O monge Ranulfus confessa que de modo geral detesta dar atenção ao Natal… mas nesta sua temporada de peregrinações passou da mui barroca e africana cidade de Salvador para a de Curitiba, que, mesmo sendo capital de um dos estados mais caboclos do Brasil, concebe-se com tanta fé em algum ponto entre Paris e Viena que até chega a realizar de fato, em alguma medida, essa posição.
E, zanzando pelas ruas dessa capital caboclo-europeia, topou com uma apresentação da Camerata Antiqua na bonita Capela Santa Maria, resgatada pela cidade de um antigo colégio que se mudou (ver foto abaixo) – apresentação essa de caráter totalmente natalino… mas, relaxem, sem nada de Noite Feliz nem de Jingle Bells: um In Terra Pax do inglês Gerald Finzi (1901-1956) e o mais mencionado que conhecido Oratório de Natal de Camille Saint-Saëns, tudo isso numa realização de uma beleza serenamente arrebatadora – se é que alguém consegue conceber tal combinação de qualidades!
Naturamente o monge Ranulfus saiu de lá com enorme vontade de compartilhar aquele concerto com seus amigos do PQP Bach… mas não sendo possível conformou-se com esta gravação alemã do oratório de Saint-Saëns, deixando para ver se encontra a bonita obra de Finzi em outra ocasião.
Saint-Saëns tinha apenas 23 anos quando compôs este oratório, uma obra de ~40 minutos para 5 vozes solistas, coro, órgão, harpa e orquestra. O hino final é consideravelmente conhecido e cantado por aí, mas creio que há bem mais a conhecer e apreciar nesse oratório. Pessoalmente achei os tempos e dinâmica do regente Diethard Hellmann um pouco burocráticos, especialmente no primeiro recitativo e no hino final, que poderia soar bem mais exultante… mas acho que isso não precisa nos atrapalhar na descoberta da obra, não concordam?
Então vamos lá:
Camille Saint-Saëns (1835-1921)
Oratorio de Noël, Op. 12 (1858) [39:38]
1-Prélude (Dans le style de Séb. Bach) (3:16)
2-Recit et Choeur: Et Pastores erant – Gloria (coro) (5:47)
3-Air: Expectants expectavi Dominum (mezzosoprano) (4:08)
4-Air et Choeur: Domine, ego credidi (tenor e coro) (4:01)
5-Duo: Benedictus qui venit (soprano e barítono) (4:03)
6-Choeur: Quare fremuerunt gentes (coro) (3:59)
7-Trio: Tecum principium (mezzosoprano, tenor e barítono) (4:23)
8-Quatour: Alleluja (soprano, soprano, contralto e barítono) (2:14)
9-Quintette et Choeur: Consurge, Filia Sion
(soprano, mezzosoprano, contralto, tenor, barítono e coro) (5:29)
10-Choeur: Tollite hostias (coro) (2:18)
Coro Bach e Orquestra Bach de Mainz
Verena Schweizer (soprano)
Edith Wiens (mezzosoprano)
Helena Jungwirth (contralto)
Friedreich Melzer (tenor)
Kurt Widmer (barítono)
Hans-Joachim Bartsch (orgão)
Barbara Biermann (harpa)
Diethard Hellmann (condutor)
. . . . . . . BAIXE AQUI – download here
Ranulfus
Eu brinco que Saint-Saëns é meu compositor. Defendo-o entre unhas e dentes e procuro mostrar como ele é um dos maiores compositores injustiçados da música erudita.
Estamos QUASE juntos, Mau, rsrs. Quando ouço a Sinfonia com Órgão, os concertos para piano, o Carnaval, este oratório… considero Saint-Saëns sim um GRANDE compositor, vítima nos vingativos que não conseguem fazer coincidir boa composição e audição descomplicadamente agradável. Mas aí ouço umas peças que são, p.ex., clichês de orientalidade pateticamente contrangedores… e fico meio sem jeito de defendê-lo tanto quanto eu gostaria…
Mas concordo que pelo menos parte dele vale muito mais do que as pessoas querem admitir!!
eu sou apaixonado por saint-saens, nao só pela obra, como pela vida! p’ra quem nao sabe , ele era filósofo e astrólogo, tendo escrito livro sobre filosofia e algumas coisas sobre o movimento dos astros! um genio … genio de verdade!
alias, vcs nao teriam as outras sinfonias dele?
Bom, Neochanlee, não tenho mas posso ver se localizo. Só não posso prometer quando, sinto muito!
Caro Ranulfus, Curitiba é uma cidade deveras peculiar. Eu confesso ter uma relação de amor e ódio com ela, já morei aí, a conheço bem, tenho bons amigos e até uma irmã morando aí.
Assisti uma ou duas apresentações da Camerata Antiqua quando morei nesta fria cidade, uma delas nos tempos do Roberto de Regina, que creio ser seu amigo, dos tempos da Escola de Belas Artes. E fiquei surpreso com a qualidade do conjunto. Fico feliz que eles ainda estejam emm ação, sabes dizer se estarão se apresentando neste final de ano? Como comentei contigo em lista interna do pqp, pretendo dar um pulo por aí na semana que vem ou até mesmo na primeira semana do ano, e ficaria muito feliz em rever uma apresentação deles.
Ranulfus, não diga “clichês de orientalidade pateticamente contrangedore” que eu vou ficar puto! Huahuahuahuahua….
Antes eu defendia doentiamente Schubert. Considerava-o como um Mozart que só não alçou voos maiores por ter morrido precocemente. Mas aí eu percebi que Schubert era muito mais esquecido que subestimado: amantes e críticos da música consideravam-no bom/ótimo compositor, mas quase nunca o citavam entre os grandes ou nunca faziam menções consideráveis de suas obras.
Já Saint-Saëns não: grande parte desses mesmos críticos e amantes acham o francês — essa nacionalidade já joga contra suas obras, pois somente germânicos sabem compor música erudita, não é? — mediano, nada além de razoável, e dividem suas obras em dois blocos: romantismo meloso e virtuosismo barato e sem propósito. Aí acabei pegando-o pra cristo para tentar combater essa injustiça tremenda a esse grande homem e músico!
Alem disso, a primeira ópera que eu escutei foi Samson et Dalila. Até hoje me arrepia a progressão ascentente da abertura, que desemboca no coro inicial: “Dieu… Dieu d’Israël!”
=)
O cosmopolita Ranulfus voltou trazendo beleza e serenidade. Vi fotos do sujeito numa alegria pueril, numa praia soteropolitana. De repente, surpreende-me, apresentado Saint-Säens de um modo que eu nunca vi – e isso feito lá de Curitiba. A propósito, monge Ranulfus, chegou o livro do Gore Vidal que me indicaste, um cartapácio com quase 800 páginas. Não sei quando o lerei, já que me encontro bastante ocupado com outras demandas. Mas andei a imaginar o conteúdo. Deve ter algo de ti lá dentro.
Obrigado pelo post. Voltar-me-ei para esse tipo de música nessa semana de serenidade e contrições cristãs.
Abraços generosos a todos!
Que surpresa, a muito tempo não escuto uma obra do Camille Saint-Saëns, qual foi minha surpresa ao ver essa obra tão bela, gostei tanto que vou gravar um CD para uma amiga minha, a faixa ‘Quare fremuerunt gentes’ me fez lembrar as obras para coral de Bach, muito bom esse disco. O que seria da minha vida sem o PQPBach!!!…
Saint-Säens é conhecido com um grande erudito em música (em outras coisas também). Realmente, não dá para acreditar que hoje ele é tomado como um compositor menor. Por exemplo, suas melodias são tão maravilhosas que ele ganha de Schubert. E a vasta cultura possibilitou a ele usar uma ampla gama dos expedientes musicais conhecidos. Eu sou uma fã confessa. E este Oratório de Natal é tão bom que de vez em quando dou ele em MP3 de presente para alguém.
Sim, sim, Regina, concordo que Saint-Saëns está entre os maiores MELODISTAS da história, junto com alguns outros compositores também tidos como “menores”, como Pachelbel.
Nos dois, eu costumo dizer que não ouço uma só frase “de enchimento”, p.ex. uma escala que não acabe sendo modificada aqui e ali para deixar de ser uma forma padronizada e ganhar um valor melódico em si – enquanto tantos compositores ditos “maiores” abusam de escalas cruas, não elaboradas, para fazer enchimento entre um episódio melodicamente criativo e outro.
Haverá algum preconceito contra a melodia? Ou despeito de quem não consegue ser tão melódico assim? 😉
Essa discussão chegou num ponto mt interessante nesse momento da minha vida. Sou um fan do Saint-Saëns, mas confesso que nunca tinha me caído a ficha do grande melodista que era. Ao mesmo tempo em que vocês me fizeram cair essa ficha, eu tenho pensado muito nas questões estéticas da música e cada vez mais, me inclino pessoalmente à melodia. Sim… melodia é a própria música, ao meu ver. Por isso sou tão maluco pelos renascentistas e pelos contemporâneos. Acho que a melodia tem um papel fundamental e ao contrário dos outros elementos, não existe técnica possível para garantir boas melodias. Se tornar um grande harmonista ou polifonista requer estudo e dedicação. ALgo que a melodia nao pode exigir.. Por outro lado, a melodia exige muito mais requinte e bom gosto do compositor do que técnica pura. Obrigado por me ajudarem nessa caminhada
Tive a felicidade de cantar este oratorio de Saint-Saens por 2 vezes em 2006. Uma na Igreja da Candelaria e outra na Sala Cecilia Meireles no Rio de Janeiro. Nessa época, eu era aluno da Escola de Musica Villa-Lobos.. Foi uma experiencia muito agradavel. Cantei no naipe de baixo do coral, meu registro vocal. Lembro-me que nos preparamos por uns 4 meses (Coral e Orquestra) com ensaios quase todos os dias, especialmente na reta final, nos dias que antecederam as apresentações. O maestro era bem exigente. Ainda tenho boa parte da partitura na memória.
Foi um acontecimento que jamais vou esquecer.
Obrigado por esta postagem.
Daniel.
A parte sobre Saint-Saens do livro de história da música de Harold Schonberg é interessante. Diz que compositor era superdotado – não apenas talentoso em música, mas de fato deve ter tido um dos maiores QIs da história musical.
Informa também que Saint-Saens é mais conhecido justamente por suas piores obras (Danse Macabre, por exemplo), enquanto que suas maiores e mais elaboradas raramente são ouvidas.