Chopin (1810-1849): 24 Estudos, 2 Baladas, 2 Polonaises etc. – com afeto e sem afetação: o milagre de Santa Guiomar Novaes, II

Publicado originalmente em 29.04.2010

Calma, calma, já vai o CD3, com os Estudos, e mais uma coletânea com peças diversas.

É preciso lembrar que Guiomar já tinha 54 anos quando os LPs de vinil de 33 rotações “pegaram” (1948). Os dois CDs postados ontem, mais o primeiro de hoje, integram o álbum triplo mostrado na postagem anterior. Já o segundo CD de hoje é a coletânea de obras gravadas quando ela tinha mais de 70 anos, lançado em LP com o título “Her favorite Chopin”. Naqueles anos 1960, Novaes gravou menos que na década anterior: além dessas peças de Chopin selecionadas a dedo, também três sonatas de Beethoven (Vanguard) e a Barcarolle de Chopin com uma seleção de Liszt e Debussy (Decca).
Além de quatro obras famosas e de grande escala, Polonaises e Baladas, Guiomar também escolheu dois estudos (que já apareceram no álbum dos anos 50 e ela regravou aqui com andamentos um pouco mais lentos e melhor qualidade de gravação) e duas obras curtas, uma do jovem Chopin e uma do “velho” Chopin no fim da vida aos quase 40 anos. As 3 Ecossaises são danças curtas e alegres que lembram as Valsas. E a Berceuse (francês para “canção de ninar”), de 1844, é uma peça lírica e calma típica do último estilo de Chopin, o da Barcarola e dos últimos noturnos, estilo cheio de ornamentos, cromatismos e sutilezas harmônicas inovadoras.

Como vocês devem estar notando, estamos empreendendo a revalidação do que temos de Guiomar Novaes aqui. São oito postagens – mais ainda nos faltam algumas de suas gravações mais importantes, como a integral dos Prelúdios de Chopin, o Concerto de Schumann e, de Beethoven, o Concerto “Imperador”. Se alguém dos leitores tiver essas gravações ou pistas delas, serão mais que bem vindas! [Texto de 2010. Os Concertos foram postados em 2020, clique nos links]

E que tal uns flashes dessa personalidade decididíssima disfarçada de pessoa pacata que foi Mme. Novaes?

Antes de mais nada, não é lenda nacionalista a história de que Debussy, embasbacado, lhe pediu que repetisse a 3.ª Balada de Chopin (faixa 1 do 2.º CD de hoje) no seu exame de ingresso no Conservatório de Paris, com 15 anos.

No mesmo dia ele escreveu a um amigo: “Eu estava voltado para o aperfeiçoamento da raça pianística na França…; a ironia habitual do destino quis que o candidato artisticamente mais dotado fosse uma jovem brasileira de treze anos [sic]. Ela não é bela, mas tem os olhos ‘ébrios da música’ e aquele poder de isolar-se de tudo que a cerca – faculdade raríssima – que é a marca bem característica do artista …” (Carta de Debussy a André Caplet em 25.11.1909)

A Guerra de 1914-19 afastou Guiomar da Europa, e o principal de sua carreira acabou acontecendo nos EUA. Lá, em março de 1939 uma revista especializada registrou uma “conference” ministrada por Guiomar onde se lê:

“Para mim, é importante que o estudante tenha a oportunidade para desenvolver-se simples, normal e naturalmente num ser humano completo, que compreenda e aprecie a significação da verdade e do belo. Dessas coisas, em última análise, é que deve resultar um impulso para a Música. Do contrário, esta será pouco mais do que uma ginástica de dedos, uma máquina bem exercitada, mas sem alma. Toque com seus dedos e seu cérebro, mas cante com sua alma.” (Guiomar teria lido Schiller, as “Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade”?)

Enfim: queria descobrir o que tem a cidadezinha de São João da Boa Vista, na divisa de SP com MG, pra produzir tanto artista dos grandes: a Guiomar, as feras do violão Sérgio e Odair Assad (e sua irmã Badi), a poeta Orides Fontela (1940-1998), quem mais?… E esta última, dois anos antes de morrer (no volume Teia) pareceu ecoar a fala de Guiomar:

Nunca amar
o que não
vibra

nunca crer
no que não
canta

.
“Guiomar Novaes plays Chopin” (conclusão)
CD 3: integral dos ESTUDOS

01 Etude 1 in C major, op.10, nº 1
02 Etude 2 in A minor, op.10, nº 2
03 Etude 3 in E major, op.10, nº 3
04 Etude 4 in C# minor, op.10, nº 4
05 Etude 5 in Gb major, op.10, nº 5
06 Etude 6 in Eb minor, op.10, nº 6
07 Etude 7 in C major, op.10, nº 7
08 Etude 8 in F major, op.10, nº 8
09 Etude 9 in F minor, op.10, nº 9
10 Etude 10 in Ab major, op.10, nº 10
11 Etude 11 in Eb major, op.10, nº 11
12 Etude 12 in C minor, op.10, nº 12, “Revolutionary”
13 Etude 13 in Ab major, op.25, nº 1, “Harp”
14 Etude 14 in F minor, op.25, nº 2
15 Etude 15 in F major, op.25, nº 3
16 Etude 16 in A minor, op.25, nº 4
17 Etude 17 in E minor, op.25, nº 5
18 Etude 18 in G# minor, op.25, nº 6
19 Etude 19 in C# minor, op.25, nº 7
20 Etude 20 in Db major, op.25, nº 8
21 Etude 21 in Gb major, op.25, nº 9, “Butterfly’s Wings”
22 Etude 22 in B minor, op.25, nº 10
23 Etude 23 in A minor, op.25, nº 11, “Winter Wind”
24 Etude 24 in C minor, op.25, nº 12
Piano: Guiomar Novaes (1894-1979)
Gravado na década de 1950, gravadora VOX

BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – FLAC
BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – MP3

Sim, foi lançado também em fita cassette

“The Art of Guiomar Novaes” ou “Her Favorite Chopin”
01 Ballade No. 3 in Ab major op.47
02 Polonaise in Ab major op.53, ‘Heroic’
03 Berceuse op. 57
04 Etude in G flat major op.25 nº 9, ‘Butterfly’
05 Etude in G flat major op.10 nº 5, ‘Black Keys’
06 Ballade No. 4 in F minor op.52
07 Polonaise in F sharp minor op.44
08 Three Ecossaises op.72
Piano: Guiomar Novaes (1894-1979)
Gravado na década de 1960, gravadora Vanguard Records

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BAIXE AQUI – DOWNLOAD HERE – MP3

Foto de quando a assinatura de Guiomar exibia o “Pinto” de seu marido, digitalizada (a foto!) pelo Instituto Piano Brasileiro

Ranulfus (2010) / Pleyel (2022)

12 comments / Add your comment below

  1. Parabéns de novo. Quanto mais Guiomar, melhor. Quem a viu de perto (desgracadamente, eu só cruzei com ela num corredor do Municipal, ela já não tocava mais) viu como era firme e delicada. Quanto a Sâo João, queria acrescentar meu amigo e mestre Davi Arrigucci Jr., um dos maiores da literatura do Brasil

  2. Caraca!!!
    Ranulfus, tiro meu chapéu. Tudo que você disse no outro post é a mais plena verdade. Ainda estou viajando com o que ouví e ja estou baixando os cd’s de hoje.
    Que posso dizer? Nunca vi um Chopin tocado dessa forma.Depois de ouvir Guiomar o resto é mecanica.É de dar arrepios.

    1. Pois é, cara… Não parece outro compositor?

      E sendo que a maior de todas as sofisticações da Sra Novaes foi ter conseguido manter a simplicidade enquanto o tocava, não é de suspeitar que ela tenha deixado transparecer mais?

      Ou seja: insiste aqui comigo a hipótese de que tenha sido a médium brasileira Guiomar quem conseguiu fazer contato “com o verdadeiro Chopin”, não como quem diz “o produto autêntico”, mas sim no sentido de “a voz (expressão)de uma pessoa.”

      E se isso for verdade, então nosso caro Frederico era uma pessoa humana muito mais substanciosa e profunda que o afrescalhado superficial que nos pintaram! (Sem nenhuma discriminação aqui contra orientações sexuais, mas sim com certa aversão “pós-conceituosa” contra personalidades levianas)

      E, ainda por cima, aí dá pra dizer que o fdp do Carpeaux tinha razão! 😀

  3. Comprei, ha um tempo, guiomar novaes tocando o quinto concerto de Beethoven -, regido por Klemperer, apenas. Incrivel. Fiquei boquiaberto, embasbacado, incredulo, perplexo. A mulher toca demais… nao sei como (imagino que usando os pedais), guiomar consegue mudar o timbre do piano. É um efeito belissimo.
    Ha tempos que procurava o Chopin dela… Muitissimo obrigado. Muito mesmo.

    1. Sim, sim, Eduardo, essa gravação do 4.º é considerada antológica, e é “um arraso”. As últimas notas do segundo movimento – eu quase disse “sílabas”! – murmuradas, cada uma com seu peso e timbre diferentes, terminando tão sutil que se fica na dúvida se a nota foi ouvida ou imaginada… são das coisas mais belas que já vi algém extrair de um piano.

      E, sim, ela usa muitíssimo o pedal esquerdo, que desloca os martelos de modo que eles passam a atingir só uma corda em lugar de três. E aí o som vira um veludo.

      Mas hoje os virtuoses quase não o usam: consideram parte do virtuosismo mostrar que conseguem extrair pianíssimos sem isso. Mas não era só uma questão de volume, e sim de coloração, de timbre. Possibilitava mostrar a mesma paisagem sob luz solar (três cordas) ou lunar (uma corda)…
      E sabe o que eu acho, honestamente? Que essa rejeição atual ao pedal esquerdo é tirar a música do centro de cena para colocar a própria personalidade – ou melhor: personagem, fabricada para venda…

      ENFIM: tenho essa maravilhosa gravação em vinil. Se você tem em CD, será que não topa compartilhar com a gente? Sobre os “comos”, podemos conversar por email, se você topar!

    1. Tentei contato com você por email ontem à noite, Eduardo (quinta 29/04, às 21:33). Se você não recebeu, vamos tentar de novo.

      Esclareço: quando você posta um comentário, o autor do post o recebe com o email que você usou para postar. Isso propicia o contato em privado quando necessário. No seu caso tratava-se de um hotmail. Se preferir que eu escreva para outro, o jeito é usar esse outro na postagem.

      Além disso, você deve ter reparado que todos usamos pseudônimos neste espaço, e portanto talvez o email que você receber venha com outro nome de remetente. Você precisará reconhecer pelo assunto.

      Mais uma coisa: fui verificar o meu vinil do 4.º de Beethoven, e é Guiomar com Hans Swarowsky à frente da orquestra Pro Musica de Viena. Você falou de Klemperer. Será outra gravação, ou um engano?

      Abraços… “no aguardo”!

  4. Eu tenho a gravação do Beethoven 4 da Guiomar com o Klemperer. É realmente sobrenatural.

    E esse Chopin dela… que pureza… que simplicidade… muitos pianistas têm paixão pela música, têm atração. Mas a Guiomar tem amor, sincero e puro.

  5. DVD Infinitivamente Guiomar Novaes

    O filme Infinitivamente Guiomar Novaes de Norma Bengell, e o livro Guiomar Novaes –
    Uma arrebatadora historia de amor, de Maria Stella Orsini, não so preenchem uma lacuna
    na historia da cultura brasileira, como tornam o nome de Guiomar Novaes mais conhecido
    pelo povo que ela tanto amava.
    Ao revelarem uma artista tão plena, as autoras buscam resgatar, das sombras do esquecimento
    aquela que foi considerada uma das mais extraordinárias entre os maiores pianistas de todos
    os tempo.
    Não se pode escrever a historia da música no Brasil, sem lembrar o nome de Guiomar tão
    exaltado no exterior, mas tão pouco reconhecido entre nós.
    Durante 71 anos, numa longa carreira de sucessos, ela se destacou pelo estilo requintado
    e por sua elegancia despretensiosa, favorecidos por uma tecnica magistralmente dominada
    e pelo mais perfeito entendimento da linguagem musical. Tudo isso aliado a um imcomparavel
    som cantante e uma ilimitada riqueza de efeitos de sonoridade que encantaram varias gerações
    . Guiomar é uma pianista que surpreende pela originalidade criadora em suas interpretações.
    Que o publico brasileiro deste milenio que se inicia redescubra esta artista maior e se
    encante com o cantar de sua alma em seus dedos mágicos

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