Se deixamos o Bartók do segundo quarteto no final da I Grande Guerra, assistindo ao colapso do mundo austro-húngaro em que crescera, nós o reencontramos a compor o quarto quarteto, em 1928, numa Hungria que ressurgia como nação e vivia suas dores de crescimento em outra de suas tantas décadas conturbadas, colorindo-se de fascismo depois de abraçar brevemente o comunismo.
Béla, entretanto, tinha voltado a uma situação confortável: radicado em Budapest, lecionava piano da Academia de Música Franz Liszt e estava de volta às expedições etnomusicológicas tão queridas a ele, nas quais dividia rumos e experiências com seu grande amigo Zoltán Kodály. Separado de Márta, mãe de de seu filho Béla Bartók, o Terceiro (pois o Primeiro foi o pai do compositor), vivia agora com a pianista Ditta, que fora sua aluna de piano e que ficaria a seu lado até seus últimos dias.
Depois da, assim a chamo, explosão radical de seu conciso quarteto anterior, Bartók compôs um expansivo tour de force em que parece querer testar as capacidades do conjunto de instrumentistas. No quarteto no. 4, o compositor instiga os intérpretes a atacarem as cordas tanto com a crina quanto com a madeira do arco (col legno); a beliscá-las e mesmo lançá-las contra os braços dos instrumentos (pizzicato); a fazerem-nas cantar anasaladas pela surdina, ou gemer pela estridente fricção do arco perto da ponte (sul ponticello). Some-se a todos esses truques o uso generoso dos glissandi, e nada resta a reclamar sobre exploração timbrística. Ela, no entanto, é apenas parte da riqueza dessa obra-prima: as tramas sonoras baseadas em motivos curtos, as harmonias dissonantes e ritmos impetuosos têm um frescor improvisatório que em parte ofusca a engenhosa concepção da obra. Nas raras palavras do próprio Bartók, que pouco se dedicava a explicar suas criaturas:
A obra é em cinco movimentos; seu caráter corresponde à clássica forma da sonata. O movimento lento é o cerne da obra; os outros movimentos são, por assim dizer, arranjados em camadas em torno dele. O movimento IV é uma variação livre do II, e o I e o V têm o mesmo material temático: ou seja, em torno do cerne (movimento III), metaforicamente falando, I e V são as camadas internas, e II e IV, as internas”
As “camadas externas” são frenéticas, repletas de dissonâncias e verve, e baseiam-se no mesmo motivo de seis notas. As “camadas internas” são dois scherzi que pegam um pouquinho mais leve – se é que se pode falar assim de peças que assaltam dessa maneira os sentidos – e se escoram em efeitos timbrísticos: o segundo, quase extraplanetário movimento é todo em surdina, enquanto o quarto é completamente executado em pizzicato, não só com a delicada técnica clássica do beliscar das cordas, como também com a indicação expressa de golpeá-las com tanta força que elas batam no braço dos instrumentos – efeito até então inusitado, e que se ficou celebrizou como “pizzicato Bartók”. O cerne, enfim, é um movimento lento à guisa de noturno, lírico como poucos outros na produção do compositor, e que respira a mesma atmosfera sonora do belíssimo Adagio da “Música para cordas, percussão e celesta”, de oito anos depois.
O resultado é, na minha desimportante opinião, o mais exuberante entre os seis quartetos e a maior obra-prima dessa extraordinária série. Seu efeito irresistível só cresce a cada nova audição: ao nos acostumarmos gradativamente à estranheza inicial trazida pelas dissonâncias e pelos modos incomuns, passamos a admirar a nova, singular harmonia e o rigor formal, quase clássico, de mais essa cria do magiar genial.
Béla Viktor János BARTÓK (1881-1945)
Quarteto de cordas no. 1, Op. 7, Sz 40 (1908-1909)
1 – Lento – Attacca:
2 – Allegretto
3 – Introduzione. Allegro – Attacca:
4 – Allegro vivace
Quarteto de cordas no. 2, Op. 17, Sz 67 (1915-1917)
5 – Moderato
6 – Allegro molto capriccioso
7 – Lento
Quarteto de cordas no. 3, Sz 85 (1927)
8 – Prima Parte. Moderato – Attacca:
9 – Seconda Parte. Allegro – Attacca:
10 – Ricapitulazione della Prima Parte. Moderato
11 – Coda. Allegro molto
Quarteto de cordas no. 4, Sz 91 (1928)
1 – Allegro
2 – Prestissimo, con sordino
3 – Non troppo lento
4 – Allegretto pizzicato
5 – Allegro molto
Quarteto de cordas no. 5, Sz 102 (1934)
6 – Allegro
7– Adagio molto
8 – Scherzo: Alla bulgarese
9 – Andante
10 – Finale: Allegro vivace
Quarteto de cordas no. 6, Sz 114 (1939)
11 – Mesto – Più mosso, pesante – Vivace
12 – Mesto – Marcia
13 – Mesto – Burletta
14 – Mesto
Tátrai-vonósnégyes
Vilmos Tátrai e Mihály Szűcs, violinos
György Konrád,viola
Ede Banda, violoncelo
Gravado em 1966
Vassily
Estava morrendo de saudade do Blog! Quando vi, havia sumido! Que susto! Faz meses que procurava, onde teria ido parar!? Bom reencontrar o PQP! Estou muito feliz mesmo!
Nós tb ficamos felizes que tenhas nos reencontrado!
Um lampejo de luz voltou a brilhar nesse país trevoso! A boa música é um bálsamo!