Antonio Vivaldi (1678-1741) – Gloria, RV 589, Magnificat RV 610A (Concert Spirituel, Niquet)

Quando ouço a música sacra de Vivaldi, sempre me interesso pela sua semelhança com a música composta por Bach a 900 ou 1.000 km de distância. No Gloria, especialmente, as construções harmônicas e de orquestração lembram muitas vezes aquelas que o mestre de Weimar e Leipzig utilizaria em suas obras de igreja. Já o Magnificat de Vivaldi é mais curto que o de Bach: alguns trechos, como “magnificat anima mea Dominum” (minha alma magnifica o Senhor) são cantados só uma ou duas vezes, sem muitas repetições ou floreios. Já outros são repetidos, mas menos do que na versão do compositor alemão. Talvez o trecho com mais repetições seja o “et misericordia”, mais do que no Magnificat de Bach, o que parece apontar para uma prioridade desse aspecto da misericórdia no horizonte da igreja onde vivia Vivaldi. Em seguida o “exaltavit humiles” (exaltação dos humildes) tem floreios de exaltação extremamente parecidos com os que Bach utiliza no mesmo trecho.

Em nenhum momento os dois viveram em cidades próximas e, para além de um certo estilo vocal polifônico-orquestral que pairava no ar daquela época, a influência direta certamente foi de Vivaldi sobre Bach e não o contrário. Os concertos de Vivaldi, como os do opus 3, L’Estro Armonico, publicado em 1711 em Amsterdam, circularam bastante pela Europa do norte. Bach escreveu versões para órgão solo de diversos desses concertos dos venezianos Vivaldi e Albinoni. Além disso, há uma diferença cronológica, para além dos sete anos de diferença entre os dois (Bach era mais novo). Vivaldi compôs o Gloria em 1714-15 e a primeira versão do Magnificat – que é esta gravada aqui – data provavelmente da mesma década. Já as obras corais de maior fôlego de Bach são posteriores: o Magnificat e as Paixões de São Mateus e São João foram todos compostos na década de 1720, o Oratório de Natal na de 1730 e a Missa em Si Menor em 1749. Já Vivaldi, nos seus últimos anos, parece ter se dedicado mais a compor óperas do que música religiosa.

Igrejas de Veneza

Em todo caso, o disco de hoje é do Vivaldi compositor de música sacra e mais especificamente aquela composta para ser tocada dentro do Ospedale della Pietà, onde Vivaldi começara a trabalhar em 1703 como professor de violino. Em 1712, na segunda edição dos concertos do opus 3, ele era descrito como Musico di Violino e Maestro de Concerti del Pio Ospidale della Pietà di Venezia.

O coro que canta nesta gravação é composto por dez sopranos e dez mezzo-sopranos. A orquestra tem apenas cordas (violinos I e II, violas, violoncelos, baixos), com mais theorbo e órgão no contínuo. Essa versão só com cordas e vozes femininas provavelmente foi a primeira composta por Vivaldi, para uso interno no orfanato Ospedale della Pietà, que abrigava apenas garotas. Depois ele reorquestraria a obra adicionando dois oboés e vozes masculinas. Uma terceira versão incluiria árias para solistas, ao contrário dessa primeira na qual tudo é cantado em conjunto pelo coro. O resultado da orquestra e coro de Niquet é uma música mais religiosa do que a de outras gravações mais operísticas. E aqui é possível novamente a comparação com o “discípulo à distância” de Vivaldi: todos os apreciadores de música barroca conhecem os arrepios que os momentos mais densos da música coral de Bach podem gerar tanto naquelas gravações de regentes e coros que creem como nas outras dos que não creem, ou ainda as dos que estão em algum lugar no meio.

Antonio Vivaldi (1678-1741):
1-12. Gloria, RV 589
I. Gloria in excelsis Deo II. Et in terra pax hominibus III. Laudamus te IV. Gratias agimus tibi V. Propter magnam gloriam VI. Domine Deus VII. Domine, fili unigenite VIII. Domine Deus, Agnus Dei IX. Qui tollis peccata mundi X. Qui sedes ad dexteram patris XI. Quoniam tu solus sanctus XII. Cum sancto spiritu
13. Laetatus sum, RV 607
14-22. Magnificat, RV 610A
I. Magnificat II. Et exultavit III. Et misericordia IV. Fecit potentiam V. Deposuit potentes VI. Esurientes VII. Suscepit Israel VIII. Sicut locutus IX. Gloria
23. Lauda Jerusalem, RV 609
Le Concert Spirituel; Hervé Niquet
Recorded: église Notre Dame du Liban, Paris, 2015

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Detalhe do teto da Chiesa della Pietà, igreja ao lado do Ospedale della Pietà (por Giambattista Tiepolo, 1754, poucos anos após a morte de Vivaldi)

Pleyel

1 comment / Add your comment below

Deixe um comentário