Que o bonito quarteto Op. 41 no. 3 me perdoe, mas só terei aqui palavras para a maravilhosa obra que o acompanha neste disco.
Que coisa mais impressionante, esse quinteto de Schumann! Lembro-me da primeira vez que o ouvi, sob Rubinstein e o quarteto Guarneri, aquela pujança do Allegro inicial a arrebatar-me e, pela força mesmerizante da Marcha e do Scherzo, devolver-me à consciência só no brilhante Mi bemol final. A paixão à primeira audição que nunca arrefeceu, inda mais porque sua superposição magistral de um quarteto em chamas e uma brilhante parte para piano torna-o veículo ideal para aventuras de grandes virtuoses em suas empreitadas de câmara, e são formações como essas – e não com cameristas-raiz – que o tenho preferido escutar ao longo dessas décadas.
Essa pujança toda do teclado não foi, claro, por acaso, pois Schumann dividia lençóis com uma das melhores pianistas de seu tempo. Clara foi não só a dedicatária da obra como a pianista em sua estreia pública, e certamente a difícil parte para teclado é um retrato fiel de seu pianismo. Na estreia privada do quinteto, entretanto, ela adoeceu e foi substituída na penúltima hora por um rapaz chamado Felix Mendelssohn, que desconhecia a obra e teve que lê-la à primeira vista, informação que me fez invejar molto assai o círculo de amizades desses Schumanns, e só não me matou de inveja porque a morte viria depois, ao me dar conta de que, onze anos depois do quinteto, um outro rapazote chamado Johannes Brahms bateria à porta de sua casa em Düsseldorf!
Essa combinação incomum de brilho e robustez, de espontaneidade e rigor – o que é aquele fugato no finale? -, fez do quinteto um imediato sucesso. Ele é, com folgas, a mais conhecida das obras de câmara de Schumann e a pedra fundamental de uma extensa linhagem de quintetos com piano que passaria pelo supracitado Brahms e Dvořák e chegaria a Shostakovich. Seu êxito foi tamanho que até Clara, que durante a vida de Robert relutou em incorporar a seu repertório as obras do marido, o tocou com muita frequência. Tenho certeza de que os dois adorariam esta versão que lhes apresento, tanto pelo brilhante Takács Quartet, de tanta força sinfônica, quanto por Marc-André Hamelin, talvez o pianista de técnica mais deslumbrante entre aqueles em atividade e que sempre a põe com extremo bom gosto a serviço de sua arte. Hamelin é um desbravador de repertórios tão complicados como pouco conhecidos, com especial predileção pela obra de pianistas-compositores com Alkan, Busoni e Godowsky, de modo que é relativamente raro poder ouvi-lo tocar uma obra assim, mais consagrada. Quem se impressionar com a cintilância de sua participação no Allegro brillante terá que guardar um pouco de pasmo para o movimento seguinte: o que ele faz na Marcia, frequentemente entendida como uma marcha fúnebre e que aqui soa como um solene cortejo, é de fazer os olhos suarem.
Robert Alexander SCHUMANN (1810-1856)
Quarteto para dois violinos, viola e violoncelo em Lá maior, Op. 41 no. 3
1 – Andante espressivo – Allegro molto moderato
2 – Assai agitato – Un poco adagio – Tempo risoluto
3 – Adagio molto
4 – Allegro molto vivace
Quinteto em Mi bemol maior para piano, dois violinos, viola e violoncelo, Op. 44
5 – Allegro brillante
6 – In modo d’una Marcia: un poco largamente – Agitato
7 – Scherzo: Molto vivace
8 – Allegro, ma non troppo
Marc-André Hamelin, piano
Tákacs Quartet:
Edward Dusinberre e Károly Schranz, violinos
Geraldine Walther, viola
András Fejér, violoncelo
Além de pianista de supremos poderes, Hamelin também compõe e arranja tanto
obras de grandes dimensões quanto melodias tão irritantemente familiares como
esta, que ele pôs em pauta para tentar sublimar um pouco da irritação que ela
sempre lhe trazia quando a ouvia em seus recitais.
Vassily
Vassily, excelente! mas corrija lá: é apenas um quarteto, e não três!
Olá, Gustavo! O PQP Bach já tinha apontado algo parecido ao ler a postagem de manhã, tentei deixar mais claro e, como acabo de concluir, fracassei. O que quis comunicar é que o Op. 41 de Schumann é intitulado “Três Quartetos para dois violinos, viola e violoncelo”, do qual eu publiquei somente o terceiro. Descrevi primeiro o título da obra toda, depois o excerto que compartilhei. Procuro, sempre que possível, colocar os títulos originais das obras e descrever aquelas compostas de várias partes assim, em respeito aos compositores, que muitas vezes eram escrupulosos em suas escolhas de publicar as obras separadamente ou em grupos, com intenções claras nesse sentido (como Beethoven, por exemplo, fez durante quase toda carreira, até se perder em seu próprio catálogo). No entanto, se minha descrição permanece confusa mesmo a leitores atentos como você e PQP Bach, isso me indica que devo mudar minha abordagem. Grato pela mensagem!
Entendi! Mas, o que aconteceu comigo foi que fiz o “download” do arquivo, e o coloquei logo para tocar. Ao tocar é que me dei conta de que era apenas um quarteto (e o Schumann compôs três, tenho eles numa gravação do Melos Quartet, com certeza os encontrei aqui no PQP, é um “site” que fica permanentemente aberto no meu notebook….rs…). Mas creio que o melhor, e você já o fez, é indicar que nessa sua gravação é apenas um. Abraço, e muito obrigado pela explicação!
Takacs sempre no pareo durissimo de ser decidido contra o Kodaly Quartet pra ver quem tem a melhor gravacao de cada obra.
Lindo Op.44.
Belíssimo, de fato – e extremamente bem gravado. Tudo muito claro, transparente até, mesmo com todo mundo caprichando no fortíssimo. Espero que Hamelin volte a atuar mais como camerista e abocanhe o restante do repertório de quintetos com o Tákacs.