A Quatro Mãos: Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Concertos de Brandenburg, transcritos por Max Reger – Duo Trenkner-Speidel

71VOELnAbpL._SL1050_“Oh, céus!”, dirão vocês, “depois de nos entupir de Glenn Gould, o cara vem trazer os sacrossantos CONCERTOS DE BRANDENBURG numa REDUÇÃO para PIANO a QUATRO MÃOS”?

Sim, pessoal – mas deponham as pedras, por favor: eu me explico!

Houve um tempo em que não havia PQP Bach, nem música online, tampouco internet, que se dirá então de gravações digitais: esse era o tempo de Max Reger (1873-1916), e nele só havia gravações muito precárias e caríssimas. Uma das poucas alternativas que restavam aos melômanos que desejassem escutar em sua casa a música orquestral de grandes mestres era manter em suas salas um piano e comprar arranjos de obras orquestrais para serem tocadas nele. Reger, que já tinha feito transcrições pianísticas brilhantes de obras de J. S. Bach para o órgão, tivera sucesso também transcrevendo as Suítes para orquestra do grande mestre para piano a quatro mãos. Quando o editor pediu-lhe para transcrever os Concertos de Brandenburg, sua primeira resposta foi um rotundo “não” que, depois de muita hesitação, virou um “talvez” que nunca o convenceu completamente. Sua correspondência dá conta com muitos detalhes das dificuldades que encontrou na abordagem dessas mais perfeitas entre todas as obras, e em particular de como achava difícil fazer uma “redução” de partituras em que cada nota parecia essencial. O maior desafio, naturalmente, foi o Concerto no. 5, que contém uma parte muito elaborada e difícil para o cravo. A solução que Reger encontrou foi preservar tanto quanto possível as partes do concertino (grupo de solistas) e podar o que fosse necessário do ripieno (o restante do conjunto instrumental). Quando as transcrições foram publicadas, seu autor foi ferozmente desgraçado pelos críticos, e seus gritos de ódio ecoam até hoje, mais de um século depois.

Escutando esta interpretação do duo Trenkner-Speidel, não consigo deixar de aplaudir (diriam nossos vizinhos platinos) los huevos e a habilidade do transcritor. A perda de colorido, claro, é inevitável e inerente à transcrição. No entanto, a competência de Reger traz oportunidades de apreciar o incomparável gênio contrapontístico de Bach duma perspectiva inteiramente diferente. Antes de catarem pedras no chão e se juntarem à claque dos críticos, ouçam-nas e tirem suas próprias conclusões.

JOHANN SEBASTIAN BACH – BRANDENBURGISCHE KONZERTE BWV 1046-51
Für Pianoforte zu 4 Händen bearbeitet von Max Reger

Johann Sebastian BACH (1685-1750)
arranjo de Max REGER (1873-1916)

Concertos de Brandenburg, BWV 1046-1051, em redução para piano a quatro mãos

CD1

Concerto no. 1 em Fá maior, BWV 1046
01 – Allegro
02 – Adagio
03 – Allegro
04 – Menuetto – Polacca

Concerto no. 2 em Fá maior, BWV 1047
05 – Allegro
06 – Andante
07 – Allegro Assai

Concerto no. 3 em Sol maior, BWV 1048
08 – Allegro con spirito
09 – Allegro

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CD 2

Concerto no. 4 em Sol maior, BWV 1049
01 – Allegro
02 – Andante
03 – Presto

Concerto no. 5 em Ré maior, BWV 1050
04 – Allegro
05 – Affettuoso
06 – Allegro

Concerto no. 6 em Si bemol maior, BWV 1051
07 – Allegro non tanto
08 – Adagio ma non tanto
09 – Allegro

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Duo Trenkner-Speidel
Evelinde Trenkner e Sontraud Speidel, piano

Causa mortis: overdose de bramidos de ódio

 

 

Vassily Genrikhovich

15 comments / Add your comment below

  1. Olá, Vassily!

    Esse tipo de postagem torna o site ainda mais interessante. No lugar de mais uma gravação dos Brandenburgos (que merecem todas as gravações já feitas e mais aquelas outras que ainda serão feitas), essa “redução” do bramante Reger. Fico imaginando o quanto essa redução alegrou os saraus de tantas pessoas, antes da era da música gravada e muito divulgada. Eu digo que os primeiros Brandenburgos que ouvi foram aqueles 1 e 3 do lps(zinhos) que a Abril lançou nas bancas, nos idos tempos em que eu morava em… bem, deixa para lá.
    Só para mencionar, você certamente deve conhecer (o que é que vocês aí do PQP Bach não conhecem, de música gravada?) a redução para Quarteto de Violões das Suites para Orquestra, interpretadas pelo Brazilian Guitar Quartet, do Paul Galbraith e Co. Essa também seria uma linda postagem…
    Abração!
    Continuem com as postagens provocativas, mesmo por que as pedras são virtuais!

  2. Excelente el post. Una pequeña aclaración: los argentinos diríamos que Max Reger tuvo “los huevos” para hacer esta transcripción.
    Un abrazo desde Buenos Aires y gracias por todo el material.

  3. Max Reger não foi um pretensioso. Foi um grande teórico e compositor. Não se lançaria a realizar estas transcrições à toa. O próprio Bach transcreveu concertos para cravos, seus e de Vivaldi, e diante de tudo o que se perdeu, o que nos garante que não teria transcrito alguns desses também? uma das cantatas se inicia com uma transcrição para órgão do primeiro movimento de seu magnífico concerto em Ré menor para cravo; ouçamos pois, muito obrigado pela raridade!

  4. Ouvi o primeiro disco, muito bonito, a música de Bach sempre funciona quando tratada com a competência que merece. Para mim as obras mostraram uma nova face de beleza, vide o segundo movimento do primeiro concerto. Não recomendaria para quem quer conhecer os Concertos de Brandemburgo, mas para quem já os conhece de inúmeras gravações. E que pianistas, como deve ser difícil tocar estas transcrições, de música pensada para digitações de madeiras e cordas – e metal no segundo concerto. Nunca deixarei de revisitar esta gravação. Muito grato!

    1. São momentos lindos deveras e isso demonstra o quão a sua alma é sensivel Mario. Talvez tenha empregado uma palavra um tanto rude porem acho que no geral o piano é martelado com muita força tornando o som ´´stridente´´.
      No entanto o mestre aqui é você, não eu!
      abraços

  5. Amigo Manuel… eu entendo a preferência pela versão original, com orquestra. Eu também gosto imenso das duas gravações do Pinnock, a primeira, nos pioneiros tempos de Instrumentos de época, e uma segunda, gravada em (+ou-) 2000. Acho que o universo dos Brandenburgos é tão completo, por ser muito diverso, e se beneficia demais das muitas sonoridades de um conjunto maior de instrumentos. Mas eu gostei bastante dessa faixa que mencionei e também, um pouco, do Concerto No. 6, talvez pelo andamento.
    As tais reduções para piano a 4 mãos podem ser mais interessantes para quem toca do que para quem ouve… a menos que seja uma pessoa (não vamos aqui ficar dizendo quem…) que adora ouvir piano.
    No site aqui foi disponibilizado um disco da Argerich e Barenboim tocando peças de Mozart, Schubert e (sacrilégio?) a Sagração da Primavera do Starvinsky. Veja lá como esses caras andam atacados. Outro dia também teve Lupu e Barenboim. Eu ainda não processei nem um décimo dessa informação toda.
    Mas, veremos…
    Abraços!
    Mário

  6. A sagração da primavera para piano é realmente um caso sério. Eu adoro a Sagração e o Passaro de Fogo. Fico imaginando a reação do publico nas primeiras apresentações…..
    abraços

  7. Com quantos esnobestas se faz uma rede? Quanto curioso falando bobagens. A OBRA DE BACH É OBRA ABERTA., cf. preconiza Umberto Ecco. Viva as transcrições Bach/ Vivaldi, Bach/Marcelo , etc. para cravo solo! E parem de frescura!

  8. Caros, adorei estes concertos, entre os meus favoritos de todos os tempos, executados (!) nos pianos. Não sei se repararam, mas penso que não deve ser assim mesmo: baixei os álbuns e notei que falta o segundo movimento do terceiro concerto. Abraços!

    1. Olá, Carlos! Esses arranjos, além de serem uma proeza de Reger, são ótimos de escutar – e os concertos dispensam maiores comentários, pois são provavelmente a melhor música que já foi composta. Quanto ao segundo movimento do terceiro concerto, tudo o que Bach nos deixou foram dois acordes, numa cadência frígia, entre o primeiro e o terceiro movimentos. Ele provavelmente esperava que algum instrumentista fizesse uma breve improvisação, talvez como um repouso entre dois movimentos tão intensos. Por isso, cada gravação do Brandenburg no. 3 tem uma solução diferente para o segundo movimento – às vezes com um solo de violino, outras numa improvisação ao cravo, ou com a inserção de alguns movimentos de outras obras de Bach (já ouvi trechos de trio-sonatas e das sonatas para violino e contínuo), ou simplesmente executando os dois acordes sem qualquer outro adorno. Nesta gravação do arranjo de Reger, o segundo movimento está na mesma faixa do primeiro, e consiste de algumas escalas ornamentadas entre os acordes da cadência.

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