos em silêncio? Por acaso a terrível visão da forca pode assustar-nos, jovens camaradas? Nessa justa guerra não serão esquecidos Aqueles que honrosamente morrerem pelo nosso ideal! Seus nomes serão entoados em nossos cânticos E serão sagrados para milhões de pessoas! Para essa sagrada, sangrenta e justa guerra Marchemos adiante povo trabalhador! Nós odiamos as coroas dos tiranos E as malditas correntes que martirizam o povo! Os tronos reais estão cobertos de sangue do povo Então banharemos os reis em seu próprio sangue! Morte a todos os nossos malditos inimigos E a todos os malditos parasitas da classe trabalhadora! Vingança sim! Contra os czares e plutocratas! A hora da vitória está cada vez mais próxima! Para essa sagrada, sangrenta e justa guerra Marchemos adiante povo trabalhador!
Seguem-se novas citações de várias canções e motivos que já apareceram antes. São os trabalhadores parando fábricas, navios, trens, indo às ruas, fazendo barricadas, lutando com armas nas mãos pela sua liberdade e emancipação. Pela derrubada do Czar. Por vingança sim, como diz a Varshavianka, pelos seus companheiros brutalmente massacrados. Num clímax dos 51:19 várias canções estão sendo tocadas ao mesmo tempo, quase que polifonicamente, até que aos 51:49 toda a orquestra é embalada por uma mesma melodia triunfante.
A luta de naipes irrompe novamente. São as classes dominantes e o Império Czarista reagindo à mobilização com brutal repressão. O motivo da canção “9 de janeiro” irrompe novamente aos 52:39~53:27, tomando toda a orquestra, num misto de luto e revolta. Trompetes e caixas e tímpanos atacam, seguidas pelas trompas que tentam interromper a melodia das cordas… É a reação das tropas czaristas, lutas nas ruas, barricadas por toda São Petersburgo, milhares de trabalhadores armados, contra cossacos e exércitos imensos… Os trabalhadores revolucionários lutam bravamente, mas muitos caem… Aos 53:28 as caixas, tambores e trompas apertam, são os tiros, violência e repressão infindáveis… É a derrota dos revolucionários… A repressão das caixas e metais silencia toda a orquestra, e em seguida temos novamente o tema da praça. Melodias de luto se seguem…
Um poderoso grave irrompe nas madeiras e percussão aos 56:41. A luta dos oprimidos não acabou. A revolta contra a fome, a miséria, a tirania e a exploração continuam. Outros sopros vão se juntando, a melodia revolucionária ressurge nas trompas, primeiro, timidamente, depois ela vai se espalhando por toda a orquestra, é uma nova revolução irrompendo em toda a sociedade! Senão hoje, em 1905, amanhã, em 1917, mas sua revolta é inevitável e infindável enquanto houver opressão! São os condenados da terra se levantando mais uma vez para lutar por sua emancipação! Vão expropriar os expropriadores! Sinos soam anunciando a irrefreável ira dos trabalhadores e a justiça revolucionária! É a revolução que se aproxima! É a construção de um novo mundo! Viva a revolução mundial dos trabalhadores…
Em memória de todos os que morreram pela negligência deliberada de um governo genocida no Brasil (2020-2021). Faremos os responsáveis pagarem por seus crimes. E a justiça revolucionária prevalecerá.
Dmitri Shostakovich (1906-1975): Symphony Nº 11 in G minor, Op. 103 “The Year of 1905”
Symphony No.11, Op.103 (‘The Year 1905’) in G minor
1. I: The Palace Square (Adagio) –
2. II: The 9th of January (Allegro) –
3. III: In Memoriam (Adagio) –
4. IV: The Tocsin (Allegro non troppo)
Cresci num mundo analógico, do Super-8, VHS, Fita K7, computadores TK-90 e programação em BASIC, longe da ilusória onipresença da internet e dos dispositivos móveis. E, na busca pelo conhecimento e cultura, só restavam os livros e os discos. Nesse mundo, os LPs de música clássica eram objetos de desejos quase intangíveis, os melhores eram importados e economizava-se meses para poder dispor de algumas pérolas do repertório. Para nós, jovens ávidos pela descoberta de novas sonoridades em cada obra, a rádio era uma realidade cotidiana, mas servia apenas ao espírito aventureiro de desbravar horizontes longínquos, já que a contemplação de uma determinada obra, uma vez apreciada, estava condicionada à sua repetição eventual numa grade de programação bastante eclética.
(A Rádio Cultura FM de S. Paulo teve papel importante nessa formação, e deixo aqui meus sinceros agradecimentos a seus colaboradores – especialmente Alfredo Alves – que me ensinaram até a pronúncia dos compositores tchecos)
Mas quando ouvia uma obra interessante na rádio, e queria saber mais sobre a obra, o compositor, sua história, suas outras obras, conhecer mais, o que fazer? Como achar? Bibliografias distantes em alemão, discos a peso de ouro, caríssimas revistas importadas? Não! Haviam as coleções de bancas de jornal!
A mais antiga que conheço foi iniciativa da então Abril Cultural, um braço da Editora Abril: “Grandes Compositores da Música Universal”, lançado em 1968. Uma capa branca, com o nome do compositor em letras garrafais, foi a primeira e única coleção que tenho notícia cujo primeiro fascículo, o de lançamento, foi dedicado a Tchaikovsky. O Concerto no.1 devia ser realmente muito popular a esta época. Em seguida veio Beethoven, Chopin, e daí em diante uma ordem mais característica. As gravações disponibilizadas eram genéricas, oriundas de catálogos obscuros, com intérpretes antigos e registros monaurais, de sonoridade sofrível. Mas o que chamava muito a atenção era o encarte. Sim, o encarte era uma maravilha! Consultores como Souza Lima, Camargo Guarnieri, Edino Krieger, Isaac Karabtchevsky e Diogo Pacheco fizeram desta uma coleção inesquecível. Para leitura.
Faltava, claro, gravações de maior qualidade. Mas o público tinha sido fisgado, era questão de tempo.
Em seguida, já na década de 80, a mesma Abril Cultural, solitária pioneira no gênero, lançou a mais famosa das coleções: “Mestres da Música”. Com cada fascículo lançado quinzenalmente, ela teve 2 edições seguidas – áureos tempos -, uma primeira em 1979 com uma barra colorida emoldurando a parte superior da capa, e outra em 1983 sem as cores e o nome do compositor em maior destaque, apesar das obras e do restante da diagramação se manter. As capas tinham várias cores e atraíam muito mais atenção. Os textos, mesmo não contando com tantas colaborações ilustres como a coleção anterior, eram feitos segundo consultoria do eminente crítico J.Jota de Moraes, o que trazia uma leitura confortável e esclarecedora. As gravações eram de melhor qualidade, pelo menos já em estéreo, mas também de catálogos esquecidos nos fundos das gravadoras, mais baratos e bem genéricos. Alguns intérpretes acabaram se tornando maestros e solistas festejados, outros nunca mais se ouviu falar.
Foi a primeira vez que ouvi Claudio Abbado e Alfred Brendel, por exemplo, mas também nunca mais soube de Hanspeter Gmur, Stanislaw Skrowaczewski ou de Rolf Reinhardt – nomes obscuros até hoje. Entretanto, a coleção deve ter sido um estrondoso sucesso, pois a encontrava em casas as mais diversas em termos de gostos musicais, e mesmo pessoas que não tinham nenhum contato com música clássica possuíam pelo menos um ou dois fascículos.
Mas ainda eram gravações, de forma geral, antigas e de catálogo duvidoso. Na verdade isso não importava muito, pois para esse tipo de coleção, o público era leigo e sua principal tarefa seria a de introduzir ao interessado o mundo da música clássica. E isso ela fez muito bem.
Mas conforme eu ia adentrando esse universo, essas gravações pareciam realmente insuficientes, a rádio já mostrava as primeiras gravações em CD (“gravação digital, com leitura por raio laser”, anunciava o locutor com pleno orgulho da novidade), e esse universo passou a ser mais relevante, deixando as coleções apenas com o mérito do texto, novamente.
Nesse ínterim, no intervalo das duas edições do “Mestres da Música”, chegou ao Brasil em 1983 a representação da editora espanhola Salvat, quebrando o monopólio da Abril de coleções de música clássica em bancas de jornal. A “Enciclopédia Salvat dos Grandes Compositores” foi um marco indelével na história das coleções, trazendo um texto denso, profundo – por vezes ininteligível e prolixo – mas também gravações de altíssimo nível. A editora espanhola tinha acordos com a PolyGram, e disponibilizou registros do catálogo da DG, DECCA e PHILIPS, coisa impensável neste lado do atlântico. Herbert von Karajan, Kurt Masur, Claudio Arrau, Wolfgang Sawallisch, Eugen Jochum e Bernard Haitink eram figuras comuns nos volumes, e, finalmente, comprávamos esses fascículos mais pela gravação que pelo próprio texto. Aliás, o texto também era problemático porque era contínuo, ou seja, você precisava fazer TODA a coleção – que não era pequena – para ter o texto completo. Ele começava num fascículo e terminava em outro. Mas finalmente tínhamos uma coleção de banca de jornal – isto é, acessível economicamente – com grandes registros da era de ouro da indústria fonográfica. Algumas dessas gravações são referência para mim até hoje. A cereja do bolo era o fato da coleção ser disponível em LP e K7.
Não sei exatamente se por alguma questão de concorrência invejosa ou simples lógica de mercado, logo depois, quando ainda “Mestres da Música” mal tinha acabado seus últimos fascículos, a Abril contra-atacou a Salvat com seu último trunfo de coleções de bancas: “Mestres pelos Mestres”, de 1984. Era uma coleção que mantinha um texto discreto, confortável e funcional, editado dos originais da coleção anterior, mas investia na qualidade das gravações, trazendo, pela primeira vez, o intérprete em letras garrafais, acima do próprio compositor. E agora, sim, havia um acordo da Abril com a Polygram, EMI e a CBS (para invejar a Salvat mesmo), lançando pérolas de catálogo a preços totalmente acessíveis.
Por motivos que não saberia descrever com propriedade (talvez o próprio excesso de coleções quase simultâneas, saturando o mercado), a coleção mais promissora da Abril naufragou no meio de sua empreitada, e ela nunca foi lançada na sua totalidade em bancas de jornal, tendo sido anunciado o fim da coleção no vigésimo fascículo. Tenho notícias de fontes remotas (e duvidosas) que a coleção completa foi depois disponibilizada por assinatura – apenas para interessados que já eram assinantes de outros veículos – mas não tenho certeza dessa informação.
O fato é que “Mestres pelos Mestres” foi a última das grandes coleções de bancas que consumimos com grande entusiasmo, não só para conhecer os compositores e as obras, mas também para ouvi-las com grandes intérpretes. Depois, a então renovada Nova Cultural lançou uma bem menos convidativa coleção italiana apenas em fita K-7 (“Clássica – a história dos gênios da Música”, de 1988, que eu saiba teve alcance bem mais modesto), e depois foi a vez da era do CD com o catálogo encalhado da DG no DG Collection, da também espanhola editora Altaya (mas que tinha textos incongruentes, para dizer o mínimo). O canto do cisne, me parece, foi quando a Abril ainda cavalgou nos descampados do CD nos idos de 1998-9 com uma pequena coleção chamada “Grandes Compositores”, em parceria com o grupo TIME-LIFE, acompanhando tendências internacionais. Mas aí já não havia nada além do próprio encarte do CD, sem textos mais densos e biografias mais profundas. Essa, com uma capa de design pífio, uma arte medonha e diagramação nula – apesar das excelentes gravações – , foi o desfecho de uma era de ouro das coleções de bancas.
A próxima geração que de certa forma promoveu o revival desta era de ouro no formato CD – de maneira modesta em termos comparativos gerais – foi da parceria com o jornal Folha de S.Paulo, que lançou três importantes coleções: “Coleção Folha de Música Clássica”, que retomava o formato de biografias suscintas com gravações de baixa circulação – na verdade uma reedição da coleção inglesa Royal Philharmonic Collection, mas com capas neutras bem pouco inspiradoras – e depois “Coleção Folha Mestres da Música Clássica”, essa sim que procurava unir bons textos com bons intérpretes novamente. Usando o mesmo catálogo disponível pela TIME-LIFE anteriormente, foi o mais próximo da experiência proporcionada no “Mestres pelos Mestres”, mas numa era em que a música distribuída pela internet começava a despontar, minguando a experiência da novidade. Uma terceira versava especificamente sobre Ópera (“Coleção Folha das Grandes Óperas”, também uma reciclagem em CD de uma tentativa anterior da Abril no LP) e também trazia gravações antigas de catálogo, encalhes das grandes gravadoras, algumas em registro mono – apesar de boas interpretações.
A Abril, através da equipe da Revista BRAVO!, já no fim do campeonato (e da vida) deu seu último suspiro do gênero lançando, em parceria com uma gravadora alemã chamada NAXOS, um revival da sua primeira experiência: “Grandes Compositores da Música Clássica” (a anterior de 1968 era da “música universal”). O problema era a gravação: a NAXOS se notabilizou como fenômeno de vendas num cenário francamente decadente por disponibilizar gravações baratas com intérpretes desconhecidos, alguns surpreendentemente bons, mas outros de gosto notoriamente duvidoso, em suma: uma loteria. Essa coleção tem exatamente essa característica.
Todas essas empreitadas de uma provável “nova era” das coleções foram definitivamente ofuscadas pelo avanço da tecnologia da distribuição de música pela internet, notadamente por streaming, cuja tendência foi largamente confirmada pelas imensas plataformas do Spotify, iTunes music e demais soluções no gênero. A era do CD já nasceu com seus dias contados. (para melhor explicar esse fenômeno, sugiro o ótimo livro de Norman Lebrecht, “Maestros, Obras-primas e Loucura: a vida secreta e morte vergonhosa da indústria da música clássica”)
Nesse cenário, essas coleções foram cultivadas com bem menos entusiasmos pelas novas gerações de ouvintes – a quem elas se destinavam prioritariamente. Apesar disso, sobrevive o texto de todas elas, já que introduz o leigo neste universo. Mas devo confessar: os textos da Abril da era dourada são ainda os que eu mais gosto.
Para os entusiastas e/ou saudosistas que têm a lembrança do impacto do “Mestres pelos Mestres”, compartilho aqui seus fascículos de minha época de descoberta desses clássicos, que tanto me marcaram. Gostaria de postar todos, mas infelizmente, nem todas as gravações foram lançadas em CD, algumas foram apenas em coletâneas comemorativas gigantes de alguns dos intérpretes, outras nunca foram. A Sonata de Liszt por Lazar Berman, por exemplo, nunca foi lançado em CD nem mesmo na caixa das gravações de Berman pela DG. Mas as que eu consegui reunir, aqui deixo disponibilizado para download, os fascículos escaneados e as gravações, em MP3.
Bach: Cantatas nos.11 (Oratório da Ascensão) & 44
Solistas: Edith Mathis, Anna Reynolds, Peter Schreier, Dietrich Fischer-Dieskau
Regente: Karl Richter
Coro e Orquestra Bach de Munique
Selo: DG (Gravação de 1975) Download Textos do Fascículo Download Disco MP3 320Kbps 122,1Mb
Bernard Haitink foi um maestro excepcional, de envergadura ímpar, mas ao mesmo tempo discreto e bem menos festejado que seus pares da mesma geração, como Bernstein e Karajan. Isso o colocava numa posição privilegiada, a de optar por uma escolha distinta de repertório e leituras altamente pessoais, o mais das vezes avesso ao espalhafatoso e ao verborrágico. Como muitos dos meus colegas do PQP, que neste momento se unem para homenagear um mestre comum, Haitink marcou cada um de nós com gravações que consideramos non plus ultra do repertório sinfônico mais destacado. Apesar de suas afamadas preferências por Mahler, Bruckner e Shostakovich, que estabelecem consenso de excelência dentre tanto apreciadores diletantes como críticos especializados, alguns dos melhores momentos de Haitink foram, para mim, com mestres franceses modernos, em especial Debussy e Ravel. Este último em particular ocupa lugar privilegiado na discografia haitinkiana. Ainda na era do LP, sua versão de 1973 da Rapsódia Espanhola é arrebatadora; para mim a que melhor equilibra a verve rítmica com a clareza das ideias na brilhante orquestração de Ravel. Sutilezas na pontuação das dinâmicas e da exuberante instrumentação fazem deste um registro imperdível. Um Menuet Antique, de feições mais modestas, com Haitink ganha ares de uma nobreza insondável. E que Alborada!
Uma manhã luminosa que enfatiza bem seu caráter gracioso e eloquente. Estas gravações foram lançadas na década de 70 em LPs pela PHILIPS e nenhuma foi relançada em CD, até as séries de relançamentos (PHILIPS DUO) dos anos 90. Haitink inclusive gravou novamente essas obras para lançamento exclusivo em CD, mas o brilho destas primeiras incursões é, para mim, insuperável.
Claro, ao falar de obras orquestrais mais conhecidas de Ravel, como o Boléro e Daphnis et Chloé, não podemos deixar de mencionar que temos ótimas versões paralelas. Mas nestas pequenas jóias menos divulgadas (Valses Nobles, Ma Mère l’Oye), Haitink nos revela um mundo novo, de íntima beleza, em que Ravel desponta como um colorista exímio, de sutileza ímpar. La Valse é estonteante. A orquestra do Concertgebouw em plena forma torna a experiência ainda mais única.
Palavra final: Há muitos bons intérpretes de Ravel, e há Haitink.
Ravel: Orchestral Works Bernard Haitink, Royal Concertgebouw Orchestra
CD1
1.Boléro
2.Alborada del gracioso
3.Rhapsodie espagnole
4.La Valse
5.Pavane pour une infante défunte
6.Valses nobles et sentimentales
CD2
1.Menuet antique
2.Le tombeau de Couperin
3.Ma mère l’Oye
4.Daphins et Chloé: Suite No 2
Fãs de Amaral Vieira, este CD não é de obras de vosso dileto compositor, mas é tão digno quanto. Daniel Wolff é um neorromântico que me lembra muito Jaime Zenamon e Carlos Guastavino (se vocês não conhecem esses dois estão perdendo de ter contato com obras agradabilíssimas, mas caso não gostem de românticos tardios e ultratardios então é bom não escutá-los).
Wolff não lembra Amaral Vieira nem nos estilos emulados nem no porte das obras, mas no cabedal de que dispõe para compor, tal qual vocês poderão ouvir no concerto para clarineta (quem disser que é uma obra água com açúcar, tudo bem, mas é praticamente perfeita em harmonia, melodias e orquestração, ainda que não tenha tanta inspiração nos dois últimos movimentos).
Porém, melhor ainda é quando Wolff toca violão, instrumento no qual tornou-se o primeiro doutor no Brasil. Em sua interpretação do concerto de Radamés Gnatalli não encontro ressalvas – mas deixo para os violonistas fazerem comentários adicionais ou me desmentirem.
Este é um CD que estava na fila de espera há mais de um ano – na verdade, estava desde que me juntei à família Bach.
AS (Ante scriptum).: O Gaudêncio Thiago de Mello mencionado adiante, não é o poeta, é irmão dele (Amadeu Thiago de Mello).
***
Gaudêncio Thiago de Mello: Reflections e Amadeste / Ernesto Nazareth e Daniel Wolff: A terceira face de Ernesto / Daniel Wolff (1967): Concerto para clarineta / Radamés Gnatalli (1906-1983): Concerto à Brasileira n° 4
1. Reflections (A hug for Ayla), Gaudêncio Thiago de Mello
2. A terceira face de Ernesto, Ernesto Nazareth e Daniel Wolff
3. Amadeste, Gaudêncio Thiago de Mello
Concerto à brasileira nº 4, Radamés Gnattali
4. Allegro Moderato
5. Lento
6. Ritmado
Concerto para clarinete e orquestra de cordas, Daniel Wolff
7. Allegro moderato
8. Expressivo e cantabile
9. Allegro ritmado
Daniel Wolff, violão
Gary Dranch, clarineta
Orquestra de Câmara da ULBRA
Tiago Flores, regência
Erik Satie foi um importante precursor dos movimentos musicais do século passado. Foi um vanguardista. Influenciou Ravel e Debussy com sua música de paisagens estáticas. A música para Satie era uma mobília, um móvel que se adequa ao ambiente. A vida continua em seu fluxo e a música fica lá, parada, sem que a percebamos. Os efeitos psicológicos são notáveis. Por exemplo, enquanto estou aqui em casa lendo, esperando o tempo passar, o compositor é minha companhia. Mas é como eu não estivesse ouvindo nada. As pessoas passam no corredor, próximo ao meu apartamento, os carros buzinam, grades tilintam, chaves penduricalham; crianças gritam. Mas parece que não ouço nada. As miniaturas musicais de Satie são como rios marulhentos. Não percebemos a sua “viagem”. Todavia, às vezes, o seu ronco suave se expressa e aí lhe damos atenção. Satie destinava essa intenção à sua música. Queria que os ouvintes encarassem dessa forma aquilo que escrevia. Enquanto as sinfonias e concertos constituem universos, “teses”, “discursos eloquentes”, as peças de Satie são pequenos quadros, crônicas doces, suaves, “vagabundas”, miniaturas semimortiças. Mas, como é boa essa música!
Erik Satie (1866-1925) – Les Fils des Etoiles
01. Prélude du 1er Acte – La Vocation – Thème décoratif_ La nuit de Kaldée
02 – 1er Acte – La vocation
03 – Prélude du 2e Acte – L’Initiation – Thème decoratif_ La salle basse du Grand
04 – 2e Acte – L’Initiation
05 – Prélude du 3e Acte – L’Incantation – Thème decoratif_ La terasse du palais
06 – 3e Acte – L’Incantation
Primeiramente, quero afirmar que há motivos de sobra para que você baixe e saia ouvindo esse CD imediatamente. (1) Temos a presença de Evgeny Mravinsky, um dos maiores e melhores regentes do século XX. Se a obra de Beethoven possui sisudez, seriedade, com Mravinsky essa característica chega a paroxismos. (2) A Sinfonia no. 1 é o trabalho de um Beethoven ainda jovem, mas capaz de proezas. Vemos nela todo rigor e maturidade que seria revelada na Terceira, na Quinta, na Sétima e na Nona, sendo que esta última é a vida transfigurada, a subida ao paraíso. A Sinfonia No. 1 possui belos momentos de reflexão, de seriedade e alegria. (3) Já a Terceira Sinfonia é um tratado moral, um livro cuja metafísica é o próprio mundo interior de Beethoven. A Marcha Fúnebre do segundo movimento sugere seriedade, meditação, crença no homem e toda sorte de idealismos possíveis. Tudo isso sendo construído com paisagens de silêncio. Música medíocre nos leva ao barulho, aos piores instintos; a boa música, por sua vez, nos remete ao silêncio. Convido você a baixar sua cabeça e meditar com Beethoven. Bom deleite!
Ludwig van Beethoven (1770-1827): Sinfonia No. 1, Op. 21 e Sinfonia No. 3, Op. 55 (Eroica) – Mravinsky
Sinfonia No. 1 in C major, Op. 21
01. Adagio molto: Allegro con brio
02. Andante cantabile con moto
03. Menuetto: Allegro molto e vivace
04. Adagio; Allegro molto e vivace
Sinfonia No. 3 em Mi bemol maior, Op. 55 – “Heróica”
05. Allegro con brio
06. Marcia funebre: Adagio assai
07. Scherzo: Allegro vivace
08. Finale: Allegro molto
Já se passaram dez anos desde que postei esta integral dos Concertos de Prokofiev com a direção do Neeme Järvi. Muita coisa aconteceu neste meio tempo, na época nem imaginava que estaria atualizando estes links em 2021. Também não passava pela cabeça de ninguém que sofreríamos uma pandemia nestas proporções em que estamos sofrendo atualmente. Meus cabelos ainda não tinham ficado brancos, enfim, são dez anos vivendo em uma realidade totalmente diferente.
O colega René Denon pediu estas gravações e pedi um tempo para encontrá-las, pois lembrava do impacto que senti quando as ouvi pela primeira vez. Curiosamente, encontrei-as rapidamente.
Estou devendo estes concertos desde o começo do ano, e confesso que por algum motivo acabei deixando-os de lado. Pois bem, aí estão a primeira parte dos Concertos para Piano de Prokofiev com o Neeme Järvi (lembrando que postei as sinfonias com este mesmo regente no começo do ano).
Como hoje é quinta feira e ficamos quase vinte e quatro horas fora do ar, resolvi fazer uma postagem rápida, daquelas vapt-vupt, aproveitando que o arquivo já estava no megaupload há pelo menos dez meses, aguardando pacientemente sua vez.
O solista é o excelente Boris Berman, um especialista na obra de Prokofiev.
01 – Piano Concerto No. 1 in D flat major Op. 10 – Allegro brioso
02 – Andante assai
03 – Allegro scherzando
04 – Piano Concerto No. 4 in B flat major Op. 53 – I. Vivace
05 – II. Andante
06 – III. Allegro moderato
07 – IV. Vivace
08 – Piano Concerto No. 5 in G major Op. 55 – I. Allegro con brio
09 – II. Moderato ben accentuato
10 – III. Toccata. Allegro con fuoco
11 – IV. Larghetto
12 – V. Vivo
Boris Berman – Piano
Royal Concertgebow Orchestra
Neeme Järvi – Conductor
Pois bem, senhores, concluindo esta caixa, aqui estão os dois Concertos para piano mais famosos de Prokofiev, o Segundo e o Terceiro. É difícil dizer qual deles é o meu preferido, creio que na verdade gosto dos cinco, mas esta introdução melódica do Segundo é de partir os corações mais duros.
Horácio Gutiérrez me era desconhecido até então, mas o rapaz é um assombro. É um virtuose de mão cheia que conhece muito bem seu instrumento, e não se deixa pegar nas armadilhas que Sergey colocou, e não são poucas. Os clientes da amazon foram quase unânimes em dar cinco estrelas à esta gravação, e com razão.
E porque hoje é sábado, usando uma frase muito usada no blog do nosso amigo Milton Ribeiro, vou deixá-los por aqui, e sair para aproveitar o dia.
Boa audição.
Serguei Prokofiev – Piano Concertos nº 2 in G Minor, op. 16, Piano Concerto nº3, in C Major, op. 26
01 – Piano Concerto No. 2 in G minor Op. 16 – I. Andantino – Allegro
02 – II. Scherzo. Vivace
03 – III. Intermezzo. Allegro moderato
04 – IV. Finale. Allegro tempestuoso
05 – Piano Concerto No. 3 in C major Op. 26 – I. Andante – Allegro
06 – II. Tema. Andantino – Variations 1-5 – Tema. L’istesso tempo
07 – III. Alegro ma non troppo
Horácio Gutiérrez – Piano
Royal Concertgebow Orchestra
Neeme Järvi – Conductor
Esta postagem abaixo de PQPBach foi revista e ampliada para a celebração dos 140 anos de nascimento de Béla Bartók. Acredito que em 2007, ano da postagem original, havia apenas um CD simples com algumas das gravações de Bartók por Andor Foldes pela Deutsche Grammophon. O resto estava disponível apenas no vinil. Mais recentemente a gravadora soltou, remasterizadas, todas essas gravações que hoje ocupam um CD triplo.
As obras para piano de Béla Bartók têm um pé na tradição e um pé na modernidade: o material temático é quase sempre influenciado pela música folclórica de vários povos da Europa central e oriental, enquanto a escrita pianística usa procedimentos típicos do século XX, com destaque para os clusters.
Um cluster, ou agrupamento de tons, é um acorde musical que compreende (dois ou tipicamente três ou mais) tons adjacentes, ou seja, teclas adjacentes, que podem ser tocadas com os dedos ou, em alguns casos, com socos ou mesmo cotoveladas no teclado, algo que os músicos de jazz já faziam em seus improvisos desde tempos imemoriais.Não por acaso, os precedentes são em sua maioria norte-americanos, como o pianista Scott Joplin e o compositor Charles Ives. Na Europa, Debussy usou clusters para representar os sinos da catedral em um célebre prelúdio para piano. Mas esses três usavam esse tipo de sonoridade de forma eventual. Quem batizou a técnica e usou sequências deles de forma explícita foi o norte-americano Henry Cowell, também um dos introdutores da ideia de “piano preparado”.
Béla Bartók conheceu Henry Cowell em dezembro de 1923. No ano seguinte, ele escreveu para Cowell perguntando se ele poderia utilizar tone clusters sem ofender o colega. A partir daí, ele entraria em um fértil período de escrita pianística, com algumas de suas principais obras para piano finalizadas em 1926: a Sonata, a Suíte Out of Doors e o 1º Concerto para Piano e Orquestra.
O uso mais óbvio dos clusters, por seu caráter dissonante, é em movimentos rápidos e percussivos, com o teclado sendo martelado em andamentos como Presto ou Pesante, como nos exemplos abaixo, que testemunham a influência de Cowell sobre Bartók.
Fotos: clusters na suíte Out of doors. À esquerda, clusters pesados (pesante) no começo do 1º movimento e à direita clusters lentos e misteriosos no 4º movimento – Música Noturna.
Outra forma de utilizar os clusters é com a mão esquerda tocando, delicadamente, sequências dissonantes que fazem parte da criação do clima de “Música Noturna”, título do 4º movimento da Suíte Out of Doors. Boa parte dos movimentos lentos da fase madura de Bartók também recebem esse nome de música noturna: por exemplo os movimentos centrais do 2º Concerto para Piano e do Concerto para Orquestra, sem falar em várias cenas do Mandarim Miraculoso, talvez o mais noturno de todos os balés, por lidar com o tema da prostituição, que aliás causou grande escândalo nos anos 1920.
Pano rápido e as palavras de PQP em 2007: Não vou reescrever o que já está pronto sobre este espetacular CD de um pianista que aprendeu a tocar Bartók com o próprio. Atenção: a gravação é de 1955, mas a qualidade do som parece digital.
Texto de Melvin Yap
Bartók is probably most famous for his Concerto for Orchestra and his piano and violin concertos. As a consequence, many of the works on this disc will probably be unfamiliar to most listeners out there.
This recording belongs to DG’s Dokumente series and as such, is not a recent recording. It was recorded in 1955 in monophonic sound. However, since the whole disc is a piano recital, the monophonic sound isn’t that serious a drawback.
Who was Andor Foldes anyway? From the documentation supplied with the disc, I gathered that he had quite an illustrious bevy of piano teachers. He studied the piano with Ernst von Dohnányi and first met Bartók at the age of fifteen in 1929. They later became close friends until Bartók’s death. His intimate relationship with the composer himself hints that he probably is eminently qualified to interpret Bartók’s work and this is borne out by the quality of the recital.
The Mikrokosmos are teaching pieces that range from beginners’ pieces to works of exuberant virtuosity. Foldes is never condescending and he invests these pieces with detail and meticulous precision. I believe that Foldes hardly deviates from the strict dynamics and tempo markings that Bartó The same approach can be seen in the other pieces too. Rather than playing these works coldly and mechanically, as some pianists are apt to do, Foldes strives for emotion and expression. He is technically brilliant but never allows the technical aspect of a work to overshadow its intrinsic artistic qualities. This is one of the most atmospheric recordings I’ve ever heard and it is not hard to imagine the pianist playing right before you.
There’s plenty of exciting moments in this disc, for example in the last part of the Suite Op.14. Percussive, almost overflowing in a kaleidoscope of sound but always coherent and imaginative, the playing is a delight. Nor are the slower parts especially boring. Foldes has a way of mulling over the slower bits in an interesting sort of way so that you are enlightened rather than irked.
Despite its vintage, the sound of this disc is perfectly acceptable and probably acoustically superior to many of our so-called digital recordings. This is not a disc for everybody but it should be rewarding for any serious collector of Bartók or piano music.
Béla Bartók – Peças para Piano
CD 1
1–17 For Children, Sz.42 (BB 53): Books I & II (excerpts)
18–20 Sonatina, Sz.55 (BB 69)
21–26 Mikrokosmos, Sz.107 (BB 105): Book IV (excerpts)
27–33 Mikrokosmos, Sz.107 (BB 105): Book V (excerpts)
34–44 Mikrokosmos, Sz.107 (BB 105): Book VI (excerpts)
45–50 For Children, Sz.42 (BB 53): Book III (excerpts)
51–54 For Children, Sz.42 (BB 53): Book IV (excerpts)
55–56 Two Elegies, Sz.41 (BB 49)
CD 2
1–6 Six Romanian Folk Dances, Sz.56 (BB 68)
7 Fantasy II (No. 3 of Four Piano Pieces, Sz.22, BB 27)
8–14 Seven Sketches, Sz.44 (BB 54)
15 Improvisations on Hungarian Peasant Songs, Sz.74 (BB 83)
16 Fifteen Hungarian Peasant Songs, Sz.71 (BB 79)
17–19 Sonata for Piano, Sz.80 (BB 88)
20–22 Three Rondos on Hungarian Folk Tunes, Sz.84 (BB 92)
23–24 Romanian Christmas Carols, Sz.57 (BB 67)
CD 3
1–4 Suite, Sz.62 (BB 70)
5–9 Out of Doors, Sz.81 (BB 89)
10–15 Nine Little Piano Pieces, Sz.82 (BB 90)
16–26 Ten Easy Piano Pieces, Sz.39 (BB 51)
27–29 Three Burlesques, Sz.47 (BB 55)
30 Allegro barbaro, Sz.49 (BB 63)
Esta foi a última postagem que nosso querido Ammiratore deixou agendada antes de falecer, no último 6 de abril. Hemos de completar, oportunamente, sua série da obra completa de Verdi, projeto a que se dedicava duma forma muito apaixonada. Por ora, rendemos nossa homenagem ao amigo, que também deixou imensas saudades cá conosco.
ooOoo
TREDICI – REGINA VITTORIA E “I MASNADIERI”; “BIETIFOL”
Após as primeiras representações de Macbeth, Giuseppe no auge dos seus 33 anos, volta-se ao compromisso assumido com Benjamin Lumley (aqueeele empresário inglês do Her Majesty’s Theatre, o London Theatre). Uma vez em Milão, Verdi começa a trabalhar com seu fiel aluno Emanuele Muzio, o mestre mostrava-se impaciente, havia muito o que fazer. Os dois, a esta altura, moravam no mesmo endereço. Verdi elaborava a nova ópera e Muzio começou a reduzir Macbeth para canto e piano, cada um estava ocupado em seu escritório. “I masnadieri” foi a ópera escolhida, baseado em “Die Räuber” (os ladrões) de Friedrich von Schiller com libreto do grande amigo de Verdi: Andrea Maffei (na verdade ele foi um escritor bem mais reputado que Piave ou Solera mas que não possuía praticamente qualquer experiência de Teatro), seria esta a sua décima primeira ópera. O contrato com Londres havia expirado no período em que ficou doente, então agora ele estava recuperado e pronto para propor um novo contrato, Verdi dera a boa notícia a Lumley já em dezembro de 1846. “I masnadieri “ na verdade já estava com a composição adiantada quando retomou as negociações com Lumley.
Nas trocas de cartas com o empresário ele ficou muito animado ao saber que a principal atração prevista para o espetáculo de Londres seria a sueca Jenny Lind, uma soprano leve “soprano leggero” de um virtuosismo quase lendário, desde sua infância ela era conhecida como “o rouxinol” ou “la stella del nord”. Sobre a mítica “estrela do norte” o bom contador Muzio a descreve para Barezzone e demonstra um senso crítico desenvolvido nos deixando um valioso testemunho, no qual as qualidades do canto parecem chocar-se com as físicas. A voz, áspera por natureza, curvou-se admiravelmente a todos os truques da agilidade, gorjeando e vibrando sem rival, o corpo, por outro lado, foi descrito como “o rosto um pouco feio e duro, o nariz enorme e igualmente as mãos e os pés, cor pálida”.
Depois de acertar os detalhes do contrato com Lumley , Verdi e Muzio partiram para Londres no final de maio de 1847. O mestre estava ótimo de saúde e não se furtou do compromisso em terras longínquas. Em Londres a notoriedade do maestro havia se consolidado. Suas obras estavam sendo montadas com muito sucesso nos palcos ingleses (“Lombardi“, “Nabucco” e “Ernani” estavam sendo representados). O colunista William Weaver escreveu, em 1846, no semanário “Illustrated London News” esta descrição a respeito do mestre italiano: “Neste número, oferecemos aos nossos leitores um perfil da grande estrela da música contemporânea – Guiseppe Verdi – de cujas criações o destino da ópera agora parece depender, desde que os grandes mestres, cujas obras dominaram a cena da ópera italiana nos últimos trinta anos, Rossini, Bellini, Donizetti, deixaram de compor suas magníficas criações; um pela idade avançada e esgotamento, outro para morte prematura e o terceiro, infelizmente, para um destino ainda mais terrível: a perda da razão. Foi preciso muito zelo para explicar isso a Verdi que ele, agora, era o único representante ativo da ópera italiana, mesmo aos trinta e dois anos…. embora pareça ser bem mais maduro. As marcas de preocupação e doença, e de uma profunda reflexão, são visíveis em seu rosto. Ele vive quieto e retraído; sua mente ativa, por outro lado, está sempre ocupada. Verdi dedica muito de seu tempo aos estudos literários e musicais.”
No dia 3 de junho, Muzio chegou a Londres, “só e sem o Maestro que ficou em Paris”, Muzio levou o trabalho concluído, exceto a parte da orquestração (era uma prática padrão na época que a orquestração fosse concluída durante os ensaios para melhor se adequar). Outra razão para a conclusão da orquestração em Londres foi descrita por Gabiele Baldini em “A História de Giuseppe Verdi” que o compositor queria primeiro ouvir “la Lind” e modificar seu papel para se adequar exatamente ao belo canto da “la stella del nord”. No entanto, uma “fofocaiada” tinha caído nos ouvidos de Verdi: dizia-se que Lind não poderia estar presente nem estava disposta a aprender novos papéis e, portanto, Muzio foi enviado através do Canal da Mancha à frente do compositor, que esperava por uma garantia de que a soprano estava em Londres e disposta a prosseguir. De Londres, Muzio foi capaz de dar essa garantia Verdi, informando-o que Lind estava pronta e ansiosa para ir fazer o trabalho. Tudo não passava de notícias maldosas. Em Paris o músico queria ficar um pouco na privacidade e não se pode deixar de pensar que um dos motivos por ter ficado na capital francesa era também a vontade de rever e matar saudades da sua querida Strepponi, que já estava na cidade há algum tempo, faziam meses que não se viam. Afinal, namorar é muito bão né? Após a confirmação do fiel assistente Verdi continuou sua viagem, cruzando o Canal em 5 de junho.
Nosso Emanuele escreve notícias à Barezzone deslumbrado que estava com a cidade grande, do estranho e do imenso, que se justifica já que ele estava em sua primeira grande viagem no exterior. Londres é a descoberta de uma aglomeração “tão vasta como o mar”, a descoberta da multidão, da vida mecanizada que começa a pressionar as massas do Ocidente. “Que caos Londres é! Que confusão! Paris não é nada em comparação. Gente chorando, muitos mendigos, uma espessa névoa cinza flutuando em todo céu, homens a cavalo, em carruagens, a pé, e todos gritam como se estivessem condenados. Meu caro Sr. Antonio , Milão não é nada; talvez Paris é algo comparada a Londres; mas Londres é uma cidade única no mundo !”
O público que frequenta teatros e salas de concerto parece-lhe muito competente e preciso nos seus julgamentos. “Os franceses dizem que os ingleses não entendem nada de arte; isso é um erro que os franceses espalharam … Os ingleses nunca, jamais, receberam com indiferença um “Barbeiro de Sevilha” como em Roma ou um “Guilherme Tell” como em Paris … Seu entusiasmo não é entusiasmo de convenção, eles o manifestam, como o provam, razoavelmente as atuações dos dois teatros da cidade (Covent Garden e Her Majesty’s Theatre), a um grande número de concertos, e em todo o lado encontrei um público atento e inteligente.
Verdi já estava em Londres qundo o baixo Lablache lhe trouxe um convite da jovem Rainha Vitória, que queria conhecê-lo pessoalmente, a soberana havia marcado uma data para ser encenada a nova ópera de Verdi, seria o dia do fechamento do parlamento, “uma das maiores solenidades diplomáticas da Inglaterra”. Numa apresentação de “Norma” naquela temporada, com Lind, deu no “Times”: “A Rainha e o Príncipe Albert compareceram; mas houve um personagem de importância muito diferente, Giuseppe Verdi, que veio montar sua nova ópera “I masnadieri” para o “Her Majesty’s Theatre”. Temos todos os motivos para acreditar que o compositor mais popular da Itália também terá um sucesso em nosso palco que será um presente para ele e uma dupla glória para a Inglaterra. A chegada de Verdi causou grande sensação em Londres; na noite passada, ele compareceu à apresentação em uma “loggia” (uma espécie de balcão reservado) do teatro bem em frente à rainha. A notícia se espalhou imediatamente por todo o teatro de que Verdi tinha vindo, e imediatamente todos os olhos, desde o mais baixo do povo até os Lordes e a própria Rainha, devoraram o pobre Verdi com seus binóculos.” Na verdade, Lumley, como estrategista muito habilidoso, conseguiu obter alguma publicidade da chegada do maestro pelo menos enquanto ele estava no salão. E Verdi freqüentemente ia aos concertos do Teatro de Sua Majestade para aprender sobre as possibilidades dos cantores, do coral, músicos e a funcionalidade do palco.
O Covent Garden, concorrente teatro de Lumley, no dia 19 de junho apresentou “I due Foscari“, entre o público estava o exilado Giuseppe Mazzini, para aplaudir essa peça tão humana do exílio, “o apóstolo da liberdade” da Itália, um dos mais temidos e ao mesmo tempo o mais procurado pela polícia austríaca. A Inglaterra vitoriana, apesar de seus contrastes sociais, havia recebido com liberalidade exilados políticos de várias origens (Karl Marx chegaria em agosto). Mazzini, escrevendo para sua mãe após o “Foscari”, informou-a de que tinha “visto o compositor Verdi”.
O jovem maestro, no fundo, gostava da cidade: “não é uma cidade, é um mundo” (escreveu a Emília Morosini), “e ficamos maravilhados e desanimados quando, entre tantas coisas magníficas, se conhece as Docas. Quem resiste a essa nação!” Ele se surpreendeu com a beleza das ruas, as riquezas acumuladas, os arredores e as vilas próximas à metrópole. Não muito, porém, os diversos costumes dos habitantes, e muito menos o clima, que ele definiu como “horrendo”, fumaça, nevoeiro, o cheiro de carvão que o deprimia e o impedia de apreciar as belezas de um lugar que de outra forma seria magnífico (“Oh, se houvesse o céu de Nápoles aqui, acho que seria inútil desejar o paraíso”, disse ele a Appiani). Até mesmo o alojamento, “Liliputian”, pequeno, embora confortável:”Emanuele encontrou para mim um alojamento tão pequeno que não posso mover: apesar disso é muito limpo, assim como todas as casas de Londres.”
A descrição de Muzio, prolixo, avesso a poluição, o frio e o vento, tem a precisão de um relatório barométrico. “De manhã na hora certa, isto é, antes das 7 horas, o ar está melhor; mas entre as 7 e as 8 todas as fogueiras e todas as chaminés das grandes fábricas que lá estão são acesas; e andam à volta do Tamisa uns cinquenta barcos a vapor, e depois todas as chaminés das casas soltam uma fumaça que deixa o ar muito pesado. Ontem quis observar todas as mudanças que o clima fez ao longo do dia; Observei que pela manhã, assim que o sol nasceu, um grande nevoeiro se ergueu do Tamisa; então choveu oito vezes ao longo do dia (sempre com vento) e oito vezes o sol foi visto; o Mestre ficou com dor de garganta e resfriado, como eu também paguei, e como todos os estranhos que vêm aqui o pagam, mas agora ele está bem … mas este ar úmido e pesado reage muito em seu sistema nervoso e isso o torna mais mal-humorado e melancólico do que o normal.”
Talvez para Muzio e para o Maestro o verdadeiro sol só tenha saído depois de 22 de julho, data em que a ópera subiu ao palco e causou “furor”, segundo Muzio, o fiel correspondente do … “giornale il Barezzone”, “Do preludio até o final não houve nada além de aplausos, gritos, chamados e repetições. O próprio Maestro conduzia a orquestra sentado em um banco mais alto do que todos os outros e com a batuta na mão. Ainda vazio o teatro só nós e os músicos da orquestra, ouvíamos um aplauso contínuo do lado de fora do Teatro que durou um quarto de hora. Eles ainda não haviam terminado de aplaudir quando em seus locais chegaram a comitiva da Rainha e do Príncipe Albert, sua consorte, a Rainha Mãe, e o Duque de Cambrige, tio da Rainha, o Príncipe de Gales, filho da Rainha, e todos os da família real e uma infinidade de senhores e duques, que não acabavam mais de entrar, muitos nobres. Às quatro e meia a porta do povo se abriu e as pessoas irromperam no teatro com uma fúria que eu nunca vi. Era um espetáculo novo para Londres, e Lumley soube cobrar muito bem, a entrada do teatro custou 6000 liras … após o término festejou-se muito o Maestro, foi chamado ao palco, sozinho e depois com os cantores, atiraram-se flores a ele e só se ouvia: viva Verdi, “bietifol”.
Mais cauteloso e realista, Lumley, dirá que “correu bem, e sem ter causado furor, convidei um compositor italiano, de boa fama para escrever uma ópera especificamente para o meu teatro e para supervisionar pessoalmente a encenação. Eu não poderia ter feito mais para agradar os amantes da música italiana, ansiosos por ouvir novos trabalhos. Infelizmente o libreto do Sr. Andrea Maffei foi construído da forma como costuma acontecer no caso de adaptações de dramas estrangeiros para fins da ópera italiana, ruim.” Mais definiu, inexorável o julgamento de Sua Majestade, que anotou em seu próprio diário ao retornar do Teatro: “Nesta nova ópera de Verdi, inspirada em “Die Rauber”de Schiller, achei a música muito comum, nada de novo. Apreciamos os cantores, a requintada Jenny Lind, o barítono Filippo Coletti, o tenor Ítalo Gardoni, o baixo Luigi Lablache está gordo demais….”
Interessante como eram contraditórias as opiniões, sobretudo dos jornais “especializados”, os amigos do blog podem dar uma bela conferida: o libreto de Maffei recebeu elogios do “Times”, enquanto o “Morning Post” e o “Illustrated London News” trataram Verdi com expressões que o colocaram acima de Meyerbeer “e de outros compositores da escola romântica alemã”. Ao contrário da opinião de “Ateneu”, que rebaixou o mérito da ópera a ponto de julgá-la “a pior que já foi executada em nosso tempo pelo Her Majesty’s Theatre. Verdi é definitivamente rejeitado. O campo para um compositor italiano permanece aberto”.
Em todo caso, o público não teve nada além de reações positivas, até mesmo para a confissão do próprio Lumley: “O teatro estava incrivelmente cheio na noite da primeira apresentação. A ópera recebeu, apesar do fraco libreto, em todas as aparições um sucesso triunfal para o compositor e cantores, foram dirigidos as maiores homenagens do povo.” Na verdade, Lumley honra o mérito profissional de Verdi; que, aliás, trabalhou em ensaios “exaustivos”.
O Enredo
Melodramma tragico “in quattro atti”, de Giuseppe Verdi para um libreto de Andrea Maffei, baseado em “Die Räuber” de Schiller.
Estreia: Londres no Teatro Her Majesty em 22 de julho de 1847, com a condução de Verdi nas duas primeiras performances.
Um solo bonito e triste de violoncelo, escrito expressamente para o violoncelista principal, Piatti, no Her Majesty’s Theatre, constitui um breve mas eficaz prelúdio em que o tema do canto da saudade é resumido.
Local: Alemanha
Época: entre 1755 e 1757
Ato 1 Cena 01: Uma taverna na fronteira da Saxônia
A ópera começa numa taberna onde Carlo está absorvido com a leitura de Plutarco que fala dos grandes homens da Antiguidade. Durante um intervalo de seus estudos na Universidade de Dresden, Carlo, o filho mais velho e favorito do Conde Massimiliano Moor caiu entre ladrões, literalmente. Ele tornou-se um membro de uma gangue notória de salteadores que aterrorizam a comunidade local por roubo, extorsão. Em uma ária dupla formalmente convencional cuidadosamente elaborada com coro, Carlo medita sobre sua terra natal distante e sua amada Amalia (o belo andante “O mio castel paterno” da faixa 03) Carlo saiu de casa para estudar em Dresden. Ele está aguardando a resposta de uma carta que enviou a seu pai pedindo perdão pelos seus delitos recentes. O jovem é nobre de espírito, não apenas por nascimento, lamenta não ter ainda recebido o perdão do conde. Rolla e os outros ladrões chegam com a esperada resposta do Conde. Em vez de perdão, chega uma carta de seu irmão Francesco, que reafirma sua proibição de retorno à pátria paterna. A alegria de Carlo logo se transforma em tristeza, e, em seguida, em raiva, como ele descobre que a carta não é de seu pai, mas de seu irmão mais novo, Francesco, que avisa para ele não voltar para casa porque, longe de Carlo ser perdoado, o velho conde tem a intenção de puni-lo e deixá-lo longe. Os ladrões confortam Carlo e o elegem como chefe. Ele e seus amigos decidem se tornar bandidos e fazem um juramento de irmandade de sangue, na cabaleta “Nell’argilla maledetta” (faixa 05). . Assim, quando os seus companheiros o procuram para formar um bando de ladrões, ele aceita assumir o comando.
Cena 02: Uma sala no castelo de Massimiliano
Uma rápida mudança de local é efetuada para uma segunda ária dupla, a partir desse momento, a obra desmascara as maquinações de Francesco, um Caim que deseja a ruína de seu irmão e quer se apoderar do título hereditário, de quebra também quer a namorada de Carlo, Amalia. O quadro passa-se no castelo do Conde onde Francesco revoltado por ter um lugar secundário nas intenções do seu pai. Pretendendo que o irmão se mantenha afastado destruíra a carta que ele escrevera para o pai substituindo-a por uma carta falsa de sua autoria. Francesco está felicitando-se por ter interceptado a carta do seu irmão direcionada a seu pai, sabendo que Massimiliano certamente teria perdoado Carlo se ele tivesse recebido. Agora, apenas o idoso enfermo Conde fica entre Francesco e o título familiar e propriedades. Ele desenvolveu um plano para acelerar a morte de seu pai, no anguloso sostenuto Andante, “La sua lampada vitale” (faixa 07), Francesco ameaça apressar o fim da vida do pai. Ele então ordena que Massimiliano seja informado da morte de Carlo na batalha, na esperança de que o choque e a dor acabem com o velho. É assim que chama Arminio, o intendente, a quem ordena que se disfarce e que vá anunciar ao Conde a morte do filho mais velho. Em uma cabaleta vigorosa “Tremate, o miseri!” (faixa 09), ele espera ansiosamente assumir o poder.
Cena 03: Um quarto no castelo
Depois de um prelúdio em que solos dos sopros são proeminentes, Amalia olha para o adormecido Massimiliano e pensa nas alegrias do passado em “Lo sguardo avea degli angeli” (faixa 11). A jovem lamenta a esperança perdida com a condenação de Carlo pelo pai, mas não guarda qualquer rancor do Conde, por respeito para com a sua idade e autoridade. Mas Carlo não sai dos seus pensamentos. A ária foi claramente escrita para a “prima donna” Jenny Lind é muito mais ornamentada do que o modelo verdiano usual e para acomodar os floreios e improvisos da “estrela do norte”, uma ária formalmente muito mais discursiva e linda.
Massimiliano acorda e, em um curto movimento de dueto com Amalia, “Carlo! io muoio” (faixa 13), lamenta morrer sem ver seu filho predileto. Amalia e Massimiliano choram a ausência de Carlo e bem-dizem a morte
que os libertará das desgraças terrestres. Armínio e Francesco entram para dar a falsa notícia da morte de Carlo. Francesco apresenta Arminio, que vem sob um disfarce, e narra ao Conde a morte do filho ausente – uma mentira contada com todos os pormenores convenientes às pretensões de Francesco: antes de morrer, Carlo teria deixada escrita uma mensagem (com o seu próprio sangue) na lâmina da sua espada, libertando Amalia de todos os compromissos para com ele e aconselhando-a a casar com Francesco. Essa revelação precipita o quarteto “Sul capo mio colpevole” (faixa 15): Massimiliano está ao mesmo tempo arrependido e furioso; Amalia (acompanhada por Armínio) oferece consolo religioso, Francesco espera ansiosamente seu triunfo. É um choque de emoções poderosamente eficaz e termina quando Massimiliano, aparentemente sem vida, cai no chão, sendo dado como morto – o que deixa Francesco exultante por poder assumir finalmente a sucessão.
Ato 2 Cena 01: Um cemitério adjacente à capela do castelo Vários meses se passaram desde a cena anterior, rapidamente Francesco toma o controle e o poder no castelo. Amalia visita o túmulo de Massimiliano procurando refúgio durante o banquete dado por Francesco para celebrar a sua subida ao poder e em um simples Adagio, “Tu del mio Carlo al seno” (faixa 17), imagina Massimiliano e Carlo juntos no céu. À distância, podem ser ouvidos os sons do festivo banquete. Arminio seguiu Amalia, porque ele está atormentado pela culpa de sua parte na conspiração perversa de Francesco. Ele só tem tempo para revelar que tanto Carlo e o velho conde ainda estão vivos, Amalia se regozija com uma cabaleta jubilosa e distintamente antiquada, “Carlo vive?” (faixa 19), que mais uma vez deu ampla oportunidade para Jenny Lind demonstrar sua famosa agilidade.
Francesco entra para declarar seu amor por Amalia e eles se lançam em um dueto de confronto soprano-barítono em quatro movimentos, um tipo de situação dramática na qual Verdi quase sempre teve um sucesso magnífico. Chega então Francesco que a pede em casamento, o que ela recusa, acusando-o de ser o instigador da morte do irmão. Sua recusa desdenhosa provoca-o um ataque de fúria e ele se torna violento, Francesco revela-se tal como realmente é, dizendo que ela será sua, quer queira quer não, como escrava ou como amante.
Amalia finge uma mudança de coração e abraça-o para que ela possa aproveitar sua adaga e afastá-lo antes de fazer a sua fuga para a floresta nas proximidades. Mas nesta situação, pela primeira e única vez em minha desprezível opinião, o mestre erra um pouco a mão no dueto e o formato se mostra um pouco frio, rápido e disperso. O andantino “Io t’amo, Amalia” (faixa 21) se dissolve muito rapidamente em um uníssono rítmico rotineiro, e a cabaleta “Ti scosta, o malnato” (faixa 23), trata de maneira dispersa o confronto de tessituras em comparação aos muitos dos melhores trabalhos de Verdi que exploram esta situação com muito mais criatividade. Como diz nosso matemático René Denon “jogou as variantes numa fórmula padrão e deixou rolar” sei lá “…não dá para inventar muito não conheço bem o público, temos que cumprir o prazo…” algo assim. Um pena.
Cena 02: Uma clareira na floresta da Boêmia perto de Praga
Nos bosques próximos de Praga onde os bandidos estão reunidos o “Scene e Coro” (faixa 24) oferece uma amostra típica da vida dos bandidos, embora a escrita coral seja mais complexa do que Verdi normalmente havia se aventurado até então. É aí que se espalha a notícia de que Rolla, o braço direito de Carlo, fora preso e condenado à forca. Como forma de vingança, Carlo decidira saquear a cidade, Rolla, então, é resgatado por Carlo e seus seguidores, que se alegram com sua vida despreocupada. Eles deixam Carlo sozinho para lamentar seu estado de proscrito em uma bela romanza, “Di ladroni attorniato” (faixa 26). Seus companheiros voltam para relatar que estão sob ataque e todos se juntam em um coro guerreiro, todos se preparam para o combate. Carlo conseguiu incendiar grande parte da cidade, resultando em cidadãos armados que o perseguem. A cena termina com Carlo exortando sua turma de ladrões para lutar como lobos para salvar-se (o lindo fechamento da faixa 27).
Ato 3 Cena 01: Um lugar na floresta perto do castelo
Os ladrões cantam dos prazeres de suas atividades criminosas. Amalia que conseguiu escapar de Francesco, está na mesma floresta em que estão os bandidos, mas agora está sozinha e apavorada ao ouvir o som de bandidos nas proximidades. Ela implora misericórdia do primeiro homem que vê: milagrosamente, ele acaba sendo Carlo, e os amantes são alegremente unidos em um dueto. O primeiro movimento lírico, “Qual mare, qual terra” (faixa 29), é talvez um pouco simples, embora os efeitos vocais compensem em parte a falta da tensão de confronto usual. Amalia conta a Carlo sobre a morte de seu pai e sobre as tentativas de Francesco por sua virtude. Carlo fica horrorizado. Mas, quando Amalia o interroga, Carlo não lhe revela ter-se tornado um bandido. Eles se juntam em uma cabaleta final, “Lassu risplendere” (faixa 31), na qual Amalia tem ainda mais oportunidade de exibir seus trinados e agilidade.
Cena 02: Outra clareira na floresta da Francônia
Um refrão ainda mais alegre dos bandidos apresenta o “Finale Terzo”. Carlo luta com sua alma byroniana e até pensa em suicídio, mas decide que deve aceitar seu destino terrível e viver na solidão e miséria, vilipendiado por todas as pessoas decentes contemplando seu futuro sombrio na ária “Ben Giunto” (faixa 33) mas é interrompido por Armínio, que entra furtivamente e se aproxima de algumas ruínas de torres próximas. Ao ouvir uma voz dentro das ruínas, Carlo vai investigar, então entra na torre e, para sua surpresa, encontra, num dos calabouços, um velho esquelético que ele reconhece ser o seu pai, Massimiliano. Em uma impressionante narrativa “Un ignoto, tre lune ou saranno” (faixa 35), Massimiliano (que não reconheceu seu filho) descreve aquilo que se passou: ao receber a notícia da morte do seu filho mais velho, perdera os sentidos; quando acordara, vira-se fechado num caixão; depois, Francesco, o seu filho mais novo, que ficara furioso ao compreender que ele não morrera, mandara-o aprisionar naquela torre onde deveria acabar por morrer de fome. Felizmente Arminio o salvou e manteve escondido nas ruínas onde Carlo o encontrou. Surpreendido e indignado, Carlo dispara para o ar para chamar os seus homens, a quem faz jurar vingança contra Francesco.
Ato 4 Cena 01: Uma suíte de quartos no castelo de Massimiliano
Francesco acorda após terríveis pesadelos, com remorso. “Pareami che sorto da lauto convicto” (faixa 38) Francesco descreve uma visão assustadora da retribuição divina em um movimento que prefigura os grandes solilóquios das óperas do período intermediário de Verdi. Ele convoca o padre Moser e pede perdão por seus pecados, mas este se recusa a absolvição por seus crimes hediondos: só Deus pode conceder o perdão, responde o pastor. Impelido por sinais de que o castelo está sob ataque, Francesco corre para encontrar seu destino, jurando que vai desafiar o próprio fogo do inferno.
Cena 02: Uma clareira na floresta da Francônia
Massimiliano lamenta a morte de Carlo, embora ele ainda não reconheça que o homem de pé na frente dele é seu filho favorito, Carlo não revelará sua identidade a Massimiliano, mas mesmo assim pede uma “bênção paterna”, então ele abençoa o “estranho desconhecido” por salvar sua vida. Em um dueto gentil “Come il bacio d’un padre amoroso” (faixa 41), pai e filho estão vocalmente unidos. Os bandidos regressam do assalto ao castelo. Não encontraram Francesco, e, em seu lugar, decidiram trazer Amalia, que encontraram perdida nas matas. Isso agrada Carlo que tem a intenção de mudar os seus caminhos. Carlo é forçado a admitir para Amalia, e para o seu pai, o seu papel como líder dos ladrões. Massimiliano expressa seu horror e desespero, mas Amalia declara que, apesar de tudo, ela ainda ama Carlo e quer ficar com ele no trio final “Caduto e il reprobo!” (faixa 43). Mas os companheiros ladrões de Carlo estão por perto, ele também deu o seu juramento de fidelidade ao longo da vida para seu bando de ladrões, e é impossível ignorar: em uma passagem declamatória final, ele não pode permitir que a mulher que ele ama seja arrastada para o seu mundo de degradação e vergonha, e ele não pode escapar de seu próprio mau destino está convencido de que não pode apagar a mancha do passado, nem de se redimir do clã, então resolve esse paradoxo esfaqueando e matando Amalia. Carlo abandona os bandidos e corre para a forca que o espera.
Cai o pano —————————
“I masnadieri” é um dos trabalhos mais intrigantes de Verdi. Quatro furiosos e violentos atos de tragédia. O retrato de Schiller sobre a rivalidade ciumenta de dois irmãos, o mais novo ressentido pelo fato de que o mais velho herdará a propriedade ducal do pai, e o dilema do pai cujo herdeiro legal se rebelou contra a sociedade e se juntou a uma gangue de bandidos de vida irresponsável, é forte material, cheio de ideias pré-revolucionárias (foi escrito em 1781). A figura de Francesco, o homem do crime premeditado, é terrível ele despreza seu pai como um fardo inútil que passa por sua vida e sente categoricamente a necessidade de ir contra a natureza. A inesperada vítima expiatória é a infeliz Amalia. Ela, que resistiu ao sadismo do namoro de Francesco – em uma cena cheia de contrastes – e demonstrou a mais firme coragem, assim como a mais terna feminilidade. O drama caminha desde o início com uma presunção devoradora e selvagem. Com um libreto nada superficial, ainda que desajeitado na linguagem, o músico lançou um ataque anárquico, de natureza explosiva.
Com estes ingredientes deveria ter sido um grande sucesso, fora isso tinha uma companhia estrangeira de grande prestígio dirigida por Lumley, uma elevada base romântica em Schiller (uma das fontes favoritas do compositor), um ilustre homem de letras como o libretista, um elenco de renome internacional. Além disso, Verdi e seu libretista tentaram conscientemente romper com certas tradições de longa data para tornar sua criação mais romanticamente intensa. Mas todos esses ingredientes se mostraram problemáticos. Verdi sentiu-se fora de sintonia e sem empatia com o ambiente inglês e pode não ter certeza do gosto e das exigências do público, o drama se mostrou um tanto pesado, particularmente por sua falta de oportunidades para o confronto dos personagens; Maffei, apesar de suas habilidades poéticas e disposição para experimentar, não tinha experiência de adaptações para o teatro. Acabou ficando um trabalho, no velho e bom português, como “feijão com arroz”.
Porém o lucrativo contrato para compor uma ópera para o Her Majesty’s Theatre em Londres foi um importante sinal da crescente reputação internacional de Verdi, e a ocasião permitiu que ele escrevesse para alguns dos cantores mais famosos da época. A recepção entusiástica de Londres durou pouco e a ópera se saiu muito mal na Itália. Este trabalho se juntou a Alzira no limbo das óperas de Verdi menos executadas. Não que a ópera toda seja feia, tem bons momentos (aliás o solo do prelúdio é lindo) mas o desfecho…putz, o absurdo no final aonde nosso herói esfaqueia sua amada para poupar-lhe a agonia de perdê-la para os bandidos (a quem ele jurou fidelidade eterna) é muito para engolir até no século XIX, em minha desprezível opinião, diga-se de passagem.
Giuseppe Verdi – I masnadieri Personagens e intérpretes
Esta gravação que vamos compartilhar com os amigos do blog é formada por um dos grandes elencos da década de 70. Para começar a diva Monserrat Caballé é sublime no único papel feminino. Como vimos (para quem teve a paciência de ler o textão) Amalia foi escrita para a sueca, Jenny Lind, e como tal o papel tem um monte de trinados e outros tantos momentos de coloratura delicada que Verdi normalmente não escrevia. Caballé tem uma voz muito leve e ágil, que parece estar de acordo com a escrita para Lind – o papel mantém os registros médios e superiores da voz soprano. Ela é particularmente surpreendente na ária de abertura, “Lo sguardo avea degli angeli” (faixa 11). Carlo Bergonzi é o tenor clássico de Verdi, sua aria de abertura, a cabaletta marcial “Nell’Agila maledetta” (faixa 05), é excelente. É muito bonito também o dueto com Raimondi no quarto ato, “Come d’un bacio d’un padre amoroso” (faixa 41).
Piero Cappuccilli também é o clássico barítono Verdi, trazendo muito calor italiano para o papel. Parece estranho dizer que leva “calor a um vilão”, mas Francesco Moor tem muitas músicas realmente ótimas, e a voz de Cappuccilli é muito bonita! Em minha modesta opinião ele é particularmente magnífico no dueto com Caballé no ato dois, “Io t’amo, Amalia” (faixa 21), que apesar das deficiências dramáticas, os dois fazem deste dueto um dos pontos altos. Sua ária de abertura, “La sua lampada vitale” (faixa 07) tem muita ameaça, tornando Francesco assustador. Ruggero Raimondi é um magnífico baixo, seu Massimiliano ficou nesta gravação com muita profundidade. Realmete é uma pena que não ter muitas participações do personagem dele para nos deleitar com seu canto. Há dois belos duetos, no primeiro ato com Caballé (faixas 11 e 13) e no ato quatro com Bergonzi (faixa 41), e uma curta romanza no ato três, “Un’ignoto, tre lune” (faixa 35). Esta gravação de estúdio é de alta qualidade e o maestro Gardelli conduz o pessoal da New Philharmonia com muita delicadeza. Uma gravação excelente, e os amantes da boa ópera não devem ter receio de ouvir mesmo que esta ópera seja considerada um trabalho menor, pouco conhecido, mas estamos falando da música de VERDI !!! Que subam as cortinas e se inicie o espetáculo ! Bom divertimento !!!!!
Massimiliano, Conde Moor – Ruggero Raimondi, baixo Carlo, filho mais velho de Massimiliano – Carlo Bergonzi, tenor Francesco, filho mais novo de Massimiliano – Piero Cappuccilli, barítono Amalia, sobrinha órfã de Massimiliano – Montserrat Caballé, soprano Arminio, criado do Conde – John Sandor, tenor Rolla, membro de quadrilha – William Elvin, barítono Moser, um padre – Maurizio Mazzieri, baixo
Ambrosian SIngers
New Philharmonia Orchestra
Conductor: Lamberto Gardelli
Registrazione: London, Ago 1974
Eu poderia tentar escrever vários adjetivos para a música de Mendelssohn. Mas eu sei que jamais faria isto tão bem quanto outro integrante do PQP Bach: o Carlinus. Ele tem uma sensibilidade enorme para a música e principalmente para a música de Mendelssohn. Ele sabe traduzir os pensamentos e sentimentos em palavras. Pega aquelas impressões fantásticas em que nós pensamos e sentimos enquanto ouvimos música e traduz essas emoções em palavras… E eu considero isso algo muito bonito e difícil de conseguir fazer. Sim, eu tenho sentimentos, e ao ouvir música também me deixo “levar”, mas guardo o que sinto para mim. As sonatas para violoncelo e piano de Mendelssohn são muito legais. Adoro ouvir essas belezas. Meu primeiro contato com elas foi aqui no blog, justamente através do Carlinus. Fiz o pedido, ele demorou um tiquinho, depois respondeu e postou. Fiquei semanas ouvindo e feliz da vida porque fui atendido por ele. Hoje estou aqui para tentar retribuir a atenção que me foi dada presenteando vocês e o nosso amigo Carlinus com estas mesmas sonatas outrora postadas pelo mesmo (esse texto ta parecendo B.O. policial…). Esta versão é sublime, e é muito bem interpretada por Antonio Meneses, na companhia de Gérard Wyss. Espero que vocês gostem.
OBS.: Carlinus, brigado por me ajudar a conhecer a música de Mendelssohn!
Felix Mendelssohn (1809-1847): Música para Violoncelo e Piano (Antonio Meneses e Gérard Wyss)
01. Sonata # 1, Op. 45 – I. Allegreo vivace
02. II. Andante
03. III. Allegro assai
04. Sonata # 2 Op. 58 – I. Allegro assai vivace
05. II. Allegretto scherzando
06. III. Adagio
07. IV. Molto allegro e vivace
08. Variations Concertantes Op. 17
09. Lied ohne Worte, Op.19 #1
10. Lied ohne worte, Op.19 #3 Jägerlied
11. Assai tranquillo
12. Lied ohne Worte, Op.109
13. Lied ohne Worte, Op.19 #6 Venetianisches Gondellied
Após a estreia de Attila, seguindo os conselhos dos médicos Verdi deu uma ligeira relaxada nos compromissos, passou dias quietinho, dessa vez ficou apreensivo com sua saúde. O relatório destes dias sempre nos chega através das cartas que o fiel Muzio enviava ao “papa” Barezzi: “Continua a sentir-se bem e está se recuperando. Não faz nada, não escreve, não assume compromissos; agora só gosta de caminhar ou passear de carruagem, tendo cinco ou seis à sua disposição; todos estes cavalheiros que o cortejam competem pela sua diversão. Às vezes, por volta do meio-dia, vai para o campo ou para Monza ou Cassano ou Treviglio; e volta para casa às cinco para almoçar. À noite retira-se a tempo e descansa. Conduzir-se assim logo ficará recuperado novamente”. E dando-nos os relatos de seu progresso na saúde parece que a torcida se cumpriu. Em maio diz Muzio, escrevendo a Barezzi com aquele tom de quem participa tanto da vida de seu professor que até bebe com ele as águas curativas: ‘O mestre está bem, fazemos grandes caminhadas pela manhã, tomamos muita água e jogamos boliche para digerir essa água, e às cinco saímos para almoçar com uma companhia seleta. “O apetite volta” e ele toma café da manhã com gosto, feliz … Se o visse!!!! Está engordando, adquiriu uma bela cor na pele, está melhor do que nunca”, sempre.
Um fato vale destacar desse período “ocioso”: Muzio elogia a eleição do novo papa Mastai Ferretti, Pio XI. O mestre é convidado, por seu amigo romano Masi, a escrever um hino para a posse oficial do pontífice em novembro. Verdi recusa, mas com pesar, porque “gostaria muito de compor numa música para homenagear um homem tão merecedor da sociedade”. Muzio enumera esses méritos, a coragem de Sua Santidade em impor uma vida sóbria como tribunal do Vaticano, mais caridade e, acima de tudo, o início de reformas políticas e sociais, como a anistia para crimes políticos e maior liberdade de opinião. Veremos os efeitos disso nas próximas postagens.
O trabalho está a espera; consegue adiar o compromisso em Londres junto ao empresário Lumley, reitera que não irá a Londres por nenhum motivo, até os “doutores” certificarem sua cura. Assume outros compromissos: considera ir para Florença, algo está para nascer, negociações com o empresário Alessandro Lanari avançam para uma nova ópera a ser estreada no Teatro della Pergola em Florença. Em 17 de maio de 1946, Verdi escreveu a Lanari. “Agora que estamos perfeitamente de acordo quanto ao gênero de trabalho que tenho de escrever … Tenho temas fantásticos e lindos em vista que vou escolher o que mais se adequa à disponibilidade do Teatro della Pergola”. Os tópicos “fantásticos” foram certamente “L’avola” de Franz Grillparzer, “Macbeth” de Shakespeare e “I masnadieri” de Schiller. A escolha final teria dependido da disponibilidade do protagonista masculino: se havia um bom tenor, a melhor escolha seria “l’Avola” ou “i Masnadieri”, se um barítono, a escolha cairia em “Macbeth”. Ao ser indicado o nome de Felice Varesi, um dos melhores barítonos ator-cantor da época, a escolha acabou por recair em Macbeth. Essa iria ser a primeira ópera de Verdi baseada num texto de Shakespeare.
Na segunda quinzena de setembro ainda havia alguma incerteza sobre a obra planejada, mas o mestre já havia deixado Piave de sobreaviso e em 2 de setembro (entre outras coisas Piave estava “muito desolado” porque sua namorada havia amputado uma mão depois de um acidente de viagem): “Tente se animar e procure todas as distrações possíveis! … Eu lhe enviarei 100 florins. Amanhã ou mais tarde enviarei o esboço do “Macbeth “. Recomendo para você com alma!” Piave já estava trabalhando no “Corsaro” de Byron. Verdi escreveu ao libretista dois dias depois, em 4 de setembro, e ao enviar-lhe o esboço de “Macbeth”, acrescentou um conselho esclarecedor e admirável: “Esta tragédia é uma das maiores criações humanas … Nos versos, lembre bem, não deverá haver nenhuma palavra inútil: tudo deve dizer algo, e uma linguagem sublime deve ser usada com exceção das bruxas: estas devem ser triviais, mas extravagantes e originais … Oh, eu recomendo que você não negligencie este “Macbeth”, por favor venere esta obra, senão outra coisa, confio que cuidará destes versos. Minha saúde que agora está excelente, mas que imediatamente se deteriora por causa do calor que faz esta temporada em Milão, isso me preocupa … Brevidade e sublimidade.” Quando começou a trabalhar nesta sua nova ópera, Verdi compreendeu de imediato que toda a tensão da Tragédia se centrava, não entre diversas personagens em luta pelo Poder, mas sim entre os dois Protagonistas, Lord e Lady MacBeth. É a tensão existente entre ambos que está na origem da Tragédia: a tensão entre a Ambição Medrosa, latente na figura masculina, e a Ambição Cega, de certa forma camuflada, que guia o comportamento da figura feminina. Foi essa tensão que Verdi tentou transmitir ao transpor para música a obra de Shakespeare.
Durante a composição, não satisfeito completamente com os versos de Piave, invocou “S. Andrea” Maffei para retocar e refazer alguns versos que estavam crus e sem emoção. Mesmo na forma de poesia, ele desejava aparecer em ordem diante de um ambiente, uma tradição, onde a linguagem tinha uma importância preeminente, especialmente em comparação com as outras regiões da Itália.
Algumas cartas descrevem de forma clara como Verdi gostava de manipular a parte cênica da preparação das suas montagens orientando os cantores. Nunca antes Verdi foi tão detalhista na preparação de uma ópera, tendo cuidado até com os elementos da encenação, já que fazia muita questão de uma reprodução convincente do século XI escocês. Chegou mesmo a fazer a exigência de que os cantores fossem bons atores – e isso no século XIX era uma grande exigência. Vou reproduzir o que o maestro orientou neste trecho que descreve o momento em que Macbeth se propõe a assassinar o Rei Duncan, e o dueto que se segue ao crime, entre ele e a sua mulher, a sua malvada inspiradora, Verdi recomenda: “Cuidado que é noite: todos dormem : tudo neste dueto terá que ser dito em voz baixa, mas em voz sombria para causar terror … Para que compreendam bem as minhas ideias, digo-vos também que … a parte orquestral consiste nos instrumentos de arco, em quatro sopros e um tímpano. Vocês veem que a orquestra vai tocar baixinho e vocês vão ter que cantar muito baixo também.”…. “Em suma, preste atenção nas palavras e no assunto: não procuro mais nada: o assunto é lindo, as palavras também …”
Ele também enviou considerações semelhantes a Barbieri-Nini, intérprete de Lady Macbeth. Quanto ao tipo de voz desejada e à expressão vale o que escreveu em 1848, quando no San Carlo de Nápoles quiseram confiar a mesma parte a Tadolini: “Tadolini tem qualidade muito grande para desempenhar este papel! Pode parecer absurdo, mas não é … Tadolini canta perfeitamente, e eu gostaria que Lady Macbeth não cantasse. Tadolini tem uma voz clara, límpida e poderosa, e eu gostaria de uma voz áspera e sufocada, sombria. A voz de Tadolini tem algo angelical, a voz de Lady deveria ter algo diabólico.”
Preocupado com o ambiente das cenas, escreveu a Lanari para fazer a curadoria. O cenário que, depois da palavra, era seu segundo problema. A principal dificuldade parecia-lhe estar no desenvolvimento de mecanismos e truques para as aparições fantasmas. A do Banquo que, assassinado por ordem de Macbeth, volta em forma de fantasma para atormentá-lo: “Olha, a sombra do Banquo deve ir para a clandestinidade: deve ser o mesmo ator que representou o Banquo no primeiro ato e deve ter um véu cinza, mas muito discreto e até que seja visto, e Banquo terá que ter cabelo penteado e várias feridas visíveis no pescoço. Todas essas noções eu tenho dos palcos de Londres, onde esta tragédia tem sido continuamente representada por mais de 200 anos. E aquelas múltiplas aparições que ocorrem pelas bruxas no terceiro ato, para as quais ele argumentou a necessidade de explorar a fantasmagoria produzida pela lanterna mágica.” Lanari se empenhou e em uma carta feliz de janeiro de 1847 relata a Verdi: “..tinha falado sobre a “fatasmagoria” com o cenógrafo Sanquirico, ele me garantiu que seria extremamente bonito e muito adequado: por Deus, se ficar bem como Sanquirico descreveu, será um negócio espantoso, e um mundo de gente virá correndo ao teatro só para ver isso. Quanto às despesas, ele me garante que será pouco mais que o valor de uma carruagem nova… O que você acha? ” Achei muito legal o parâmetro: hoje mesmo sendo um “Goleta 1.0” basicão já ia ser bem caro…..
A ópera demorou mais que o comum para ser apresentada, Verdi queria uma execução perfeita, pretendendo atender a todos os pormenores. Assistir a todos os longos ensaios, constantes e cuidadosos. Para se ter um exemplo, a admirável primeira intérprete da Lady Macbeth, Mariana Barbieri-Nini, foi compelida a ensaiar mais de cinquenta vezes o seu dueto com o barítono. Os ensaios duraram mais de três meses. Não contente ainda com a famosa cena do sonambulismo, procurava orientar a cantora: “…. deveis ser a imagem real, viva, duma sonâmbula, dessas que falam dormindo, articulando palavras sem movimentar os lábios. Deveis manter o corpo imóvel, até os olhos….” (na nossa postagem a faixa 22).
Depois desta demostração de como o maestro era detalhista os amigos do blog não precisam de mais nada para entender que Verdi queria se apresentar da melhor maneira possível em Florença.
Verdi dedicou a partitura de “Macbeth” ao sogro Barezzi como testemunho de memória eterna, gratidão e afeto. “Há muito tempo a intenção de dedicar uma ópera para você, que têm sido pai, benfeitor e amigo para mim. Era um dever que eu deveria ter cumprido mais cedo se circunstâncias imperiosas não tivessem me impedido. Agora, eu vos envio Macbeth como prêmio acima de todas as minhas outras óperas, e, portanto, considerando digna de apresentar a você.”
A ópera havia sido encenada no Teatro da Via della Pergola em 14 de março de 1847: segundo o relato do Sr. Antonio, o genro apareceu para agradecer ao proscênio cerca de quarenta vezes e foi acompanhado ao hotel por uma grande multidão. Artistas, homens de cultura, nobres o homenagearam. A primeira apresentação foi um triunfo! Os proprietários do teatro lhe ofereceram, como demonstração do maior conceito de Florença, uma coroa de louros, preciosa porque as folhas eram de ouro, tendo cada uma das folhas o nome das dez óperas que até esta data haviam sido compostas. No entanto, os críticos não abraçaram os elogios, até mesmo nivelando o mérito da música, “que foi apenas parcialmente apreciada”.
O maior reconhecimento recebido pelo mestre do meio cultural da cidade foi uma carta memorável do poeta satírico Giuseppe Giusti: “Gostaria que todos os gênios italianos procurassem uma união forte e plena com a arte italiana e se abstivessem da veneração vaga de conexões estrangeiras.” Comovido com os cumprimentos de um literato, Verdi responderá prontamente: “Sim, você diz muito bem … Oh, se tivéssemos um poeta que soubesse traçar um drama como você o entende! Mas desgraçadamente, se quisermos algo que pelo menos tenha um efeito, devemos, para nossa vergonha, recorrer a coisas que não são nossas ”. Além de Giusti, “Macbeth” atraiu outras simpatias florentinas: o dramaturgo Giovanni Battista Niccolini, os escultores Lorenzo Bartolini e Giovanni Dupré, o historiador Gino Capponi e o barão político Bettino Ricasoli, estes dois últimos profundamente engajados na luta por uma nova ideologia liberal. Dupré deixou-nos nas suas memórias autobiográficas uma boa descrição da permanência de Verdi entre eles: “Se não me engano, foi a primeira vez que veio entre nós; a sua fama o precedeu; os inimigos, como é natural, diziam que, como artista, ele era muito vulgar e corrompia o bel canto italiano, e como um homem, eles até disseram que era um urso, cheio de altivez e orgulho, e que desdenhava se aproximar de qualquer pessoa. “Alguns até hoje argumentam que tal reserva obscura resultou da tentativa de esconder o máximo possível sua relação com Giuseppina Strepponi, que teria estado em Florença com ele (há também um retrato dela na época dos ensaios de “Macbeth”) .
O então jovem escultor queria se convencer de como era na realidade o homem e escreveu-lhe uma nota nos seguintes termos: “Giovanni Dupré solicita ao mestre G. Verdi que se dignasse a sua conveniência a ir ao seu estúdio, onde está completando Caim em mármore, e gostaria de mostrá-lo a ele antes de enviá-lo ao imperador da Rússia.” E para saber até que ponto ele era um “urso”, ele mesmo foi com a carta visitar o músico da Pensão Suíça, apresentando-se como “um jovem aluno do estúdio do professor”. O maestro o acolheu com muita “civilidade”, leu a carta e depois com uma cara “nem rindo nem sério” falou: “Diga ao Sr. Dupré que eu agradeço muito a ele, e assim que possível irei e vê-lo, já que tinha em mente conhecer pessoalmente o jovem escultor.” Então Dupré se revelou e Verdi apertou sua mão, divertido, dizendo que era realmente um “pensamento de artista”. Depois, virou amizade: Dupré continua: “Na sua estadia em Florença, encontramo-nos quase todos os dias; fizemos alguns passeios. Éramos uma brigada de quatro ou cinco: Andrea Maffei, o Manara que mais tarde morreu em Roma, Giulio Piatti, Verdi e eu; à noite, ele nos deixava ir a um ou outro ensaio de Macbeth; de manhã, ele e Maffei vinham com frequência ao meu estúdio. “Eles conversavam sobre pintura e escultura; Verdi preferia Michelangelo e falava dele com perspicácia. Ele também parecia gostar do Caim…..” Dupré conseguiu esculpir a sua mão, que ainda hoje é admirada.
O Enredo
Ópera em quatro atos, libreto de Francesco Maria Piave (com material adicional de Andrea Maffei) baseado na peça Macbeth de William Shakespeare.
Estreia: Florença, Teatro della Pergola, 14 de março de 1847.
Local: Escócia e as fronteiras anglo-escocesas durante o Reinado de Duncan, século 11.
O prelúdio é composto por temas da ópera. Primeiro vem um tema de sopro em uníssono da cena das bruxas no início do ato três, depois uma passagem da música da aparição no mesmo ato. A segunda metade é tirada quase inteiramente da cena do ‘sonambulismo’ de Lady Macbeth do quarto ato.
Ato 1.
Cena 01: Um bosque
Ao regressarem duma batalha vitoriosa contra grupos rebeldes, MacBeth e Banquo encontram numa clareira da floresta um grupo de Feiticeiras que os saúdam, o coro das bruxas que abre o ato divide-se em duas partes, a primeira “Che faceste?” , a segunda “Le sorelle vagabonde” (faixa 02). Ambos compartilham da cor musical associada às bruxas, entre as quais se destacam as sonoridades de sopro (tanto escuras quanto estridentes), figuras de cordas mercuriais e uma tendência para o deslocamento rítmico. Macbeth e Banquo entram e são saudados pelas bruxas com suas três profecias, sombriamente marcadas. MacBeth é saudado como “Senhor de Clamis e de Caudore” e como “Rei dos Escoceses”. Quanto a Banquo é saudado como “a semente duma longa Linhagem de Reis”. Uma rápida marcha militar então apresenta mensageiros que chegam com a notícia da morte do Senhor de Caudore, de cujo título MacBeth é o herdeiro, cumpre-se uma das Profecias. Como Verdi admitiu ao seu barítono principal, Varesi, esta sequência teria tradicionalmente chamado uma ária dupla para Macbeth, mas em vez disso o compositor forneceu um duettino de um movimento para Macbeth e Banquo, “Due vaticini” (faixa 04), cheio de linhas interrompidas e exclamações suprimidas enquanto os dois homens examinam suas consciências. A estrita final das bruxas, “S’allontanarono” (faixa 05), é muito mais convencional, embora encontre espaço para uma cor ainda mais característica.
Cena 02: Uma sala no castelo de Macbeth
A cavatina de Lady Macbeth, gera grande poder dramático a partir de uma forma externa convencional. Depois de uma tempestuosa introdução orquestral, Lady MacBeth entra e lê uma carta do marido em que ele fala no encontro que teve com as Feiticeiras e na estranha forma como elas se lhe dirigiram. A primeira parte de sua ária dupla, “Vieni! t’affretta!” (faixa 06), Lady MacBeth vê nisso um sinal e acha ter chegado o momento de ajudar o Destino fazendo cumprir a última das predições das Feiticeiras canta ordenando que Macbeth volte para casa o mais breve para que ela possa derramar nele seus pensamentos sangrentos; esta ária é linda e notável por evitar a repetição formal e por suas excursões harmônicas estritamente controladas. Um mensageiro anuncia que Macbeth e Duncan são esperados naquela noite, e Lady Macbeth exulta na cabaleta “Or tutti sorgete” (faixa 07). Macbeth entra, em um breve recitativo, Lady Macbeth revela seus planos para Duncan. O casal é interrompido pela chegada do próprio rei, cujo desfile pelo palco é acompanhado por uma marcha ‘rústica’ da banda.
O ‘Gran Scena e Duetto’ que se segue começa com o extenso arioso de Macbeth “Mi si affaccia un pugnal ?!” (faixa 09), durante o qual ele tem a visão de uma adaga e se prepara para matar Duncan. A passagem é extremamente rica em invenção musical, à medida que figuras cromáticas deslizantes se chocam com harmonias “religiosas” distorcidas e reminiscências fugitivas da música das bruxas; ele definirá o padrão para os grandes recitativos da carreira posterior de Verdi. Macbeth entra na sala do rei, e Lady Macbeth aparece, logo se reencontrando com seu marido. O motivo da nota do vizinho de Macbeth em “Tutto e finito!” (Tudo está terminado!) Fornece o material de acompanhamento para o primeiro movimento do dueto dividido em quatro partes, o Allegro “Fatal mia donna! un murmure”. Este primeiro movimento envolve uma troca rápida entre os personagens, com continuidade musical fornecida principalmente pela orquestra. Enquanto Macbeth descreve a voz interior que sempre lhe negou o sono, o segundo movimento mais lírico, “Allor questa você”, começa: os cantores novamente têm material musical diferente. Um curto movimento de transição, “Il pugnal la riportate”, mostra Lady Macbeth devolver a adaga ao quarto do rei e emergir com sangue nas mãos. O dueto termina com uma cabaleta muito reduzida, “Vieni altrove! ogni sospetto”. Consumado o ato, MacBeth é perseguido pelos remorsos e o medo, sentimentos que, acredita, irão passar a ser uma constante de todos os seus dias futuros.
O final do primeiro ato começa com a chegada de Macduff e Banquo, este último cantando uma apóstrofe solene da noite. Macduff chama todos para o palco e anuncia o assassinato de Duncan. A notícia lança o Adagio concertato, “Schiudi, inferno” (faixa 10): uma explosão tutti de angústia, uma passagem tranquila e desacompanhada em que todos oram pela orientação de Deus e uma melodia final elevada na qual a vingança divina é invocada sobre o culpado. O crime é atribuído ao próprio filho do Rei e seu herdeiro, Malcolm, que, ao fugir, não faz senão aumentar as suspeitas que recaem sobre ele. Seguindo o padrão do dueto anterior, a estreta final é extremamente curta, funcionando mais como uma coda do que como um movimento por si só.
Ato 2
Cena 01: Uma sala no castelo dos MacBeth
Uma reprise orquestral de parte do grande dueto do primeiro ato leva a um recitativo entre Macbeth e sua esposa. Ele agora é Rei dos Escoceses, as Profecias cumpriram-se, que perigos podem ainda ameaçá-lo? Malcolm fugiu e é suspeito do assassinato de Duncan, mas Macbeth fala da outra Profecia que ainda não se cumpriu, aquela que anuncia Banquo como semente duma longa Linhagem de Reis. Mas Lady MacBeth diz que esse perigo pode ser afastado: basta mandar assassinar Banquo.Lady Macbeth fecha a cena com a cabaleta “Trionfai! securi alfine” (faixa 11), uma ária convencional de dois versos à maneira da música de Elvira em Ernani.
Cena 02: Um parque
O silencioso e staccato coro de assassinos, “Sparve il sol” (faixa 12), na maneira tradicional de Verdi de representar grupos sinistros, leva a um romanza para Banquo (faixa 13), em cuja coda Banquo é assassinado num recanto distante dos Jardins do Castelo e o seu filho, Malcolm, foge.
Cena 03: Um salão magnífico no castelo dos MacBeth
Música festiva animada sustenta a reunião de nobres convidados, após o que Macbeth chama sua esposa para cantar um brindisi (canção para beber). Ela obedece com “Si colmi il cálice” (faixa 14)
e (como acontecerá também no primeiro ato da Traviata) é respondida pelo coro em uníssono. Os acordes finais da música ainda ecoam na orquestra enquanto Macbeth vai ao encontro de um dos assassinos de Banquo que aparece em uma das portas, sendo informado de que tudo se cumprira como ordenado porém Malcolm, filho de Banquo, havia fugido. MacBeth regressa à mesa do banquete lamentando a inexplicável ausência de Banquo.
A música festiva recomeça, mas Macbeth tem uma visão horrível de Banquo, no lugar na mesa que estava reservado, MacBeth vê o Espectro do companheiro de armas, com ele estabelecendo um diálogo incoerente. Lady Macbeth tenta acalmar seu marido, mas a visão retorna. O terror do rei precipita o concertato finale, “Sangue a me” (faixa 15), que é conduzido e dominado por Macbeth, embora com frequentes interjeições de sua esposa que tenta acalmá-lo. Não há stretta formal, o ato termina com a sensação geral de surpresa, mas as suspeitas já surgiram e Macduff decide abandonar de imediato o Castelo e procurar refúgio do outro lado da fronteira.
Ato 3
Uma caverna escura na floresta no antro das Feiticeiras
Depois de uma introdução orquestral tempestuosa, o coro das bruxas lideradas por Hécata, a Deusa da Noite cantam “Tre volte miagola”(faixa 16), traz de volta a ideia inicial do prelúdio como o primeiro de uma série de melodias cada vez mais animadas e ritmicamente acidentadas, aquelas claramente intencionadas para representar o elemento ‘bizarro’ do sobrenatural. Instantes depois chega MacBeth, o novo Rei dos Escoceses, que vem pedir que lhe leiam o Futuro. As aparições, que fazem suas previsões sobre o destino de Macbeth, a resposta das Feiticeiras é breve, mas difícil de decifrar: elas dizem para não confiar em Macduff, acrescentando que “nenhum Homem nascido duma Mulher o poderá derrotar, desde que a Floresta de Birman não interfira entregando o Poder à Linhagem de Banquo”, desencadeia o arioso “Fuggi, fantasima régio” de Macbeth na faixa 17, vêm os oito reis, o último dos quais está na forma de Banquo e precipita o “Oh! mio terror! dell’ultimo”, ao final do qual ele desmaia. Um suave coro e dança dos espíritos aéreos, ‘Ondine e silfidi’, precede o finale. O ato termina com uma cabaleta Allegro risoluto de Macbeth, “Vada in fiamme” (faixa 18).
Ato 4
Cena 01: Um lugar deserto nas fronteiras da Inglaterra e da Escócia e é dominada pela grande batalha decisiva que irá terminar o curto reinado de MacBeth.
O coro de abertura, “Patria opressa” (faixa 19), principalmente em seu lamento pela pátria perdida, lembra um pouco os coros patrióticos que tornou-se tão famoso nas primeiras óperas de Verdi, embora o modo menor lhe dê uma cor diferente. “Ah, la paterna mano” de Macduff, que se segue, é uma romanza menor convencional – maior romanza, e a cena é encerrada por um coro semelhante a uma cabaleta, “La patria tradita”, enquanto as tropas de Malcolm se preparam para descer em Macbeth.
Cena 2: Uma sala no castelo de Macbeth
A famosa ária de “sonambulismo de Lady Macbeth, “Una macchia” (faixa 22), é justamente considerada uma das maiores criações solo do jovem Verdi. Precedida por uma representação instrumental atmosférica sombria de Lady Macbeth que revela os sintomas dum sonambulismo preocupante que é, de fato, prenúncio da sua morte, a ária em si se distingue por sua estrutura formal e harmônica expandida e – mais importante – por uma contribuição orquestral maravilhosamente inventiva.
Cena 03: Uma sala no Castelo de Dunsiname
Uma ruidosa introdução orquestral leva ao confessional Andante sostenuto “Pieta, rispetto, amore” (faixa 23) de Macbeth, uma ária lenta eficaz com algumas modulações internas surpreendentes. MacBeth recebe a notícia da morte da mulher com aparente indiferença, limitando-se a dizer “que a vida não faz sentido, que é apenas uma história confusa imaginada por um louco”. A ária terminou, os soldados correram para anunciar a aparente aproximação do Bosque de Birnam, uma notícia que o deixa gelado, já que indicia o cumprimento de uma das Profecias das Feiticeiras; uma batalha orquestral pseudo-fugal se segue durante a qual Malcolm vence Macbeth em um combate individual. A ópera termina com uma cena curta e melodramática para Macbeth, “Mel per me” (faixa 25) repleta de gestos declamatórios que remetem aos temas do início do drama, MacBeth ferido grita dizendo que, segundo as Profecias, nenhum Homem nascido duma Mulher o poderá derrubar, Macduff responde que o filho de Banquo nasceu de cesariana. MacBeth morre e Malcolm é proclamado Rei.
Cai o pano ————————————————
Não há dúvida, na minha nula opinião, que esta ópera é um ponto de excelência fora da curva deste período, enobrecida por seu tema shakespeariano, foi aquela que Verdi conseguiu extrair, com sucesso, a substância dramática. Grande parte da ópera mostra uma atenção aos detalhes e uma certeza de efeito sem precedentes em obras anteriores. Isso vale tanto para os números “convencionais”, como a ária de abertura de Lady Macbeth ou o dueto subsequente com Macbeth, a curiosidade é que esta é a única ópera de toda a carreira do Mestre que não há romance (senza
amore) ele dá especial foco aos três elementos principais do drama: Lady Macbeth cuja ambição leva constantemente a manipular seu marido; Macbeth o valoroso soldado que a sede de poder o transforma em assassino e finalmente o coro das bruxas visto por Verdi como o elemento central do drama da ópera, pois suas profecias despertam o desejo de poder nas personagens. Além disso, o novo padrão estabelecido por Macbeth foi o “norte” do qual Verdi raramente se desviou em trabalhos subsequentes.
Afastado das lutas artísticas, Rossini aposentado; Donizzetti doente com grande enfermidade mental; morto Bellini; Verdi ficara, por assim dizer, nesta época de 1847, só, sendo ainda muito jovem. Em Florença não se deteve a aproveitar as maravilhas da linda capital toscana, mas a refletir sobre os novos trabalhos a serem realizados….
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Em 1864, o editor e empresário francês Leon Escudier pediu a Verdi que adicionasse uma música de balé para uma nova encenação da ópera no Theatre Lyrique, em Paris. O compositor concordou, mas também aproveitou a ocasião para aprimorar a ópera fazendo alterações substanciais em alguns números que considerava mais “fracos”, ele acabou realizando retoques maiores ou menores em vários números ao longo da ópera, por fim a revisou significativamente.
A intenção deste que vos escreve é a de seguir a ordem cronológica da vida e obra do mestre, mostrando a evolução de suas óperas, então nesta postagem vamos compartilhar a primeira versão tal qual foi encenada em Florença no Teatro da Via della Pergola em 14 de março de 1847. A versão de Paris que foi encenada no Theatre Lyrique a 21 de abril de 1865 (que é a mais representada e gravada) fica para o post depois da “La Forza del Destino” de 1862.
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Esta gravação que vamos disponibilizar aos amigos do blog de 1997 é excelente, que subam as cortinas e inicie o espetáculo !!!! Divirtam-se!
Giuseppe Verdi: Macbeth, na versão original de 1847 (Florença)
Personagens e intérpretes
Esta é uma linda gravação ao vivo da versão original do Macbeth de Verdi, composta em 1847. Não tenho certeza, mas acredito que seja a ÚNICA gravação ao vivo, com qualidade, disponível da versão florentina, o que a torna ainda mais valiosa. É uma gravação ao vivo, e devo enfatizar que é uma performance ao vivo muito profissional e cuidadosamente gravada. Há muito pouco barulho de palco e menos ainda de público, apenas aplausos nos momentos apropriados….. (não é daquelas transmissões de rádio mono ao vivo descuidadas com chiados, tosse, avisos sonoros…).
Como Macbeth, Evgenij Demerdijiev teve um início ótimo e firme, mas em sua cena final, ele está cansado, sua voz soa um pouco áspera. A introdução às notas do encarte nos diz que ele estava gripado no dia da apresentação, mas que o desempenho foi importante o suficiente para ser registrado de qualquer maneira. O tom redondo e luxuoso de Iano Tamar como a malévola Lady Macbeth é bonito, sua interpretação da Cena do Sonambulismo é boa o suficiente para compensar o fato da voz dela ser “suave” demais papel. Andrea Papi e Andrea La Rosa, como Banquo e Macduff respectivamente, são ambos firmes. Sob a direção de Marco Guidarini, a Orquestra Internazionale d’Italia vive alguns momentos sublimes. Esta é uma gravação que vale a pena ter !
Macbeth: Evgenij Demerdjiev Lady Macbeth: Iano Tamar; Banquo: Andrea Papi; Macduff: Andrea Ia Rosa; Malcolm: Emil Alekperov Gentlewoman: Sonia Lee; Servant: Jae-Jun Lee Doctor / Herald / Murderer: Han-Gweong Jang,;
Orchestra Internazionale d’Italia
Bratislawa Chamber Choir Condutor: Marco Guidarini
Gravação: Martina Franca, Pallazzo Ducale, Italy 25/27 july 1997
É interessante pensar que quase toda a música conhecida de Claudio Santoro (1919-1989) é nacionalista. Seu Ponteio para cordas, as Canções de Amor, o Frevo, as Paulistanas, a Sonata n°4 para violino e piano. Mas essa produção mais melódica e tonal está concentrada em apenas uma década de produção. No grosso de sua obra, é o experimentalismo e a atonalidade que dominam. Santoro embarca no dodecafonismo no início da década de 40, com 21 anos, para abandoná-lo no fim da década por convicções políticas; mas volta a uma linguagem experimental no início nos anos 60. Nos anos 80 o experimentalismo arrefeceria, mas não mais retornaria ao nacionalismo aberto e melodioso dos anos 50.
O álbum apresentado aqui, gravado na Alemanha em 1971, trata justamente dos dois períodos mais radicais do compositor. Da produção dodecafônica, são apresentados a Sonata para violino solo, o ciclo de canções “A Menina Boba”, sobre poemas de Oneyda Alvarenga, e os Três Prelúdios para clarinete solo. Dos anos 60 e 70 são a Mutationen III, para piano e fita magnética, as Intermitências I e três Prelúdios para piano e o Quarteto n°7.
Embora as obras deste último período sejam francamente mais experimentais, com uso extensivo de aleatoriedade e técnicas expandidas, mostrando um compositor afinado com as vanguardas europeias surgidas na década de 50, é a música dodecafônica que mais impressiona pelo frescor e originalidade. O compositor tinha ainda um contato muito limitado com a produção da Segunda Escola de Viena e encontrou os seus próprios caminhos, resultando numa música muito expressionista com belos toques de sensualidade.
Claudio SANTORO (1919-1989)
01 Mutationen III, para piano e fita magnética
02 Intermitências I
03 3 Prelúdios (nos. 19,20 e 21 do segundo caderno de Prelúdios)
Alex Blin, piano
04 Três Peças para clarinete solo
Otto Konhäuser, Clarinete
05 Quarteto De Cordas No. 7
Società Cameristica Italiana: E. Porta, U. Oliveti, E. Poggioni, Italo Gomes
A Menina Boba, para contralto e piano
06 A Menina Exausta XII
07 Asa Ferida
08 A Menina Exausta I
09 A Menina Exausta II
Carmen Wintermeyer, contralto; Fréderic Capon, piano
10 Sonata para Violino Solo
Rudolf Wanger, violino
Ainda lamentando a falta de nosso grande amigo Ammiratore, a partir de hoje o PQP Bach retoma sua programação. Como habitualmente deixamos nossos posts previamente agendados — às vezes com antecedência de semanas –, temos ainda três óperas de Verdi que foram preparadas por Ammiratore. Esta é a 11ª. Teremos a 12º e a 13ª com ele e depois seguiremos. Sim, estamos indignados com o descaso com que esta terrível doença vem sido tratada em nosso país e com a perda de nosso amigo. Somos mais de dez pessoas fazendo este blog e a impressão que tenho é a de que hoje somos um pequeno formigueiro que foi pisoteado. Mas fazer o quê? Vamos seguir, porque Ammiratore jamais admitiria o fim de seu querido PQP Bach. Aqui está Attila.
PQP
UNDICI – SOLERA LICENZIATO – “ATTILA” A VENEZIA
Saindo do Peru, com seus contrastes de pele e religião, os selvagens e a cruz (talvez um triste exemplo de história que representa a visão míope de Voltaire (e dos europeus em geral) à época sobre os povos originários das Américas), Verdi escolheu uma peça que havia lido em 1844 do poeta e dramaturgo alemão Friedrich Ludwig Zacharias Werner (1768 – 1823) (que no teatro alemão reviveu o fatalismo, o gosto pelo fantástico e pelo horrendo) “König der Hunnen ( Attila, rei dos hunos )” de 1809, que carrega o cheiro dos cavalos dos bosques da Ístria, enquanto as cruzes brilhantes das igrejas bizantinas relembram o medo que os invadiu à beira da civilização. Inicialmente discutiu o assunto com Piave. No entanto, para sua segunda ópera no La Fenice, o compositor acabou optando por Solera. Não há razão clara para essa mudança ter surgido, especula-se que, ao optar por Solera, ele estava mais confortável trabalhando com um libretista que era mais adequado para “desenhar sagas épicas e afrescos histórico-religiosos.” A abordagem da Solera para o projeto foi a de enfatizar um apelo ao patriotismo italiano, especificamente veneziano, ignorando muitos dos elementos da peça original. Estes incluíram invertendo a ordem das cenas-chave e, no caso da cena de abertura que mostra a fundação de Veneza, totalmente inventada. O enredo parecia excelente para Verdi, e também a poesia que Solera havia preparado até aquele momento, com versos bem musicáveis.
Conquistara a fama, mas um novo insucesso comprometê-lo-ia pelo menos aos olhos superficiais. Era necessário vencer e o libreto de Solera dispunha de elementos que o auxiliavam, facilitando-lhe o acesso à realização do seu intento. Verdi em agosto de 1845, de Nápoles, começou a pressionar Solera para começar a produzir os atos. Muzio, o seu fiel aluno e acompanhante, escreveu a Barezzi: “O senhor Maestro escreveu a Solera que está chegando a Milão especificamente para levar o libreto de “Attila”, do qual deseja realizar seu melhor trabalho; mas aquele poeta fez muito pouco; o Sr. Maestro reclamou com Maffei e Toccagni, acredito que eles o farão trabalhar, pelo menos Solera prometeu que terminará antes que o Maestro chegue.
E os problemas com Solera estavam apenas começando….. na manhã de 21 de setembro, Verdi tomou a diligência de Nápoles com destino a Milão. Muzio se apressou em contar tudo a Barezzi: “No sábado ao toque da Ave Maria à noite chegamos a Milão depois de uma péssima viagem e sempre acompanhados por uma chuva constante e muito forte. O Maestro está de cama há dois dias com uma dor reumática; mas agora está um pouco melhor; estamos cuidando bem dele um grande alento veio das animadoras notícias que chegaram do leste: os soberanos da Rússia aplaudiram o “Due Foscari”, e no San Benedetto de Veneza, “Un giorno di Regno”, com o título de “Il festo Stanislao”, divertiu o público. O maestro comentou que “o teatro é certamente uma coisa muito engraçada”.
Este obscuro admirador acha que cabe nesta série, para ilustrar e termos uma ideia do ânimo do mestre nesta época de “galera”, uma carta que escreveu a um certo L. Masi de Roma que conhecera em Nápoles para lhe agradecer a notícia (não muito reconfortante) do desfecho de “Alzira” e para lhe dizer, como já relatamos, que o mal dessa obra estava nas entranhas: “Meu caro Masi, obrigado pelas notícias da Alzira, mas agradeço ainda mais pela memória que guarda do teu pobre amigo que está continuamente aprisionado em notas rabiscadas… Malditas notas! … Como estou de corpo e alma? … Estou bem de corpo, mas a alma é negra, sempre negra, e será sempre assim até que eu termine esta carreira que abomino … E depois? … É inútil se enganar! … sempre será tão negro! … A felicidade não existe para mim! … Você se lembra dos longos discursos que fizemos na minha sala de Nápoles? … Que filosofia! … Mas quantas verdades! .. Ah se eu tivesse cabeça e ombros de carregador! … Comeria bem e dormiria em paz os meus sonhos! … Não fique zangado, meu caro Masi, mas sempre me ame e me escreva com frequência que sempre serei grato. ” Apontado como exemplo irrefutável de seu pessimismo, o discurso traz as consequências de um período estafante em que, embora admitindo as “imagens sombrias” de sua concepção atormentada do mundo, o compositor não encontrou um momento de verdadeira paz, longe dos estímulos de uma vida fantasiosa. Obrigado a viajar constantemente, correndo para cima e para baixo para verificar se as montagens estavam indo se não para o melhor, para o menos ruim e tinha ainda , o cumprimento dos contratos. A expectativa com Attila, no entanto, lhe traz um sopro de satisfação, e maliciosamente escreveu que cogitava “deixar os críticos e jornalistas gritando e fugiria para Londres que estava de portas abertas”. O exílio é um dos seus propósitos, mas só na aparência, como se procurasse o canto do descanso, um conforto imaginário porque a ambição era bem diferente e mais forte do que a vontade de se aposentar, que também surge de vez em quando com o cansaço do corpo e alma.
Voltemos ao “…e os problemas com Solera estavam apenas começando….” Solera havia feito as malas, deixou o projeto por completo e seguiu com sua esposa para Madrid de mala e cúia, onde se tornou diretor do Teatro Real. Má não foi beeeem assim: reza a lenda que o real motivo para esta súbita mudança foi que sua esposa, a cantora Teresa Rosmira, tendo sido vaiada pelo público milanês em “Gabriela di Vergy” de Donizetti, rompeu seu contrato com o La Scala e em climão zarpou para Madrid, levando na bagagem o marido. Por certo não houve tempo nem espírito para concluir o trabalho, deixou o libreto incompleto com o último ato a terminar e sem as várias alterações solicitadas por Verdi nos outros atos. “Ma cosa resta da succedere adesso?” Verdi, após diversas tentativas vãs de despertá-lo para concluir a tarefa acabou convocando o fiel Piave para o poema e Maffei para a elaboração do final da ópera. Piave concorda em intervir no trabalho de outro artista, porque a oportunidade de trabalhar com Verdi não será discutida. Maffei faz o rascunho, Piave assumiu a poesia. Verdi instrui Piave a ignorar os planos originais de Solera para um final grandioso com coral e se concentrar nos personagens, uma mudança significativa no libreto. Uma vez em Veneza, em 25 de dezembro, ele informou Solera, embora com relutância, das novas decisões sobre o libreto e outras alterações no enredo… “Não sei se lhe escrevi outra vez que antes de sair de Milão paguei ao senhor Verati aquela sua conta. Não tens mais dívida com ninguém em Milão….. esperei até a metade do mês para receber o 4º ato seu, como te implorei em minha última carta, visto que você nunca me mandou, fiz as alterações ao lado de Piave como você me autorizou em sua última carta… a ópera acabou com um Prólogo e três atos…”, e anexou as alterações e propostas em uma carta e envia para Solera. Este ao ler as alterações desaprovava veementemente.
Temistocle Solera respondeu aborrecido, desanimado e tarde demais para reparar a falha, entristeceu-se: “Meu Verdi, a tua carta foi um raio para mim: não te posso negar a minha dor indefinível em ver um trabalho, que ousou agradar-me, encerrado como uma vil “paródia”. O cálice que você me faz beber é muito doloroso; só você poderia muito bem me fazer entender que ser libretista não é mais uma profissão para mim … Por enquanto peço que pelo menos mude um pouco as linhas que não são minhas, para que a pílula seja menos amarga.” Mas o final da carta a Verdi parecia muito mais conciliador: a crise econômica de Solera na Espanha foi tão grave que ele não hesitou em pedir: “Já que você pensa que ainda tem algo para me dar ficarei muito grato se quiser enviar este dinheiro o mais depressa possível em Barcelona, através de letras de câmbio.” Verdi jamais perdoou estes “insulto” ao seu juízo. Assim foi feita a rescisão com Solera. Depois, magoado, com as manipulações de Piave em Attila atacou, sem ética nenhuma, seu colega que alterara a ideia original do fim da ópera. Ele não era do tipo que se rebaixava a considerar seus colegas como pessoas de seu nível. Em confidências, feitas posteriormente ao biógrafo de Verdi, Eugenio Checchi, ele não dispensa a faca afiada apontada aos demais colaboradores do venerável mestre, “…são fracos como um maricas: não entendo como ele chegou a aceitar os libretos daquele burro do Piave … burro, sim senhor, e não mudo a opinião; e aquele vigarista do Salvatore Cammarano, que por ter escrito o libreto do “Trovatore” merece prisão, para dizer o mínimo.” Quando, anos depois, Solera dele se aproximou, já então em declinio de sua sorte, sua atitude foi a de Henrique V ante seu antigo companheiro de bebida: ” Não te conheço, velho; faze tuas orações….” Havia, definitivamente, algo “falstaffiano” em Solera.
Fofocas a parte, o tempo não espera e às vésperas de partir para Veneza, o mestre não havia terminado seu trabalho o poema estava demorando muito. O Tempo, que foi diminuindo visivelmente, nos leva ao dia 26 de dezembro e “Giovanna d’Arco” abriu a temporada no Fenice em Veneza, o compositor teve que estar presente. Verdi havia conseguido adiar a estreia de Attila para março. Ele ainda tinha muito a escrever. Revê com Piave os problemas que ainda estão por aparecer, problemas de estilo, libreto, verso, figurino… era demais, acabou ficando novamente de cama por dois dias: “Eu ficou dois dias na cama por causa de um maldito reumatismo! Este ano, de tempos em tempos, sou atacado por esses sinais incômodos da velhice(tinha 32 anos!) … Mas o que ficou velho? … Mas! … Mundo … Olha meu querido Piave que não façamos bagunça”, e pede um final “alla Foscari”, mas acrescenta: “Dane-se isso… gostaria que fosse como o trio de “Ernani”.
Dezembro… Attila e seus homens avançaram sacudindo as peles e espadas em grande cavalgada. Eles são pessoas queridas, fantasmas inofensivos comparados àqueles em carne e osso que depositam suas condições em cartas na caixa de correio. O editor Francesco Lucca e sua esposa Giovannina, mulher com quem é difícil discutir, perguntam quando começa a obra prometida “Masnadieri”. As editoras concorrentes da Ricordi já tinham os direitos de impressão de Attila, aguardavam o “Corsaro” já combinado com o empresário Benjamin Lumley (empresário inglês do Teatro de Sua Majestade) retirado de um poema de Byron sobre versos de Manfredo Maggioni. A viagem à Inglaterra já está sendo discutida… “quanto per me risolvere”. Os hunos se aproximam … Imagine, eles gostariam de cantar! Verdi ficou muito fraco, ganhou mais vinte dias de cama, “parecia vinte séculos”, o médico olha para ele sério: “Que coisa linda se você pudesse descansar por pelo menos seis meses!”. O “Allgemeine musikalische Zeitung”, não muito generoso com votos de melhora para o maestro, anunciou em 25 de fevereiro: “Giuseppe Verdi, o compositor de ópera que alcançou repentina fama nos últimos tempos, morreu em Veneza.”
A triste expectativa era, felizmente, um bom presságio. As forças voltaram pelo menos o suficiente para terminar o trabalho. É claro que, após as crises reumáticas, uma infecção no sistema digestivo pode ser fatal. Em 22 de março em Milão estava “muito magro”, escreve Muzio, mas seus olhos eram muito vivos e sua tez era morena. Attila por fim mereceu a palma da vitória junto com o tenaz compositor.
A estreia em Veneza no Teatro La Fenice em 17 de março de 1846 incluía o estelar elnco com Ignazio Marini (Attila), Natale Costantini (Ezio), Sophie Loewe (Odabella) e Carlo Guasco (Foresto), foi friamente recebida pelos críticos, mas Attila se tornou uma das óperas mais populares de Verdi na década de 1850. O empresário Benjamin Lumley, em sua autobiografia observa que “talvez nenhuma das obras de Verdi foi recebida com mais entusiasmo na Itália ou coroando o compositor com louros mais abundantes do que Attila. O libreto de Solera/Piave despertaria o patriotismo que, ainda em segredo, dominava todos os corações italianos. O contraste das cenas, as mutações frequentes, os efeitos assegurou o sucesso à expressão de patriotismo que vibra em toda ópera, em certas estrofes excitaria vivamente o sentimento popular. Havia no libreto frases que a música, longe de encobrir, acentuava para entusiasmar a multidão, para incitá-la a repeti-las com intenção reservada de exaltar o amor pela pátria oprimida.
Assim pensava Verdi, e não se equivocou. Falar de pátria, naquela época, equivalia a articular as mais completas aspirações de um povo. Bastava o nome “Itália” para que pulassem os corações mais apressadamente. Na noite de estreia, escutando as primeiras alusões políticas que se multiplicavam na peça, o público demonstrou o seu assentimento e seguiu com mais apreço, com maior ansiedade, o desenrolar da trama.Ainda que o autêntico mérito da música, bem apropriada, e em perfeita sintonia, fizesse prever o triunfo sem o fator patriótico, é inegável que este sentimento lhe angariou a simpatia geral, conquistando a assistência. Quando Ezio cantou a sua frase: “…Avrai tu l’universo, resta l’Italia a me !” (terás tu o universo, fique a Itália para mim !) (faixa 10 / 04)*… todo o público aplaudiu freneticamente; o grito “”Itália para nós” foi dito por milhares de gargantas simultaneamente, como se fora o ardente desejo de um povo inteiro. Dias depois, repetia-se nas ruas o grito de Ezio vibrante de oculto pensamento. Assim como as mulheres venezianas, abrasadas de amor pátrio, cantavam o trecho de Odabela: “… nós mulheres italianas, cingindo de ferro o seio, pelo ardoroso anseio sempre vereis pugnar…” Neste trecho o auditório erguia-se como um só, aclamando o maestro e a cantora que, naquele momento, parecia anunciar no palco o santo desejo de todas as italianas.
A alusão à futura glória da Itália unida, aos destinos da pátria, patenteava-se claramente na romança e Foresto, com que a plateia delirava”… querida pátria, nossa mãe e rainha de poderosos, magnânimos filhos, que descalabro, deserto, ruína; mora o silêncio da tristeza! Mas das algas desta maresia, nova Phoenix virás ressurgida, tão soberba, de galas vestida que serás o assombro do mundo!…” (faixa 19 / 06)*. Pode-se dizer que a animação derivava dos próprios sentimentos da população expressos nos cantores e não do mérito da música. A música, com suas notas maravilhosas, exprimia o desejo de batalha, de reconquista que animava os espíritos….
O Enredo
Attila é a nona ópera de Verdi com libretto de Tomistocle Solera e Francesco Maria Piave sobre “König der Hunnen “ – Attila, Rei dos Hunos – de Zacharias Werner .
*Observação: quando as faixas forem mostradas colocaremos em primeiro a versão do maestro Muti com o Samuel Ramey (1989) e a segunda opção de faixa é a versão do maestro Muti com o Ruggero Raimondi (1970). (faixa x / y)
Estreia: (Veneza) Teatro La Fenice em 17 Março de 1846.
Cenário Aquileia, as lagoas do Adriático e perto de Roma, em meados do século V
O prelúdio segue um padrão que mais tarde se tornou comum na obra de Verdi: uma abertura contida leva a um grande clímax, depois ao início da continuidade melódica que se fragmenta rapidamente.
Prologo
Cena 01 A praça de Aquileia
A ação situa-se no ano 452 da Era Cristã, e a ópera inicia-se quando Attila, o flagelo divino, invadiu a Itália e saqueou Aquileia. Entre as ruínas fumegantes da cidade, os hunos, os hérulos, os ostrogodos e outros seguidores de Attila festejam seu grande líder, a quem exaltam com palavras dignas de uma divindade nórdica, mitológica, quase wagneriana da guerra. O líder bárbaro, porém, não está inteiramente satisfeito: o triunfo que sua confiança lhe confere é obscurecido pela desobediência de seu escravo bretão Uldino, que salvou uma multidão de mulheres venezianas, em vez de matá-las segundo as ordens recebidas. Uldino declara que queria dar a Attila um presente digno dele, pois essas mulheres lutaram ferozmente no campo e, portanto, merecem a honra das armas. Um grupo de mulheres guerreiras é trazido, e sua líder Odabella, filha do governador morto de Aquileia, proclama o valor e o zelo patriótico das mulheres italianas. A ária dupla de Odabella é uma exibição vigorosa do poder do soprano, seu primeiro movimento, “Allor che i forti corrono” (faixa 06 / 03), mostrando uma forma extraordinariamente extensa que permite a Attila inserir comentários de admiração. Impressionado Attila dispõe-se a conceder-lhe o que ela pedir. E Odabella pede-lhe uma espada. Attila entrega-lhe então a sua própria arma que a mulher aceita com entusiasmo, fazendo sobre ela de imediato um voto: o de usá-la na sua vingança. Tamanha é a força desse movimento que a cabaleta, “Da te questo” (faixa 08 / 03), apenas dá continuidade ao tom musical, embora com ornamentação mais elaborada.
Quando Odabella sai, o general romano Ezio aparece para um dueto formal com Attila. Ezio pede que a audiência seja privada. Diz que o Imperador de Constantinopla está velho e enfraquecido. Valentiniano, que reina a Ocidente, é ainda um adolescente. É por isso que propõe um acordo secreto para dividir o Império Romano do Oriente e do Ocidente: Attila poderá conquistar o mundo inteiro desde que ele, Ezio, possa conservar a Itália no Andante “Tardo per gli anni, e tremulo” (faixa 10 / 04). Attila recusa furiosamente essa proposta desleal: um povo tão covarde precisa ser castigado pelo representante de Votan. Ezio ainda tenta recuar para o seu papel de mensageiro de Roma, mas Attila diz que a cidade será arrasada, ao que Ezio responde desafiando-o “Vanitosi! che abbietti e dormenti” (faixa 12 / 04).
Cena 02: O Rio-Alto nas lagoas do Adriático
A cena muda, saímos do acampamento bárbaro, vamos para Rio Alto, “nas lagoas do Adriático”, na prática no lugar onde Veneza vai nascer. Algumas cabanas sobre palafitas conectadas por pontes improvisadas; a escuridão está prestes a dar lugar à luz do amanhecer em um céu ainda desordenado com nuvens tempestuosas. Primeiro vem uma violenta tempestade orquestral, depois o amanhecer gradual é retratado com uma passagem de cores e sons orquestrais cada vez maiores. O sino da manhã toca; alguns eremitas saem das cabanas para celebrar o rito em um altar rústico de pedras. Uma novidade é trazida pelo mar nos raios da luz em expansão. Chegam barcos cheios de fugitivos, de gente que fugiu de Aquiléia: procuram fuga e refúgio; a cena em torno da sua chegada é muito descritiva, parece realmente ver os canais vindos do mar, empurrados pela brisa da manhã. Grande tensão humana e fraterna, imediatamente perceptível no coro polifônico de fugitivos que ecoa o coro monódico dos eremitas. Foresto lidera um grupo de sobreviventes do ataque de Attila em Aquileia. Entre os refugiados, Foresto, a quem essas pessoas consideram um guia e salvador. Foresto, namorado de Odabella, teme muito pelo destino da mulher, que sabe estar nas mãos do Rei Átila. Num Andantino que novamente mostra uma extensão formal incomum, “Ella in poter del bárbaro” (faixa 16 / 06), seus pensamentos se voltam para sua amada Odabella, capturada por Attila. O brilho do sol é um bom presságio, e o jovem sente que a esperança renasceu; a mesma que ele infunde nos seus companheiros de desgraça, instados por ele a construir no lugar onde eles vieram para a segurança, uma bela cidade, que não os faça lamentar a Aquileia que eles abandonaram à força. Na cabaleta subsequente, “Cara patria, gia madre” (faixa 19 / 06), o solista é acompanhado pelo coro para uma conclusão empolgante da cena Foresto pede aos seus companheiros de infortúnio que construam uma nova cidade naquele preciso local, uma cidade renascida das cinzas, como phoenix: “Sim, das algas destas ondas, / Que phoenix nova, / viverás de novo, nossa pátria mais bela, / da terra e do espanto das ondas!”: Homenagem declarada a Veneza e seu teatro.
Ato 1
Cena 01: Um bosque próximo ao acampamento de Attila
O episódio esperançoso e marcial, dá lugar à primeira cena do primeiro ato, um bosque enluarado no acampamento de Attila, que desta vez está bem mais abaixo, perto de Roma, onde o grande e terrível líder chegou. Um solo melancólico de cordas apresenta Odabella triste, que permaneceu no acampamento de Attila para encontrar uma oportunidade de assassiná-lo. Em um Andantino delicadamente marcado, “Oh! nel fuggente nuvolo” (faixa 21 / 07), Odabella vê nas nuvens as imagens do pai morto e de Foresto . O próprio Foresto aparece diante dela, ele passou por muitos perigos para alcançá-la, e agora que a encontrou naquele lugar, ele a acusa de traição: ele a viu com Attila. O dueto assume o padrão multi-movimento usual: as acusações de Foresto permanecem através do Andante menor-maior, “Si, quello io son, ravvisami” (faixa 23 / 08), mas Odabella o convence de seu desejo de matar Attila, e eles amorosamente se unem em uma cabaleta uníssono , “Oh t’innebria nell’amplesso” (faixa 25 / 08).
Cena 02: A tenda de Attila
Attila conta a seu escravo Uldino sobre um sonho terrível em que um velho um velho enorme que lhe barrava o caminho de acesso a Roma em nome de Deus gritando: “Até agora a tua missão era castigar os mortais. Retira-te! Este solo é Reino dos Deuses!” “Mentre gonfiarsi l’anima” (faixa 27 / 09). Mas ele descarta a visão com uma cabaleta guerreira, “Oltre quel limite” (faixa 29 / 09), recuperando sua frieza, Attila reúne as tropas e ordena que marchem contra Roma. Uma explosão vocal belicosa dos seguidores de Attila é interrompida por uma procissão de mulheres e crianças liderada pelo velho do sonho de Attila, eles entram no meio da cena onde estão as tropas de Attila; entre os integrantes da procissão estão também Foresto e Odabella. O Bispo Leão repete a Attila as mesmas palavras do sonho e o líder dos Hunos finalmente entende o significado de sua visão. Attila está apavorado, ele parece ver São Pedro e São Paulo apontando espadas flamejantes para ele (aqui, nas faixas 31 / 10, entra uma daquelas semelhanças musicais: em sua composição Verdi utiliza notas que se assemelham, e muito, ao Commendatore quando fala com Don Giovanni no último ato do obra prima de Mozart). Ele se ajoelha e os hunos o observam maravilhados, enquanto os anfitriões cristãos se regozijam. Sua liminar precipita o Largo do concertato finale, “No! non e sogno” (faixa 32 / 11), que é liderado por um aterrorizado Attila, cuja declamação gaguejante é respondida por uma passagem de lirismo sustentado de Foresto e Odabella. O concertato assume proporções tão impressionantes que Verdi achou por bem encerrar o ato ali, sem a tradicional estreta.
Ato 2
Cena 01: O acampamento de Ezio
Muito mais confuso, apressado e pouco leve para ser onírico, o resto da obra, ainda que a popular técnica de fabulação evite a reconstrução histórica permanece sempre no nível da fantástica inventividade.
Ezio recebe a ordem de retornar a Roma porque uma trégua foi concluída entre o rei dos hunos e o imperador Valentiniano. No Andante, “Dagl’immortali vertici” (faixa 35 / 12), ele reflete sobre a queda de Roma. Foresto aparece e sugere um plano para destruir Attila surpreendendo-o em seu acampamento. Em uma cabaleta impetuosa, “E gettata la mia sorte” (faixa 37 / 12), Ezio espera ansiosamente por seu momento de glória.
Cena 02: O acampamento de Attila
Segue-se a cena do banquete no acampamento de Attila onde os Hunos aclamam o seu rei em mais um coro bélico. Ouvem-se as trompas que anunciam a chegada dos convidados, e Attila levanta-se para os receber. Attila cumprimenta Ezio , é então que os druidas lhe segredam que Wotan os advertiu para que não se sente à mesma mesa com os seus antigos inimigos, as sacerdotisas dançam e cantam. Uma súbita rajada de vento apaga todas as velas, evento que precipita mais um concertato finale, “Lo spirto de’ monti” (faixa 41 / 14), um movimento complexo na confusão que se segue Ezio volta a apresentar a Attila a sua proposta que é novamente recusada pelo Huno com desprezo. Foresto revela a Odabella que Uldino irá em breve oferecer a Attila uma taça de vinho envenenado. Isso roubará a Odabella a sua vingança (que deseja uma vingança mais pessoal), furioso Attila quer saber o nome do responsável. Foresto aproxima-se rindo das ameaças de morte, e Odabella pede como recompensa de ter salvo a vida ao rei, que lhe seja entregue a ela o poder sobre a vida de Foresto. Attila aceita, e, como testemunho da sua gratidão, compromete-se a tornar Odabella a sua rainha e lança a estreta final, “Oh miei prodi! un solo giorno” (faixa 44 / 14). Odabella diz a Foresto que fuja, e Foresto jura vingar-se daquele gesto da jovem que interpretou como traição O ato termina com os Hunos pedindo a Attila que retome o combate contra os pérfidos romanos.
Ato 3: Um bosque
Foresto aguarda notícias do casamento de Odabella com Átila, e em uma romanza menor – maior, “Che non avrebbe il misero” (faixa 46 / 16), é informado de que o cortejo está já muito próximo, e revolta-se com a ideia de que uma jovem tão bela e tão pura o tenha traído daquela forma. Ezio chega, incitando Foresto para uma batalha rápida dizendo que os seus homens esperam apenas um sinal para atacar os Hunos. Um coro distante anuncia a procissão nupcial, mas de repente a própria Odabella aparece, incapaz de prosseguir com a cerimônia, lavada em lágrimas, implorando ao pai que lhe perdoe por ir casar-se com o seu assassino. Foresto diz-lhe que é tarde de mais para se arrepender, ao que Odabella responde dizendo que foi sempre a ele que ela amou.
Agora entra Attila, em busca da noiva, que encontra com Ezio e Foresto. O palco está armado para um quartetto finale. No Allegro, “Tu, rea donna” (faixa 50 / 18), Attila acusa os três conspiradores por sua vez, mas eles respondem, cada um com uma linha melódica diferente. No clímax do número, enquanto se ouve o clamor dos romanos no seu ataque aos Hunos, Odabella apunhala Attila. “Até tu, Odabella?” – diz ele. Mas estas últimas palavras do rei são apagadas pelos gritos de triunfo dos romanos que encontraram finalmente a vingança.
Cai o pano ——————————
O ato final é, como vários apontaram, um pouco fraco em sua ação teatral, e as partes do enredo que Verdi e Piave criaram um tanto superficiais; talvez o plano original de Solera para um grande final coral fosse mais adequado. Tal como acontece com todas as primeiras óperas de Verdi, há momentos individuais impressionantes, particularmente nos movimentos de grandes conjuntos que inspiraram constantemente o compositor a redefinir e aprimorar sua linguagem dramática. Attila tinha um ambiente propício e foi a ópera predileta naquele tempo em que a alma da nação principiava a florescer a esperança.
A inflamação gástrica havia deixado no Maestro sequelas. O convalescente tinha que observar o descanso do trabalho, fazer exercícios, beber águas curativas e se distrair. Fulgia novamente o sol. Trabalhar era seu lema e sua distração. Quando Verdi se sentava ao piano e cobria o áspero papel com os sinais mágicos das notas, sentia a plenitude da vida e alegria de existir….
Gosto muito desta ópera de Verdi… A música é fascinante, começando pelo prelúdio impossível de resistir, e o prólogo é uma obra-prima absoluta, no geral é uma bela ópera com grandes árias e cenas que são particularmente memoráveis. Aos amigos do blog estamos compartilhando duas belíssimas versões desta ópera com o maestro Ricardo Muti (Nápoles, 1941) todos os cantores são excelentes em gravações incríveis, uma em estúdio e outra ao vivo. Verdi estava em seus anos de “galé” e a ópera termina de uma forma que sugere que ele só queria terminar tudo. Musicalmente, porém, é um banquete.
Que subam as cortinas e inicie o espetáculo ! Bom divertimento !
Personagens e intérprtes
Esta primeira gravação eu considero a mais recomendada, o principal fator é a qualidade da turma do Scala de Milão. Muti apresenta uma direção musical com um esplêndido discurso orquestral e com magníficas atuações de coro e orquestra, dentro de um espírito teatral, interpretadas de forma soberba. Outro ponto importante a se destacar é a presença do contrabaixo Samuel Ramey (1942) , esplêndido no papel-título, proporcionando uma vocalidade excepcional a partir de sua experiência de bel canto e a beleza do peculiar timbre de sua voz, o canto é irresistível. Samuel Ramey que ao longo da década de 80 inquestionavelmente acumulou mais performances no papel de Attila do que qualquer outro baixo desde a estréia no “La Fenice”… Attila “é ele”. A americana Cheryl Studer (1955) logo no Prólogo na área “Allor che i forti corrono” mostra todo seu vigor, e na faixa 21 em “Oh! nel fuggente nuvolo “ uma delicadeza nobre, um lindo canto uma ótima Odabella. O barítono Giorgio Zancanaro nas faixas “Tardo per gli anni, e tremulo”(10) e ““Vanitosi! che abbietti e dormenti”(12) canta os duetos com Ramey de forma
magnífica, são faixas incríveis, no minha nula opinião! Já o nova-iorquino Neil Schicoff (1949) é um Foresto honesto faz muito bem seu papel, junto com o coro nas grandes passagens das faixas 17, 18 e sobretudo na faixa 19 mostra bem a intensidade patriótica que Solera e Verdi queriam chegar, são lindas ! Sempre vou gostar e respeitar muito o Coro e Orchestra do “Teatro alla Scala di Milano”, sempre em grande sintonia com a orquestra e o gigante Maestro Muti ! Esta gravação eu recomendo. Tenho a absoluta certeza de que vocês vão adorar, eu prometo.
Giuseppe Verdi – Attila
Attila, rei dos hunos – Samuel Ramey, baixo Uldino, um Breton escravo de Átila – Ernesto Gavazzi, tenor Odabella, filha do Senhor de Aquileia – Cheryl Studer, soprano Ezio , um general romano – Giorgio Zancanaro, barítono Foresto, um Cavaleiro de Aquileia – Neil Schicoff, tenor Leone ( Papa Leão I ) – Giorgio Zurian, baixo
Coro e Orchestra del Teatro alla Scala di Milano
Conductor: Ricardo Muti
Recording: 1989
Esta segunda gravação achei interessante postar porque foi feita ao vivo em 21 de novembro de 1970 com o mesmo Ricardo Muti mais novinho mostrando sua incrível habilidade em uma das suas primeiras incursões no repertório de Verdi. Esta também é uma gravação ótima com som excelente e ao vivo! Gosto muito da regência do Muti em “Attila” é muito boa e as sutilezas da música são bem evidenciadas, o que, a meu ver, auxilia os cantores em suas interpretações dos personagens. No papel de Attila está o incrível Ruggiero Raimondi (1941) o que torna esta audição bastante atraente, também era muito jovem em 1970 nos oferece um canto viril com bastante cor e profundidade, muito boa interpretação com seu baixo-barítono característico. Guelfi se iguala a Ruggiero em seus duetos e é completamente crível como um guerreiro rude, o general romano egoísta. O canto da Antonietta Stella (1929) é maravilhoso, muito lírico ela é muito expressiva tinha 40 anos quando essa apresentação foi feita.
Ela não demonstra nenhuma dificuldade com a personagem, sua Odabella encontra belos momentos para brilhar sobretudo no início do primeiro ato em “Oh! nel fuggente nuvolo” (7). Gianfranco Cecchele (1938), um dos melhores tenores de sua época, é um Foresto também em alto nível, uma gravação muito equilibrada mostra bastante entusiasmo na interpretação, Cecchele foi, em minha opinião, voluntariamente esquecido pelas gravadoras, sempre me lembrou Mario Del Monaco…. canto “grande” e marcante. Esta é uma gravação que recomendo também, nos oferece um Verdi de primeira classe, em um nível artístico muito alto da RAI Symphony Orchestra & Chorus, com um elenco absolutamente fantástico dando uma performance apaixonada e emocionante, o som ao vivo é muito bom para transmissão mono da RAI.
Giuseppe Verdi – Attila
Attila, rei dos hunos – Ruggero Raimondi, baixo Uldino, um Breton escravo de Átila – Ferrando Ferrari, tenor Odabella, filha do Senhor de Aquileia – Antonietta Stella, soprano Ezio , um general romano – Giangiacomo Guelfi, barítono Foresto, um Cavaleiro de Aquileia – Gianfranco Cecchele, tenor Leone ( Papa Leão I ) – Leonardo Monreale, baixo
RAI Symphony Orchestra & Chorus, Rome
Conductor: Ricardo Muti
Live Recording, november 21, 1970
Exatos dez anos depois, aqui estamos mais uma vez, homenageando os 50 anos do falecimento de Stravinsky após 88 anos passados entre São Petersburgo, Paris, Suíça, Califórnia e Nova York. Ernest Ansermet foi o maestro que estreou várias das obras contidas nestes 8 CDs. Ele conhecia de cabo a rabo os famosos balés Pássaro de Fogo, Petrushka e Sagração da Primavera. Chamo atenção também para duas outras obras menos conhecidas: as Sinfonias para instrumentos de sopro, no CD 6, composta em homenagem a Debussy poucos anos após sua morte, nas quais Stravinsky emula a leveza de seu ídolo francês. A obra foi estreada em Londres por uma orquestra pouco familiarizada com esse tipo de música, e foi um fracasso. Ansermet, pelo que diz o encarte desta caixa, foi o primeiro a regê-la com uma orquestra devidamente preparada.
A outra obra que me dá arrepios na gravação de Ansermet é o Canto do rouxinol, em que ouvimos uma espécie de disputa de canto entre um rouxinol verdadeiro e um rouxinol mecânico… A obra tem a beleza bucólica dos pássaros orquestrados por Beethoven (Sinfonia Pastoral), Mahler (Sinfonia nº 3), Villa-Lobos (Uirapuru) e Messiaen (Réveil des oiseaux) ao mesmo tempo em que o lado mecânico e industrial de obras vanguardistas de Arthur Honegger (Pacific 231), Shostakovich (Sinfonia nº2 e outros momentos de realismo proletário) e novamente Villa-Lobos (Trenzinho do Caipira), tudo isso na mesma obra em um diálogo que resume algumas das grandes questões de sua época: o orgânico versus o mecânico, o improviso instintivo versus a perfeição das máquinas, o tradicional versus o novo, o selvagem versus o civilizado, a curva versus o ângulo reto. São questões que dialogam com as vanguardas futuristasdos anos 1910 e 20 e são ainda questões da nossa época. (Pleyel, 2021)
Ainda em homenagem ao aniversário de 40 anos [6 de abril de 2011] do falecimento de Igor Stravinsky, quero compartilhar essa maravilhosa e imperdível coleção de 8 cds com a Orchestre de la Suisse Romande na regência do extraordinário Ernest Ansermet, e trazer-lhes ainda, um pequeno trecho da reportagem do New York Times do dia do falecimento do compositor.
Igor Stravinsky, the Composer, Dead at 88
By DONAL HENAHAN
Igor Stravinsky, the composer whose “Le Sacre du Printemps” exploded in the face of the music world in 1913 and blew it into the 20th century, died of heart failure yesterday.
The Russian-born musician, 88 years old, had been in frail health for years but had been released from Lenox Hill Hospital in good condition only a week before his death, which came at 5:20 A.M. in his newly purchased apartment at 920 Fifth Avenue.
Stravinsky’s power as a detonating force and his position as this century’s most significant composer were summed up by Pierre Boulez, who becomes musical director of the New York Philharmonic next season:
“The death of Stravinsky means the final disappearance of a musical generation which gave music its basic shock at the beginning of this century and which brought about the real departure from Romanticism.
“Something radically new, even foreign to Western tradition, had to be found for music to survive, and to enter our contemporary era. The glory of Stravinsky was to have belonged to this extremely gifted generation and to be one of the most creative of them all.”
CD 3 – Download Here / Baixe Aqui – Mega ou Aqui – Mediafire Pulcinella(Marilyn Tyler, soprano / Carlo Franzini, tenor / Boris Carmeli, bass) Apollon musagète – Apolo, líder das musas
CD 4 – Download Here / Baixe Aqui – Mega ou Aqui – Mediafire Le baiser de la fée – O Beijo da fada Renard – A Raposa (estória burlesca) (Gerald English, John Mitchinson, tenors / Peter Glossop, baritone / Joseph Rouleau, bass)
CD 6 – Download Here / Baixe Aqui – Mega ou Aqui – Mediafire Symphony in C – Sinfonia em Dó Maior
Symphony in Three Movements – Sinfonia em três movimentos
Symphonies of Winds – Sinfonias para instrumentos de sopro
CD 7 – Download Here / Baixe Aqui – Mega ou Aqui – Mediafire Concerto for piano (Nikita Magaloff, piano) Capriccio for piano (Nikita Magaloff, piano) Suites 1-2 for Orchestra
4 Études for Orchestra
Scherzo à la russe
CD 8 – Download Here / Baixe Aqui – Mega ou Aqui – Mediafire CD 08 – Download Here / Baixe Aqui Symphony of Psalms (Choeur de jeunes de Lausanne and Choeur de Radio Lausanne) Les Noces (Basia Retchitzka, soprano / Lucienne Devalier, contralto / Hugues Cuénod, tenor / Heinz Rehfuss, bass) Mavra (Joan Carlyle, soprano / Helen Watts, contralto / Monica Sinclair, contralto / Kenneth Macdonald, tenor)
Publicado originalmente em 25 de janeiro de 2011. Atualizado devido ao falecimento do compositor no último dia 22, por neoplasia gástrica, do qual fiquei sabendo ontem.
Ouvindo a peça de Jane O’Leary para viola d’amore e piano Por que a montanha canta, me lembrei da viola da gamba, que não deixou nenhum registro composicional no Brasil em épocas coloniais. Aí, escavucando no meu gaveteiro, achei esse CD com a Bachiana Mineira de Calimerio Soares, a única obra que possuo dentre as de compositores contemporâneos – foi até bom, que coloco tudo dele por aqui. Destaco também a peça-título, para quarteto de violões.
Faz 6 meses que venho adiando a postagem deste CD por razões mil: primeiro, esperei que a Fundação Cultural de Curitiba respondesse minha consulta sobre como adquirir o CD (já que não tem na Amazon).
Já entendi que essa resposta não vem, mas aí fiquei achando uma maldade postar a música sem as informações do gordo livreto, e cadê tempo de escanear? Recentemente arranjei algum e escaneei só o que me pareceu mais indispensável. Ficaram de fora – pena – as biografias dos compositores e intérpretes principais, etc. etc.
Aí tinha que achei muito bonito o conceito do CD, e de modo geral também a execução – mas os dois também me suscitaram interrogações e pensamentos que pensava em compartilhar aqui… só que me deu uma BAITA preguiça de esmiuçar e sistematizar!
Então, pra não ficar paralisado, pensei assim: vou postar sem maiores comentários; os leitores que ouçam, e se quiserem apresentem nos comentários sua apreciação ou não, questionamentos e opiniões – e aí, se sentir que é o caso, eu trago ao baile também os meus. Que tal?
Só não quero deixar de contar que o Monge Ranulfus participou como coralista na estréia das “Cantigas do Bem Querer” em 1977, com regência de Samuel Kerr – e não esquece de um detalhe engraçado: o Henrique de Curitiba havia aberto um volume ao acaso numa livraria e gostou dos versos que leu: achou que, mesmo ingênuos, tinham uma certa poesia que lhe inspirava canções. Não tinha a menor idéia de que Cassandra Rios era um nome escandaloso na época, tida como autora erótica que as pessoas liam escondido… e aí houve donzelas participantes do coro que arregalaram os olhos quando viram o nome “Cassandra Rios” na partitura, e cobraram explicações do maestro… hehehe. (E agora me veio a pergunta: será que hoje isso ainda poderia acontecer?)
Bom, agora é com vocês!
“VERSOS BRASILEIROS” (2007)
Coro e orquestra da Camerata Antiqua de Curitiba
Regência: Wagner Politschuk
Soprano solo: Edna D’Oliveira
Piano: Paulo Braga
Henrique de Curitiba (1934-2008) CANTIGAS DO BEM-QUERER
para coro, cordas, piano e soprano solo
(original: 1977; esta versão, especial para a Camerata: 2003)
Versos de Cassandra Rios
01 I. Chove
02 II. No mar nasceu a cor do teu olhar
03 III. Se me disseres
04 IV. Intermezzo I
05 V. Feche os olhos meu bem
06 VI. Eu te vi (ária soprano)
07 VII. Intermezzo II
08 VIII. Final: Poeta e cancioneiro
Ernst Mahle (*1929) SUÍTE NORDESTINA (1976) para cordas
09 I. Allegro moderato
10 II. Andantino
11 III. Vivo
Ronaldo Miranda (*1948) SUÍTE NORDESTINA (1982) para coro a capella
12 I. Morena bonita
13 II. Dendê trapiá
14 III. Bumba chora
15 IV. Eu vou, eu vou
Edmundo Villani-Côrtes (*1930) CINCO MINIATURAS BRASILEIRAS (1978) para cordas
16 I. Prelúdio
17 II. Toada
18 III. Choro
19 IV. Cantiga de ninar
20 V. Baião
Edino Krieger (*1928)
Duas peças para coro a capella
Versos de Vinicius de Moraes
21 PASSACALHA (1968)
22 FUGA E ANTI-FUGA (1967)
Edmundo Villani-Côrtes (*1930)
Seis peças para coro, cordas e piano
Sobre versos de Mário de Andrade
23 O PASSARINHO DA PRAÇA DA MATRIZ (1994)
24 VALSINHA DE RODA (1979)
25 RUA AURORA (1993)
Sobre versos de Júlio Bellodi
26 PAPAGAIO AZUL (1999)
27 FREVO FUGATO (1987)
28 SINA DE CANTADOR (1998)
Semanas após a estreia de “Giovanna d’Arco” Verdi, ultra solicitado, já se comprometia com mais um contrato; em março de 1845 assinou com a editora Lucca uma segunda coleção de seis romances: “Il Tramonto”, “La zingara”, “Ad una stella”, “Lo Varredura”, “O mistério”, “Brindisi”, com textos poéticos de Andrea Maffei e Manfredo Maggioni. Dedicado pela editora a Don José de Salamanca, cavalheiro da câmara da Rainha de Espanha, e imediatamente transcrito para piano pelo genovês Carlo Andrea Gambini, os romances foram apresentados em um aspecto luxuoso, com ilustrações originais de Gandolfi e Focosi. Além dos romances Verdi já havia se comprometido, por contrato, a escrever mais seis óperas. Está a pleno vapor em seus “anos na galera”, quando era obrigado a produzir óperas e pequenas peças por encomenda.
A conta de novas obras já havia subido, primeiro quatro, depois seis. Depois de alguns passeios na região de Como, a composição de “Alzira”, sua oitava ópera, prosseguiu na primavera de 1845 mesmo com a crônica gastrite que tanto o atrapalhava e fazia sofrer. Havia duas razões pelas quais Alzira era um acontecimento especial. Foi a primeira que escreveu especialmente para o famoso Teatro San Carlo de Nápoles, e assim lhe ofereceu a oportunidade de se confrontar com um público muito significativo e um teatro com o qual ele tinha tido pouco sucesso até então. A segunda razão era a chance de colaborar com Salvadore Cammarano(1801-1852), poeta residente no San Carlo, certamente o mais famoso libretista ainda em atividade na Itália, conhecido por sua sequência de sucessos na década anterior sobretudo com Gaetano Donizetti. Por causa da fama de Cammarano, Verdi parece ter participado pouco ativamente da criação do libreto (ao contrário das obras que preparou com seus principais libretistas, Piave e Solera), estando na maior parte satisfeito em aceitar os ditames e os instintos altamente profissionais de Cammarano desta vez o Maestro pouco ou quase nada interferiu.
Verdi tinha recebido uma sinopse da ópera de Cammarano, e o maestro adotou uma atitude um tanto passiva, talvez encantado em poder trabalhar com este libretista que era tão famoso. Em uma carta de 23 de fevereiro 1845, Verdi tinha expressado seu otimismo de que “a tragédia de Voltaire vai tornar-se um excelente melodrama, com a certeza de que o autor do libreto fosse “colocar alguma paixão” e que ele iria escrever a música para corresponder a esta emoção. Em sua correspondência, parece que Cammarano já tinha enviado alguns versos de exemplo, porque na data desta carta de Verdi também continha o seu entusiasmo para receber mais.: “Peço-lhe que me envie prontamente mais alguns versos. Não é necessário que eu lhe diga para manter o diálogo curto. Você conhece o teatro melhor que eu.”
Talvez a gastrite do Maestro esteja relacionada ao grande acúmulo de responsabilidades ainda aos trinta e um anos de idade, além das composições e montagens ele tinha que ser hábil na venda dos direitos das óperas pelos teatros europeus, e em maio deste ano conheceu os editores franceses León Escudier (1821-1881) e Marie Escudier (1819-1880). O interessante relato dos Escudier mostram claramente o caráter do mestre: “Me deram uma falsa ideia de seu caráter, retratando-o como um homem frio, pouco comunicativo e sempre absorto em sua arte. Verdi me deu as boas-vindas cheias de afabilidade, e recebeu com graça francesa vários amigos que vieram visitá-lo enquanto eu estava com ele…. falamos muito da música francesa e dos compositores que agora escrevem para o cenário parisiense; ele conhece todas as nossas produções musicais que merecem ser conhecidas, e expressa profunda simpatia por tudo o que vem da França.” Nesta época o mestre falava sinceramente com Escudier, já que a França ainda representava, aos olhos de um italiano daqueles anos, uma esperança mais livre de vida intelectual e política, sem falar que Escudier viera a Milão para adquirir todos os direitos de Óperas de Verdi na França e, portanto, seu testemunho foi uma publicidade valiosa para os leitores daquele país. As precisas descrições de Escudier continuaram ilustrando (e ampliando) a atraente figura física do mestre italiano, sua sala de trabalho mobiliada com simplicidade, modéstia e entusiasmo, seus gostos
artísticos e o discernimento com que ele adivinhava os mecanismos da música. “Ele queria ver a grande partitura de “Le Désert” do jovem compositor francês Félicien David … Depois de lê-la de uma ponta a outra exclamou: “Oh! Os franceses são realmente bons juízes! Eu esperava ler música densa, carregada de notas; mas vejo, em vez disso, a instrumentação clara e fácil da escola francesa, combinada com a melodia simples e poética da escola italiana. Diga a David que um dia eu terei a sorte de poder pessoalmente expressar minha admiração por seu gênio.”…. Marie Escudier ainda descreve: “Verdi é um belo rapaz de cerca de vinte e oito – vinte e nove… (na verdade estava com trinta e um), tem cabelos castanhos, olhos azuis (na verdade verde acinzentado), com uma expressão doce e viva ao mesmo tempo. Quando ela fala, sua fisionomia ganha vida; a mobilidade incessante de seu olhar reflete a variedade de suas sensações ; tudo nele revela um coração sincero e uma alma sensível. Pedi a Verdi que me deixasse ouvir uma peça do “Lombardi” que sempre me pareceu o melhor trecho desta obra, a Ave Maria. Ele imediatamente foi ao piano e cantou com expressão tocante esta página musical que ele próprio considera uma das suas boas inspirações. As obras do jovem e já famoso compositor são muito procuradas na Itália e pagas em peso de ouro. Tem uma boa fortuna, mas os seus gostos materiais são modestos. Em seu escritório não há nenhum móvel ou mobília que se destaque, mas apenas quatro ou cinco cadeiras, um piano de cauda, sua estatueta e, acima do piso, um quadro e adivinhe? … caricatura Francesa: “Grand chemin de la postérité (O Caminho da Posteridade).” Marie se despede com duas comparações que o leitor de seu país deve ter feito para formar uma opinião muito lisonjeira sobre o homem “que brilhará”, como escreveu Donizetti. “Em poucas palavras, posso traçar o retrato físico e moral do jovem mestre: … em feições e estatura ele se assemelha a Donizetti, e na suavidade da fala com Bellini.” Comparações que vão além de um elogio externo e dizem respeito ao estilo do músico.
Por estes relatos podemos imaginar que Verdi não era tão severo, ele era flexível e acolhedor, é muito diferente do que por carta, onde ele bate com uma indiferença muitas vezes cruel. Ele não admitia ser criticado sobretudo por motivos de saúde, o empresário napolitano Flauto, que depois de algumas considerações sobre o atraso da conclusão da ópera “Alzira” fizeram Verdi dar pulos de indignação, Cammarano já havia alertado que Flauto havia escrito “em certo tom desagradável” que “não gostou nada do atraso”. Verdi desabafa “Nós, artistas, nunca podemos ficar doentes. Precisamos sempre ser homens honestos e cumprir os prazos! … Os empresários acreditam, ou não acreditam, dependendo de seus interesses. Não posso ficar feliz com a maneira como o Sr. Flauto … sempre duvida da minha doença e dos meus atestados ”. A ópera só poderia ser encenada em julho. Por mais indisposto e abatido que estava.
Na verdade, o mestre estava trabalhando muito naquele momento para encontrar uma saída para suas obras na praça de Paris, e ele vai se aconselhar com Rossini, que responderá a frequente preocupação do jovem colega, especificando os termos em que deverá atuar, acrescenta uma afabilidade que é toda uma programação: “Na Opéra os royalties são 250 francos pelas primeiras 40 apresentações, após as quais diminuem e em seguida vem a venda aos editores da propriedade da música, que pode ser calculada para o bom Verdi de 20 a 30 milhões de francos. Devido à incerteza do sucesso, o amigo poderia pedir um prêmio de alguns milhares de liras, para cobrir despesas de viagem e estadia. ” A sutileza administrativa de Rossini estava neste caso em perfeita sintonia com a parcimônia de Verdi, também porque se tem a impressão de que este procurava um caminho para Paris para viver em paz. Talvez a ideia de se estabelecer ali com, a ainda “crush”, Giuseppina Strepponi, longe de olhares indiscretos. Strepponi estava em Milão. A grande estrela dos palcos estava em declínio vocal. Naquela época o excesso de trabalho e a falta de cuidados abreviavam a saúde vocal dos cantores principais: as críticas dos jornais milaneses eram implacáveis: “No passado, era rodeada por um halo de glória. Mas a estrela brilhante que presidia seus destinos teatrais parece perto do crepúsculo, portanto, apenas envia uma luz débil… sobre os louros conquistados, ela nunca será esquecida por ninguém foi um dos belos orgulhos da Itália.” Os caras gostavam de queimar os artistas.
Apesar destas crises, Verdi partiu para Nápoles em 20 de junho com a composição quase encerrada; faltava o final, porque Cammarano ainda não lhe tinha escrito os versos correspondentes, mas na prática “Alzira”, com ou sem gastrite, iria estrear em Nápoles. Antes de partir o mestre teve uma conversa epistolar com Barezzi acho que vale a pena escrever porque é uma história deliciosa: “Barezzone” e sua família cultivaram a ideia de um teatro a ser construído em Busseto, inaugurado com uma obra do grande Giuseppe. A questão do teatro de Busseto terá alguns desdobramentos, vai merecer respostas mais ásperas do maestro, mas mesmo assim a iniciativa completamente ingênua dos seus concidadãos deu-lhe o ponto de partida para uma briga “a là italiana”. Um tanto exagerado, para falar francamente, um pouco histérico, como sempre acontecia com Verdi quando discutia com a família, é claro que pertence à categoria das brigas domésticas, fruto de tensões viscerais, noturnas, eu diria envolto na escuridão do tempo, que vão muito além dos eventos visíveis. “Estudei o projeto teatral e direi com a minha habitual franqueza que estou muito insatisfeito com ele. Na verdade não é muito delicado julgar e comprometer o meu nome perante as Autoridades, por uma palavra a amigos e uma carta de confiança “, começa. Os precedentes não nos são conhecidos, mas Verdi aí permite-nos compreender muito bem: “Todos os países do mundo fizeram teatro sem ter quem escrevesse e cantasse a ópera” Parece que o povo de Busseto já tivesse marcado o tempo para a inauguração do edifício, quando as obras ainda nem tinham começado. Deduzimos que eles mencionaram uma possibilidade para 1847. “Não retiro a minha palavra, mas sabes que em 47 tenho que escrever duas obras para Nápoles e para o editor Lucca; nem tenho estômago de bronze que possa suportar”. Na verdade, ele disse a Finola, “em três anos … seis obras”, e assim foi: em 1847 ele tinha “Alzira”, “Luisa Miller”, “Il corsaro”, “Attila”, “Macbeth” e “I masnadieri” representados.
Aqui está o verdadeiro motivo de seu alarme. O final é muito elevado em sua aparente modéstia: “Repito que não foi necessário me citar em sua decisão, muito mais do que meu nome me parece ambicioso para ter um teatro intitulado e um busto. Parte dos italianos sabem por prova de como me oponho, quando posso, a esta publicidade.” Porém o pessoal do Busseto inchou o peito e o teatro foi construído, não imediatamente, mas eles fizeram. E hoje, apesar de Verdi que não o queria, está lá para sua reverente honra. O Teatro Giuseppe Verdi hoje é uma pequena casa de ópera localizado numa ala da Rocca dei Marchesi Pallavicino na Piazza Giuseppe Verdi em Busseto, o teatro foi inaugurado em 15 de agosto de 1868 e tem capacidade para 300 pessoas. Apesar de Verdi se opor à sua construção (seria “muito caro e inútil no futuro”, disse ele) e ter a reputação de nunca ter colocado os pés nele, ele contribuiu com 10.000 liras para a construção. Na noite de abertura, todos os funcionários se vestiram de verde, os homens todos usando gravatas verdes, as mulheres usando vestidos verdes. Duas óperas de Verdi foram apresentadas: “Rigoletto” e “Un ballo in maschera” . Verdi não compareceu, embora vivesse a apenas 3 km de distância em sua casa, a Villa Verdi, na aldeia de Sant’Agata, em Villanova sull’Arda. Italianada brava, rapaiz….
Vamos voltar a Nápoles: “os napolitanos são curiosos: uma parte é tão rude, tão incivilizada, que é preciso vencê-la para ser respeitado, a outra o cerca com um calor de bondade que o sufoca. Para falar a verdade, só posso ficar feliz, porque até os empresários (o que é dizer muito) são gentis comigo.” Estando em território napolitano mais de um mês, Verdi escreveu sobre a Andrea Maffei (seu orientador na escolha dos temas ou no retoque dos versos). Mostrou-se seguro, mesmo que o ambiente não fosse o mais favorável ao moral de um compositor em voga, portanto, alvo da inveja de seus colegas e da imprensa local, que fomentava rivalidades para a diversão do pequeno público, ou daqueles que bocejavam em torno das apresentações. “Não tenho inimigos em Nápoles. Qualquer que seja o resultado da minha música, não se assuste ao ler os jornais. Eles dirão todo o mal imaginável: tenho certeza disso…. se Alzira vier a falhar, não irá me perturbar.” Na verdade, o libreto estava sendo aceito por Verdi porque ele estava ainda “altamente encantado” com a figura do libretista. No entanto, como o conteúdo do livro de Voltaire foi reduzido a um mínimo do envolvimento da religião e da política, as duas razões de ser do drama, que ficaram pouco mencionados, e do confronto de diferentes credos, diferentes civilizações e mundos diferentes, a obra tornava-se apenas mais uma variante do eterno triângulo. No entanto Verdi se lembrará dos murmúrios, mesmo um pouco tolos, provincianos, levantados pela imprensa napolitana sobre sua pessoa e a protagonista da ópera, Eugenia Tadolini. “…. escrevo continuamente há seis anos, viajando de cidade em cidade e nunca disse uma palavra a um jornalista, nunca implorei a um amigo, nunca utilizei influência de um homem rico para obter um resultado. Nunca, nunca: sempre desprezarei esses meios. Faço o meu melhor com as obras: deixo as coisas correrem sem nunca influenciar a opinião do público em nada.”
Mas Verdi, digamos, ficou realmente ofendido com as picadas dos jornalistas ou melhor, com o desfecho de “Alzira”, que não teve sucesso e além disso lançou críticas maliciosas. Quando chegou a Nápoles, não tinha do que reclamar e as suas cartas refletem muito bem o estado de quem gozava da confiança da maioria. Por ocasião de uma apresentação do Due Foscari, na noite de sua chegada, a notícia de que ele estaria no teatro atraiu um grande público. Os intérpretes, “animados pela presença de Verdi, como se por uma faísca elétrica, se superaram”, e o público “amontoado” nas poltronas, “entusiasmados quiseram testemunhar ao autor sua admiração, chamando-o repetidamente ao palco.” A crítica mais meticulosa e implacável foi a de Vicenzo Torelli (1807–1882), que deve ter sido um verdadeiro mastim (cão gigante) nas notícias. Ele registrou cada sinal de desaprovação, cada silêncio, cada aplauso perdido. Mas, com igual escrúpulo, aprovou as passagens da ópera que tocaram a sensibilidade do público, nada preconceituoso, aliás, muito disposto a saudar aquele que tão bem se apresentara no “Due Foscari”. Como disse: “A história da música italiana não oferece um exemplo de compositor mais afortunado que Verdi, tem o grande segredo de ser popular, e este é o triunfo mais invejável do que qualquer outro, já que a música dos teatros é feita para as multidões. Este amor, junto com a imparcialidade judiciosa de quem aplaude a beleza onde quer que esteja, dominou a mente dos espectadores no San Carlo, daí os vários juízes, as discrepâncias, as decepções perdidas e as grandes esperanças para o futuro… Tenho certeza que esta amarga lição que o nosso público lhe deu, servirá para torná-lo mais consciente, mais certo no futuro, para que mais trabalhe e aproveite de forma mais adequada o seu valor musical que hoje é universalmente reconhecido; especialmente por escrever menos, isto é com maior maturidade do tempo, não podendo fazer como engenhosidade humana duas ou três grandes obras por ano. E embora esteja convicto de que a severidade com que foi julgada era demais, e aquele silêncio bastava, mas mesmo assim acredito que jovens talentos precisam desses contratempos, para se sacudirem, se aperfeiçoarem cada vez mais”.
São quase as mesmas reclamações, que ele vai dirigir ao empresário Flauto, ele já as havia expressado, e tanto que chegaram aos ouvidos dos jornalistas. Seu julgamento sobre o trabalho e o resultado é, em vez disso, coletado em observações por correspondência que se contradizem. A princípio, ele esperava que Alzira fosse bem-vindo. Depois da primeira apresentação, ele ainda mostrou um certo otimismo: “Graças a Deus isso também está feito. O Alzira está no palco. Esses napolitanos são ferozes, mas aplaudiram.” Verdi admitiu que o mal estava “nas entranhas”, que por mais que tivesse estudado ali não encontraria maneira de curá-lo e que no entanto a Sinfonia e o último final deveria ter salvado a reputação afinal “evidente que o trabalho lhe era caro nem mais nem menos do que os outros, e que não se sentia tão indiferente ao futuro da “Alzira”. Muito se ocuparam críticos e biógrafos desta ópera, mas parece que não conheciam suficientemente porque lendo os artigos publicados, deparam-se contradições flagrantes, dizendo uns precisamente o contrário do que outros afirmam.
Como dissemos Cammarano foi inspirado por uma tragédia de Voltaire, “Alzire ou les Américains” de 1736, então considerada uma mensagem a favor do Cristianismo, enquanto Voltaire a havia escrito para condenar todas as formas de fanatismo religioso, não apenas o do antigo Peru. “Quem são esses peruanos na tragédia de Voltaire? Eles, olhando mais de perto, não são senão franceses disfarçados de selvagens. Cammarano não levava esses peruanos a sério, sem perceber que, por seus dizeres e fatos, pareciam ter vivido muito bem na Europa. Verdi foi mais circunspecto, que, para sair da armadilha, tratou-os todos igualmente como filhos do velho mundo com a sua música. E também estava certo quanto aos méritos da música de Verdi que, uma vez que rejeitou o exotismo no prefácio (a Sinfonia), colocou notas europeias na boca dos personagens, não tanto francesas, mas notas puramente ítalo-nortenhas. O libreto, então, não se concentrava no significado moral, mas nos elementos espetaculares, de confronto e paixão.
A Sinfonia é uma música de sucesso e até sugestiva, além disso é um passo em frente em relação a outras páginas iniciais escritas anteriormente: e isto mesmo que não contenha ideias muito distintas. Modelado em materiais que recentemente se assemelham a “Giovanna d’Arco” e “Oberto”, ele revela inteligência e medida. Os efeitos das madeiras no primeiro movimento conduzem às florestas exóticas aos longos trinados que se perdem no meio das árvores, onde vagueiam pássaros raros com penas coloridas e flautistas experientes, com arabescos móveis: todos portanto digno de arte plumaria e instrumental Inca, o povo sul-americano onde o assunto se passa. Essa leveza quase pétala é abalada por uma tempestade furiosa bastante breve, que termina em uma melodia romântica patética exposta pelo clarinete, uma lembrança do tema de Jacopo Foscari. A alegre dança de encerramento é semelhante à conclusão de Giovanna, exceto que ela era marcial ali e pulava aqui, com um crescendo rossiniano e uma elegante sucessão de tons. A performance de abertura recebeu uma nota de aprovação da ‘Gazzetta Musicale’ de Nápoles: “Belezas tão delicadamente inventadas”… No entanto, a reação geral dos napolitanos não foi positiva, ainda pior quando “Alzira” foi encenada em Roma, em novembro de 1845 e, pior ainda, em 1846 nas apresentações no La Scala, resultando na pior matéria da imprensa que o compositor tinha visto desde o fracasso da “Un giorno di Regno” em 1840. Foi encenada em Ferrara, como parte da temporada da Primavera de 1847 após o que desapareceu do repertório. Antes de 1940, a ópera não foi realizada com muita frequência. A partir de 2000 “Alzira” vem se apresentando com regularidade, na maioria das vezes representada em forma de concerto (como a gravação que hoje vamos compartilhar com os amigos do blog).
O Enredo
Tragedia lirica em um prólogo e dois atos de Giuseppe Verdi para libreto de Salvadore Cammarano baseada na peça de Voltaire “Alzire”, ou Les Americains”; Nápoles, Teatro San Carlo, 12 de agosto de 1845.
Local: Peru
Época: século XVI
Estamos no Peru na época dos “conquistadores”. As tribos locais lideradas por Otumbo e rebeldes ao jugo da Espanha estão prestes a executar o velho Álvaro, o governador espanhol.
Prólogo: Il prigioniero (O prisioneiro)
A ação decorre no Peru em meados do século XVI, e o Prólogo, com o título de “O Prisioneiro”, passa-se numa grande planície atravessada pelo rio Rima onde Alvaro, o velho governador espanhol, está amarrado a um tronco à espera da morte. Ele foi feito prisioneiro por uma tribo Inca que vai executá-lo pela tortura e ao som de cânticos duma alegria selvagem e diabólica “Muoia , muoia coverto d’insulti” (faixa 02). A sua morte, sob grande sofrimento, deverá pagar a morte de muitos membros da tribo que combatiam o invasor, e que morreram de forma igualmente cruel. Enquanto os selvagens guerreiros incas o torturam num ritmo cada vez mais frenético, o espanhol reza ao seu Deus pedindo-lhe que perdoe os seus algozes. Eles estão prestes a despachá-lo horrivelmente quando um barco é avistado carregando Zamoro, seu jovem líder que eles acreditavam estar morto. Ele é recebido com gritos de alegria pelos outros índios que se jogam aos seus pés. Zamoro, estranhamente comovido com a visão de Álvaro, o liberta e ordena que ele retorne ao seu povo, justificando este seu gesto com o fato de ter sido salvo por um espanhol generoso. Com a partida de Alvaro, o andante incomumente estendido de Zamoro, “Un Inca … eccesso orribile!” (faixa 04), conta à tribo sobre seu tratamento brutal nas mãos do perverso espanhol Gusmano, filho do velho governador. Ele, um príncipe Inca, foi entregue ao carrasco por esse bárbaro cristão de quem agora jura vingar-se. Então Zamoro é informado por Otumbo, um dos seus guerreiros, que os espanhóis raptaram e encarceraram Alzira em Lima, a sua noiva, bem como o pai dela, Ataliba, o velho chefe. Esta notícia terrível não faz se não aumentar a ira de Zamoro contra os invasores. É assim que anuncia que mil guerreiros de outras tribos se vêm juntar a eles para derrotar os espanhóis. Zamoro jura resgatá-los e se junta a seus guerreiros em uma cabala belicosa, “Dio della guerra” (faixa 05) a quem os selvagens pedem para que torne a sua crueldade ainda maior que a dos espanhóis encerrando o prólogo.
Ato 01: Vita per vita (Vida por vida ) Cena 01: A praça principal de Lima
No mercado de Lima os soldados espanhóis juram fidelidade ao rei, declarando-se prontos a conquistar para ele novos reino. Um robusto movimento coral, reforçado pela banda, apresenta Alvaro, que anuncia que está cedendo, em nome do rei, a sua demissão como governador do Peru e passando o poder a seu filho Gusmano. Este imediatamente declara uma paz geral, entre o povo Inca e os espanhóis, com o chefe Inca Ataliba, lembrando-lhe que a filha de Ataliba, Alzira, foi aceita como recompensa de Gusmano. Depois de jurar submissão, Ataliba é pressionado por Gusmano para cumprir a promessa dando-lhe a mão da filha Alzira em casamento. Mas no andante de sua ária, “Eterna la memoria” (faixa 08), Gusmano admite que os sentimentos de Alzira por Zamoro, seu amado, continuam fortes demais para ele superar. Ataliba exorta Gusmano a ser paciente; mas o novo governador não pode tolerar atrasos e, na cabaleta “Quanto un mortal puo chiedere” (faixa 09), lamenta o espírito maligno do seu rival, bem como o poder que ele ainda exerce sobre o coração de Alzira. Mesmo morto, Zamoro atemoriza-o, e torna-o a ele, vencedor de tantas batalhas, incapaz de conseguir conquistar o amor duma mulher. Ataliba volta a pedir mais algum tempo, mas Gusmano, louco de desejo, não quer esperar. Venceu, o mundo está aos seus pés, falta-lhe apenas apaziguar a alma. Sem Alzira nada tem qualquer significado.
Cena 02: Os aposentos de Ataliba
No palácio do governador Tremolando, numa sala reservada aos príncipes Incas que estão prisioneiros, encontramos enfraquecida pelo muito que chorou pelo seu amado Zamoro, Alzira que está adormecida, e é cuidada carinhosamente pela sua irmã Zuma e por algumas outras mulheres, ela acorda para pronunciar o nome de Zamoro e insiste em contar a todos um sonho estranho: “Da Gusman, su fragil barca” (faixa 11) narra como ela sonhava em fugir de Gusmano em um barco, sendo pega em uma tempestade e resgatada por um nobre espírito; ela reconhecera nesse espírito o seu amado Zamoro, a ária segue corajosamente o padrão do conto, em vez de duplicar a forma de um andante italiano convencional. Apesar das advertências de sua comitiva, ela orgulhosamente declara seu amor por Zamoro na cabaleta “Nell’astro che piu fulgido” (faixa 12).
Ataliba chega, dispensa Zuma e o coro e, num recitativo simples, implora a Alzira que se case com Gusmano, mas ela odeia o opressor cruel, e recorda ao pai que ele usurpou o trono, e, sobretudo, mandou matar Zamoro, o seu prometido. Ataliba insiste. Ele acredita que o consentimento de Alzira irá trazer a Paz ao seu povo. Mas Alzira mantém-se irredutível.
Enquanto Ataliba sai, Zuma anuncia um “membro da tribo” e Alzira fica em êxtase ao ver ninguém menos que Zamoro. O primeiro movimento do dueto, “Anima mia!” (faixa 14), é uma troca rápida de palavras amorosas, unidas da maneira tradicional por uma melodia orquestral impulsionadora. Passadas as primeiras emoções, Zamoro fala das suas suspeitas levantadas por um rumor que diz que Alzira está prometida em casamento ao odiável espanhol. Alzira dissipa de imediato os ciúmes do seu amado, e jura-lhe fidelidade eterna. Cammarano e Verdi passaram imediatamente para a animada cabaleta, “Risorge ne’ tuoi lumi” (faixa 15).
Aparece então Gusmano acompanhado de Ataliba, e depara, estupefato, com o seu pior inimigo: Zamoro está vivo… e nos braços da sua amada. O jovem chefe dos Incas dá-se orgulhosamente a conhecer, e reivindica o eterno amor de Alzira. Furioso, Gusmano manda-o prender, e ordena a sua imediata execução e, em um Allegro impetuoso, Zamoro responde chamando-lhe carniceiro e carrasco. Entra então Álvaro que revela a Gusmano a atitude humana daquele selvagem que lhe salvara a vida numa situação semelhante. Apesar de surpreendido por aquele revelação, Gusmano não revoga a sua decisão. Desesperados, Alzira e Zamoro repetem juras de amor. O palco está armado para um concertato extraordinariamente grandioso e lento, “Nella polve, genuflesso”(faixa 18), que começa com uma estrutura de diálogo mais livre do que o normal e, talvez por esse motivo, leva a um clímax final incomumente impressionante. O concertato acabou, uma música selvagem e exótica ouve-se ao longe: um mensageiro informa que um exército hostil está fora, exigindo a volta de Zamoro. Os guerreiros Incas já atravessaram o rio Rima em direção a Lima, exigindo a libertação do seu chefe Zamoro. Só então Gusmano cede ao pedido do pai dando a liberdade a Zamoro para poder cortar-lhe a cabeça no campo de batalha. Ao que Zamoro responde dizendo que será ele próprio quem o irá escalpar ao iniciar a stretta final, “Trema, trema … a ritorti fra l’armi” (faixa 20), ele avisa Zamoro de que eles se encontrarão novamente no campo de batalha. Alzira junta-se a Zamoro, enquanto Álvaro, Ataliba e as mulheres anteveem uma carnificina terrível.
Ato 02: La vendetta di’un selvaggio (A vingança de um selvagem) Cena 01: Dentro das fortificações de Lima
Os incas perderam novamente a batalha; soldados espanhóis vitoriosos se entregam a um tumultuoso brindisi “Mesci, mesci” (faixa 21) brindam pela Espanha e por mais um triunfo sobre os bárbaros, interrompido apenas brevemente pela visão triste de Zamoro e seus seguidores marchando pelo palco. Gusmano promete dividir com os seus homens o ouro da rapina. Ovando, um oficial, traz a sentença do tribunal militar sobre o destino de Zamoro: a pena capital. É com um prazer evidente que Gusmano assina a sentença, que lê em voz alta para que Alzira a escute. Diante disso, Alzira corre para implorar clemência e Gusmano oferece a ela uma barganha: a vida de Zamoro pela mão de Alzira em casamento. O impasse é explorado em um Andante, “Il pianto … l’angoscia” (faixa 23), os soluços sem fôlego de Alzira contrastando com o suave (talvez muito suave) cantabile de Gusmano. Eventualmente, ela concorda, o governador não cabe em si de contente, e anuncia grandes festejos. Depois declara à jovem o seu amor, que nada significa para Alzira que lamenta a sua sorte e o pacto é selado por um animado dueto na cabaleta, “Colma di gioia ho l’anima”.
Cena 02: Uma caverna sombria
Uma sombria introdução orquestral, apropriada à cena desolada, apresenta Otumbo, que diz a seus amigos que garantiu a libertação de Zamoro subornando seus guardas espanhóis. Zamoro aparece e no Andante “Irne lungi ancor dovrei” (faixa 26) se declara desolado sem sua amada Alzira. Otumbo piora as coisas ao lhe dizer que Alzira está prestes a se casar com Gusmano. Nada pode conter a fúria de Zamoro, e na cabaleta “Non di codarde lagrime” (faixa 27) desesperado ele decide aparecer no casamento como um convidado inoportuno para executar uma vingança terrível.
Cena 03: Um grande salão na residência do governador
O coro nupcial, “Tergi del pianto América” (faixa 28), canta a esperança das prisioneiras Incas duma forma positiva dizendo que aquele casamento irá trazer a reconciliação dos dois mundos. Gusmano aparece com o uniforme de gala, anuncia aos soldados a sua vitória sobre os selvagens, e apresenta-lhes oficialmente Alzira como a sua futura mulher, dizendo que a alegria que sente em casar-se com ela é maior do que a que sentiria se vencesse uma centena de batalhas. Alzira mantém-se em silêncio ao seu lado. Tem o coração despedaçado, e espera apenas a morte. Ele está prestes a pegar a mão de Alzira quando Zamoro (disfarçado de soldado espanhol) irrompe em cena, crava uma adaga no coração de Gusmano e aguarda uma retribuição sangrenta. Mas Gusmano guarda uma surpresa: aprendeu com Alzira as alegrias da paz e da misericórdia e, numa ária final acompanhada de coro “I numi tuoi” (faixa 30), dá aos dois amantes a sua bênção. Por caridade cristã perdoa ao seu assassino, e diz a Alzira que quer que ela seja feliz ao lado de Zamoro. Depois morre nos braços do pai. É um final impressionante, aqui pela primeira vez está um final aberto com a oportunidade real de felicidade para os amantes. Uma mudança marcante da prática aceita.
Cai o pano —————————-
O próprio Verdi anos depois pronunciou Alzira como “proprio brutta” (francamente feia), e a ópera é, sem dúvida, uma das menos prováveis de suas obras a serem representadas, mesmo na atmosfera consciente do avivamento de hoje. Talvez, como aconteceu em outras ocasiões, a estima que Verdi tinha por seu libretista fosse uma desvantagem, inibindo-o de seguir livremente seus instintos dramáticos. No entanto, como todas as óperas menores de Verdi, Alzira tem muitas passagens bonitas, os grandes conjuntos em particular. Vimos que a composição de Alzira foi turbulenta, sobretudo por problemas de saúde. O elenco para a estréia era excepcionalmente forte, incluindo Filippo Coletti (Gusmano), Gaetano Fraschini (Zamoro) e Eugenia Tadolini (Alzira), mas a primeira apresentação foi, na melhor das hipóteses, apenas um sucesso parcial e em poucos anos a ópera logo desapareceu inteiramente do repertório. Ocasionalmente, foi revivido nos tempos modernos, mas continua sendo uma das duas ou três óperas menos executadas do compositor. A maior crítica que se pode fazer a esta ópera é, de fato, o libreto. Não apenas o libreto mas a fonte a que Cammarano recorreu – ou seja: a peça “Alzira” de Voltaire. Na verdade, ao escutarmos a forma como esta história nos é contada, ficamos, no mínimo, estarrecidos. Como é possível que alguém como Voltaire tenha esta visão sobre a conquista das Américas ? Fica esta interrogação. Quanto à música… é Verdi bello!!!
Giuseppe Verdi – Alzira Personagens e inérpretes
A verdade é que gostei muito desta versão de Alzira em concerto, tem seus bons momentos, o elenco é muito equilibrado e apesar de ser uma versão de concerto, os cantores são bastante expressivos é muito bem executada, nota-se o empenho em expressar a verdade dramática que o compositor buscou alcançar, esta versão do “projeto Tutto Verdi” gravado em 2012 e lançado no início de 2013 pode, e com sobras, demonstrar a genialidade de Verdi mesmo na ópera que o próprio maestro confessou ser a menor. Alzira, porém, para este obtuso admirador foi um gosto mais recente, adquirido. Depois de experimentar essa produção concertante, me perguntei o que me levou tanto tempo para descobrir os encantos escondidos nesta “má” ópera de Verdi. Quem aprecia Verdi deve levar em conta ouvir esta produção. Existem realidades atemporais de racismo, ciúme, coragem e amor abnegado a serem descobertos nesta ópera. Se ao menos pudéssemos deixar de lado nossos preconceitos e deixar que o compositor ainda jovem os revele para nós, enquanto desenvolve sua habilidade. A música do maestro é bonita sim, é uma cascata interminável de melodias, muitas delas muito enérgicas, e uma apresentação de concerto pode muito bem ser seu melhor local, para evitar a negatividade do preconceito racial de dramas defeituosos.
Todos os cantores se saem bem, com especial “Braaavissimiii !!” para o soprano Junko Saito (Alzira), o tenor Ferdinand Von Bothmer (Zamoro) e o barítono Thomas Gazheli (Gusmano). Von Bothmer foi particularmente notável com um tom vibrante e alcance estendido. A orquestra e o coro sob a batuta do austríaco Gustav Kuhn (1947) fizeram um excelente trabalho com a partitura. As apresentações de concertos colocam peso adicional sobre os artistas, pois o público tem uma oportunidade maior de ouvir o canto sem a adição de atuação.
Para este admirador há muito o que gostar em Alzira seja ou não válido o comentário “proprio brutta” do Maestro de olhos verdes acinzentados de Roncole. Que subam as cortinas e inicie o espetáculo ! Háaa também tem um link “bônus” das obras que Verdi fez nas temporadas de 1844-1845.
Boa diversão !!!!!
Alvaro, pai de Gusmano, inicialmente Governador do Peru – Francesco Facini, baixo
Gusmano, Governador do Peru – Thomas Gazheli, barítono
Ovando, a duque Espanhol – Joshua Lindsay, tenor
Zamoro, líder de uma tribo peruana – Ferdinand von Bothmer, tenor
Ataliba, líder de uma tribo peruana – Yasushi Hirano, baixo
Alzira, filha de Ataliba – Junko Saito, soprano
Zuma, sua irmã – Anna Lucia Nardi, meio-soprano
Otumbo, um guerreiro – Joe Tsuchizaki, tenor
Orchestra Haydn de Bolzano e Trento Instituto corale ed Orchestrale di Dobbiacc
Conductor: Gustav Kuhn
Que os Concertos de Brandenburgo, em sua forma original, fazem parte de um seleto grupo de criações que representam o que há de mais valoroso na música, todos nós do século XXI já sabemos ! Estas transcrições que o compositor alemão Max Reger (1873-1916) fez para piano a quatro mãos que ora vamos compartilhar com os amigos do blog, são um verdadeiro delight ! Max foi uma figura fundamental para o renascimento de Bach no início do século XX e as transcrições deste álbum são um ótimo exemplo do seu magnífico trabalho.
As transcrições dos seis concertos de Brandenburgo datam do início de 1900, Max era um talentoso compositor e organista e seu trabalho bastante reconhecido na Alamanha do início do século XX, tinha um profundo conhecimento de contraponto que torna esses arranjos de Brandemburgo tão lindos de ouvir. As transcrições destas obras primas de Bach feitas por Reger, na minha humilde opinião, são ótimas. Porém não são fáceis de tocar, requer também um alto conhecimento de Bach e a dupla deste álbum beira a perfeição são dois grandes intérpretes, a japonesa Norie Takahashi (1978) e o alemão Björn Lehmann (1973) o que mais me impressionou é o entrosamento sobretudo no ritmo, andamentos adequadamente rápidos, o uso mínimo de pedal que ajuda a deixar a música de Bach mais cristalina.
No que diz respeito às transcrições das peças para órgão, Takahashi e Lehmann nos oferecem duas obras (a onipresente Tocata e Fuga em Ré Menor e o Prelúdio e Fuga de Santa Ana), juntamente com sua versão da poderosa, magnifica, linda, tesuda Passacaglia BWV 582 (adoro com todas as forças esta obra…). Eles fornecem um contraste de bom gosto, um belo “brake” entre Concertos de Brandenburgo.
As interpretações são bastante técnicas, é uma delicia ouvir este álbum: a mais pura e maravilhosa música do divino Bach. Para quem ainda não conhece estas transcrições, Reger conseguiu de maneira perfeita reproduzir as características sonoras da orquestra e do órgão para o piano. Divirtam-se !!!!!
“Sebastian Bach é para mim o começo e o fim de toda música; sobre ele repousa, e dele se origina o novo! O fato de Bach ter sido mal interpretado por tanto tempo é o maior escândalo para a ‘sabedoria crítica’ dos séculos XVIII e XIX.”
Johann Baptist Joseph Maximilian Reger (1873-1916)
1 – Brandenburg Concerto No. 2 in F Major, BWV 1047: I. Allegro
2 – Brandenburg Concerto No. 2 in F Major, BWV 1047: II. Andante
3 – Brandenburg Concerto No. 2 in F Major, BWV 1047: III. Allegro Assai
4 – Brandenburg Concerto No. 5 in D Major, BWV 1050: I. Allegro
5 – Brandenburg Concerto No. 5 in D Major, BWV 1050: II. Affettuoso
6 – Brandenburg Concerto No. 5 in D Major, BWV 1050: III. Allegro
7 – Brandenburg Concerto No. 1 in F Major, BWV 1046: I. Allegro
8 – Brandenburg Concerto No. 1 in F Major, BWV 1046: II. Adagio
9 – Brandenburg Concerto No. 1 in F Major, BWV 1046: III. Allegro
10 – Brandenburg Concerto No. 1 in F Major, BWV 1046: IV. Menuetto – Trio I – Polacca – Trio II
11 – Passacaglia in C Minor, BWV 582
12 – Toccata and Fugue in D Minor, BWV 565
13 – Brandenburg Concerto No. 4 in G Major, BWV 1049: I. Allegro
14 – Brandenburg Concerto No. 4 in G Major, BWV 1049: II. Andante
15 – Brandenburg Concerto No. 4 in G Major, BWV 1049: III. Presto
16 – Brandenburg Concerto No. 6 in B-Flat Major, BWV 1051: I. Allegro non
17 – Brandenburg Concerto No. 6 in B-Flat Major, BWV 1051: II. Adagio ma non Tanto
18 – Brandenburg Concerto No. 6 in B-Flat Major, BWV 1051: III. Allegro
19 – Brandenburg Concerto No. 3 in G Major, BWV 1048: I. Allegro con spirito – II. Adagio
20 – Brandenburg Concerto No. 3 in G Major, BWV 1048: III.
21 – Prelude and Fugue in E-Flat Major, BWV 552: I. Prelude
22 – Prelude and Fugue in E-Flat Major, BWV 552: II. Fugue
Passei um tempo pensando por onde começar. Acho muito importante iniciar um trabalho que você curte fazer com o pé direito. Minha dúvida era: “qual compositor?”. Acabei por fazer a escolha mais óbvia. As Seis Suítes para Violoncelo de J. S. Bach é minha obra favorita. Tenho muitas versões destas suítes. Escolhi esta por ser a que mais estudo, escuto, admiro e gosto. Existem centenas de composições para violoncelo. Algumas boas, outras nem tanto. Sempre encontro algum movimento meio chato ou desnecessário em obras de outros compositores. Mas com Bach é diferente. Afinal, Bach é Bach. Todas as seis suítes são maravilhosas. A primeira é fantástica. A segunda também. A terceira… E assim por diante! Nada aqui é ruim. E isso é muito raro de se encontrar em outras obras. Truls Mørk é o violoncelista responsável por mudar minhas convicções! Por muito tempo considerei a versão do mestre Anner Bylsma como a versão definitiva. Então, Steven Isserlis apareceu e me fez ficar dividido. Truls Mørk apareceu e me fez não abandonar Isserlis e Bylsma , mas os colocar em segundo e terceiro lugar, respectivamente. Por quê? Ora, tudo, absolutamente tudo o que o violoncelista norueguês faz aqui é extremamente barroco. É a música de Bach. E ela flui com perfeição! Para mim, esta é a MELHOR versão das suítes para violoncelo de Bach! Duvida? Baixe e prove – me o contrário! ^^
Obs.: Para mais informações sobre Truls Mørk , clique aqui.
J. S. Bach (1685-1750): As Seis Suítes para Violoncelo (Truls Mørk)
CD 01
1. Suite No. 1 in G Major, BWV 1007: Prélude (Moderato)
2. Suite No. 1 in G Major, BWV 1007: Allemande (Molto moderato)
3. Suite No. 1 in G Major, BWV 1007: Courante (Allegro non troppo)
4. Suite No. 1 in G Major, BWV 1007: Sarabande (Lento)
5. Suite No. 1 in G Major, BWV 1007: Menuett I & II (Allegro moderato)
6. Suite No. 1 in G Major, BWV 1007: Gigue (Vivace)
7. Suite No. 2 in D minor, BWV 1008: Préludium
8. Suite No. 2 in D minor, BWV 1008: Allemande
9. Suite No. 2 in D minor, BWV 1008: Courante
10. Suite No. 2 in D minor, BWV 1008: Sarabande
11. Suite No. 2 in D minor, BWV 1008: Menuett I & II
12. Suite No. 2 in D minor, BWV 1008: Gigue
13. Suite No. 3 in C major BWV 1009: Préludium
14. Suite No. 3 in C major BWV 1009: Allemande
15. Suite No. 3 in C major BWV 1009: Courante
16. Suite No. 3 in C major BWV 1009: Sarabande
17. Suite No. 3 in C major BWV 1009: Bourrées I & II
18. Suite No. 3 in C major BWV 1009: Gigue
CD 02
1. Suite No. 4 in E flat Major, BWV 1010: Prélude (allegro maestoso)
2. Suite No. 4 in E flat Major, BWV 1010: Allemande (Allegro moderato)
3. Suite No. 4 in E flat Major, BWV 1010: Courante (Allegro non troppo)
4. Suite No. 4 in E flat Major, BWV 1010: Sarabande (Lento)
5. Suite No. 4 in E flat Major, BWV 1010: Bourrée I & II
6. Suite No. 4 in E flat Major, BWV 1010: Gigue (Vivace)
7. Suite No. 5 in C minor, BWV 1011: Prélude (Adagio – Allegro moderato)
8. Suite No. 5 in C minor, BWV 1011: Allemande (Molto moderato)
9. Suite No. 5 in C minor, BWV 1011: Courante (Allegro non troppo)
10. Suite No. 5 in C minor, BWV 1011: Sarabande (Lento)
11. Suite No. 5 in C minor, BWV 1011: Gavotte I & II
12. Suite No. 5 in C minor, BWV 1011: Gigue (Allegretto)
13. Suite No. 6 in D major BWV 1012: Prélude (Allegro moderato)
14. Suite No. 6 in D major BWV 1012: Allemande (Quasi adagio)
15. Suite No. 6 in D major BWV 1012: Courante (Allegro non troppo)
16. Suite No. 6 in D major BWV 1012: Sarabande (Lento)
17. Suite No. 6 in D major BWV 1012: Gavotte I & II (Allegro moderato)
18. Suite No. 6 in D major BWV 1012: Gigue (Vivace)