Henri Dutilleux (1916-2013): Sinfonias nº 1 e 2, Métaboles, Le temps l’horloge, etc

No longo livro de Alex Ross “O Resto É Ruído – Escutando o Século XX”, o francês Henri Dutilleux é citado apenas uma vez, no final de um dos vários parágrafos sobre Boulez:

“Nessa época, Boulez não era mais messiaenista. … Boulez foi ter aulas com René Leibowitz … Boulez trouxe … Boulez teve … Boulez viu … Boulez também mostrou animosidade contra colegas compositores que se recusaram a segui-lo no caminho da modernidade. Quando, em 1951, Henri Dutilleux apresentou sua vibrante e diatônica Primeira Sinfonia, Boulez o saudou dando-lhe as costas.”

Dutilleux não precisa ficar ofendido. Outros famosos sinfonistas recebem apenas citações en passant: três menções a Vaughan Williams, uma a Roussel, nenhuma a Rachmaninoff. Reger é citado 3 vezes: em uma delas, fala-se um pouco de sua música, em um parágrafo dedicado a Schoenberg. Nas outras duas, o alemão Max Reger é apenas listado como – vejam que surpresa! – admirado por nazistas.

O que o livro de Alex Ross faz é repetir o grande mito fundador do modernismo musical do século XX, especialmente da música francesa e de inspiração francesa: a sinfonia como relíquia de um passado longínquo, tudo a ver com o romantismo de um Schubert ou de um Bruckner, nada a ver com a modernidade. Fauré, Debussy, Ravel preferiram fazer música orquestral em formas menos associadas ao romantismo, como o poema sinfônico, a valsa, a pavana ou o bolero. Messiaen e Boulez consideravam que a sinfonia em 4 movimentos e o concerto em 3 movimentos já tinham sido explorados até o limite por seus antecessores e buscaram formas novas, como a Turangalîla-Symphonie em 10 movimentos. Era a ideologia do progresso que, como define a antropóloga Anna Tsing, servia como um corrimão de histórias que contava aonde todos estavam indo e por quê. Para vocês verem como essa grande marcha para frente, sem possibilidade de marcha a ré, era contagiosa: Villa-Lobos tinha escrito 5 sinfonias antes de ir a Paris pela primeira vez em 1923. Uma vez tendo respirado o ar parisiense, Villa se dedicou fortemente aos Choros, depois às Bachianas, e a 6ª sinfonia surgiu apenas em 1944!

As sinfonias de Dutilleux aparecem, portanto, como dois pontos fora da curva na modernidade francesa. Compostas em 1951 e 1959, elas mostram um outro tipo de compositor: aquele que pretendia usar formas antiquíssimas, como a Passacaglia, mas com uma linguagem harmônica nova e inventiva, apesar de não ser 100% atonal. Na 2ª Sinfonia, uma orquestra de câmara dialoga com uma orquestra sinfônica, como em um concerto grosso barroco. “Duas personagens em uma só, uma como o reflexo da outra”, explica Dutilleux.

A outra obra que aparece aqui, Métaboles, é frequentemente ouvida nas salas de concerto, ao contrário das sinfonias. Fez parte do repertório de grandes maestros como Celibidache, Szell e Rattle. Assim como o Concerto para Orquestra de Lutoslawski faz um par com a primeira sinfonia do polonês, Métaboles, composta entre 1963-64, também é quase um concerto para os diferentes naipes orquestrais e faz um belíssimo trio com as sinfonias do francês.

Nas últimas décadas da sua vida, não sabemos se de forma deliberada ou por acaso, Dutilleux não compôs mais sinfonias e se dedicou a escrever principalmente obras orquestrais com instrumento solista, peças que entraram para o repertório das orquestras pelo mundo: para violino e orquestra, Tout un monde lointain… (1970) e Sur le même accord (2002), para violoncelo e orquestra, L’arbre des songes (1985).

Essa faceta do compositor é representada aqui por Les Citations (1985-1990), obra para uma peculiar formação: oboé, cravo, contrabaixo e percussão. O oboé parece reinar como solista, até o momento em que os outros instrumentos vão dando uns passinhos à frente e fazem suas intervenções.

Le temps l’horloge, completado em 2009 pelo compositor já nonagenário, traz uma soprano para solar com as orquestrações sempre muito originais de Dutilleux, dessa vez com destaque para o acordeão. Renée Fleming canta textos de três poetas sobre a passagem do tempo. O mais célebre, claro, é Enivrez-vous, de Baudelaire:

É preciso estar sempre embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão.
Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.
(Baudelaire, trad. Jorge Pontual)

Henri Dutilleux (1916-2013) : Sinfonias, Métaboles, Le temps l’horloge, etc

  1. Symphonie n°1 (1951) – I. Passacaglia, II. Scherzo molto vivace, III. Intermezzo, IV. Finale con variazioni (33:26)
  2. Les Citations (1990) (14:17)
  3. Métaboles (1964) (16:57)
  4. Préludes pour piano – I. D’ombre et de silence, II. Sur un même accord, III. Le jeu des contraires (1988) (13:43)
  5. Symphonie n°2 (Le Double) – I. Animato, ma misterioso, II. Andantino sostenuto, III. Allegro fuocoso — Calmato (1959) (31:53)
  6. Sur le même accord (2001) (8:38)
  7. Le temps l’horloge – I: Le temps l’horloge, II: Le masque, III. Le dernier poème, IV. Interlude, V. Enivrez-vous (2009) (14:00)

Orchestre National de France, Daniele Gatti, Paris, 1 oct 2015 (1)
Orchestre Philharmonique de Radio France, Kwamé Ryan, Paris, 21 jan 2016, Maroussia Gentet (piano) (2-5)
Orchestre National de France, Kurt Masur, Paris, 14 nov 2003, Anne-Sophie Mutter (violin) (6)
Orchestre National de France, Seiji Ozawa, Paris, 23 apr 2009, Renée Fleming (soprano) (7)

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Obs: esta é uma compilação de gravações ao vivo de rádio, que você só encontra aqui no PQP Bach. Se possível, baixe em Flac, evitando a perda de qualidade dos arquivos.

O maestro canadense Kwamé Ryan

Pleyel

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