Quartetos de Cordas
Debussy – Fauré – Ravel
Quarteto Ébene
&
Quarteto Budapest
Antes de conhecer a música, conheci a história. Era uma vez um tempo em que os livros eram mais acessíveis do que as gravações. Foi então que eu li a história de uma pessoa que achou um disco, sem capa, com o selo ilegível. Após um mínimo de limpeza, coloca o disco na vitrola e ouve uma frase tocada por um instrumento de cordas, num registro bem baixo. A frase é prolongada e pontuada pelo pizzicato de quatro notas ascendentes. A frase é então repetida por um terceiro instrumento de cordas e aí tudo mergulha numa sequência maravilhosa, um andantino, doucement expressif. Um quarteto de cordas, música como ele nunca houvera experimentado. Como eu desejei essa música.
O contador dessa história é Érico Veríssimo, um dos nomes mais importantes da (nossa e dos outros também) literatura. Aqui está o trecho das memórias de Erico, na íntegra: “Por aquele tempo eu havia descoberto – não me recordo em que velha gaveta, baú ou porão – um disco fonográfico quebrado, do qual restava apenas uma pequena superfície intacta, perto do rótulo azul, cujos dizeres estavam completamente ilegíveis, como se alguém os tivesse obliterado com a ponta dum prego. Por curiosidade coloquei o disco mutilado na minha vitrola, e pouco depois o que saiu de seu alto-falante, em meio de estalidos e crepitações, foi uma frase musical duma esquisita e inesperada beleza, que me enfeitiçou: a viola desenhava a linha melódica dum andante, cuja melodia me ficou gravada na memória. Que era tocada por um quarteto de cordas, não havia a menor dúvida. Também eu estava certo de que não ouvia a voz de Mozart nem a de Beethoven. Brahms, quem sabe? Não. A música me falava francês e não alemão, italiano ou qualquer outra língua. A frase do quarteto me perseguiu obsessivamente durante todo aquele fim de 1930. Parecia descrever musicalmente o meu estado de espírito naquela época de minha vida: doce e preguiçosa melancolia e ao mesmo tempo um hesitante desejo de fuga ou, melhor, de ascensão…
Só quatorze anos mais tarde, quando já liberto da ópera — para ser preciso em 1944, em San Francisco da Califórnia — é que vim a saber que a frase mágica era o andantino doucement expressif do Quarteto de cordas em sol menor, de Claude Debussy”.
O cara é um bamba, não é mesmo? Dá vontade de ler mais. Então vá, aproveite o embalo, leia o livro todo ao som desta postagem.
A busca pelo Quarteto de Debussy me levou à música de câmera francesa, que é fonte de muito prazer. É música de muita sofisticação e charme e vale profunda investigação. Lembro a postagem que fiz das Sonatas para Violino de Fauré, cujo Quarteto de Cordas, com o Quarteto de Ravel, completa um dos discos desta postagem. Este disco é interpretado pelo Quarteto Ébène e ganhou muitos prêmios na ocasião de seu lançamento. O disco merece todos os prêmios e certamente é uma referência atualíssima para esse rico repertório.
O local de gravação do disco do Quarteto Ébène é estonteante. La Ferme de Villefavard fica na região de Limousin (no Brasil, seria Limãozinho). É uma antiga granja originalmente construída no início do século passado e cuja renovação ficou ao cargo de Albert Yaying Xu, especialista em acústica de renome internacional.
Claude Debussy (1862-1918)
Quarteto de Cordas em sol menor, Op. 10
- Animé et très décidé
- Assesz vif et bien rythmé
- Anadantino, doucement expressif
- Très modéré – Très mouvementé
Gabriel Fauré (1845-1924)
Quarteto de Cordas em mi menor, Op. 121
- Allegro moderato
- Andante
- Allegro
Maurice Ravel (1875-1937)
Quarteto de Cordas em fá maior
- Allegro moderato – Très doux
- Assez vif – Très rythmé
- Très lent
- Vif et agite
Quatuor Ebène
Pierre Colombet, violino
Gabriel Le Magadure, violino
Mathieu Herzog, viola
Raphaël Merlin, violoncelo
Gravação: Ferme de Villefavard, Limousin, França, 2008
Produção: Etienne Collard
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FLAC | 368 MB
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MP3 | 320 KBPS | 184 MB
No entanto, decidi também fazer uma homenagem aos antigos LPs e escolher um deles para ser postado ao lado da gravação mais recente. Após muitas horas de (prazerosa) procura, ouvindo várias gravações, este, aquele e aquele outro, fiquei entre duas opções: Quarteto Italiano e Quarteto Budapest. Vejam, nos dias dos LPs, os quartetos de Ravel e Debussy eram assim, irmãos gêmeos, assim como os concertos para piano de Schumann e de Grieg.
A interpretação do Quarteto Italiano é justamente famosa e o disco impressiona pela espetacular beleza sonora. No entanto, a capa do LP original, mais o grão de rusticidade que percebo na versão do Budapest Quartet, me fizeram pender para ele. Creio que o contraste com a gravação do QE será mais impactante. Ganha um doce quem descobrir na foto da capa do CD quais são os irmãos Schneider.
Claude Debussy (1862-1918)
Quarteto de Cordas em sol menor, Op. 10
- Animé et très décidé
- Assesz vif et bien rythmé
- Anadantino, doucement expressif
- Très modéré – Très mouvementé
Maurice Ravel (1875-1937)
Quarteto de Cordas em fá maior
- Allegro moderato – Très doux
- Assez vif – Très rythmé
- Très lent
- Vif et agite
The Budapest String Quartet
Joseph Roisman, violino
Alexander Schneider, violino
Boris Kroyt, viola
Misha Schneider, violoncelo
Gravação: 1958
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FLAC | 315 MB
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MP3 | 320 KBPS | 131 MB
Vá, baixe os discos, ouça música e mergulhe nessa transversal de cultura. Leia os livros do Veríssimo, pai. Tudo bem, leia o filho que também é muito bom.
René Denon
Puxa, René! Seus posts são cheios de cultura, calor e entusiasmo! Sem nariz empinado! Por favor, escreva sempre!
Ora, Ernesto, assim eu acabo ficando convencido…
Obrigado pela mensagem!
Abração!
René Denon
Concordo com o Ernesto! Estou relendo, com muito gosto, as postagens “linkadas” na postagem de hoje de Fauré (homenagem aos 100 anos de morte do compositor) e o René tem uma especial capacidade de nos despertar para ir além, mergulhar nisso que chamamos de cultura e que exprime o melhor do ser humano, ao contrário da mídia que foca quase só no pior do ser humano (porque vende mais).
Um pouquinho antes de falar do Debussy Veríssimo diz:
“Naquelas semanas assisti ao desfile dos soldados e voluntários civis que iam derrubar o Governo Federal para instaurar no país — conforme diziam os jornais e os oradores revolucionários — uma
nova era de verdadeira moralidade, em que se pudesse promover o progresso do Brasil e a felicidade de seu povo.
Eu olhava para tudo aquilo com um olho morno e cético. O Dr. João Raymundo me disse um dia: “Como endireitar este pobre país se os homens que vão tomar o poder são os mesmos de sempre? Não há programas nem idéias, apenas ***ambições pessoais***”.
E depois do Debussy ele narra o último encontro que teve com o pai: chorei após ler o trecho!
Concordo com o Ernesto e com o Adilson, René Denon, sempre incríveis os seus posts!
E quanto as efemérides, adoro-as! E nesse caso, estou me deliciando, pois sou fâ ardoroso de Fauré!
Muito obrigado.