.:interlúdio:. Stan Getz & Eddie Sauter: Focus (1961)

Este é um dos mais extraordinários discos do jazz. Tentarei dizer porquê. Não basta ser belo. Os bastidores do belo envolvem um infinito – e deflagram também um infinito em cada um que o contempla. Imagine-se de repente desperto num planeta no qual tudo é novo, você caiu ali de paraquedas e precisa sobreviver, em meio aos inquietos e intensos habitantes. Você quer interagir, encontrar seu lugar naquele contexto – não tem escolha. Você quer ser aceito e luta por conhecer as regras da casa. Para, olha, escuta, fala, segue e não quer ser atropelado nem pisar em falso. Próximo vê uma flor no chão da esquina, acolá uma avalanche! Corre! Quem são aqueles? Quem sou eu aqui? Procura entender e ser entendido. Parece que caiu num livro do Ray Bradbury (ou Kafka!). Pois bem. Neste disco o fabuloso saxofonista Stan Getz se vê diante de desafios semelhantes. O compositor Eddie Sauter (discípulo de Bartok) elaborou uma suíte, uma estupenda orquestração de cordas, uma floresta de timbres, uma metrópole de harmonias, onde o intrépido improvisador é atirado sem qualquer linha melódica definida. Ele poderá contar se muito com algumas cifras harmônicas, como ventoinhas para se guiar conforme as brisas e tempestades sonoras. A orquestra é um Golias, ele um Davi. Precisa lutar, algumas vezes para não profanar a delicada textura orquestral que o envolve, outras vezes para não ser engolido, esmagado, tolhido pela dinâmica endiabrada da orquestra; pela variedade de situações harmônicas e rítmicas. A orquestra o provoca, o seduz, por vezes cobra sedução. Em certo momento se vê numa verdadeira arena, diante da bateria infernal de Roy Haines. Briga, dialoga, sobrevive, como o Superman na vasta Metrópolis. Mas chega de delongas. Ouçamos esta maravilha jazzística na qual o jazz reside precisamente no improvisador. Todo o resto é escrito com rigor ‘erudito’. Este é certamente um dos melhores e bem-sucedidos experimentos neste sentido. Ouçam, abandonem-se aos sons. Como disse algum poeta do qual me foge o nome, “a confiança no apoio invisível confere ao pássaro a coragem de se atirar no vazio”. Lamento que o compositor não tenha intentado regravar sua orquestração com diversos artistas, numa série de discos. Seria um tesouro inestimável para a música. Este breve texto, agradeço ao Black & White, que me permitiu produzi-lo de improviso – diríamos, jazzisticamente. Confesso que o cachorrinho branco do rótulo me incomoda. Vou pintá-lo de azul, assim fica ‘Black n Blues’.

FOCUS – STAN GETZ & EDDIE SAUTER

  1. I’m Late, I’m Late
  2. Her
  3. Pan
  4. I Remember When
  5. Night Rider
  6. Once Upon a Time
  7. A Summer Afternoon
  8. I’m Late, I’m Late – Bonus track
  9. I Remember When – Bonus track

Stan Getz – Sax Tenor
Steve Kuhn – Piano
John Neves – Bass
Roy Haynes – Drums
Alan Martin, Norman Carr, Gerald Tarack – Violins
Jacob Glick – Viola
Bruce Roger  – Cello
Eddie Sauter –  Arranger
Hershy Kay – Conductor

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Wellbach

6 comments / Add your comment below

  1. Não canso de me surpreender com o talento de Stan Getz, por quem tinha uma certa ojeriza, mas certamente pelo fato de conhecer pouco seu trabalho, a não ser a indefectível parceria com o nosso João Gilberto.
    Seu texto nos remete a uma trilha sonora, Wellbach, e claro, a própria música nos remete a um filme. De um filme de suspense dos anos 60, ou 70, Orson Welles, por exemplo, em ‘A Marca da Maldade’ ou ‘O Terceiro Homem’.

    1. O Stan Getz de fato teve algumas razões para ser ‘ojerizável’ rss Mas tocava muito e sua atuação nos discos de bossa nova fez escola como improvisação sobre este gênero musical sem dúvida. Grato, fdp! grande lembrança cinematográfica! Abrs, esteja bem!

  2. Entre o texto e a música, fico com o primeiro. Foi fácil fluir para os demais textos. Mas vou continuar tentando no jazz, talvez após alguns B&W…

    1. Rs Na dúvida, vá bebendo rs e claro, ouvindo uma coisinha aqui outra ali. Enfim, devemos cultivar a música que mais nos encanta e comove, seja qual for, música talvez seja apenas um rótulo para algo que é maior e mais pessoal. Grato!

  3. De Portugal, uma terna saudação!
    Muito obrigado por voltar. Morríamos de saudade e, sem a sua Música!
    O seu texto sobre este álbum (também aprecio muito Stan) está sublime.
    Na verdade, é só mais um grande texto. O que aqui – consigo (com Você, como vossemecês dizem…) aprendemos acerca da grande Música, não tem preço.
    Bem haja!
    Abraço terno e forte,
    Diariamente seu dedicado,

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