Franz Joseph Haydn (1732-1809): Sinfonias Completas 73-81, Adam Fischer

Como vimos nos posts anteriores as três décadas em que Joseph Haydn (1732 — 1809) passou a serviço da família Eszterházy se mostrou como uma das associações artisticamente mais frutíferas do mecenato musical. Em meados do século XVIII, os Eszterházy era a família mais rica e poderosa da Hungria a aristocracia e tinha sede em Eisenstadt, uma pequena cidade nas Colinas de Burgenland, ao sul de Viena, perto da atual Áustria na fronteira húngara. Aqui, na década de 1750, o príncipe Paul Ezsterházy (1711-1762) fundou uma orquestra permanente e estabeleceu temporadas de performances teatrais. Haydn foi contratado em 1761, primeiro como vice Kapellmeister, então como titular.

Prince Paul Anton [Pál Antal] (1711–1762)
Em 1764, o sucessor de Paul, o príncipe Nikolaus (conhecido como ‘O Magnífico’), visitou Versalhes pela primeira vez e ele ficou tão impressionado que em seu retorno à Hungria resolveu construir seu próprio e sumptuoso palácio na margem sul do Neusiedlersee. Ainda em fase de conclusão em 1766, quando Haydn se mudou para lá, chamado de Palácio de Eszterháza, tornou-se o castelo de residência de verão – o clima bastante úmido os obrigou a passar o inverno em Eisenstadt – mas suas confortáveis instalações superaram qualquer uma de suas outras propriedades a tornando a preferida. Havia uma casa de ópera (inaugurado em 1768) que podia acomodar mais de quatrocentas pessoas, um teatro de marionetes (de 1773) e um “Music House” especial com mais de noventa quartos, fornecendo alojamentos para Haydn, todos os músicos, atores, servidores e quem estivesse trabalhando lá.

Com sua extensa temporada de ópera (Haydn costumava se apresentar duas ou três vezes por semana) Eszterháza logo se tornou renomado em toda a Europa como um centro de excelência musical e cultural, com visitas regulares de aristocratas e músicos de toda europa. Para Haydn se fez necessário fornecer um fluxo constante de sinfonias, óperas ,e música litúrgica, vocal e de câmara para cada uma dessas ocasiões especiais. Assim, no início da década de 1780 – quando estas nove sinfonias aqui compartilhadas foram compostas – Haydn esteva trabalhando quase que exclusivamente para a família Ezsterházy há cerca de vinte anos. Apesarde estar confortavelmente bem em termos de remuneração e condições, ele já tinha começado a querer sair do ambiente “claustrofóbico” de Eszterháza (apesar de estar livre para visitar Viena no inverno) e, ignoran do os termos de seu contrato original (exclusividade), ele foi escrevendo cada vez mais obras para encomendas externas. As sinfonias 73, 74 e 75 representam ambos os lados dessa divisão. Apesar de viver praticamente isolado do mundo boa parte do ano, sua música já gozava de imensa popularidade e ele era uma espécie de celebridade em toda a Europa. De fato, no final de 1770, suas sinfonias eram apresentadas regularmente em concertos em Paris e Londres, as duas cidades que em poucos anos fariam mais do que qualquer outro momento na vida do mestre para nutrir alguns de seus maiores trabalhos.

As colunas de mármore, sem músicos

Nesta fase o desenvolvimento da sinfonia como um gênero, a forma de quatro movimentos estava bem estabelecida e é seguido por todas as nove sinfonias aqui postadas. Destas sinfonias, apenas uma, a de número 73, tem uma ligação afetiva com o príncipe: Nikolaus ficou particularmente impressionado com a ópera de Haydn, “La fedelta premiata”, estreada em fevereiro de 1781 para reabrir a casa de ópera em Eszterhaza que havia queimado no inverno anterior. O início da sinfonia começa com os temas do final da ópera, parece bastante provável que Haydn tenha montado o trabalho para comemorar o retorno do príncipe de uma viagem a Paris no final de1781, dando-lhe as boas-vindas em casa com uma reformulação surpresa de um dos trabalhos favoritos de Nikolaus. A música do movimento lento também foi emprestado, desta vez de um dos “German Lieder” de Haydn,“Gegenliebe” (publicado na mesma época). O subtítulo’La Chasse‘ corretamente se aplica apenas ao final. Haydn era um caçador afiado e fez uso de um então famoso chamado de caça para os solos dos sopros.

As colunas de mármore, com músicos

As sinfonias 74 e 75 provavelmente datam do ano antes da 73 (como dissemos nos posts anteriores a numeração das sinfonias de Haydn contém muitas discrepâncias de cronologia). A primeira aparição registrada da septuagésima quarta é sua chegada em agosto de 1781 à editora londrina William Forster, a quem Haydn havia vendido os direitos através da intercessão do embaixador britânico no tribunal vienense, general Herningham. O primeiro movimento, marcado vivace assai, chama a atenção imediata do público com acordes fortes para toda a orquestra, respondidos pela suavidade das cordas, ornamentado com repetição. A número 75 também apareceu pela primeira vez em 1781, embora provavelmente também tivesse sido escrita no ano anterior. A sinfonia foi estreada em Londres durante a primeira apresentação de Haydn pelas bandas de lá. Em sua viagem à Inglaterra em 1792 e ele relatou em seu diário: “ Em 26 de março, no concerto de Barthelemon, um inglês estava presente e me disse que um clérigo que assistia a apresentação caiu na mais profunda melancolia ao ouvir o Andante … isso porque ele sonhara na noite anterior que esta peça era uma premonição de sua morte. Ele deixou o concerto imediatamente e foi para a cama. Hoje, 25 de abril, ouvi de Herr Barthelemon que esse clérigo protestante havia morrido….”  A sinfonia não tem outras associações mórbidas, no entanto. De fato, seu o final é um dos mais espirituosos de Haydn, repleto de súbitas pausas e lindas surpresas.

Sabemos que naquela época não havia nenhuma lei de direitos autorais, a disseminação da a música era frequentemente através do trabalho de editores que não tinham remorso na recriação de versões piratas de partes da orquestração (uma forma usual de publicação), ainda mais se a cópia que lhes caisse em mãos tivesse sido elaborada por copistas de má reputação. Haydn, logicamente avesso às publicações piratas de sua música já que não lhe dava recompensa financeira, era astuto o suficiente e muitas vezes mandava seus trabalhos para mais de um editor. Esse foi o caso das sinfonias 76, 77 e78, editadas no início da década de 1780 por nada menos que três empresas: Torricella em Viena, Boyer em Paris e Forster em Londres. Estes foram os primeiros trabalhos que Haydn escreveu expressamente para desempenho fora dos limites de Eszterháza. Eles eram destinados a uma turnê em Londres, uma viagem que Haydn nunca fez (ele teve que esperar até a morte do príncipe em 1790  – além de tudo Haydn era extremamente profissional e grato – para o empresário Johann Peter Salomon finalmente leva-lo para Londres). Em 1781 (o ano em que ele começou sua associação com o editor William Forster) Haydn parece ter sido convidado apresentar pessoalmente algumas de suas óperas e sinfonias para o público de Londres.

Adam feliz com a ótima acolhida dos amigos do blog

A popularidade de Haydn só crescia e nessa época sua sinfonia número 53 havia sido apresentada na Inglaterra, com grande sucesso em um dos concertos de Bach-Abel (dirigido pelo ‘Bach Londrino’, Johann Christian e Karl Friedrich Abel) no jornal “The Morning”o jornalista Herald cravava, em novembro de 1781, que Haydn era o “Shakespeare da composição musical”e lamentava que o mestre ainda não havia visitado Londres. Em fevereiro de 1783, quando o mesmo Herald novamente disse“….nós ainda não temos nem ele nem toda sua música e provavelmente, o músico ainda permanecerá em Viena este ano”. Dois anos depois, quando o compositor ainda era ansiosamente esperado, foi discutido e até sutilmente sugerido que ele poderia ser sequestrado, como segue, de outro periódico, o “Gazetteer and New Advertiser Daily”: “….este homem maravilhoso, que é o “Shakespeare da música”, está fadado a residir no palácio de um obscuro príncipe alemão, que é incapaz de recompensá-lo dignamente … não seria uma conquista para alguns jovens corajosos, a resgatá-lo e transplantá-lo para a Grã-Bretanha, o país para o qual a música parece ter sido feita?” Em carta de recomendação oferecendo as três sinfonias (76, 77 e 78) a Boyer em Paris, Haydn as descreve como “bonitas, elegantes e de modo algum longas demais … são todas muito leves e sem muitas dificuldades para os músicos”. Elas realmente se destacam dos trabalhos dedicados a corte de Eszterháza, faltando algumas das idiossincrasias que, embora adequado para suas próprias performances na corte, podem assustar artistas não acostumados com suas obras. Isso não quer dizer, no entanto, que eles não têm nada em originalidade ou qualidade. A Sinfonia nº 76, como as outras duas, tem o padrão de quatro movimentos. O que é mais notável sobre a sinfonia número 77 é o seu finale, um dos primeiros exemplos de uma forma sonata-rondo que recapitula motivos dos movimentos anteriores. A septuagésima oitava sinfonia é uma verdadeira aula de contraponto. Ouvimos fragmentos da melodia principal fragmentados por toda a orquestra, linda obra, os instrumentos de sopro são integrados ao tema desde o início.

Mais uma foto do auditório do palácio dos Esterházy, dá para o gasto né ?

O grupo de três sinfonias que incluem as números 79,80 e 81, escritas entre 1783 ou 1784, foram publicadas em Viena, Paris e Londres pela empresa holandesa-alemã de Hummel , com sede em Berlim e Amsterdã, testemunham a grande popularidade que o trabalho de Haydn agora desfrutava no exterior. A sinfonia número 79 em Fá maior mais uma das tantas obras primas do gênio Haydn! Começa com um primeiro tema oferecido pelo primeiro violino, após a reexposição do tema, o desenvolvimento central muda abruptamente de tom, levando a um dramático contraponto. Haydn avança para no segundo movimento atacar uma dança “country” marcada como “un poco allegro”, novamente uma grata surpresa criativa. O minuet, usa e abusa dos sopros. O final é um legítimo rondo, com um tema principal recorrente, encerrando uma elegante obra-prima no estilo rococó. A sinfonia nº 80 em ré menor inicia de forma dramática, a segunda exposição é bem contrastante, Haydn era f…., um final de delicadeza alternada, quase um minuet só que dramático. O bonito movimento lento nos leva até o minuet em ré menor tem um trio em contraste com uma melodia na qual o oboé, a trompa e o primeiro violino se juntam. O último movimento é caracterizado pela sincopação que marca o tema principal, retornando ao clima geral da sinfonia, apesar de iniciar de forma “dramática” ela finaliza alegremente ! A terceira sinfonia do grupo, a sinfonia número 81 em Sol maior, está nos padrões clássicos de suas irmãs, também muito leve e muito interessante.

Citações de jornais foram retiradas do artigo de Christopher Roscoe( ‘Haydn and London in the 1780s’ in Music and Letters 49 )(1968). ‘Haydn and London years 1780’ Música e letras 49 (1968). Matthew Rye 1991.

Deliciem-se com mais este precioso conjunto de sinfonias do mestre Haydn !

Disc: 22 (Recorded June 1997 (#73) and May 1998 (#74 & 75))
1. Symphony No. 73 (1782) in D major (‘La chasse’/’The Chase’), H. 1/73: Adagio-allegro
2. Symphony No. 73 (1782) in D major (‘La chasse’/’The Chase’), H. 1/73: Andante
3. Symphony No. 73 (1782) in D major (‘La chasse’/’The Chase’), H. 1/73: Menuetto & trio, allegretto
4. Symphony No. 73 (1782) in D major (‘La chasse’/’The Chase’), H. 1/73: La Chasse, presto
5. Symphony No. 74 (1781) in E flat major, H. 1/74: Vivace assai
6. Symphony No. 74 (1781) in E flat major, H. 1/74: Adagio cantabile
7. Symphony No. 74 (1781) in E flat major, H. 1/74: Menuetto & trio, allegretto
8. Symphony No. 74 (1781) in E flat major, H. 1/74: Finale, allegro assai
9. Symphony No. 75 (1781) in D major, H. 1/75: Grave-presto
10. Symphony No. 75 (1781) in D major, H. 1/75: Poco adagio (andante con variazioni)
11. Symphony No. 75 (1781) in D major, H. 1/75: Menuetto & trio, allegretto
12. Symphony No. 75 (1781) in D major, H. 1/75: Finale, vivace

Disc: 23 (Recorded May 1998 (#76-78))
1. Symphony No. 76 (1782) in E flat major, H. 1/76: Allegro
2. Symphony No. 76 (1782) in E flat major, H. 1/76: Adagio, ma non troppo
3. Symphony No. 76 (1782) in E flat major, H. 1/76: Menuet & trio, allegretto
4. Symphony No. 76 (1782) in E flat major, H. 1/76: Finale, allegro ma non troppo
5. Symphony No. 77 (1782) in B flat major, H. 1/77: Vivace
6. Symphony No. 77 (1782) in B flat major, H. 1/77: Andante sostenuto
7. Symphony No. 77 (1782) in B flat major, H. 1/77: Menuetto & trio, allegro
8. Symphony No. 77 (1782) in B flat major, H. 1/77: Finale, allegro spiritoso
9. Symphony No. 78 (1782) in C minor, H. 1/78: Vivace
10. Symphony No. 78 (1782) in C minor, H. 1/78: Adagio
11. Symphony No. 78 (1782) in C minor, H. 1/78: Menuetto & trio, allegretto
12. Symphony No. 78 (1782) in C minor, H. 1/78: Finale, presto

Disc: 24 (Recorded May 1998 (#79-81))
1. Symphony No. 79 (1784) in F major, H. 1/79: Allegro con spirito
2. Symphony No. 79 (1784) in F major, H. 1/79: Adagio cantabile-un poco allegro
3. Symphony No. 79 (1784) in F major, H. 1/79: Menuetto & trio, allegretto
4. Symphony No. 79 (1784) in F major, H. 1/79: Finale, vivace
5. Symphony No. 80 (1784) in D minor, H. 1/80: Allegro spiritoso
6. Symphony No. 80 (1784) in D minor, H. 1/80: Adagio
7. Symphony No. 80 (1784) in D minor, H. 1/80: Menuetto & trio
8. Symphony No. 80 (1784) in D minor, H. 1/80: Finale, presto
9. Symphony No. 81 (1784) in G major, H. 1/81: Vivace
10. Symphony No. 81 (1784) in G major, H. 1/81: Andante
11. Symphony No. 81 (1784) in G major, H. 1/81: Menuetto & trio, allegretto
12. Symphony No. 81 (1784) in G major, H. 1/81: Finale, allegro, ma non troppo

Rainer Küchl, violin
Wolfgang Herzer, cello
Gerhard Turetschek, oboe
Michael Werba, bassoon
Austro-Hungarian Haydn Orchestra
Conductor: Adam Fischer

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5 comments / Add your comment below

  1. E como não ir atrás destes tesouros musicais e se deliciar, após as entusiasmadas palavras de Ammiratore? Como não apreciar estas peças que Haydn compôs – já quase no piloto automático, eu fico imaginando – numa sucessão de tão bem-sucedidos inventos? Pro meu gosto são imperdíveis a 73, a 78 e a 80, pelo menos. E fico na expectativa do que dirá nosso estupendo comentarista a respeito do que está por vir…

  2. Oi Pedro, obrigado pelo seu comentário !
    Para dar uma “respirada” a série vai continuar dia 02/09. Afinal é muita música boa para “descobrir”, e as próximas três postagens são das sinfonias mais elaboradas do mestre Haydn, visto que começou a escrever para orquestras bem maiores dos grandes centros culturais da época. Desta postagem de hoje eu sempre fico impressionado com a sinfonia número 80, como diz o nosso querido pqpbach: IM-PER-DI-VEL !

    Um forte abraço !

  3. Estou emocionado com esta série de postagens. Resido no interior de Minas Gerais e tenho acesso a essas maravilhas graças a vocês que prestam grande serviço em prol da divulgação da boa música. Que o Grande Arquiteto do Universo os proteja sempre.

  4. Na expectativa ansiosa pelo retorno do admirável AMMIRATORE com seus petardos haydnianos e seus esclarecedores comentários (o que não será que ele nos trará sobre a série parisiense que vem por aí? e da 88?), e movido pelo tanto que já veio, pus para rodar aqui as versões que tenho aqui, historicamente direcionadas, da sinfonia 44 (a mais grandiosa do mestre? Não sei, mas certamente está na trindade suprema, junto com a 52, a 86, a 88, a 98, a 102, sei lá, que a trindade se resolva…): já passaram pelos meus ouvidos, sem moderação, Immerseel, Goodman, Koopman, Bruggen, Vashegyi, Weil; no momento em que aqui escrevo ressoam os acordes do primeiro movimento sob a condução de Hogwood; restam Pinnock, Cooper, Onofri. Uma viagem musical grandiosa, a partir de movimentos nesta página pelos quais agradeço.

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