Ainda mais Cordas: o Cimbalom (Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Variações Goldberg em dulcimers – Szakály – Farkas)

151Achar um nome inambíguo em português para este instrumento é um pouquinho complicado. Seu nome húngaro (cimbalom) remete tanto ao italiano cembalo (“cravo”, coisa que ele não é) quanto ao grego “kymbalon” (“pratos” de percussão – não, tampouco). Há quem o chame de “cítara”, com a qual guarda semelhança superficial, mas esta se toca com plectros. Em inglês, ele é chamado de “Hungarian hammered dulcimer”, porque é um dulcimer (que, por sua vez, deriva do saltério através do santur persa) cujas cordas são percutidas com baquetas. Um cimbalom, pois, vem a ser um dulcimer de concerto, do tamanho de um piano pequeno, apoiado em quatro pés, com extensão maior e um pedal de abafamento. Independentemente do nome que lhe escolhamos, ele é essencial à música de várias regiões da Europa Central e fundamental à música folclórica húngara, de tal maneira que há uma cátedra de cimbalom na conceituada Academia de Música Ferenc Liszt em Budapest, onde se formaram e lecionam as duas musicistas que ouvirão nesta gravação.

Sim, o cabeludo sentado é Liszt
Sim, o cabeludo sentado é Liszt

Se tocar as Goldberg em qualquer instrumento é uma temeridade considerável, abrir mão do conforto das teclas e tocar esta obra-prima com baquetas parece-me insano. Claro que a gente não pode esperar um produto semelhante ao de uma gravação feita ao teclado, e que as variações mais rápidas escancaram as grandes dificuldades de articulação que o cimbalom traz ao executante. Ainda assim, nem que pelo inusitado, é um CD muito interessante.

Recomendo fortemente aos que forem a Budapest que garimpem o acervo da Hungaroton local, repleto de pérolas que, uma a uma, deixarei por aqui – e que esqueçam o sítio internacional, a não ser que dominem o diabólico magiar!

JOHANN SEBASTIAN BACH – GOLDBERG-VARIATIONEN ON TWO CIMBALOMS
ÁGNES SZÁKALY – RÓZSA FARKAS

Johann Sebastian BACH (1685-1750)

Ária com diversas Variações para cravo com dois manuais, BWV 988, “Variações Goldberg”

01 – Aria
02 – Variação no. 1 a 1 Clav.
03 – Variação no. 2 a 1 Clav.
04 – Variação no. 3 a 1 Clav. – Canone All’Unisuono
05 – Variação no. 4 a 1 Clav.
06 – Variação no. 5 a 1 ovvero 2 Clav.
07 – Variação no. 6 a 1 Clav. – Canone alla Seconda
08 – Variação no. 7 a 1 ovvero 2 Clav.
09 – Variação no. 8 a 2 Clav.
10 – Variação no. 9 a 1 Clav. – Canone alla Terza
11 – Variação no. 10 a 1 Clav. – Fughetta
12 – Variação no. 11 a 2 Clav.
13 – Variação no. 12 – Canone alla Quarta
14 – Variação no. 13 a 2 Clav.
15 – Variação no. 14 a 2 Clav.
16 – Variação no. 15 a 1 Clav. – Canone alla Quinta – Andante
17 – Variação no. 16 – Ouverture a 1 Clav.
18 – Variação no. 17 a 2 Clav.
19 – Variação no. 18 a 1 Clav. – Canone alla Sesta
20 – Variação no. 19 a 1 Clav.
21 – Variação no. 20 a 2 Clav.
22 – Variação no. 21 – Canone alla Settima
23 – Variação no. 22 a 1 Clav. – Alla Breve
24 – Variação no. 23 a 2 Clav.
25 – Variação no. 24 a 1 Clav. – Canone all’Ottava
26 – Variação no. 25 a 2 Clav.
27 – Variação no. 26 a 2 Clav.
28 – Variação no. 27 a  Clav. – Canone alla Nona
29 – Variação no. 28 a 2 Clav.
30 – Variação no. 29 a 1 ovvero 2 Clav.
31 – Variação no. 30 a 1 Clav. – Quodlibet
32 – Aria da capo

Ágnes Szákaly e Rózsa Farkas, cimbaloms

BAIXE AQUI — DOWNLOAD HERE

Uma graciosa dulcimerista (ou cimbalomista) em ação
Uma graciosa dulcimerista (ou cimbalista) em ação

 

Vassily Genrikhovich

8 comments / Add your comment below

  1. Por Minerva! que coisa rara e surpreendente! muito grato! o fato é que este belíssimo instrumento é tocado por gente de extrema habilidade, vide os grupos ciganos do Leste Europeu. Pude ver ao pé da Acrópole um cimbalista cigano executando verdadeiras proezas – e que música bela a que este cordofone produz. Gratíssimo!

  2. Tenho mais a agradecer do que você possa imaginar!

    Até hoje, apesar de não confessar ao PQP que tem estas variações entre suas obras mais queridas, este era um dos poucos pontos em que eu divergia dele radicalmente: já tinha tentado inúmeras vezes, mas as Goldberg só me causavam tédio. Eu considerava a única obra importante de Bach de que eu definitivamente não gostava.

    Estou dizendo no passado pois, sabe-se lá por que, o “schwung” da interpretação das húngaras e o timbre do címbalom as deram vida & efetividade pela primeira vez pros meus ouvidos.

    Lembro que o teclado doméstico preferido de Bach não era o cravo, e sim o clavicórdio, por possibilitar alguma dinâmica, e possivelmente também por uma certa transparência de textura que as cordas percutidas permitem. Só que o clavicórdio tem um volume de som tão minúsculo que o torna inadequado como instrumento de concerto, a não ser de câmara num sentido BEM literal: quarto de dormir, e dos pequenos…

    Algo me diz que a sonoridade que as húngaras tiram disto talvez não seja tão diferentes de um clavicórdio ampliado… Seja por isto ou não, elas conseguem uma extrema expressividade, variedade tímbrica mesmo, além de corpo, ancas, quadris volumosos porém ágeis… enfim: FAZEM DA MÚSICA UM TESÃO – que no meu sentir é o que toda música tem que ser pra se justificar!

  3. Depois de ouvir e ouvir e ouvir, não tenho como deixar de voltar a comentar: DEVÍAMOS TIRAR DA CABEÇA QUE O CÍMBALOM-DULCÍMER-SANTOR-SALTÉRIO SEJA UM INSTRUMENTO MENOR!

    A rica VARIEDADE TÍMBRICA que é extraída aqui de um mesmo instrumento decorre da possibilidade do acesso direto às cordas, escolhendo o ponto em que se vai percuti-las – do mesmo modo como o violinista extrai diferentes timbres passando o arco mais no centro da porção vibrante da corda ou mais no extremo (mais perto do cavalete), extraindo da mesma corda diferentes padrões de harmônicos para a mesma nota. O mesmo faz o violonista.

    Já o pianista vende essa variedade tímbrica em troca de poder percutir dez cordas ao mesmo tempo (ou até mais se trabalhar com clusters), e também de um pouco mais de velocidade. Retém a variação de dinâmica (forte x fraco) do címbalom, que o cravo não tem, mas perde a variedade tímbrica, pois os martelos atingem as cordas em um ponto fixo.

    Além disso, o cimbalista tem à sua disposição uma gama maior de formas de atacar a corda com o martelo, controlado diretamente pelos seus músculos, e não através das quarenta e poucas peças com que a mecânica do piano TENTA transmitir as sutilezas do ataque muscular de cada tecla até cada corda.

    Sugiro que reparem na Variação 28 (faixa 29) como um campo de demonstração dessas duas dimensões – variedades de timbre e de ataques – que no caso produzem, entre outros, um efeito de lata que alguns podem achar até grotesco, mas tenho certeza que foi uma dramatização intencional, pois haveria muitos outros timbres à disposição além desse, como ouvimos bem já na faixa seguinte.

    Em resumo: estamos aqui diante de um INSTRUMENTO MAIOR, de alta nobreza, que ficou esquecido atrás da febre de padronização trazida pelo fim do século 18 e especialmente pelo 19 – bem como de uma REALIZAÇÃO ARTÍSTICA (INTERPRETAÇÃO) MAIOR, DE PRIMEIRÍSSIMA LINHA, e não de uma mera curiosidade folclórica.

    Pelo menos é essa a sensação & avaliação deste monge que voz fala…

    1. PQP Bach é realmente uma escola.
      Vivendo e aprendendo, comentário brilhante! Algum dia eu alcanco 10% dessa erudicao. Vou continuar tentando, ou seja, visitando e lendo o vosso blog.

    2. Estimado monge,

      Mais uma vez, uma contribuição esplendorosa sua: um minitratado disfarçado de comentário!

      Concordamos plenamente: o cimbalom/dulcimer/quodlibet é um instrumento maiúsculo que merece mais divulgação. Lamentavelmente, seu repertório original de concerto é exíguo: lembro-me do “Ragtime” de Stravinsky, do ótimo Singspiel “Háry János” de Kodály, e… de que mais? Achei esta gravação das magiares um tremendo tour de force repleto de expressividade. Para sua alegria e a dos tantos outros dulcimermaníacos (pois foram mais de 100 downloads no primeiro dia!) tenho mais gravações deste magnífico instrumento prontas para o PQP Bach – cortesia da loja com CDs a preço de bananas (na verdade, até mais baratas que elas naquela época) da Hungaroton.

  4. Este é com certeza um dos melhores sites! Não só pela diversidade de músicas disponíveis, mas também pelo bom humor, qualidade e pesquisas que apresentam os textos das postagens.

  5. É realmente um feito, o que essas “meninas” conseguem fazer. Para mim, tocar um instrumento com destreza já é grande coisa, Uma vez, nas ruas de Madrid, um cabeludo tirava um som extraordinário no que para mim era uma bacia. Depois fiquei sabendo que o instrumento chama-se “Hang Drum”. Mesmo desconhecimento do “cimbaloms”. Vivendo e aprendendo.
    Ps: Bach é Foda.

Deixe um comentário