Acostumar-se à música digital, sem o suporte físico do toque, tem dessas: ganhei este disco de presente há algumas semanas, e simplesmente acabava não lembrando de escutá-lo. O mp3 não requer manuseio e as operações vão ficando obsoletas. Até poderia tê-lo baixado da internet e mantido o cd na estante, com plástico e tudo; cada vez mais, a mídia física vira, pura e simplesmente, item de colecionador.
Mas a verdade é que quando o coloquei para rodar, me arrependi instantaneamente de não ter ouvido antes. Colaboração contemporânea de um jazz refinadíssimo, este The Enchantment, gravado no ano passado — este post é de 2008 — por Chick Corea, é um duo com Béla Fleck — um músico do qual eu jamais havia ouvido falar. Seu instrumento? O banjo.
Coçando a cabeça com a pata traseira. Banjo não é coisa de música country?
Se o amigo leitor levantou a sobrancelha como eu fiz ao descobrir a informação no encarte do cd, saiba que está proibido de ter qualquer tipo de preconceito. Escrevo ouvindo o que se repete nos meus ouvidos várias vezes por dia desde então: a faixa 3, Joban Dna Nopia. Corea, de quem não conhecia gravações mais recentes, pelos céus! — está cada vez melhor, mais sábio e mais cativante. Suas frases são carregadas de um brilho muito particular, como se estivesse sorrindo, feliz, relaxado, divertindo-se, derramando-se generosamente para o público. Enquanto isso, Béla – que é americano, mas veja seu nome completo: Béla Anton Leoš Fleck (adicione Bártok, Dvořák e Janáček para descobrir o destino que seus pais lhe desejaram no nascimento) – desenvolve com muita personalidade e domínio técnico a sonoridade curta e metálica do banjo. Seja fazendo fundo para os solos de Corea ou o inverso, o casamento entre os timbres é fascinante e hipnótico. Também por inusitado, mantém a atenção do ouvinte o tempo todo, já que são variações pouquíssimo exploradas por nossa audição. Que é tratada com muito carinho durante todo este álbum.
Belo, por vezes lúdico, revigorante e atrator de bons augúrios; espero que esta seja uma valiosa surpresa para vocês, também.
The Enchantment – Chick Corea and Béla Fleck (224)
Chick Corea: piano
Béla Fleck: banjo
Produzido por Chick Corea e Béla Fleck para a Concord
01 Señorita (Corea) 5’20
02 Spectacle (Fleck) 4’40
03 Joban Dna Nopia (Corea) 6’28
04 Mountain (Fleck) 3’53
05 Children’s Song #6 (Corea) 4’02
06 A Strange Romance (Fleck) 4’46
07 Menagerie (Fleck) 5’53
08 Waltse for Abby (Fleck) 3’02
09 Brazil (Barroso, Russell) 5’58
10 The Enchantment (Corea) 5’39
11 Sunset Road (Fleck) 4’36
bluedog
Caro Blue Dog,
Conheço Béla Fléck já há alguns anos, e admiro muito seu trabalho. Ele é um virtuose no instrumento, e referência na área. Se quiseres, tenho um cd ao vivo dele, gravado com sua banda Béla Fleck & The Flecktones, que tem simplesmente no baixo o genial Victor Wooten, talvez o maior contrabaixista de fusion da atualidade. O som que esses dois produzem é algo impressionante.
E tenho certeza que ao fazer dupla com outro gênio, Chick Corea, o resultado só pode ser fantástico.
Bela postagem.
Bluedog, fico muito feliz de finalmente encontrar um CD neste blog que eu já possuo.
Como o fdp, conheço muito bem o Béla Fleck & The Flecktones. Tenho certeza que você não se arrependerá em conhecer. Recomendo como petisco inicial o Live At The Quick (tanto CD como DVD), uma coisa fantástica. Falar do Victor Wooten é ser redundante em adjetivos. Fenomenal, apenas.
Sem contar que o Béla Fleck toca músicas de Bach no banjo eventualmente. Seja o prelúdio da partita #3 para violino (ver Live At THe Quick) ou “Fugue from Prelude & Fugue No. 20 in A Minor, BWV 889” (ver The HIdden Land), estão sempre por aí.
Do baralho!
https://www.filemail.com/d/imscqmuemyatbrz
Nana & Egberto
Para um interlúdio