A temporada transformadora em Heiligenstadt, de onde Beethoven saiu em outubro de 1802 com a disposição, segundo suas próprias palavras, de “agarrar o Destino pelo pescoço, de modo a que não me destrua por completo”, resultou num surto de planos, muitas das quais, como era bem típico a alguém tão desorganizado e cheio de problemas para resolver, nunca passaram à prática. Um deles, no entanto, era particularmente firme: refazer seu cartaz como compositor-virtuose, um tanto apagado tanto pelo sucesso de suas publicações quanto pelos quase oito anos transcorridos desde a estreia de seu primeiro par de concertos. Tal vontade certamente inspirou-se no grande sucesso de outro compositor-virtuose: Johann Nepomuk Hummel, com quem Beethoven manteve por muito tempo uma relação ambivalente. Eram predominantemente amigos, mas também prevalecia uma inveja azeda acerca dos triunfos do colega mais novo, um requisitadíssimo professor e pianista, além da mágoa por ter sido preterido por Hummel como aluno de Haydn, que jamais foi superada. O fruto mais notável dessa resolução foi um novo concerto em Dó menor, cujos primeiros esboços datavam de cinco anos antes, e que tinha não tinha nem Haydn, tampouco Hummel como inspirações. O modelo óbvio era Mozart: mais especificamente, seu grande concerto K. 491, com quem a nova obra compartilhava a tonalidade e muita, mas muita mesmo, semelhança temática.
A despeito da inspiração mozartiana, a audácia harmônica (que inclui um segundo movimento na distante tonalidade de Mi maior) e o pathos são Beethoven puro. A première foi dada por ele mesmo como solista, no mesmo mastodôntico concerto em que foram estreados o oratório Christus am Ölberge (Op. 85) e a sinfonia no. 2, além duma reapresentação da primeira sinfonia. Dentro da desorganização que lhe era peculiar, o incorrigível procrastinador de Bonn não completou as partes de piano a tempo da estreia, de modo que improvisou uma boa parte de seu solo e, talvez, a própria cadenza que depois acabou publicada junto com o concerto. A repercussão foi boa, ainda que eclipsada pela da segunda sinfonia. Notícia melhor ainda, inda mais depois de todo desespero de Heiligenstadt, foi a de que a surdez não lhe impedira o retorno aos palcos, que era o que mais temia. Em muito breve, Beethoven encontraria um patrono generoso no jovem arquiduque Rudolph e voltaria a estar em posição de vantagem nas negociações com editores, o que daria algum fôlego a suas finanças sempre periclitantes.
O solista desta gravação era o mais recluso dos mestres vivos do teclado, até se aposentar dos palcos no ano passado. O romeno Radu Lupu, intérprete realmente genial, exibe no concerto seu incomparável controle de nuances, belíssimo fraseado e, acima de tudo, a capacidade tantas vezes descrita por seus colegas como deixar a música falar por si própria. O disco abre e fecha, dir-se-ia estranhamente, com peças menores para piano solo. Quando ouvimos, no entanto, os rondós do Op. 51 soarem melífluos como improvisos de Schubert, e as brilhantes variações em Dó menor cintilarem na mesma tonalidade do concerto, percebemos o quão bem eles lhe servem muito bem como prelúdios. E, no fim, as duas pequenas sonatas do Op. 49, tão simples a ponto de estarem ao alcance de amadores, transformam-se num longo, delicado bis – como se Lupu, o sensível e arredio bicho-do-mato, buscasse um despiste para sumir sem ser percebido.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Dois Rondós para piano, Op. 51
Compostos entre 1795-1798
Publicados em 1802 (no. 2) e 1810 (no. 1)
1 – No. 1 em Dó maior
2 – No. 2 em Sol maior
Trinta e duas variações para piano sobre um tema original, em Dó menor, WoO 80
Compostas em 1806
Publicadas em 1807
3 – Thema – Variationen I-XXXII
Radu Lupu, piano
Concerto para piano no. 3 em Dó menor, Op. 37
Composto entre 1800-1803
Publicado em 1804
Dedicado ao príncipe Louis Ferdinand da Prússia
4 – Allegro con brio
5 – Largo
6 – Rondo: Allegro
Radu Lupu, piano
London Symphony Orchestra
Lawrence Foster, regência
Duas sonatas para piano, Op. 49
Publicadas em 1805
No. 1 em Sol menor
Composta em 1797
7 – Andante
8 – Rondo: Allegro
No. 2 em Sol maior
Composta entre 1795-1796
9 – Allegro ma non troppo
10 – Tempo di Menuetto
Radu Lupu, piano
#BTHVN250, por René DenonVassily
Oi Vassily, bela postagem deste lindo disco !
A piadinha da foto final…. show !
Valew