Rachmaninov é daqueles compositores que despertam admiração ou indiferença. Há quem goste de seu romantismo tardio, do seu estilo incomum. Seus concertos para piano, certamente, são sua carta de apresentação. São difíceis. Complexos. Sofisticados. Rach fez fama com eles. Eu, particularmente, gosto de suas composições orquestrais, principalmente das três sinfonias. Sempre que escuto seus trabalhos orquestrais fico com a impressão de que estou caminhando numa noite fria e estrelada. Seus críticos sempre apontaram para esse efeito melancólico, monótono, com melodias artificiais. Do alto de minha simplicidade, não entendo as coisas dessa forma. Prefiro pensar em uma escolha estética por parte do compositor.
Neste disco, acredito que tenhamos uma boa oportunidade para conhecer um pouco do seu mundo singular, plácido, como um lago gelado. Sob a regência de Lorin Maazel ainda no início dos anos 80, temos dois trabalhos de grande importância – a “Sinfonia nº 3” e a famosa e invulgar “Danças Sinfônicas”, um dos seus mais maduros e conscientes trabalhos. A “Sinfonia nº 3” foi escrita nos anos de 1935 e 1936, no período em que o compositor se encontrava feliz, próximo ao lago de Lucerna, na Suíça. Estreou em 1936, sob a regência de Leopold Stokowski. Desde a primeira execução, dividiu opiniões: há quem goste dela (opinião mais corriqueira nos dias de hoje) e houve quem a achasse “uma decepção”. Rachmaninov, por sua vez, possuía um carinho especial por esse trabalho. Talvez, essa impressão fosse resultado do período em que esteve feliz entre lagos cristalinos e as paisagens inefáveis da Suíça. O trabalho revela o estilo empregado pelo compositor na fase final de sua vida. Há uma preocupação com certos timbres e um notável emprego de detalhes do mundo russo, o que torna as suas composições em algo muito peculiar.
“Danças Sinfônicas” é considerada a última obra de Rachmaninov. Talvez, seja obra em que mais ele derramou reminiscências e lirismo. É uma obra cuja sofisticação orquestral está permeada pela saudade. Nota-se a presença intensa de temas russos, ligados à tradição de sua terra. A obra foi escrita em 1940 e, embora vivesse tranquilamente nos Estados Unidos, a Europa estava sendo abalada pela Guerra. Uma das filhas de Rachmaninov se encontrava na França, que estava sob a iminência de invasão pelos alemães. Estes elementos, certamente, influíram nos motivos de composição do trabalho. Rachmaninov atribui grande importância aos metais ao longo da obra. As melodias são evocativas. Ficam a oscilar, fazendo reviver insinuantes tragos nostálgicos. O segundo movimento é, sem sombras de dúvida, raveliano. Nota-se a influência de “La Valse”, do compositor francês. A parte final do trabalho insinua-se de forma poderosa, sofisticada. Os timbres são explorados habilidosamente, criando uma experiência emocional bastante impactante.
Podemos afirmar que é um belíssimo disco, mesmo com todas as críticas ao compositor. É importante conhecer a sua música com fortes pendores emocionais. Sua nostalgia gelada provoca bem-estar em mim. Deve ser, por isso, que sempre volto de forma humilde e reservada para caminhar com as mãos nos bolsos nas noites frias e estreladas da música de Rachmaninov.
Sergei Rachmaninov (1873-1943) –
Symphony No. 3 in A minor, Op. 44
01. I. Lento – Allegro moderato – Allegro
02. II. Adagio ma non troppo – Allegro vivace
03. III. Allegro – Allegro vivace
Symphonic Dances, Op. 45
04. I. Non allegro
05. II. Andante con moto (Tempo di valse)
06. III. Lento assai – Allegro vivace – Lento assai come prima
Berliner Philharmoniker
Lorin Maazel, regente