Existem monstros e monstros. Godzilla e Shreck, Polifemo e King Kong, Stalin e Schostakovich… Sempre fascinantes de uma forma ou de outra, bonzinhos, mauzinhos, travessos, divertidos, gigantescos… Pensemos num monstro musical do tamanho da Mãe Rússia! Que com os seus braços abertos abarcaria toda gama de sons que a percepção e o espirito humano é capaz de reconhecer, suportar e merecer por natureza, nas teclas de um piano. O camarada Petrov (1943-2011) é isso (e um dos pouquíssimos artistas russos a atuarem no exterior durante a chamada Guerra fria). Com suas dimensões que sabem às estepes – em corpo, talento e expressão. Um monstro de habilidade, que começou a brincar nas teclas do piano com ínfimos três aninhos de idade. Lembra até uma novela do H. G. Wells, sobre crianças nutridas com um certo ‘alimento dos deuses’ que as tornava gigantescas. Ora, conhecemos um sem número de gravações das baladas e scherzos do gênio polonês, porém fracamente, nunca ouvi nada igual a isso que aqui tenho a honra de trazer. Basta que se ouça a primeira Balada com atenção para que saibam do que estou falando. Existe um ditado que diz: ‘pelo dedo se vê o gigante’. Cabe perfeitamente no caso do camarada Nikolai – pelos dedos temos não somente o gigante musical, mas também uma nova dimensão que ele acrescenta a estas obras tão conhecidas. Na década de 90, quando da avassaladora crise da música erudita na Rússia, Petrov abdicou de sua possibilidade de emigrar. Preferiu permanecer na Rússia e ajudar jovens músicos – eis o próprio gigante bondoso.
Chopin, gênio absoluto, música febril, delirante; atmosfera de rosas podres e cartas mofadas; beleza sem fim, talvez o maior melodista da música (para mim o é). Pobre gênio hipocondríaco, cujo amigo Franz Liszt alcunhava maldosamente de ‘o cadáver polonês’, que morreu de úlcera e não de tuberculose. Mal este que possivelmente sequer existisse, uma vez que para se reproduzir o que escrevia, especialmente nos pianos da época, era preciso força – o que um tísico em pandarecos dificilmente conseguiria executar. Mas Chopin chegou até nós como uma espécie de Dama das Camélias do piano. Impressão essa alimentada por filmes do tipo ‘À noite Sonhamos’ com o xaroposo ator húngaro-americano Cornel Wilde. Desventurado Fréderic, exilado de sua pátria, envolvido com as calças de Madame Sand e toda sorte de baixarias familiares em torno da mesma (indico o ótimo livro ‘O funeral de Chopin’, de Benita Eisler). Um dos maiores gênios que já pisaram na face da terra, que sobrevivia a duras penas na Paris de Balzac, que se queixava nas cartas à sua irmã sobre o preço dos coches de luxo que era obrigado a usar para se dirigir às mansões aristocráticas e dar suas aulas às moçoilas descompassadas: se utilizasse uma charrete qualquer, ele sequer passaria da porta. Além das roupas caras – diga-se de passagem, vestia-se com tal esmero que criou ‘moda Chopin’: luvas cor de pérola, cartolas e afins. Que teria no final seu coração retirado, como um faraó, e metido numa urna de prata, tal era a sua obsessão pela catalepsia que poderia enterrá-lo vivo como algum mórbido herói poeano. Mas voltando às estepes sonoras do Sr. Petrov, digo que os compadres melômanos podem não preferir estas interpretações, porém me parecem únicas. Sou muito grato ao velho amigo Newman Sucupira por me haver apresentado este disco nos tempos do vinil. Como o próprio amigo, escritor, fotógrafo e melômano diria, uma gravação com muita “esclepscência” – termo intraduzível. Mas é impossível nesse instante não me reportar ao meu maior amor literário, Anton Pavlovich, meu amado Tchekhov, por falar em estepe. A Estepe, a viagem do pequeno Iegóruchka em companhia do seu tio e de um clérigo numa carroça pelas vastidões das estepes, rumo a uma nova vida numa cidade distante, onde iria estudar. Um road-movie literário, uma viagem sem fim, a busca contínua por um misterioso e poderoso personagem que nunca está onde se espera, a tempestade, a febre…
“Como todos os outros, a melancolia também tomou conta de Iegóruchka. Ele foi para sua carroça, escalou o fardo e deitou lá em cima. Olhou para o céu e pensou no feliz Konstantin e na esposa dele. Para que as pessoas casam? Para que servem as mulheres, neste mundo? Iegóruchka se fazia perguntas obscuras e pensava que, de fato, para o homem, era bom ter sempre por perto uma mulher carinhosa, alegre e bonita. Por algum motivo, lhe veio a lembrança da condessa Dranitskaia e pensou que, com uma mulher assim, sem dúvida, a vida seria muito agradável; provavelmente, ele ficaria muito satisfeito de casar com ela, se não sentisse tanta vergonha. Lembrou-se das sobrancelhas da condessa, das pupilas, da carruagem, do relógio com um cavaleiro em cima… A noite silenciosa e morna baixava sobre ele, sussurrava em seu ouvido e Iegóruchka sentiu como se aquela mulher bonita se curvasse sobre ele, o olhasse com um sorriso e quisesse beijá-lo…”
O resto é música.
Nikolai Petrov plays Chopin – Ballades & Scherzi
1 Balada 1 em Cm
2 Balada 2 em F
3 Balada 3 em Eb
4 Balada 4 em Fm
5 Scherzo 1 em Bb
6 Scherzo 2 em Bbm
7 Scherzo 3 em C#m
8 Scherzo 4 em E
Wellbach
que maravilha… nao conhecia o Petrov.. gostei muito. obrigado pela apresentacao. acabei baixando um cd dele tocando fantasias… esta disponivel se alguem se interessar.
Opa! fico feliz que tenha gostado e me interessa sim o disco, por favor me remeta o link, pode ser para o email [email protected]
Muito grato! Abrs.