Ao mudar o nome de uma de suas composições – originalmente 8’37”, em homenagem aos 4’33” de John Cage – para homenagear as vítimas da bomba de Hiroshima, Penderecki não podia imaginar que essa obra faria dele uma celebridade internacional. Pouco depois, em 1961, a obra receberia um grande prêmio da UNESCO, não só por méritos musicais mas também pelo caráter pacifista que a composição adquiriu. Penderecki explicava que, da primeira vez que ouviu a composição ser tocada, ficou impressionado com o impacto emocional e resolveu alterar o nome para Trenódia para as vítimas de Hiroshima. Na Grécia antiga, uma trenódia (do grego antigo θρῆνος / thrênos, de θρέομαι / thréomai, “gritar com força”) era um lamento fúnebre nos funerais, antes de se tornar um estilo literário.
A Trenódia é escrita para orquestra de cordas, em uma linguagem extremamente inovadora, usando algumas técnicas que à época eram comuns na música eletroacústica, mas que Penderecki adapta para instrumentos tradicionais. Os 24 violinos são divididos em quatro grupos; as dez violas, em dois, assim como os dez violoncelos e os oito contrabaixos. Uma linha em zigue-zague mostra a ordem de entrada de cada grupo. O compositor também explica que, em seus anos de formação, “tudo começou com o violino, quando criança eu sempre sonhei em me tornar um virtuoso do violino. Foi o violino, não o piano, que me inspirou em minhas primeiras peças… Eu escrevo sobretudo música para cordas, elas são onipresentes na minha criação.”
Semitha Cevallos nos traz mais algumas direções para navegarmos nesse universo: Penderecki alcançou riqueza de invenção nas cordas, criando maneiras de tocar totalmente novas. Ao lado de técnicas já conhecidas como arco e pizzicato, ele fez uso de vários tipos de vibratos rápidos e lentos. Utilizou também as conhecidas técnicas como legno battuto, col legno e sul ponticello, que eram pouco empregadas até então. Os instrumentos e cordas na obra de Penderecki são utilizados como percussão, pois utilizam o arco e as mãos para obter efeitos percussivos ao tocar as cordas e todo o corpo do instrumento. Outras inovações são as observações como “alcançar a nota mais aguda possível de dado instrumento, pela pressão da corda perto do arco”, “bater no corpo do violino, arranhando o estandarte”.
A proximidade com a música eletroacústica pode ser percebida na notação musical: Penderecki trouxe para a música instrumental a grafia da música eletroacústica. Para as notas, o compositor utiliza retângulos e triângulos, fazendo menção aos clusters e glissandos. Ao ouvir a música de Penderecki e de outros sonoristas, percebe-se a liberdade de expressão da obra e a forte carga emocional contida na sonoridade descoberta pelos poloneses. […] Era uma maneira de dizer aos comunistas que a Polônia era livre das diretrizes impostas e de mostrar que eles podiam fazer o que pretendiam no âmbito musical.
O pano de fundo histórico do século XX nos ajuda a entender a explosão de música inovadora na Polônia nas décadas de 1950 e 60, mais precisamente após 1956: naquele ano, após a morte do primeiro-ministro stalinista Bolesław Bierut, seguiu-se um período de maior liberdade artística e de mais intercâmbio de ideias com outros países. Não custa lembrar que o ministro da cultura polonês no período anterior a 1956, após a estreia da 1ª Sinfonia de Lutoslawski, havia declarado que um compositor como ele deveria ser atropelado por um bonde. Ou seja, após se livrarem daqueles burocratas e militares que pretendiam ditar qual era a música correta para a pátria, poloneses como Lutoslawski, Górecki e Penderecki viveram um período de grande efervescência cultural. Como relata o compositor cubano Leo Browuer, o Outono de Varsóvia era um dos festivais de vanguarda mais importantes do planeta, onde circulavam lado a lado obras de Bacewicz, Berio, Cage, Khachaturian, Messiaen, Penderecki, Shostakovich e Stockhausen .
Segundo a já citada Semitha Cevallos, a partir dos anos 1960 características da vanguarda polonesa apareceram nas obras para orquestra e/ou coral de vários compositores brasileiros, como Almeida Prado (Pequenos Funerais Cantantes, de 1969), Claudio Santoro (Interações Assintóticas, de 1969) e Edino Krieger (Canticum Naturale, de 1972, Três Imagens de Nova Friburgo, de 1988).
Sidney Molina, na Folha de SP, afirmou que mesmo quando radical e experimental, sua arte gélida parece exercer uma inesperada atração sobre o público. Há uma autenticidade em Penderecki, que combina com o olhar triste e os passos pesados com que se dirigia ao centro do palco para reger. Talvez por isso sua música tenha sido tão bem-sucedida no cinema, o que inclui a utilização em trilhas de clássicos como “O Exorcista”, de 1973, e “O Iluminado”, de 1980. Ao longo de muitas décadas ele alternou a composição com a regência, chegando a dirigir 60 concertos por ano em todos os continentes. Esteve muitas vezes na América do Sul, tendo sido próximo do compositor argentino Alberto Ginastera.
O CD lançado pela Filarmônica de Londres em 2020, além da Trenódia, tem outra peça para cordas: um Adagio publicado originalmente como parte da 3ª Sinfonia, para grande orquestra (1995) e depois adaptado pelo compositor para orquestra de cordas (em 2013). Para Penderecki, como explica o libreto do CD, não há problema algum em se tocar um movimento avulso de uma sinfonia. Desde o começo, esse Adagio lembra o Adagietto da 5ª de Mahler, outro movimento de sinfonia que de certa forma ganhou vida própria. Não é possível afirmar que se trate de uma homenagem ou paródia de Mahler, mas sem dúvida este Adagio de Penderecki pertence à mesma família daquele Adagietto.
Dos dois concertos, gostei mais do mais recente, para trompa (2008), que consegue utilizar o instrumento solista não só da forma solene que é mais comum, mas também em orquestrações com outros metais de formas cômicas que lembram Prokofiev e Shostakovich. O 1º concerto para violino (1977) é mais sério, de certa forma impregnado da seriedade de outras obras de Penderecki como a Trenódia (1960), a Paixão Segundo São Lucas (1966) ou o Credo (1998).
Krzysztof Penderecki (1933-2020): Trenódia para as vítimas de Hiroshima / Concerto para trompa e Concerto para violino nº 1 / Adagio para cordas
1. Horn Concerto ‘Winterreise’ (17:31)
2. Adagio For Strings (11:37)
3. Violin Concerto No. 1 (40:25)
4. Threnody For The Victims Of Hiroshima (8:56)
London Philharmonic Orchestra
Recorded live at the Royal Festival Hall, London, 2013 (3) and 2015 (1-2, 4)
Conductor – Krzysztof Penderecki (1-2, 4)
Conductor – Michał Dworzynski (3)
Horn – Radovan Vlatković (1)
Violin – Barnabás Kelemen (3)
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Pleyel