Nossa homenagem ao saudoso Ranulfus continuará, também, através da republicação de suas preciosas contribuições ao nosso blog – como esta, que veio à luz em 19/10/2013.
Mesmo que só 9 das 24 faixas tenham letra de Vinicius de Moraes, este álbum me parece perfeitamente adequado numa celebração do seu centenário: afinal, ele foi uma das pessoas de maior participação no universo que gerou este gênero de “poemúsica”, embora mais tarde tenha tenha estado envolvido com outros gêneros que se poderiam dizer “menos clássicos”.
Para registro: os outros letristas são, por ordem de quantidade: o próprio Tom (4); Chico Buarque e Newton Mendonça (3 cada); Aloysio de Oliveira (2); Ray Gilbert, Dolores Duran e Johnny Alf (1 cada). Quanto à música, é maciçamente de Tom Jobim (19), complementada por Carlos Lyra (3), Baden Powell e Johnny Alf (1 cada).
Mas, neste álbum, o que mais me instiga a comentar é a cantora mesmo – e começo por dizer que no geral não sou muito chegado a cantores/as de voz pequena e monotímbrica, que com muita frequência dão a impressão de uma voz “engolida”, além de não facilitarem a compreensão das palavras. E confesso que demorei a perceber, mas esse definitivamente não é o caso de Nara Leão!
Tenho a impressão de que se alguém quisesse mostrar o que uma melodia é e expressa em si, apenas em sendo melodia, sem lhe acrescentar nada com efeitos de dinâmica e timbre, não haveria voz melhor que a de Nara para isso. Também se quisesse apresentar a poesia verbal associada à melodia com absoluta inteligibilidade, e na expressão mais simples possível que ainda seja tocante.
Limpidez. Nitidez. Expressão dosada em miligramas, que – uma vez o ouvido desiste de esperar arroubos e se conforma com o minimalista, o discreto – passa a parecer mais expressiva que aquela dosada em quilos. Uma sofisticação tão elevada que até parece absoluta simplicidade. Assim eu “ouvejo” o canto de Nara Leão desde que, aos 40 anos, um aluno de 17 ficou fascinado com a primeira gravação dela que ouviu, e me fez parar pra ouvir.
Por isso tenho esse canto na conta de clássico, num certo sentido no termo – e por isso também me parece especialmente chocante a pouca atenção que o país vem dando ultimamente a Nara, mais valorizada hoje em gravações e em páginas da net de outros países, de modo que não me parece supérfluo relembrar um pouquinho da sua vida e carreira.
Nara estaria com 71 anos se um câncer não nos a tivesse roubado aos 47 ( e “no-la” é a pqp, senhores puristas!). Nascida precisamente na cidade de onde escrevo (Vitória, ES) mas criada no Rio, aos 14 a garota começou a ter aulas de violão – e os pais tiveram o bom-senso de não recusar acolhimento ao pessoalzinho que começou a visitá-la pra papear e fazer som. Diz a lenda que foi no apartamento da adolescente Nara que a bossa nova nasceu. Na verdade não foi só lá… mas que ele fez sua contribuição significativa, isso fez.
Nara gravou pela primeira vez aos 19, em 1961 – e logo depois abraçou com paixão a política de esquerda, e a arte como instrumento dessa política, tornando-se “a musa da canção de protesto”, sobretudo a partir de 1964. Com tudo o que aconteceu nos anos seguintes, não é de estranhar que em 1971 estivesse em Paris, como “tanta gente que partiu” – isso quando não foi partida. E foi em Paris que gravou esta espécie de tributo aos primeiros anos da bossa nova, comemorativo também dos seus 10 anos de carreira – e em seguida parou de gravar por seis anos, dedicando-se “apenas” a cuidar dos filhos e a um doutorado em psicologia – até ficar sabendo, aos 35, que tinha um tumor cerebral. Reagiu como? Voltando a gravar e a se apresentar com afinco, como se quisesse deixar o mais que pudesse de coisas bonitas no mundo, nos doze anos que ainda viveu. Como se vê, não foram só as melodias que Nara soube percorrer com uma espécie de… grandeza sutil.
As primeiras 12 faixas do álbum são só de voz e violão (a primeira com um efeito um tanto estranho de playback, que parecia estar na moda explorar), enquanto as demais 12 trazem arranjos camerísticos, jamais desrespeitosos do volume da voz de Nara, assinados por Roberto Menescal, Luiz Eça e Rogério Duprat. Com o detalhe: voz e violão foram gravados em Paris, os demais instrumentos (inclusive um cravo!) no Brasil.
Querem saber de uma coisa? Frente a uma artista tão minimalista e sutil, já estou falando demais. Deixo-vos é com a própria.
Nara Leão: Dez Anos Depois (1971)
Disco 1, lado A
01 Insensatez (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
02 Samba de uma nota só (Tom Jobim – Newton Mendonça)
03 Retrato em branco e preto (Tom Jobim – Chico Buarque)
04 Corcovado (Tom Jobim)
05 Garota de Ipanema (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
06 Pois é (Tom Jobim – Chico Buarque)
Disco 1, lado B
07 Chega de saudade (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
08 Bonita (Tom Jobim – Ray Gilbert)
09 Você e eu (Carlos Lyra – Vinícius de Moares)
10 Fotografia (Tom Jobim)
11 O grande amor (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
12 Estrada do sol (Tom Jobim – Dolores Duran)
Disco 2, lado A
13 Por toda minha vida (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
14 Desafinado (Tom Jobim – Newton Mendonça)
15 Minha namorada (Carlos Lyra – Vinícius de Moraes)
16 Rapaz de bem (Johnny Alf)
17 Vou por aí (Baden Powell – Aloysio de Oliveira)
18 O amor em paz (Tom Jobim – Vinícius de Moraes)
Disco 2, lado B
19 Sabiá (Tom Jobim – Chico Buarque)
20 Meditação (Tom Jobim – Newton Mendonça)
21 Primavera (Carlos Lyra – Vinícius de Moraes)
22 Este seu olhar (Tom Jobim)
23 Outra vez (Tom Jobim)
24 Demais (Tom Jobim – Aloysio de Oliveira)
Ranulfus
[restaurado por Vassily em 23/3/2023 como saudosa homenagem ao mestre Ranulfus e ao Dia Internacional da Mulher]
Que beleza, Monge Ranulfus… uma postagem melhor que outra….
Já que não temos podido na quantidade (frequência), quando dá temos que caprichar na qualidade, né? rsrs
Muito obrigado
Muito obrigado (2).
Maravilhosa homenagem! Adorei, é verdadeira jóia…
Bela postagem, Monge Ranulfus, obrigado!
Avicena
Som de primeiro mundo! Excelente qualidade, Monge!
Será que foi o ‘joint stereo’?
Avicenna
A fonte declara ter convertido (com qualidade máxima) a partir da remasterização japonesa, que foi lançada em CD. Enviarei mais detalhes por outras vias!
Boa tarde. Tentei baixar e não consegui. Só consegui uma msg do Rapidshare, informando que o arquivo não existia(???).
MSG:
File not found – 404
12730AE43816B477FBCE3BDDA69458A6?t=1381845187&l=es
Um abraço,
Raul.
Espero que não tenham “fulminado” rapidamente a postagem no Rapidshare – mas você não tentou o servidor 2, que é no novo Mega ?
Acabo de acessar o arquivo no Rapidshare por este link:
https://rapidshare.com/share/12730AE43816B477FBCE3BDDA69458A6 . Será que você não incluiu alguma letra a mais, ou algo assim?
Oi! É que ontem tentei baixar alguma coisa pelo Rapidshare e já estava me bloqueando (ou não só a mim). Por isso, hoje, tentei fazer o download por eles, para ver se já estava disponível ou não. Daqui a pouco voi tentar fazer pelo “novo Mega”. Pode ser problema meu (computador, software etc).
Depois comento.
Abraço,
Raul.
Boa tarde (enquanto tem luz da rua)! Culpa minha!!! Eu já estava com a versão do Opera next e ainda usava o Opera… Quando exigiram que eu usasse o Opera next que eu fui me dar conta da mancada. Mas baixei o de Tom Jobim, pelo Mega. Super rápido (pelo menos pra mim), 15 minutos. Agora vou tentar baixar o outro LP (ou seria CD?), pelo Rapidshare. Espero não sofrer muito com o tempo de download…
Abraços (e torcida!),
Raul.
Oi Raul, não há dois arquivos diferentes: o pacote que está em cada servidor é o mesmo, é uma opção por segurança: se um pifar, esperamos que o outro não.
Em outras palavras: as 24 faixas estão num arquivo só. Na listagem, aparecem divididas em “disco 1” e “disco 2” por razões documentais, pois o pacote era dividido assim na edição original em vinil, de 1971 – que temos todas as razões para considerar histórica.
Oi, Ranulfo. Desculpa a demora em responder; a confusão por aqui foi grande.
Quanto aos “dois discos”, não existiu confusão. Eu sabia que eram discos diferentes e, cada um, disponibilizado num “provedor” de download diferente. O primeiro foi tranquilo (Tom e Baden), o problema foi o segundo (dos Exús). Com o Opera next lidei durante horas e sempre travava e saia do ar quando chegava perto dos 77 a 80% convertidos. Depois de horas, passei para o Chrome e aconteceu a mesma coisa. Só não desisti porque eu ainda tinha o Mozilla, de reserva. Aí funcionou.
Até agora não entendi onde estava o problema. Trabalhei mais de 40 anos nessa área (informática), mas não com esses processos, claro; e não tinha visto esse tipo de coisa. Talvez um registrador que alguns usem e outros não. Sei lá.
O que interessa é que acabou funcionando.
Obrigado pela postagem desses dois exemplares de nossa música (não tão atual, mas, para mim, bem melhores do que a maioria do que toca por aí).
Boa noite,
Raul.
valeu demais. grato como sempre.
Caro Monge e colega pequepiano,
Assoberbado que estou com essa tal qualificação, quero apenas fazer-me constar e fazer-lhe as reverências!
Linda postagem!
Bis
SÓ PRA DIZER OBRIGADO…
Putz que los páreo!
Formidável!
A divisão dos canais é impressionante e a qualidade da música não tem o que discutir.
Parabéns, parabéns mesmo!
sempre gosto dos textos e mais um muito bom.
ia destacar parte de seu texto e a sua realidade que me deixou em paz!
importante eh que valeu por tudo.
obrigado!
Obrigado pela postagem, afinal de contas, música clássica é a melhor música de um época!
olá, obrigado pelo magnífico disco da Nara, uma das nossas maiores intérpretes. aproveito para perguntar se vcs não têm um disco dela que só foi lançado no exterior, cujo título é “The cloudy side of Nara Leão”. em caso positivo, seria maravilhoso se o postarem aqui. grato. um grande abraço.
Também não curto vozes fracas.Mas a Nara conseguiu fazer uma revolução musical com apenas um fio de voz.
Ótimo texto! Uma pequena correção: ela não fez doutorado em psicologia, mas, sim, graduação. Abçs
Muito obrigado.
Muito obrigado para esta gravação rara.
Adoro esse disco e tenho LP. Maravilha sua iniciativa de divulgar mas só uma correção quando você diz : “(a primeira com um efeito um tanto estranho de playback, que parecia estar na moda explorar) (….)” Na verdade é o contracanto da Tuca, que toca o violão no primeiro LP como vc diz. Tuca era excelente cantora e seu “Drácula I love you” (Som livre, 1974) é uma obra prima. Abraço