Henri Dutilleux (1916-2013): Sonata para piano, Prelúdios / Franz Liszt (1811 -1886): Angelus, Klavierstucke, Mephisto, Valse Oubliée, Nuages Gris (Jonas Vitaud, piano)

Estreada em 1948, a Sonata para piano de Dutilleux é uma das grandes obras do repertório pianístico do século XX. É claro que devemos desconfiar desse tipo de afirmação categórica, normalmente acompanhada de provas por A+B que não costumam provar grandes coisas. Mas ao menos é o que dizem meus ouvidos: Dutilleux transita com grande liberdade dentro das três formas escolhidas para os três movimentos. É verdade que Liszt argumentou: “vinho novo pede garrafas novas” e nesse aspecto foi seguido por Wagner, Schoenberg, Debussy, Messiaen e tantos outros. Mas Dutilleux já chega bem depois e faz parte daqueles que voltaram às formas antigas para, a partir delas, produzir novidades. No piano de meados do século XX, isso rendeu obras como as Sonatas para Piano de Prokofiev e os Prelúdios e Fugas de Shostakovich, além dessa Sonata de peso do francês Dutilleux.

O primeiro movimento é um legítimo Allegro de sonata, o segundo um lento Lied com explorações harmônicas tipicamente francesas – Gary Higginson escreveu que esta é uma sonata que Debussy poderia ter escrito – e o movimento final é um Chorale (no sentido das obras de Bach para órgão) com variações. Uma curiosidade: os títulos dos movimentos variam entre italiano, alemão e francês, o que poderia indicar uma inclinação cosmopolita de Dutilleux, lembrando que a sonata veio logo após o fim da 2ª Guerra.

No disco gravado pelo também francês Jonas Vitaud, a sonata – que ele estudou, quando jovem, com o próprio compositor – eclipsa as outras obras. Ainda assim, este é um bom álbum para quem quer ouvir os Três Prelúdios (1973–1988) de Dutilleux e as Nuvens cinzentas (Nuages Gris), obra madura de Liszt na qual ele flerta com a música atonal. Também a primeira obra do disco, “Angelus! Prece aos anjos da guarda”, tem uma grandiosa interpretação. Mas na Mephisto Valse e na Valse Oubliée de Liszt, ficou faltando para Vitaud um certo espírito faustiano que habita essas obras: o velho tema do pacto com o coisa-ruim. Para esse Liszt de uma certa malícia, melhor ouvir Horowitz, Novaes, Foldes ou Kissin. Aluno de Brigitte Engerer, Jonas Vitaud é mais polido, mais preocupado com os belos coloridos e ornamentos. No Dutilleux isso funciona perfeitamente.

Liszt, o prolífico, parece o oposto de Dutilleux, compositor de catálogo reduzido, homem discreto e reservado. Mas eu encontro pontos em comum mais profundos. Ambos tiveram uma longa carreira, e seu estilo mudou consideravalmente com o tempo. São músicos da síntese, que assimilaram diversas correntes na sua própria linguagem. Em vida, mostraram-se curiosos e altruistas com seus pares e com as novas gerações. Quanto a Dutilleux, tive a sorte de conhecê-lo em 2004 no festival de Cordes-sur-Ciel, e estudar com ele várias peças, incluindo suas Figuras de ressonância para dois pianos, com Bertrand Chamayou. (Jonas Vitaud, no encarte do álbum)

01 Liszt: Angelus ! Prière aux anges gardiens (extrait des Années de Pèlerinage III)
02 Dutilleux: Prélude n°1 : D’ombre et de silence
03 Liszt: Klavierstück, S192 n°3
04 Dutilleux: Prélude n°2 : Sur un même accord
05 Liszt: Valse oubliée n°1
06 Liszt: Nuages gris
07 Dutilleux: Prélude n°3 : Le jeu des contraires
08 Liszt: Méphisto-Valse n°1
09-11 Dutilleux: Sonate opus 1 (I. Allegro con moto, II. Lied, III. Choral et variations)
Jonas Vitaud, piano
Recorded: Abbaye-école de Sorrèze, France, oct. 2014

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Dutilleux on whether chance procedures have a place in music: ‘A very small one, yes – homeopathic maybe!’ (Citado na BBC Music Magazine, December 2022)

Pleyel

Schubert (1797-1828): Schwanengesang – Andrè Schuen & Daniel Heide ֎

Schubert (1797-1828): Schwanengesang – Andrè Schuen & Daniel Heide ֎

FRANZ SCHUBERT

Schwanengesang, D. 957

Andrè Schuen, barítono

Daniel Heide, piano

 

É domingo e há uma clara ameaça de tempestade. São as águas de março…

Ultimamente tenho ouvido música no meu estúdio onde passo a maior parte de meu tempo produtivo. O computador está conectado a um DAC (digital audio converter) que por sua vez está conectado ao amplificador, um receiver Yamaha, provavelmente fabricado na China. O Yamaha já passou por uma intervenção eletrônica, possivelmente resultado de oxidação (zinabre para todos os lados), morar perto da praia tem seus custos. Ele está ligado a um par de caixas de som Bose, do tipo shelf, e mais nada, no subwoofer.

Isso é tudo que preciso para ouvir esse maravilhoso disco, Schubert, Schwanengesang.

Eu tenho uma certa birra com esse título, o Canto do Cisne, faça-me o favor. A despeito de minhas restrições pessoais, o título foi aposto numa coleção de canções, reunidas para a publicação pelo editor Tobias Haslinger, em 1829, depois da morte de Schubert. Claro que ele tinha em vista o sucesso dos dois ciclos de canções, Die schöne Müllerin (1824) e Winterreise (1828), publicados anteriormente. A diferença está no fato que os dois primeiros ciclos são sobre poemas do mesmo poeta, Wilhelm Müller, escritos como um ciclo de poemas. No caso de Schwanengesang temos 14 canções escritas no fim da vida de Schubert sobre poemas de três diferentes poetas,  não tratam de um único tema, nem tem uma sequência narrativa, como os ciclos anteriores. Apesar disso, o conjunto funciona maravilhosamente como um programa de um recital, no qual a densidade e a profundidade de algumas canções, especialmente aquelas com letra de Heinrich Heine, faz contraponto com as canções mais leves e brilhantes, algumas com letras de Ludwig Rellstab e aquela de Johann Gabriel Seidl, que como poeta não parece ter a mesma dimensão que Heine. Aliás, Heine (1797 – 1856) foi contemporâneo de Schubert (1797 – 1828), sendo que este teve vida mais breve. Os poemas de Heine também inspiraram outras compositores de Lied, especialmente Schumann, mas isso é outra postagem.

Os sete poemas de Rellstab, que se tornaram as sete primeiras canções do Schwanengesang, foram enviadas para serem musicadas por Beethoven, mas acabaram nas mãos de Schubert, encaminhadas pelo assistente-secretário-biógrafo-faz-tudo Anton Schindler. Não consigo deixar de pensar nas palavras ‘lista de Schindler’.

As gravações do ciclo são inúmeras, parece haver mais cantores de Lieder do que apreciadores. Na era dos CDs passou-se a acrescentar mais algumas canções ao disco, para engordar o tempo, mas antes disso, os LPs costumavam trazer apenas as tais 14 canções, assim como neste disco, pós CDs. Eu ouvi centenas de vezes um LP da gravadora de selo amarelo com o barítono Hermann Prey, que foi para Dietrich Fischer-Dieskau o equivalente ao que Roger Moore foi para Sean Connery, se é que você me permite essa liberdade… Desde então, não me canso de ouvir essas canções.

Mas chega de lero, vamos aos disco, que é maravilhoso. Não se deixe irritar pela capa, compare com aquela do disco do HP e verá como o departamento de arte da DG tem evoluído. O que conta é o conteúdo do pacote.

A dupla dando palhinha para a turma do PQP Bach logo depois da entrevista para a postagem…

A voz do Andrè Schuen é espetacular, muito bonita mesmo e ele está em excelente sintonia com o pianista que o acompanha já há um bom tempo, Daniel Heide.

Segue trechos da crítica que pode ser lida na íntegra aqui , na tradução feita com a ajuda do Chat PQP: […] O barítono ítalo-tirolês Andrè Schuen é uma figura cada vez mais destacada no mundo do Lieder. Schwanengesang não desperta sua forte imaginação interpretativa e não deveria. As tentativas de impor uma linha direta a este ciclo têm sido desastrosamente redutoras. Em vez disso, aprecia-se a voz de barítono fresca e lindamente contornada de Schuen, plena de controle de respiração que lhe permite navegar em longas linhas vocais com um senso iluminador de direção musical de longo prazo, além de uma articulação reveladora do texto. […] Da mesma forma, o pianista Daniel Heide leva em consideração a imagem completa de qualquer canção […] 

Franz Schubert (1797 – 1828)

Schwanengesang, D. 957

  1. Liebesbotschaft
  2. Kriegers Ahnung
  3. Frühlingssehnsucht
  4. Ständchen
  5. Aufenthalt
  6. In der Ferne
  7. Abschied
  8. Der Atlas
  9. Ihr Bild
  10. Das Fischermädchen
  11. Die Stadt
  12. Am Meer
  13. Der Doppelgänger
  14. Die Taubenpost, D. 965a

Andrè Schuen, barítono

Daniel Heide, piano

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MP3 | 320 KBPS | 136 MB

Andrè Schuen

Trecho do site da DG: Schubert’s enigmatic final collection of songs, Schwanengesang, is the subject of baritone Andrè Schuen and his longstanding accompanist Daniel Heide’s second release for DG. Baritone Andrè Schuen calls Schwanengesang “my greatest love among the Schubert lieder. Especially the Heine settings; they move me the most!” His admiration for the cycle dates back to a time before he had even become a professional singer: “It’s one of the first lied compositions I got to know. I remember a recording with Dietrich Fischer-Dieskau that I played over and over again.”

Escolha seu 007 preferido…

Da série ‘fortune cookie’: As comparações são odiosas!

Aproveite!

René Denon

Henry Purcell (1659-1695): Dido And Aeneas (Concentus Musicus Wien, Harnoncourt)

Henry Purcell (1659-1695): Dido And Aeneas (Concentus Musicus Wien, Harnoncourt)

Esta não é a melhor gravação de Dido e Aeneas que está em nosso blog. Há outras bem melhores, quase todas. Mas Harnoncourt é sempre Harnoncourt e merece nosso respeito. Trata-se de uma obra-prima composta por Purcell. É considerada a primeira ópera nacional inglesa, tendo sido a única escrita por Purcell (1659-1695), um dos maiores compositores britânicos de todos os tempos e mestre do barroco. Ainda que tenha vivido pouco, nos deixou um número expressivo de odes para coro e orquestra, cantatas, canções, hinos, serviços, sonatas de câmara e obras para teclado, além de mais de quarenta peças para música de cena (PQP Bach tem TODAS, VALE A PENA CONHECER). Henry Purcell alcançou em vida relativo prestígio.

A ópera foi escrita em 1689, para o internato feminino Josias Priest, de Chelsea, Londres, a partir de um libretto de Nahum Tate (1652-1715), poeta e dramaturgo inglês. O enredo segue a história de amor entre a lendária rainha de Cartago, Dido, e o refugiado troiano Enéas, narrada no livro IV da Eneida de Virgílio. Quando o mítico herói e sua tropa naufragam em Cartago, ele e a rainha se enamoram. Mas, por inveja, as bruxas conspiram contra os amantes e convencem Enéas a partir, pois seu destino, traçado pelos deuses, é o de fundar uma nova Tróia, a cidade de Roma. Enéas, mesmo blasfemando contra a inclemência dos deuses, aceita seguir viagem e comunica a Dido que partirá naquela manhã. A rainha, esmagada pela dor, imola-se, apesar de Enéas, comovido e mudando o desígnio, afirmar preferir enfrentar a cólera dos deuses a abandoná-la.

A partitura é uma obra-prima de concisão e uma modelo para toda ópera de bolso: a orquestra inclui cordas e contínuo, há uns poucos papéis principais e a duração dos seus três atos não ultrapassa uma hora. Nela, Purcell incorporou tanto os desenvolvimentos da escola inglesa do século XVII, como influências musicais continentais. Combina, por exemplo, danças e coros, elementos próprios da tradição francesa, com árias que seguem em geral os modelos das óperas barrocas italianas. Os recitativos, por seu turno, a cavaleiro das tradições francesas e italianas, nada têm de artificial – são livres, melódicos e plasticamente moldados ao texto.

A abertura é francesa: um adágio solene inicial dá lugar a uma seção mais animada que introduz a cena. Já os coros homofónicos construídos com base em ritmos de dança, recordam os de Lully, assim como o minueto do coro Fear não danger to ensue (“Não temas os perigos que possam vir”). No entanto, cabe salientar a melodia tipicamente inglesa de Pursue thy conquest, Love (“Persegue tua conquista, Amor”) e a do coro Come away, fellow sailors (“Vinde, camaradas de marinheiros”), no início do terceiro ato. Esta alegre e singela canção marinheira carrega evidente matiz popular.

Algumas árias da ópera foram construídas sobre um baixo ostinato. A última delas, e a mais importante, é o famoso lamento de Dido: When I am laid in earth (“Quando eu descer à terra”), uma das mais tocantes de todo repertório lírico. Nela, além do ostinato, os intervalos descendentes e as harmonias com retardos intensificam o infortúnio da rainha.

O coro final, With drooping wings (“Com asas caídas”) parece inspirado no de Vénus and Adonis, de Blow – de quem Purcell foi, aliás, discípulo. Possui forte caráter elegíaco, sugerido pelo uso de escalas menores descendentes e pelas impressionantes pausas após a expressão “never part” (“nunca parta”).

Texto retirado da Escola de Música da UFRJ.

Henry Purcell (1659-1695): Dido And Aeneas (Concentus Musicus Wien, Harnoncourt)

Dido And Aeneas, Opera, Z. 626

1.1 1. Overture 2:53

Act I
1.2 2. Song (Belinda) & Chorus “Shake The Cloud From Off Your Brow” 1:06
2.1 3. Song (Dido) “Ah! Belinda” 4:08
2.2 4. Recitative & Song (Belinda & Dido) “Grief Increases By Concealing” 0:32
2.3 5. Chorus “When Monarchs Unite” 0:14
2.4 6. Recitative (Dido & Belinda) “Whence Could So Much Virtue Spring?” 2:13
2.5 7. Duet (Belinda & Second Woman) & Chorus “Fear No Danger” 1:36
3.1 8. Recitative (Belinda, Aeneas & Dido) “See, Your Royal Guest Appears” 0:50
3.2 9. Chorus “Cupid Only Throws The Dart” 0:35
3.3 10. Recitative (Aeneas) “If Not For Mine, For Empire’s Sake” 0:23
3.4 11. Song (Belinda) “Pursue Thy Conquest, Love” 0:51
3.5 12. Chorus “To The Hills And The Vales” 1:20
4 13. The Triumphing Dance 1:21

Act II Scene 1
5.1 14. Recitative (Sorceress) “Wayward Sisters” 2:31
5.2 15. Chorus “Harm’s Our Delight” 0:14
5.3.1 16. Recitative (Sorceress) “The Queen Of Carthage”. 0:42
5.3.2 Chorus “Ho Ho Ho” 0:10
5.4.1 17. Recitative (Witches & Sorcerers) “Ruin’d Ere The Set Of Sun?” 1:20
5.4.2 Chorus “Ho Ho Ho” 0:10
5.5 18. Duet (Witches) “But Ere We This Perform” 1:10
6.1 19.Chorus “In Our Deep Vaulted Cell” 1:07
6.2 20. Echo Dances Of Furies 1:01

Act II Scene 2
7.1 21. Ritornelle 0:57
7.2 22. Song (Belinda) & Chorus “Thanks To These Lonesome Vales” 1:15
8.1 23. Song (Second Woman) “Oft She Visits This Lone Mountain” 1:38
8.2 24. Recitative (Aeneas & Dido) “Behold, Upon My Bending Spear” 0:35
8.3 25. Song (Belinda) & Chorus “Haste, Haste To Town” 0:43
9 26. Recitative (Spirit & Aeneas) “Stay, Prince” 3:00

Act III Scene 1
10.1 27. Song (Sailor) & Chorus “Come Away, Fellow Sailors” 1:32
10.2 28. The Sailors’ Dance 0:51
11.1 29. Recitative & Duets (Sorceress & Witches) “See The Flags And Streamers Curling” 1:06
11.2 30. Song (Sorceress) “Our Next Motion” 0:41
11.3 31. Chorus “Destruction’s Our Delight” 0:34
11.4 32. The Witches’ Dance 1:13

Act III Scene 2
12.1 33. Recitative (Dido, Belinda & Aeneas) “Your Counsel All Is Urg’d In Vain” 4:52
12.2 34. Chorus “Great Minds Against Themselves Conspire” 1:04
13 35. Recitative (Dido) “Thy Hand, Belinda” / Song (Dido) “When I Am Laid In Earth” 4:24
14 36. Chorus “With Droppings Wings Ye Cupids Come” 2:47

Chorus – Arnold-Schönberg-Chor*
Chorus Master – Erwin G. Ortner*
Composed By – Henry Purcell
Conductor – Nikolaus Harnoncourt
Libretto By – Nahum Tate
Orchestra – Concentus Musicus Wien
Vocals [Aeneas, A Trojan Prince] – Anton Scharinger
Vocals [Belinda, Dido’s Sister] – Rachel Yakar
Vocals [Dido, Or Elissa, Queen Of Carthage] – Ann Murray
Vocals [Sailor] – Josef Köstlinger
Vocals [Second Witch] – Helrun Gardow
Vocals [Second Woman • First Witch] – Elisabeth Von Magnus-Harnoncourt*
Vocals [Sorceress] – Trudeliese Schmidt
Vocals [Spirit] – Paul Esswood

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The Meeting of Dido and Aeneas (1766) — Sir Nathaniel Dance-Holland 1735-1811

PQP

Gustav Mahler (1860-1911): Sinfonias Nº 1 (Haitink, Chicago S.O.) e 3 (Neumann, Czech P.O.)

O casal Gustav e Alma num passeio

Duas gravações muito convincentes de Mahler: uma de 1981 com a Filarmônica Checa e outra de 2008 com a Sinfônica de Chicago. A mais antiga faz parte de uma integral gravada por Vaclav Neumann e é bem conhecida pelos aficcionados por Mahler. Já a mais recente é menos conhecida do que o ciclo anterior de Mahler que Haitink havia gravado em Amsterdam, mas eu tive que postá-la para agradar o nosso chefe PQP. Estou brincando, é claro: é um Mahler de peso o da Sinfônica de Chicago, pendendo um pouco mais para a seriedade do que para a leveza, como nesta outra gravação de Haitink com a mesma orquestra. É grandioso quando a partitura pede grandiosidade, mas também os cantos de pássaros nas sopros são muito bem executados e gravados.

Mahler, assim como Kafka, era um tcheco que falava alemão, tendo se mudado para Viena com cerca de 15 anos de idade. Ele regeu muito em Praga, tendo inclusive estreado sua 7ª sinfonia naquela cidade. Desde então, da mesma forma que em Amsterdam (cidade onde Haitink se formou), também em Praga havia uma longa tradição de maestros especialistas em Mahler, com certos detalhes de interpretação que se estabeleceram ao longo das décadas como marcas dos tchecos ao tocarem esse compositor, e isso aparece muito bem nesta gravação da 3ª Sinfonia.

O ciclo de sinfonias de Mahler parece ser mais variado do que o de Bruckner ou o de Brahms: em conteúdo, dá pra debater, mas em termos de forma não resta dúvida, pois há sinfonias bem mais longas (como a 3ª), outras mais curtas (como a 1ª) e algumas têm cantores solistas e/ou coro (2ª, 3ª, 4ª e 8ª). Em relação ao conteúdo elas também variam bastante: entre os diferentes humores de Mahler, acho que o que mais me agrada é o momento pastoral, cheio de pássaros cantando. Esses cantos de pássaros e outros momentos campestres aparecem integrados nos movimentos, aparecendo no meio de outros trechos bem diferentes como valsas e outras danças. Nisso, o Mahler pastoral se diferencia de outros autores que colocam uma cerca bem delimitada nesses momentos: Beethoven em sua 6ª sinfonia, Berlioz na “cena no campo”, movimento mais longo da sua Sinfonia Fantástica, Messiaen e Villa-Lobos em certas obras orquestrais que são, inteiras, dedicadas a cenas na floresta ou nas montanhas.

Essa tendência de Mahler a misturar tudo – aqui um pássaro, ali uma dança, depois uma caótica cena urbana, uma ordenada e pesada marcha militar e de repente mais pássaros! – torna-o estranhamente contemporâneo aos nosso tempos acelerados e caóticos, quando o controle remoto e as redes sociais fazem com que essa colagem de experiências diversas seja mais ou menos o pão nosso de cada dia.

Apesar da mistura e de, portanto, as cenas pastorais aparecerem em quase todas as suas sinfonias (ou todas? seria preciso checar), tenho a impressão de que a 1ª e a 3ª são aquelas com mais animais passeando e cantando. Não é, repito, uma natureza selvagem e pura, pelo contrário, os animais convivem lado a lado com os humanos. Mahler, como um atento leitor de Nietzsche, não parecia acreditar nessa natureza tranquila e pura que aparece em Beethoven ou na Sinfonia Primavera de Schumann. Uma mentalidade fundamentalmente pessimista, mas ao mesmo tempo interessada em todas as belezas que encontra no caminho, talvez se cristalize mais exlpicitamente na 9ª de Mahler, nos dois movimentos centrais, um tranquilo e dançante Ländler (mas já com seus momentos caóticos) seguido de um Rondo Burlesco que é o caos completo e me lembra certos momentos orquestrais de Bartók. Mas nas Sinfonias nº 1 e 3 isso já aparece de modo menos maduro: na 3ª, sobretudo, após três primeiros movimentos com todos os pássaros possíveis, chega o ser humano cantando um texto enigmático do Zaratustra de Nietzsche. O timbre escolhido por Mahler é o de uma mulher com voz grave, e nesta gravação temos a alemã Christa Ludwig (1928 – 2021), uma das mais célebres mezzo-sopranos do século XX.

Gustav Mahler: Sinfonia nº 3 (1902)
Czech Philharmonic Orchestra (Česká Filharmonie / Orquestra Filarmônica Checa)
Václav Neumann (1920-1995), maestro
Christa Ludwig, contralto – 4º movimento
Kühnův Dětský Sbor, Pražský Filharmonický Sbor (Coro Filarmônico de Praga, Coro Infantil Kühn) – 5º movimento
Recording: House of Artists, Praga, 16-19 December, 1981
Neumann/CPO – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320 kbps

.:.

Gustav Mahler: Sinfonia nº 1, “Titã” (1889)
Chicago Symphony Orchestra
Bernard Haitink (1929-2021), maestro
Recorded live in Orchestra Hall at Symphony Center, Chicago, USA, May 1, 2 and 3, 2008
Haitink/CSO – BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – mp3 320 kbps

Pleyel

BRUCKNER 200 ANOS! Anton Bruckner (1824-1896): Sinfonia Nº 5 (Gergiev / Münchner)

BRUCKNER 200 ANOS! Anton Bruckner (1824-1896): Sinfonia Nº 5 (Gergiev / Münchner)

IM-PER-DÍ-VEL !!!

Provavelmente, a Filarmônica de Munique deu mais apresentações da música de Anton Bruckner do que qualquer outra orquestra. Há um grande número de gravações de Bruckner conduzidas pelos maestros lendários que trabalharam na Filarmônica de Munique, incluindo Celibidache, Thielemann, Kempe e Wand. Tendo começado em setembro de 2017, no Mosteiro de St. Florian — um cenário com significado histórico único neste contexto –, a Filarmônica de Munique e Valery Gergiev apresentaram um ciclo espetacular das sinfonias de Anton Bruckner. A extraordinária e belíssima Quinta Sinfonia de Bruckner tem muitas gravações impressionantes. Penso em particular na gravação de Eugen Jochum, que regeu uma performance fantástica (1964) na Abadia de Ottobeuren. E depois um concerto de Chailly em 1991. E, mais recentemente, o último concerto que Nikolaus Harnoncourt deu com a Concertgebouw Orchestra em 2013. Harnoncourt e Bruckner simplesmente “se entenderam” fantasticamente. Mas certamente há apresentações ainda melhores, basta pensar em Celibidache, Karajan e Wand. Aqui, Gergiev nos dá de 80 minutos de pura emoção, sem nenhum tédio. Que profundidade, que brilho, que riqueza de detalhes, sem nenhuma superficialidade! Ele é intenso e envolvente a cada segundo. Este é realmente um acréscimo à discografia de Bruckner e merece um lugar junto aos maiores campeões citados. E, céus, que música!

Anton Bruckner (1824-1896): Sinfonia Nº 5 (Gergiev / Münchner)

ANTON BRUCKNER: Symphony No. 5, WAB 105
1. Introduction: Adagio – Allegro
2. Adagio: Sehr langsam
3. Scherzo: Molto vivace (Schnell) – Trio: Im gleichen Tempo
4. Finale: Adagio – Allegro moderato

RECORDING DATE: 23 / 24 September 2019
LOCATION: Stiftsbasilika St. Florian, Austria

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Ignoro quem é (foi) o autor.

PQP