Bem, eu avisei que lhes traria Gould.
Antes que me chovam tomates por trazer este mais controverso de todos os grandes pianistas, justifico-me: depois de Bach, Beethoven é o segundo compositor mais importante em seu legado discográfico. Ademais, e a despeito da fama de ludwigófobo que construiu por interpretações bizarras como as que deu para a “Appassionata”, Glenn reconhecia o gênio do renano e pôs seu domínio fenomenal do teclado e a heterodoxia nas escolhas interpretativas para legar-nos gravações muito recompensadoras àqueles que não consigam se deixar irritar por seus expedientes de costume, como o de propor alterações dinâmicas e agógicas a bel prazer, e, mais notoriamente, aquele de cantarolar ao teclado. Gould está especialmente canoro nos movimentos de abertura das sonatas, aos quais ele imprime andamentos frenéticos. A articulação impecável e clareza com que ele distingue as vozes, responsável por muito da mágica gouldiana a tocar Bach, aqui brilha com clareza, particularmente no último movimento da segunda sonata, um fugato matreiro. E a terceira sonata, que considero a primeira obra-prima de Beethoven no gênero, com seu belíssimo, sentido Adagio, é tão equilibrada que se pode facilmente esquecer do escândalo causado por Gould quando, em seguida ao terremoto do sucesso de sua gravação de estreia, escolheu levar a disco as três últimas sonatas para piano de Ludwig, com recepção que variou do pasmo a, claro, jorros de ódio. E, falando em ódio, já que vocês estão a esvurmá-lo por mim, convido-os a tentarem aplacá-lo ouvindo a sonata Op. 26, com suas maravilhosas variações de abertura e a marcha fúnebre, que o canadense despacha com elegância e sem qualquer bizarrice. Vocês quase não o reconhecerão tocando e, talvez, até me perdoem – pelo menos, claro, até a próxima postagem de Gould.
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
Três Sonatas para piano, Op. 10
Compostas entre 1796-1798
Publicadas em 1798
Dedicadas à condessa Anne Margarete von Browne
No. 1 em Dó menor
1 – Allegro molto e con brio
2 – Adagio molto
3 – Finale. Prestissimo
No. 2 em Fá maior
4 – Allegro
5 – Allegretto
6 – Presto
No. 3 em Ré maior
7 – Presto
8 – Largo e mesto
9 – Menuetto. Allegro
10 – Rondo. Allegro
Sonata para piano em Lá bemol maior, Op. 26, “Marcha fúnebre”
Composta entre 1800-1801
Publicada em 1801
Dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky
11 – Andante con variazioni
12 – Scherzo, allegro molto
13 – Maestoso andante, marcia funebre sulla morte d’un eroe
14 – Allegro
Glenn Gould, piano
Vassily