Uma das melhores coisas que podem acontecer a um blogueiro é receber um comentário que, por si só, enseja uma nova postagem.
Assim foi o comentário do camarada Ranulfus, lá naquela postagem que fiz semana passada sobre os MÍTICOS Índios Tabajaras:
“FASCINADO depois de ouvir, e ouvindo mais uma vez agora mesmo. Puristas podem franzir o nariz, mas na verdade MÚSICA É ISSO, é realização sobretudo intuitiva. Os rapazes são músicos até debaixo d’água, DIZEM cada frase. Tenho certeza de que Bach também era isso: todo seu saber teórico era apenas apoio ao fazer-música intuitivo, tão naturalmente “como quem mija” (para usar uma fala do Monteiro Lobato relativa ao escrever, dirigida ao Érico Veríssimo e relatada por este).
A noção de agógica dos guris (condução do discurso musical pelo domínio do fraseado, das flexibilizações do tempo, das ênfases) dá de 10 a 0 em MUITO músico de currículo pomposo, seja em termos acadêmicos, de apresentações ou de gravações.
OBRIGADÍSSIMO por resgatar não só as preciosidades específicas que são essas faixas gravadas (de que eu queria muito mais), mas sobretudo A MEMÓRIA desses grandes músicos de BRASILIDADE insuperável – do que somente vira-latas complexados haveriam de se envergonhar (digo-o contrastando com os vira-latas assumidos e orgulhosos de sê-lo, como eu)”
Sou eu quem deve agradecer pelo comentário, e agradeço atendendo a vontade do colega de escutar um pouco mais da arte desses extraordinários músicos brasileiros, cuja trajetória do sertão do Ceará ao Concertgebouw de Amsterdam é das mais improváveis que este planeta já testemunhou.
Em The Classical Guitars of Los Indios Tabajaras, seu segundo disco dedicado ao repertório erudito, Muçaperê e Erundi dividem-se entre escolhas batidíssimas (“Pour Elise” e o “Romance de Amor”), as audazes (a “Hora staccato” de Dinicu/Heifetz) e a francamente insana (o “Rondo des Lutins” de Bazzini, peça pra lá de cabeluda do repertório violinístico). Digna de destaque é a regravação de “Recuerdos de la Alhambra”, em que (corrijam-se se estiver enganado), talvez numa resposta aos puristas que criticaram o arranjo anterior para dois violões como uma simplificação do original, Muçaperê toca a versão original de Tárrega (tremolo e arpejos simultâneos) com discreto acompanhamento de Erundi.
Para mim, a qualidade de gravação deixa a desejar em relação à de Casually Classic. Sou troglodita confesso no que diz respeito a técnicas de gravação, mas tenho a impressão de que os microfones foram posicionados mais perto dos braços dos violões do que de seus corpos, resultando num som menos rico e menos reverberante, sem valorizar à altura o legendário vibrato de Muçaperê/Natalício/Nato Lima. Ainda assim, e mesmo que se tenha a impressão dos irmãos menos inspirados que no disco anterior, as belezas transbordam.
Muçaperê e Erundi gravariam ainda dois álbuns de música erudita, “Dreams of Love” e “Masterpieces”, que só tenho em cassetes, e em muito mau estado. No primeiro, há uma belíssima versão da “Valse Triste” de Sibelius que Muçaperê considerava seu melhor trabalho como arranjador. Farei de tudo para encontrar uma fonte melhor e compartilhá-lo com vocês. Se acham que podem me ajudar, deixem-me saber pela caixa de comentários.
OS ÍNDIOS TABAJARAS – THE CLASSICAL GUITARS OF LOS INDIOS TABAJARAS (1974)
Muçaperê (Natalício Moreira Lima) e Erundi (Antenor Moreira Lima), violões
Transcrições de Muçaperê
Fryderyk Franciszek CHOPIN (1810-1849)
01 – Duas Valsas, Op. 34 – no. 2 em Lá menor
Ludwig van BEETHOVEN (1770-1827)
02 – Bagatela em Lá menor, WoO 59, “Pour Elise”
Francisco de Asís TÁRREGA y Eixea (1852-1909)
03 – Recuerdos de la Alhambra
Grigoraş Ionică DINICU (1889-1949), em arranjo de Jascha Heifetz (1901-1987)
04 – Hora staccato
Fryderyk Franciszek CHOPIN
05 – Valsa em Lá bemol maior, Op. 69, No. 1, “Adeus”
Antonio BAZZINI (1818-1897)
06 – Scherzo Fantastico, Op. 25, “La Ronde des Lutins”
Joaquín MALATS i Miarons (1872-1912)
07 – Serenata Española
ANÔNIMO
08 – Romance de Amor*
* os créditos do LP atribuem a autoria ao violonista espanhol Vicente Gómez (1911-2001), mas a obra é certamente anterior a ele
Vassily Genrikhovich
Vassily estou em lágrimas ouvindo Recuerdos de la Allhambra com os fones de ouvido. Muito obrigado por este disco MARAVILHOSO!
Vassily, estou em lágrimas ouvindo Recuerdos de la Allhambra com os fones de ouvido. Muito obrigado por este disco MARAVILHOSO!
Sensacional! Sou fãzassa ( acabei de inventar!) do pqbbach! cada vez mais.
https://thepiratebay.la/torrent/6093247/Los_Indios_Tabajaras…20_Grandes_Exitos%282004%29%5BFLAC%5D
Nessa pagina do The Pirate Bay, diz que só tem 1 seed, porem está desatualizado. eu baixei bem rápido. Tem na verdade 10 seeds, o suficiente para baixar rapidinho.
(obs. Pra quem não sabe, é preciso um programa de torrents para baixar o arquivo, como BitTorrents ou outro qualquer.)
Cearenses pai d’éguas! Dignos representantes desse povo de fibra e lutador, que, fugindo da aridez de sua terra, espalhou seus genes e seu gênio pelo mundo. Como dizia outro cearense genial e pouco conhecido, Quintino Cunha: “cearense é igual a passarinho, tem voar pra fazer o ninho”.
Amigos,
Agradeceria reupload dos links dos Índios Tabajaras.
grato,
Obrigado pela excelente postagem!!!
Filhosde Bach,
Parabéns por mais um aniversário.
Também tenho um pedido a completar anos na próxima Black Friday… quem sabe vocês não fariam o reupload?… grato
Boa noite… como pedi… como esperei…. mas tenho certeza que valerá a pena ter esperado tanto… 2016, 2017… muito obrigado. João
Romance de Amor… Nos meus estudos de violão, consta o autor como Antonio Rovira (violonista espanhol). Viveu no seculo 19. Alguem contesta ?
Abraços
É bem possível que Rovira/Rubira a tenha escrito, pois seu nome aparece em coletâneas antigas já impressas, faltando o manuscrito autógrafo. Há quem a atribua a Sor, e Narciso Yepes já reinvindicou sua autoria.
Um fato curioso…! Tem uma versão do Romance (sem o “de amor”) cujo arpejo é invertido. Será que é possivel dois compositores, basicamente numa mesma epoca, comporem “coisas” semelhantes, sem considerar plágio?
Acho bastante possível, mas a melhor explicação, para mim, é a de que compartilharam alguma fonte, possivelmente folclórica. Lembro do tema principal de “Vltava”, de Smetana, que é muito parecido com “Hatikvah”, o hino nacional de Israel, porque se baseiam na mesma melodia – que não é nem checa, nem judaica, e sim italiana!
Valeu !!! Boa explicação !!! Pode ser isso mesmo !
Abraços.
Olá
Link off “Talvez este item não exista ou não esteja mais disponível”
Obrigado
Olá, Junior,
Link corrigido. Bom proveito!
Vassily Genrikhovich. Muito prazer e muito obrigado por suas palavras sobre esses fantásticos músicos. Sou Juarez Malavazzi documentarista e cineasta, que passou e conviveu com Nato Lima em seus últimos 5 anos de vida. Na data de hoje precisamente 04/02/ 2004, vinte anos atrás, foi o momento em que tomei contato com a fantástica e incrível saga musical dos irmãos indígenas Tabajaras. Fui atrás de Nato Lima, que morava em Nova York com o intuito de fazer um documentário sobre sua vida e obra. Naquele ano, esquecido pela indústria fonográfica, tentava gravar um disco solo, fato inédito em sua carreira, já que sempre se apresentava em duo. O trouxe para São Paulo, e acabei produzindo esse disco, ainda inédito, ao mesmo tempo em que registrava tudo com uma pequena câmera. Infelizmente Nato Lima faleceu em 2009 e o sonho de ver o filme concluído e lançar o disco, tiveram que ser adiados até esse momento. Da mesma forma que sempre sofrem preconceitos, sobre sua qualidade musical, e valor artístico, preconceito que ainda existe, uma vez que são raramente divulgados, em rádios ou programas, como toque de cordas na rádio Cultura, o assunto documentário nos grandes veículos de comunicação também tem sido relegados e de pouco interesse. Durante todo esse período venho tentando produzir e levar ao maior número de pessoas não só a história, mas sobretudo colocar o excelência do trabalho desses irmãos no seu devido e merecido lugar, na história da música instrumental mundial. Ao mesmo tempo lançar o seu último trabalho gravado, solo, para os apaixonados por música de qualidade. Esse disco foi gravado por Nato Lima, aos 86 anos de idade, e mostra toda sua técnica e excelência musical. Um virtuoso genial em seu último trabalho. A todos os apaixonados e amantes de música aqui deixo o link do teaser desse documentário. Além disso gostaria de se possível entrevistá-lo para esse documentário. Será uma alegria. Grande abraço.
Cordial e musicalmente.
Juarez
Vassily esqueci de te falar, mas grande parte desse material de arquivo da vida deles se encontra comigo. Após a gravação de seu último trabalho em vida que tive o privilégio de produzir. Nato Lima e Michiko que estavam aqui em São Paulo, tiveram que retornar a Nova York. E ficou comigo grande parte dos arquivos de imagem coletados por Michiko ao longo de sua carreira musical. Não só fotos, mas programas de concertos, partituras, manuscritos, estão sendo digitalizados e em breve pretendo transformar esse acervo histórico em um bookelet que acompanhará o inédito disco, Serenading to Michiko, que Nato Lima gravou. Esse disco foi o seu último trabalho. Um verdadeiro testamento musical. Tanto o disco como o livro comporão uma linda caixa para os apaixonados por esses incríveis artistas. Inclusiva a colagem de recortes dos jornais foi feita por mim para a fundação que naquele momento angariasse fundos para ajudá-los. Grande abraço.
Caro Juarez,
Grato pela mensagem. Minha alegria ao recebê-la, tantos anos depois da postagem original, não caberá na caixa de comentários. O que lhe posso adiantar é que, fã ardoroso que sou dos irmãos, assisti aos capítulos do documentário que foram publicados no YouTube, escutei as faixas de “Serenading to Michiko” enquanto estiveram disponíveis na rede, e me perguntava por onde estaria o responsável por tão necessário memorial à grandeza de Nato e Antenor. Mais que isso: tento colocar-me em seu lugar, acompanhando Nato tão de perto em seus últimos anos, e imaginar o manancial que ele compartilhou com você. Na primeira das duas postagens que fiz sobre esses brasileiros geniais, escrevi que “(…) a se acreditar em tudo o que se conta deles, temos a mais fantástica trajetória artística que ainda não virou livro ou filme”. O livro, ainda aguardamos por ele – mas pelo filme, felizmente, não mais. Prosseguirei por e-mail. Por ora, só tenho que lhe agradecer.
Meu caro, uma das felicidades desse encontro que a vida me agraciou, com Nato Lima é que à partir daí outras conexões foram se estabelecendo como as com você à partir de agora. Cheguei tardiamente até o seu rico e maravilhoso Blog, não tardiamente, mas no tempo propício. Muitas coisas estão em movimento, e aguardo ansiosamente o seu email. O que posso adiantar é o lançamento do álbum, celebrando esses 20 anos desse encontro inusitado, bem como um livro, não de ficção mas ilustrativo desse manancial ilustrado da vida e carreira desses geniais artistas brasileiros, que ainda continuam sendo ignorados por grande parte da mídia.
Grande abraço.
Cordialmente
Juarez