Pensei muito antes de fazer esta postagem em homenagem ao nosso querido colega Ammiratore, que nos deixou órfãos nesta semana, órfãos de sua inteligência, sabedoria e sensibilidade. É fácil identificar quando uma pessoa que recém conhecemos irá se tornar sua amiga, mesmo que este contato seja apenas virtual. Se não, de que outra forma iria conhecer este rapaz, que morava lá no interior do estado do Rio de Janeiro, a quase mil quilômetros de distância? Que evento físico poderia ocorrer que permitisse esse encontro?
A primeira troca de mensagens após seu ingresso no PQPBach ocorreu de forma tão tranquila que parecia que nos conhecíamos há décadas: perguntou se eu não queria compartilhar com ele sua conta no OneDrive. 1 TB é coisa pra burro, comentou, levaria décadas para encher este espaço. Mandou então a senha, e esse singelo ato, a partir de então, aumentou nossa cumplicidade. Trocávamos idéias sobre música e carros, sua paixão, era engenheiro mecânico, trabalhando em conhecida multinacional da área. Se propôs inclusive a comprar um carro zero KM para mim, se utilizando de seu desconto enquanto funcionário. Infelizmente a negociação nunca chegou a se concretizar, e continuo com meu velhinho de guerra.
Nesta singela e modesta homenagem ao querido colega, resolvi trazer Debussy, creio que poucos compositores poderiam expressar a dor de uma perda com tanta sensibilidade, ainda mais nestes sombrios tempos que vivemos. Nestes últimos cinco anos, tive a infelicidade de perder um irmão natural, vítima de complicações de um transplante, e de três grandes amigos: com dois deles tive o prazer de compartilhar nossas adolescências e início de vida adulta, e que resolveram deixar este vale de lágrimas mais cedo, e neste negro período pelo qual passa a espécie humana, eis que Ammiratore nos deixa.
Ninguém deve estar sentido mais a dor desta perda que sua esposa e seu casal de filhos. Essa dor é incurável. Deixo aqui meus sinceros sentimentos, lamento muito não poder tê-lo conhecido pessoalmente e não poder abraçá-los pessoalmente.
Este belíssimo e sensível CD é interpretado pelos dinamarqueses do “Messiaen Quartet Copenhagen” e nos apresentam um Debussy atualizado e adaptado. Porém nestes arranjos não se perde a essência da música de Debussy: aquela interiorização do sentimento, nada muito explícito, porém devidamente exposto.
Confesso que senti falta da orquestra no “Prélude à l’après-midi d’un faune”, minha obra favorita do compositor, e claro, da flauta que abre a obra, que apresenta um Fauno acordando de um sono na tarde. É assim que gostaria de acordar deste sonho terrível que vivemos nestes tempos sombrios: acordar e descobrir que tudo não passou de um sonho, e que não tivemos mais de trezentas mil mortes, e que tem uma mensagem no Whattsap do Ammiratore dizendo já eu posso agendar sua nova aventura wagneriana ou verdiana, ou haydniana.
Fico por aqui. Não consigo mais pensar em mais nada. Deixo-os com a belíssima música de Debussy, muito bem interpretada pelos dinamarqueses.
01. Suite Bergamasque I. Prélude
02. Suite Bergamasque II. Menuet
03. Suite Bergamasque III. Clair de Lune
04. Suite Bergamasque IV. Passepied
05. Première Rhapsodie
06. Prélude à l’après-midi d’un faune
07. Cello Sonata in D Minor I. Prologue – Lent, sostenuto e molto risoluto
08. Cello Sonata in D Minor II. Sérénade – Modérément animé
09. Cello Sonata in D Minor III. Finale – Animé, léger et nerveux
10. Violin Sonata in G Minor I. Allegro vivo
11. Violin Sonata in G Minor II. Intermède – Fantasque et léger
12. 12. Violin Sonata in G Minor III. Finale – Très animé
Messiaen Quartet Copenhagen :
Malin William-Olsson – Violin
Carl-Oscar Østerlind – Cello
t Kristoffer Hyldig – Piano
Viktor Wennesz – Clarinet
Gracias por la excelente música.
Parece que el enlace para Debussy – Copenhagen se nos ha perdido…
Saludos,
FL
Homenagem mas que adequada, sem dúvida, mas está sem o link.
Postagem já com link. Desculpem a nossa falha.
FDP, gostei bastante desse álbum. A princípio, estranhei. Mas, logo depois, já estava ouvindo com gosto — o que se acentuou na segunda audição. A abordagem do grupo é bem ousada e, ao mesmo tempo, atenta às sensibilidades musicais.
Não imaginava que iríamos viver um período tão cruel e aflitivo. Os temores que surgem na Construção do Kafka fazem tal obra parecer um conto de fadas se forem comparados às coisas que, diariamente, agravam o brasileiro quadro de terror e desafiam o absurdo, dobrando sua dose. Além da doença terrível em si, trabalha ao lado desta todo um arranjo de ignorância, insensibilidade e irresponsabilidade. Será um alívio quando o genocida sair, porém a realidade se insinua perenemente desesperadora, como se pode ver, por exemplo, na forma como algumas camadas da comunicação e do poder vêm tratando os professores. Não vejo perspectiva alguma, sinto-me impotente e burro.
Era um mero leitor de Ammiratore. Lamento profundamente essa grande perda humana e compadeço com o sofrimento dos familiares.
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