Bonita gravação de um improvável duo de kora (a harpa-alaúde mandê) e violoncelo. Os músicos são amigos, e foi sua amizade quem os levou, por fim, ao estúdio.
O francês Ségal nasceu em Reims e estudou em Lyon. Enveredou por todo lado em sua carreira, inclusive para o dito “trip-hop” com seu grupo Bumcello. Seu instrumento, aqui, definitivamente não soa como aquele para o qual Bach escreveu suas maravilhosas suítes. Ségal o faz mergulhar de espigão e tudo, e inclusive percussivamente, na longa tradição representada por seu parceiro africano.
O malinês Ballaké Sissoko nasceu em Bamako, capital do país, e foi muito influenciado pelo compatriota Toumani Diabaté, o grande nome da kora. A origem do instrumento remonta ao período correspondente à Idade Média na Europa. Mais adiante, no apogeu do império Songhay, a região que hoje é o Mali enriqueceu graças ao lucrativo comércio de ouro, sal e, infamemente, escravos. O principal entreposto das caravanas era a mítica cidade de Tomboctou, também conhecida como Timbuktu. Inestimável e mui ameaçada integrante do Patrimônio Cultural da Humanidade, ela é sede de uma das mais preciosas (e frágeis) bibliotecas do mundo islâmico. De quebra, como bem deverá se recordar quem lia os quadrinhos das aventuras de Mickey e de Tintin, Timbuktu é sinônimo de fim de mundo, e não à toa: está a pelo menos três dias (que para mim foram cinco) de Bamako, num ônibus atrolhado, tórrido e sovaquento, com janelas invariavelmente seladas por conta da fobia local a brisa – QUALQUER brisa.
Voltando à vaca fria, não creio que caibam quaisquer ressalvas à postagem deste disco num blogue criado pelo filho renegado da família Bach. O demiurgo Johann Sebastian é o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim de toda Música, e este álbum que ora apresento, afinal, contém não só grande música, critério bastante para que o lancemos aqui, mas também arte que é clássica até o caroço. Como o colega Ranulfus muito bem defendeu nos comentários de uma antiga postagem, “uma das coisas que me motivam na colaboração no blog é tentar demonstrar o quanto nosso conceito de ‘clássico’ pode ser justificadamente expandido para além das suas fronteiras tradicionais (no fundo etnocêntricas), e isso com criações autênticas, não com adaptações tipo ‘transcrições de canções populares para orquestra’.”
Ditto.
CHAMBER MUSIC (2009)
01 – Chamber Music (Sissoko)
02 – Oscarine (Ségal)
03 – Houdesti (Sissoko)
04 – Wo Yé N’gnougobine (Sissoko)
05 – Histoire de Molly (Ségal)
06 – “Ma Ma” FC (Ségal)
07 – Regret – À Kader Barry (Sissoko)
08 – Halinkata Djoubé (Sissoko)
09 – Future (Sissoko)
10 – Mako Mady (Sissoko)
Ballaké Sissoko, kora
Vincent Ségal, violoncelo
Vassily
Excelente disco, tenho acompanhado desde o começo as postagens do Diabaté, as quais achei fantásticas, verdadeiras preciosidades.
Esses discos abriram novos horizontes pra mim, acho muito interessante a cultura africana, tão denegrida pelo eurocentrismo, e não há dúvidas da erudição presente nesses discos, mesmo soando às vezes estranhos aos nossos ouvidos acostumados a música ao estilo europeu.
Muito obrigado pela postagem.
Fico contente com que tenha gostado, Carlindo.
Espero que esta grande música possa ser cada dia mais conhecida para que, depois dela, venha cada vez mais grande música.
Bota estranhos nisso, companheiro!!!
Sem dúvida soam estranhos no começo, Manuel. Eu os considero um gosto adquirido, e muito recompensadores a quem se dispõe a prová-los. Mesmo assim, e como toda música, mesmo a muito boa, não serão do gosto de todos. Para a felicidade de quem não os aprecia, o blogue tem um cardápio bem extenso 🙂
Vassily – Me desculpe, não quis depreciar, pelo contrário, é na diversidade
que a gente adquire a sabedoria. O novo é sempre mais dificil de digerir, porem
o tempo tudo aplaina. Quero parabeniza-los por tão brilhante iniciativa e
desprendimento, colocando a nossa disposição acervo tão maravilhoso!
Não sei se posso fazer perguntas por aqui mas queria saber se voces
disponibilizaram Die Kunst der Fuge e a Chacone da partita n.2 bwv1004.
de vosso paizão J.S.Bach.
obrigado.
Hahaha, não se preocupe, Manuel: não entendi qualquer intenção depreciativa em seu comentário, tampouco pretendi com o meu lhe fazer qualquer reparo. Concordamos integralmente. Se eu tivesse me fiado, por exemplo, na minha primeira reação ao escutar música clássica indiana – com toda aquela verve frenética, microtons e cordas ressonando por simpatia – eu nunca mais a teria escutado. Foi com insistência que a digeri – e a aprendi a amar.
Quanto à sua pergunta, Die Kunst der Fuge foi disponibilizada, sim, em algumas versões – lembro-me de cravo solo, duo de cravos, conjunto de flautas-doces e aquela de Glenn Gould, por exemplo. Já a maravilhosa Chacona apareceu em várias gravações das Sonatas e Partitas para violino solo, além de pelo menos um CD dedicado somente a suas transcrições. É possível que postagens mais antigas contenham links inválidos. Por isso, se não encontrar o que procura, avisa-nos para que tomemos alguma providência. Volte sempre!
Link não está funcionando… tristeza! Em todo caso, viva PQPBach!! Delícia de site!
Olá, Vlad!
Restaurei o link, agora com melhor qualidade de som.
Bom proveito!