.: interlúdio :. Gilberto Gil ao vivo na USP 1973 (bootleg)

As postagens deste blog são agendadas com alguns dias de antecedência. Após o épico dia 30 de outubro de 2022, não teremos palavras nossas. Deixo vocês com as palavras de Gilberto Gil há quase 50 anos. Naquela época muito distante, a polícia torturava e matava gente. Dois meses após a morte de um estudante da USP, o clima não era leve. Gilberto Gil foi procurado pelos estudantes para tocar de improviso, de graça, antes do show que faria à noite em um teatro paulista. Só com voz e violão, a maneira de João Gilberto e Jorge Ben, Gilberto Gil se soltava mais do que com banda, incorporava várias vozes, inclusive aquelas que estavam lá pra calá-lo. Essa edição não oficial (bootleg) inclui, além da música, as longas conversas com o público. Adicionamos algumas cores abaixo para diferenciar as diferentes vozes/personagens.

São Paulo, 26 de maio de 1973

[Gilberto Gil no bis, quando canta Cálice pela 2ª vez após muitos pedidos da plateia:]

– Pai, afasta de mim esse cálice
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Deixa eu lançar um grito desumano

[Outra voz:] – Cale-se!

Que é uma maneira de ser escutado

–\\–

[Em ‘Oriente’, outra voz: canto sem palavras, cheio de intervalos microtonais como os de povos orientais que Gil certamente conheceu no exílio em Londres, do qual voltou em 72.]

[Voz de Gilberto Gil:] – Esse canto é o mesmo na Arábia Saudita. Nas terra maldita do Nordeste é o mesmo na Arábia Saudita.

[Terceira voz, séria:] – Cala a boca, rapaz.
Ah, esse cara já tá…
Acaba com isso, rapaz
Ah… você aí com esse negócio desse nhanhanha…
[…]
Que cara, que babaca, olha que palhaço… fica com esse nhénhénhé, tem nada do que ver, rapaz, isso aqui é o Brasil, rapaz, Ocidente. Civilização Ocidental, rapaz, industrial, tem nada que ver com isso não! Olha aí, rapaz, o som da gente é outro!
[….] Esse cara é doido mermo…
Vai pra Índia, entendeu… Isso aqui não é… Isso aqui é lugar de produtividade.

[Voz de Gilberto Gil:] – Mas na verdade é o mermo, o mermo lamento, o mermo canto de sofrimento.
Lá nas terra maldita do Norte
Nas terra maldita na Arábia Saudita

[Outra voz: canto sem palavras]

[Voz de Gilberto Gil:] – Se oriente, rapaz…

–\\–

[Após cantar Objeto sim, objeto não]

– Lendas e profecias, é a mesma coisa. As lendas têm caráter profético, elas muitas vezes podem já estar esgotadas no seu sentido profético, ou seja, são relativas a coisas já ocorridas, mas… outras vezes não, outras vezes as lendas são elas, em si mesmo, uma forma de ocultação, ou seja, uma forma [que] Nostradamus usava, pra não ser degolado como Giordano Bruno, pela fogueira da Inquisição, ele pegou e as coisas que ele achava que ele sabia, […] botou tudo em versos ocultos ali, e agora as pessoas pegam…

–\\–

– Pera aí que tem um rapaz aqui que quer fazer uma pergunta?

[Alguém da plateia, voz quase inaudível: … qual o papel do compositor?]

– É um problema muito pessoal, rapaz, depende muito… você quer dizer o seguinte, que existe um sistema, no qual as pessoas vivem, no qual existe a lei, no qual existem as barreiras todas, não é isso? E que o artista se vê na sua criação diante desses problemas todos, no Brasil se chama Censura, e que vai determinar o que é que é, no final é o que vai fazer a seleção, vai dizer qual é a música, qual é a arte que convém ao povo, e etc. etc. Quer dizer, mas isso é um critério pessoal, é um critério deles, quer dizer, não abrange de forma nenhuma a totalidade das coisas, haja vista no Brasil as manifestações que a gente tem frequentemente contrárias a esse tipo de atitude castrativa diante da música. Agora, isso o quê que é, isso é um problema da nossa sociedade, quer dizer, é uma das insinuações do sistema da forma que ele está hoje, no mundo, e a gente tem que enfrentar. […] procuro me comportar, sem me trair, cê tá entendendo? Quer dizer, eu procuro fazer o que eu acho que posso fazer, o que devo fazer, e tudo mais, e eu acho que o comportamento de cada um, que foi o que você perguntou no fim, “O quê que o compositor devia fazer, como ele devia se comportar”, eu não acho que deva haver padrão, cê tá entendendo? Um método, uma cartilha, uma regra para o comportamento do compositor, porque aí seria a merma coisa, seria fazer também uma censura né, do lado de cá, dizer: não, só o comportamento desse tipo é que é válido contra uma barreira qualquer, e acho que não… tem a corrida de obstáculos, o cara vem e pula por cima, o outro passa por baixo… [risos]

Gilberto Gil ao vivo na Escola Politécnica da USP, 1973:
Oriente (Gilberto Gil)
Apresentação (Gilberto Gil)
Chiclete Com Banana (Gordurinha/Almira Castilho)
Minha Nega na Janela (Germano Mathias/Doca)
Senhor Delegado (Antoninho Lopes/Jaú)
Eu Quero um Samba (Haroldo Barbosa/Janet de Almeida)
Meio de Campo (Gilberto Gil)
Cálice (Chico Buarque/Gilberto Gil)
O Sonho Acabou (Gilberto Gil)
Ladeira da Preguiça (Gilberto Gil)
Expresso 2222 (Gilberto Gil)
Procissão (Gilberto Gil)
Domingo No Parque (Gilberto Gil)
Umeboshi (Gilberto Gil)
Objeto Sim, Objeto Não (Gilberto Gil)
Ele e Eu (Gilberto Gil)
Duplo Sentido (Gilberto Gil)
Cidade do Salvador (Gilberto Gil)
Iansã (Gilberto Gil/Caetano Veloso)
Eu Só Quero um Xodó (Dominguinhos/Anastácia)
Edith Cooper (Gilberto Gil)
Back In Bahia (Gilberto Gil)
Filhos de Gandhi (Gilberto Gil) [inclui: Afoxé (Dorival Caymmi) e Oração de Mãe Menininha (Dorival Caymmi)]
Preciso Aprender a Só Ser (Gilberto Gil)
Cálice (Chico Buarque/Gilberto Gil)

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE

Em Buenos Aires. Qualquer semelhança é mera coincidência…

Pleyel

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