Se Viena em 1810 estava uma baderna, imaginem então como estava a abadernada vida de Ludwig van Beethoven. Sem dinheiro, e com dificuldades de negociar a venda de suas obras, recorreu àquele velho golpe, que tantas vezes aqui apontamos, de requentar suas obras antigas e atingir novos editores. E se lhe faltava foco para as tarefas mais essenciais da vida, que se diria então das suas filigranas? Naturalmente, assim, o outrora meticuloso catálogo de suas composições publicadas também foi tragado pelo vórtex da zorra em que sua vida mergulhou. O resultado foi que Beethoven tocou o ficken Sie sich para seu próprio catálogo e acabou por publicar duas obras como Opus 81, o que levou a posteridade a considerar a sonata Lebewohl como Op. 81a, e o requentado sexteto para trompas e quarteto de cordas como o Op. 81b.
Requentado, sim, mas muito bom – e o jovem Ludwig, afinal de contas, sabia escrever para sopros. O sexteto foi provavelmente composto em 1795, nos seus primeiros anos em Viena, enquanto estudava com Haydn. Não se sabe em que circunstâncias, nem para quem foi composto. O fato de ter sido publicado, quinze anos depois, em Bonn pela firma de Nikolaus Simrock, que já publicara a sonata para violino e piano, Op. 47 (aquela que eu gostaria de chamar de “Bridgetower” mas tanta gente insiste em chamar de “Kreutzer”), talvez indique que ela foi escrita para conterrâneos do compositor. Talvez o próprio Simrock, nascido em Mainz, fosse o músico que Beethoven tivesse em mente: amigo do compositor desde os tempos em que tocaram juntos na orquestra do Eleitor de Colônia, na qual Simrock era trompista e Beethoven tocava viola (insira aqui sua piada de violista: _____________________), é muito plausível que ainda tivesse a capacidade de tocar uma das exigentes partes de trompa, que ficam ainda mais difíceis nos instrumentos sem válvulas daquela época. Qualquer que seja seu destinatário, este sexteto é a única obra de Ludwig na tradição da serenata-divertimento para sopros e cordas em que Mozart e Haydn foram tão prolíficos. Uma obra de Mozart, aliás – o quinteto para trompa e cordas, K. 407, na mesma tonalidade de Mi bemol maior -, é tão notavelmente semelhante ao sexteto que não parece haver muita dúvida de que ela foi a inspiração para a obra do renano. Escrita em três movimentos, diferentemente dos divertimentos, que costumavam ter mais de cinco, ele tem um caráter decididamente virtuosístico para as trompas, e a prescrição no frontispício da primeira edição – a de que um contrabaixo dobrasse a parte do violoncelo – sugere fortemente que o sexteto tenha o caráter dum miniconcerto para duas trompas, com um vibrante Allegro de abertura, um Adagio cantável, como um dueto de ópera, e um serelepe finale com toques emulando aqueles de trompa de caça. A saborosa obra, aqui, tem a companhia do famoso Septeto, Op. 20, que tanto lucro deu a Beethoven e que ficou tão famoso que o compositor chegou mesmo a renegá-lo, aborrecido com seu sucesso que, a seu ver, ofuscava obras suas bastante melhores. A interpretação é do Gaudier Ensemble, um conjunto de distintos instrumentistas de algumas das melhores orquestras europeias, com o sempre ótimo som da Hyperion garantindo o prazer e a fidelidade da experiência aural.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Septeto em Mi bemol maior para violino, viola, clarinete, trompa, violoncelo, fagote e contrabaixo, Op. 20
Composto entre 1799-1800
Publicado em 1802
Dedicado à imperatriz Maria Theresa da Áustria
1 – Adagio – Allegro con brio
2 – Adagio cantabile
3 – Tempo di menuetto
4 – Tema con variazioni. Andante
5 – Scherzo – Allegro molto e vivace
6 – Andante con moto alla marcia – Presto
The Gaudier Ensemble:
Richard Hosford, clarinete
Robin O’Neill, fagote
Jonathan Williams, trompa
Marieke Blankestijn, violino
Roger Tapping, viola
Christoph Marks, violoncelo
Stephen Williams, contrabaixo
Sexteto em Mi bemol maior para duas trompas, dois violinos, viola e violoncelo, Op. 81b
Composto provavelmente em 1795
Publicado em 1810
7 – Allegro con brio
8 – Adagio
9 – Rondo: Allegro
The Gaudier Ensemble:
Jonathan Williams e Philip Eastop, trompas
Marieke Blankestijn e Iris Juda, violinos
Jane Atkins, viola
Christoph Marks, violoncelo
Vassily